Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 291/2020-T
Data da decisão: 2021-01-18  IRS  
Valor do pedido: € 148.959,90
Tema: IRS – Residente não habitual – Atividades de elevado valor acrescentado – Meios de prova.
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Sumário

1. Do regime jurídico inerente ao estatuto fiscal de residente não habitual, nomeadamente no que concerne a atividades de elevado valor acrescentado, não se pode extrair que, relativamente ao exercício no estrangeiro de profissões reguladas em Portugal, o direito a ser tributado de acordo com aquele estatuto dependa de inscrição em ordem profissional portuguesa.

2. Na ausência de uma tal exigência, conclui-se que o residente não habitual para além de, em termos declarativos, manifestar a pretensão de optar por qualquer dos métodos de eliminação da dupla tributação jurídica internacional previstos no artigo 81.º do CIRS, apenas tem provar, pelos meios de prova admitidos em direito (LGT, artigo 72.º), que os rendimentos auferidos provêm do exercício no estrangeiro de atividade de elevado valor acrescentado enquadrada no elenco constante da Portaria n.º 12/2010, de 07/01.

 

Decisão Arbitral

 

Os Árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Zeferino Ferreira e Álvaro Caneira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 01-09-2020, acordam no seguinte:

 

I. Relatório

 

1. A..., residente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, titular do número de identificação fiscal..., detentor do estatuto de residente não habitual, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 04-06-2020, visa a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2020..., de 24-01-2020, de juros compensatórios e demonstração de acerto de contas, no montante de € 169.286,39, referente ao ano de 2016, e da posterior liquidação de anulação parcial n.º 2020..., de 13-03-2020, permanecendo por anular o valor da liquidação adicional de €2.258,57 (IRS de 2016), e bem assim do ato tributário consubstanciado na liquidação de IRS n.º 2020..., de 24-01-2020, de juros compensatórios e demonstração de acerto de contas, no montante de € 349.176,19, referente ao ano de 2017, e da posterior liquidação de anulação parcial n.º 2020..., de 13-03-2020, permanecendo por anular o valor da liquidação adicional de €146.142,67 (IRS de 2017).

 

3. O Requerente pede também a devolução do imposto que considera indevidamente cobrado acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais

 

4. Como fundamento do pedido que formula, argumenta o Requerente, em síntese, que as liquidações impugnadas se fundamentam no entendimento da AT de que os rendimentos da Categoria B do IRS, rendimentos profissionais, inscritos nas declarações periódicas de rendimentos dos anos de 2016 e de 2017 e respetivos anexos J e L – residente não habitual - não decorrem do exercício no estrangeiro de atividade de elevado valor acrescentado.

 

5. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pronuncia-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, que os atos impugnados têm na sua génese o facto de não ter sido feito prova da natureza da atividade que gerou os rendimentos em causa, pelo que os mesmos não enfermam de qualquer vício, devendo, consequentemente, manter-se na ordem jurídica.

 

6. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

7. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

 

8. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

9. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

10. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral foi constituído em 01-09-2020.

 

11. Em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), foi, por despacho de 02-10-2020, decidido dispensar-se a reunião do Tribunal Arbitral a que se refere o artigo 18.º e remeter-se o processo para alegações escritas, pelo prazo sucessivo de dez dias, para assegurar o exercício do contraditório quanto a elementos de prova de que o Requerente eventualmente não tivesse conhecimento.

 

12. Pelo mesmo despacho foi indicado o dia 05-02-2020 como data previsível para prolação da decisão arbitral.

 

13. Em sede de alegações, as Partes reafirmaram as posições já anteriormente expressas.

 

II. Saneamento

 

14. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

 

15. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

III. Matéria de facto

 

16. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

 

16.1. O Requerente, para efeitos fiscais, é residente em território português, encontrando-se inscrito no registo de contribuintes com o estatuto de residente não habitual com efeitos a partir de novembro de 2016.

