Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 316/2020-T
Data da decisão: 2021-02-26  ISV  
Valor do pedido: € 10.684,79
Tema: ISV – Admissão de veículo usado – Incidência sobre componente ambiental.
Versão em PDF

SUMÁRIO: A intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, isto é, a sua não dedução no prazo de 90 dias, conforme previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, a contar dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, constitui uma exceção perentória – caducidade do direito de ação – estando vedado ao Tribunal o conhecimento de qualquer questão atinente ao mérito da causa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

 

1.            A sociedade A..., LD.ª, com o número de identificação fiscal..., com sede social em ..., ..., Vila Nova de Gaia (doravante designada por Requerente), apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT),sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (adiante designada por Requerida).

2.            No pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 25.06.2020, a Requerente peticiona que os atos de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV) relativos a várias aquisições intracomunitárias de viaturas no estado de usado, cujas Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) serão infra identificadas, sejam declarados ilegais na parte relativa às normas de incidência, componente ambiental e, consequentemente, aquelas liquidações sejam anuladas parcialmente, com fundamento em ilegalidade, por violação do artigo 110.º  do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

3.            A Requerente pede a restituição do Imposto sobre veículos (ISV) liquidado em excesso, no valor de € 10.684,79, e o inerente pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do pagamento indevido e até à data da sua efetiva restituição.

4.            A requerente fundamenta a sua pretensão na circunstância das liquidações impugnadas terem sido efetuadas ao abrigo das normas dos artigos 7.º e 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, e enfermarem de ilegalidade por, em conformidade com disposto no citado artigo 11.º, não ter sido considerada qualquer percentagem de redução do imposto relativamente à antiguidade do veículo e à componente ambiental, em violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

5.            Em 26.06.2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, em 30.06.2020, foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, em 12.08.2020, foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o Tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.

6.            Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, em 11.09.2020 verificou-se a constituição do Tribunal arbitral.

8.            Em 11.09.2020 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.

9.            Em 14.10.2020, a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida. A Requerida defende-se por exceção e por impugnação e pugna que, face à exceção invocada deve ser absolvida do pedido, ou, então, atentas as razões invocadas, deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente. Com a sua resposta a Requerida juntou o processo administrativo (PA).

10.          A Requerida alega que o cálculo do imposto sobre veículos consta das DAVs e foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, tendo sido calculado o ISV atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º do CISV, tendo, igualmente, sido deduzida a percentagem de redução correspondente, conforme o disposto na tabela D constante do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º  42/2016, de 28 de dezembro, prevista para os veículos usados.

11.          A Requerida argumenta, ainda, que o atual modelo de fiscalidade automóvel tem em vista assegurar a coerência entre a tributação de veículos novos e usados, na medida em que a aquisição de uns e de outros se rege pelos mesmos princípios, de justiça fiscal e respeito pelo meio ambiente. Considera a interpretação, pugnada pela Requerente, uma desaplicação do direito europeu e internacional – do artigo 191.º do TFUE, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris - que vincula o Estado Português, por força do artigo 8.º da CRP, bem como uma violação do disposto no n.º 1, e alíneas a), f) e h), do n.º 2, do artigo 66.º e do n.º 2 do artigo 103.º da CRP. Concluindo a Requerida que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.

12.          Em face do conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, por despacho de 11.09.2020, o Tribunal arbitral decidiu: i) dispensar a produção de prova testemunhal; ii) dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; e iii) conhecer da exceção suscitada pela Requerida na decisão arbitral, bem como determinou às Partes a junção de alegações.

13.          A Requerente não apresentou alegações e a Requerida, através de requerimento apresentado em 24.11.2020, veio dar por reproduzida a sua resposta, mantendo a sua posição nos termos e fundamentos constantes daquela, renovando o pedido de improcedência do pedido arbitral e, face à exceção de caducidade do direito de ação invocada, pede a absolvição do pedido.

 

II.            SANEAMENTO

14.          O Tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

15.          As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

16.          A Requerida considera que o pedido de pronúncia arbitral é intempestivo, porquanto, a Requerente o apresentou em 25.06.2020, com fundamento em formação de ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (pedido de revisão do ato tributário) apresentado, em 24 de outubro de 2019, na Alfândega do Freixieiro, nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), no qual foi pedida a correção das liquidações de ISV emergentes da apresentação das DAVs dos anos de 2017 a 2019.