 

16.2. Em 31-05-2017, o Requerente entregou a declaração periódica de rendimentos modelo 3, relativa ao ano fiscal de 2016 (Doc.7).

 

16.3. A referida declaração integra o Anexo J, no qual foram preenchidos os campos 601 – rendimentos profissionais, Categoria B – com o montante de € 23.998,60, com fonte no Reino Unido e o campo 602 – rendimentos profissionais – Categoria B – com o montante de € 23.350,84, com fonte nos Países Baixos, tudo totalizando a importância de €48.449,44.

 

16.4. No anexo L da mesma declaração (Residente não habitual) foram declarados os referidos rendimentos da categoria B auferidos no estrangeiro com o código 102 – Engenheiro – sendo indicado no quadro 6B “Rendimentos obtidos no estrangeiro – Eliminação da dupla tributação internacional” a opção pelo método da isenção.

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16.5. Em 21-05-2017, o Requerente entregou a declaração periódica de rendimentos modelo 3, relativa ao ano fiscal de 2017 (Doc.8).

 

16.6. A referida declaração integra o Anexo J, no qual foram preenchidos os campos 601 – rendimentos profissionais, Categoria B – com o montante de € 275.528,48, com fonte no Reino Unido e o campo 602 – rendimentos profissionais – Categoria B – com o montante de € 363.245,10, com fonte nos Países Baixos, tudo totalizando a importância de € 638.773,58.

 

16.7. No anexo L da mesma declaração (Residente não habitual) foram declarados os referidos rendimentos da categoria B auferidos no estrangeiro com o código 102 – Engenheiro – sendo indicado no quadro 6B “Rendimentos obtidos no estrangeiro – Eliminação da dupla tributação internacional” a opção pelo método da isenção.

 

16.8. Em 14-08-2018, foi emitida notificação ao Requerente para, no prazo de 15 dias, comprovar os elementos declarados relativamente à atividade de elevado valor acrescentado e rendimentos associados (Doc.9).

 

16.9. Dentro do prazo concedido para o efeito, o Requerente apresentou à AT os documentos comprovativos do exercício no estrangeiro da atividade de elevado valor acrescentado, designadamente declaração emitida pela Ordem dos Engenheiros de Moçambique que certifica a sua inscrição na ordem como membro efetivo desde 19-02-2004 e declarações das entidades para as quais desenvolve a atividade em que, além de valores, se detalham as atividades realizadas pelo Requerente, complementando essa informação com cópia dos contratos de prestação de serviços com elas celebrados.

 

16.10. Em 20-01-2020, foram, pelo chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-... emitidas notificações em que se dá conhecimento ao Requerente de que os documentos por ele apresentados não comprovam os elementos declarados pelo que, por decisão daquela data “Conforme informação n.º .../19, da DSIRS, vai ser efetuada declaração oficiosa de correção para ser retirado o anexo L por não ter sido reconhecido o estatuto de atividade de elevado valor acrescentado”.

 

16.11. Através dos ofícios n.ºs GI-... - relativo ao IRS de 2016 – e GI-... - relativo ao IRS de 2017 -, ambos de 20-01-2020, do Serviço de Finanças de Lisboa..., foi o sujeito passivo, ora Requerente, notificado de que “(…) Da análise efetuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) divergência(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano 2017 com a identificação ..., não foram comprovados os elementos declarados pelo que por minha decisão de 2020-01-20 foi determinada a efetivação da(s) seguinte(s) correção(ões): Conforme informação n.º 1250/19 da DSIRS vai ser efetuada declaração oficiosa de correção para ser retirado o Anexo L por não ter sido reconhecido o Estatuto de Atividade de Elevado Valor Acrescentado. Junta-se cópia da informação (…)” (É de idêntico teor a notificação relativa ao IRC de 2016- cfr. Doc.10).