17.          No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente indica o dia 24 de fevereiro de 2020 como o dia em que se formou o ato tácito de indeferimento, o que lhe permite invocar, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da Lei Geral Tributária (LGT), a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º da LGT.

18.          Não há nulidades, mas há que apreciar a exceção - caducidade do direito de ação - invocada pela Requerida, o que se fará infra.

 

III.          QUESTÕES DECIDENDAS

 

19. Ao Tribunal arbitral cumpre decidir sobre:

a) A procedência da exceção de caducidade do direito de ação, arguida pela Requerida.

b) A legalidade dos atos de liquidação de ISV relativos às aquisições intracomunitárias de veículos em estado de usado, cujas DAVs e valores das liquidações de ISV estão infra devidamente identificados.

c) Da condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo dos normativos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 61.º do CPPT.

 

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

IV.1. Factos provados

 

20. Com base nos articulados e nos diversos elementos documentais que integram o processo arbitral, o Tribunal destaca os elementos factuais infra descritos que, não tendo sido contestados pelas Partes, se consideram provados:

20.1 A Requerente efetuou diversas aquisições intracomunitários de veículos em estado de usado, e procedeu à sua introdução em Portugal. Os elementos de identificação dos veículos automóveis ligeiros usados são os seguintes:

 

Data entrada em território Nacional      

Matrícula           

Marca  

País de origem

11.10.2018          ...            ...            Alemanha

14.10.2018          ...            ...            Alemanha

14.10.2018          ...            ...            Bélgica

11.10.2018          ...            ...            Alemanha

26.10.2018          ...            ...            Alemanha

25.10.2018          ...            ...            Alemanha

14.10.2018          ...            ...            Alemanha

14.10.2018          ...            ...            Alemanha

30.09.2018          ...            ...            Alemanha

29.09.2018          ...            ...            Alemanha

30.09.2018          ...            ...            Alemanha

01.10.2018          ...            ...            Alemanha

30.09.2018          ...            ...            Alemanha

27.09.2018          ...            ...            Alemanha

27.09.2018          ...            ...            Alemanha

29.09.2018          ...            ...            Alemanha

07.10.2018          ...            ...            Alemanha

30.09.2018          ...            ...            Alemanha

Data entrada em território Nacional      

Matrícula           

Marca  

País de origem

27.09.2018          ...            ...            Alemanha

07.10.2018          ...            ...            Alemanha

30.09.2018          ...            ...            Bélgica

07.10.2018          ...            ...            Alemanha

29.10.2018          ...            ...            Alemanha

27.09.2018          ...            ...            Alemanha

10.09.2018          ...            ...            Alemanha

12.09.2017          ...            ...            Alemanha

28.03.2017          ...            ...            Alemanha

02.10.2017          ...            ...            ____

21.09.2017          ...            ...            ____

 

20.2 A primeira matrícula dos veículos foi registada nos respetivos países de origem.

20.3 A Requerente apresentou na Alfândega do Freixieiro as DAVs infra identificadas nas quais constam não só a identificação dos veículos, bem como os demais elementos necessários à liquidação do ISV:

N.º Doc.               Matrícula             DAV       Data      ISV pago

1             ...            2018/... 07.11.2018          € 1.422.66

2             ...            2018/... 07.11.2018          € 4.580,11

3             ...            2018/... 07.11.2018          € 1.066,08

4             ...            2018/... 06.11.2018          € 4.502,24

5             ...            2018/... 06.11.2018          € 3.991,44

6             ...            2018/... 06.11.2018          € 3.334,15

7             ...            2018/... 27.10.2018          € 2.224,17

8             ...            2018/... 27.10.2018          € 4.580,11

9             ...            2018/... 27.10.2018          € 1.965,82

N.º Doc.               Matrícula             DAV       Data      ISV pago

10           ...            2018/... 24.10.2018          € 2.825,26

11           ...            2018/... 18.10.2018          € 2.976,05

12           ...            2018/... 18.10.2018          € 1.496,07

13           ...            2018/... 18.10.2018          € 2.224,17

14           ...            2018/... 18.10.2018          € 2.702,89

15           ...            2018/... 17.10.2018          € 3.991,44

16           ...            2018/... 17.10.2018          € 1.607,55

17           ...            2018/... 16.10.2018          € 529,06

18           ...            2018/... 12.10.2018          € 2.360,78

19           ...            2018/... 12.10.2018          € 2.340,76

20           ...            2018/... 12.10.2018          € 529,06

21           ...            2018/... 12.10.2018          € 2.416,41

22           ...            2018/... 12.10.2018          € 529,06

23           ...            2018/... 10.10.2018          € 1.402,16

24           ...            2018/... 10.10.2018          € 1.535,93

25           ...            2018/... 10.10.2018          € 5.352,51

26           ...            2017/... 31.01.2018          € 5.469,48

27           ...            2017/... 24.05.2017          € 277,46

28           ...            2017/... 02.11.2017          € 241,14

29           ...            2017/... 25.10.2017          € 814,14

Total      € 69.288,17

Valor corrigido  € 58.603,39

Diferença            € 10.684,79

 

20.4 Em face das disposições legais insertas nos artigos 7.º e 11.º do Código do Imposto sobre veículos, e com base nos elementos constantes das DAVs, foram efetuados os vários atos de liquidação do ISV. Ao contrário do que se verificou em relação à componente cilindrada, em relação à componente ambiental não foi efetuada qualquer redução e foi determinado o ISV a pagar pela Requerente, que   totalizou o montante global de € 69.288,17.

20.5 A componente ambiental importava uma correção no valor de € 10.684,79, a favor da Requerente.

20.6 A Requerente procedeu ao pagamento integral do ISV no valor de € 69.288,17.

20.7 Em 24.10.2019, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação do ISV, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, dirigido ao Diretor da Alfândega do Freixieiro, solicitar a correção (anulação parcial) dos atos de liquidação, com fundamento em ilegalidade, por considerar que a circunstância de, em função do número de anos dos veículos, não ter sido feita qualquer redução do ISV na componente ambiental, consubstancia uma violação do artigo 110.º do TFUE.

20.8 Através do PA verifica-se que o pedido de revisão dos atos tributários, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, foi apreciado pelos serviços da AT, mas a decisão não chegou a ser notificada à Requerente.

20.9 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 25.06.2020.

 

IV.2. Factos não provados

 

21. Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e fazem parte integrante do processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

 

V.           APRECIAÇÃO DA EXCEÇÃO

 

22. Tendo a Requerente invocado a exceção de caducidade do direito de ação – interposição do pedido de pronúncia arbitral – atento o disposto no artigo 608.º do Código de Processo Civil (CPC), e no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ambos aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o Tribunal tem de proceder à análise sobre a existência ou não da exceção arguida, em ordem a decidir sobre a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral.

23. A tempestividade da petição (pedido arbitral) é um pressuposto processual indispensável à viabilidade do processo e ao conhecimento do mérito da causa, constituindo nos termos da lei uma exceção perentória que, ainda que a Requerente não a tivesse invocado, arguindo a caducidade do direito de ação, o Tribunal não podia deixar de avaliar da tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, dado que, nos termos do artigo 579.º do CPC, as exceções perentórias são de conhecimento oficioso (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido no processo 076/09, de 27.05.2009, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), proferido no processo n.º 1569/15.0BELRA, de 29.06.2017).

24. À luz do direito aplicável, importa apreciar a exceção invocada pela Requerente, uma vez que verificada a caducidade do direito de ação, está vedado ao Tribunal o conhecimento de qualquer questão atinente ao mérito da causa, ainda que de conhecimento oficioso.

25. A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 25 de junho de 2020, como resulta do registo no sistema de gestão processual do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

26. Em face do normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo de decisão do recurso hierárquico.

27. As normas do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT dispõem que “[a] impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes:

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores”.

28. O n.º 2 do artigo 102.º do CPPT foi revogado através da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, pelo que apenas há que considerar os factos elencados no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, sendo que, in casu, o normativo relevante para a contagem do início do prazo para interposição do pedido de pronúncia arbitral é o da alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, porquanto, o pedido de pronúncia arbitral tem por motivação o ato tácito de indeferimento, constituído por força do disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 78.º da LGT, do pedido de revisão oficiosa apresentado nos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira – Alfândega do Freixieiro.

29. Importa considerar que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 54.º da LGT e da alínea c) do n.º 1 do artigo 44.º do CPPT, o pedido de revisão oficiosa – artigo 78.º da LGT – constitui uma forma de procedimento tributário, consubstanciando este toda a sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários.

30. Nesta medida, o pedido de revisão dos atos tributários de liquidação do ISV apresentado pela Requerente nos termos do artigo 78.º da LGT – revisão oficiosa –, nos termos dos dispositivos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT, devia ter sido decidido pelo órgão competente da AT, no prazo de quatro meses, isto é, até 24 de fevereiro de 2020.