 

16.12. Da informação referida na decisão do chefe do Serviço de Finanças, extrai-se, no que concerne à matéria em causa no presente processo, “1 - Face aos elementos apresentados o sujeito passivo demonstrou que está inscrito na Ordem dos Engenheiros de Moçambique...

2 - Sobre a comprovação da atividade de Engenheiro para efeitos de reconhecimento de atividade de elevado valor acrescentado no âmbito do regime fiscal dos residentes não habituais importa referir que o Decreto-Lei n.º 119/92, de 30 de junho (alterado pela Lei n.º 123/2015, de 2 de setembro), regula a Ordem dos Engenheiros, associação pública que se ocupa de todos os aspetos inerentes ao exercício da profissão de Engenheiro, nomeadamente no domínio deontológico e disciplinar.

Em conformidade, dispõem as alíneas b) e o) do artigo 4.º do citado diploma que cabe a esta entidade atribuir em exclusivo, o título profissional de engenheiro e reconhecer as qualificações profissionais para o exercício da profissão de engenheiro obtidas fora de Portugal por cidadãos de Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu e, em condições de reciprocidade, por cidadãos de países terceiros nos termos da lei, do direito da União Europeia, de convenção internacional ou com base em acordo de cooperação entre a Ordem e entidade afim estrangeira. Determina ainda o artigo 6.º que o uso e o exercício da profissão de engenheiro dependem de inscrição como membro efetivo da Ordem.

...

6 – Face ao que precede, o sujeito passivo não cumpre as condições para enquadramento no código 102 – Engenheiros dado que não apresenta prova do reconhecimento efetuado pela Ordem dos Engenheiros em Portugal...”

 

16.13. Na sequência das referidas decisões de correção dos elementos declarados, foi o Requerente notificado das liquidações adicionais de IRS, e respetivo acerto de contas, resultando as mesmas os montantes adicionais de imposto e juros compensatórios a pagar de €169.286,39 e de € 349.176,19, relativamente aos anos de 2016 e de 2017, respetivamente. (Cfr. Docs. 1 e 3)

 

16.14. Em 19-02-2020, o Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 10, um requerimento de correção de erro manifesto, ao abrigo dos artigos 95.º-A e 95.º-B, do CPPT alegando que com a supressão de todo o Anexo L da declaração de rendimentos não foi considerado nas referidas liquidações o estatuto de residente não habitual pelo que as correções operadas sobre rendimentos das categorias A e E seriam involuntárias e acidentais (Doc.12).

 

16.15. Na sequência do requerimento de correção de erro manifesto foram retificadas as liquidações adicionais, repondo-se a tributação como residente não habitual, mas mantendo-se a tributação dos rendimentos da categoria B auferidos no estrangeiro de acordo com as taxas gerais e progressivas de IRS (cfr. Docs. 2 e 4).

 

16.16. Permanecendo, assim, por anular os montantes de € 2.258,57 e de € 146.142,67, de imposto e juros compensatórios relativos aos anos de 2016 e de 2017, respetivamente, respeitantes à tributação pelo regime geral dos rendimentos profissionais declarados.

 

16.17. Em 11-05-2020, em processo de execução fiscal, foram pagos estes valores, conjuntamente com o acrescido de €558,66, tudo totalizando a importância de € 148.959,90.

 

IV. Cumulação de pedidos

 

17. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IRS. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que, face ao disposto nos artigos. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, nada obsta à cumulação de pedidos.

 

V. Matéria de direito

 

18. A questão central a decidir no presente processo consiste em saber se, para efeitos de aplicação do regime aplicável aos residentes não habituais relativamente a rendimentos derivados do exercício de atividades de elevado valor acrescentado, cujo exercício dependa, em Portugal, da inscrição em ordem profissional, carece de inscrição na ordem nacional, ainda que a atividade em causa seja exercida no estrangeiro e os rendimentos sejam, igualmente, de fonte estrangeira.