31. Em face da ausência de decisão expressa, o normativo do n.º 5 do artigo 57.º da LGT atribui ao peticionante a faculdade de presumir que a sua pretensão foi indeferida, em virtude da lei atribuir ao silêncio do órgão competente para a decisão o efeito jurídico de ato tácito de indeferimento. Assim, o interessado tem legitimidade e direito de ação para interpor recurso hierárquico ou impugnação judicial. Veja-se o artigo 106.º do CPPT que dispõe que “[a] reclamação graciosa presume-se indeferida para efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal de decisão pelo órgão competente”. Quanto à matéria em apreciação, o pedido de revisão oficiosa apresentado pela requerente é equivalente à reclamação graciosa”.

32. Sendo que, nos termos do seu regime jurídico, a arbitragem tributária constitui uma forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, pelo que é legítimo aos interessados optar, tal como a Requerente fez, pela interposição de um pedido de pronúncia arbitral em vez de apresentar, nos termos do artigo 99.º e seguintes do CPPT, uma impugnação judicial. Porém, impõe-se aos requerentes a observância dos pressupostos formais e materiais prescritos na lei, desde logo, a interposição tempestiva do pedido de pronúncia arbitral.

33. Uma vez que o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa se constituiu no dia 24 de fevereiro de 2020, o prazo de 90 dias para a Requerente apresentar o pedido de pronúncia arbitral teve início no dia 25 de fevereiro de 2020.

34. Há que atender a que, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, o prazo para a entrega da petição inicial é um prazo substantivo. Assim, equiparando-se o pedido de pronúncia arbitral à petição inicial de impugnação judicial, o prazo para entrega daquele é também um prazo substantivo (cfr. Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Carla Castelo Trindade, Almedina, 2016, pág. 163). Aliás, no sentido da equiparação do pedido de pronúncia arbitral à impugnação judicial dispõe o n.º 6 do artigo 13 do RJAT que “[s]alvo quando a lei dispuser de outro modo, são atribuídos à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial, nomeadamente no que se refere à suspensão do processo de execução fiscal e à suspensão e interrupção dos prazos de caducidade e de prescrição da prestação tributária”.

35. O n.º 1 do artigo 20.º do CPPT dispõe que “[o]s prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em dia em que os serviços ou os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte”, pelo que, tendo tido início no dia 25 de fevereiro de 2020, o termo do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral verificou-se no dia 25 de maio de 2020.

36. Tendo a Requerente apresentado o pedido de pronúncia arbitral em 25 de junho de 2020, em face do supra exposto, impõe-se conclui que o mesmo foi deduzido quando o prazo de 90 dias, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, já tinha decorrido, tendo, em consequência, caducado o direito de ação, o que conduz a que o pedido arbitral apresentado pela Requerente seja extemporâneo.

37. Porém, como a lei impõe, o pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD e, em observância do prescrito no RJAT, em 30.06.2020, os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira foram notificados para os efeitos previstos no artigo 13.º do RJAT e, em 11.09.2020, o Tribunal arbitral notificou a dirigente máxima do serviço – Diretora-Geral da AT – para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, razão pela qual foi remetido ao Tribunal arbitral o processo administrativo que, face ao normativo do n.º 3 do artigo 111.º do CPPT, teve de integrar o pedido de revisão oficiosa no estado em que se encontrava.

38. O que é facto é que a caducidade do direito de ação se pode definir genericamente como a extinção ou perda de um direito ou de uma ação pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma circunstância que, naturalmente, faz desencadear a extinção do direito. In casu, foi o decurso do tempo que determinou a caducidade do direito de ação.

39. Na avaliação dos factos, designadamente, quanto à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, o Tribunal teve, outrossim, em consideração as decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais n.º 792/2014-T e n.º 313/2018-T.

40. Em face de todo o exposto, impõe-se concluir que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente é extemporâneo, pelo que conhecendo o Tribunal da caducidade do direito de ação não tem de conhecer das demais questões suscitadas nos autos (cfr. Acórdão do STA, tirado no processo n.º 0937/02.2BTLRS 0318/15, de 14.10.2020). Assim, fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento das questões decidendas enunciadas nas alíneas b) e c).

 

VI.          DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal arbitral decide:

a) Absolver a Requerida do pedido.

b) Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 10.684,79 (dez mil seiscentos e oitenta e quatro euros e setenta e nove cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de fevereiro de 2021

 

O Árbitro

Jesuíno Alcântara Martins