 

19. Quanto a esta questão, é perentória de posição da AT: “O R., que beneficia do estatuto de RNH em Portugal, tem de preencher as condições e pressupostos previstos no ordenamento nacional. E, em Portugal, a única entidade que reconhece, em regime exclusivo, a qualificação de engenheiro é a OE, através da respetiva inscrição.”

 

20. Por seu lado, entende o Requerente que o ordenamento jurídico português relativo ao estatuto de residente não habitual em momento algum prevê que, em relação a profissões reguladas, “operasse um ónus probatório adicional de obter documentação/ certificação de inscrição em determinada associação profissional”.

Pelo que, à AT não pode, em cada caso, deixar de atender aos meios de prova apresentados e “...e com base numa análise razoável concluir se o sujeito passivo desempenha atividade subsumível nas diversas profissões constantes da tabela.”

 

21. Expostas, em síntese, as posições das Partes, importa, antes de mais, uma breve análise do quadro normativo relativo a esta matéria, na redação em vigor à data dos factos tributários em causa no presente processo.

 

22. O regime fiscal do residente não habitual foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, que aprovou o Código Fiscal do Investimento, de que ficou a constituir os artigos 23.º a 25.º.

 

23. Posteriormente, através da Lei n.º 20/2012, de 14/05, foram revogados aqueles preceitos, passando este regime a constar dos artigos 16.º, 22.º, 72.º, e 81.º do Código do IRS, complementado com a Portaria n.º 12/2010, de 07/01, que aprovou a tabela de atividades de elevado valor acrescentado.

 

24. Nos anos de 2016 e de 2017, em que se situam os factos tributários em causa no presente processo, o artigo 16º do Código do IRS definia o estatuto de residente não habitual nos seguintes termos:

"8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

8 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual no ato da inscrição como residente em território português ou, posteriormente, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

9 - O gozo do direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 7 depende de o sujeito passivo ser, nesse ano, considerado residente em território português.

10 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 7 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português".

 

25. No que concerne à tributação de rendimentos derivados do exercício de atividades de elevado valor acrescentado, estabelecia o artigo 72.º, n.º 6 (atual n.º 10), na redação então em vigor, que: 6 - Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %".

 

26. Para efeitos do disposto no preceito acima transcrito foi aprovada, através da Portaria n.º 12/2010, de 07/01, a tabela de atividades de elevado valor acrescentado, nelas se enquadrando, na redação então em vigor, as de:

1 - Arquitetos, engenheiros e técnicos similares:

...

102 - Engenheiros;

...

 

27. No que respeita a rendimentos da Categoria B auferidos no estrangeiro por residentes não habituais em território português, relevam as normas dos n.ºs 4 a 7 (atuais n.ºs 5 a 8) do artigo 81.º, do Código do IRS, com a seguinte redação vigente à data dos factos:

“ 4 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer das condições previstas nas alíneas seguintes:

a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou

b) Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.

...

6 - Os rendimentos isentos nos termos dos n.ºs 4, 5 e 6 são obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos, com exceção dos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1 e no n.º 6 do artigo 72.º

7 - Os titulares dos rendimentos isentos nos termos dos n.ºs 4, 5 e 6 podem optar pela aplicação do método do crédito de imposto referido no n.º 1, sendo neste caso os rendimentos obrigatoriamente englobados para efeitos da sua tributação, com exceção dos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1 e nos n.ºs 3 e 6 do artigo 72.º”

 

28. Tratando-se, assim, de rendimentos profissionais obtidos no estrangeiro provenientes do exercício de atividades de valor acrescentado por residente não habitual em território português

a eliminação da dupla tributação jurídica internacional efetuar-se-á, em regra, pelo método de isenção, sem prejuízo de opção pelo método do crédito de imposto, bastando, para tanto, assinalar a opção no campo adequado do anexo L da declaração periódica de rendimentos.

 

29. Neste sentido, se pronunciou a AT, na sequência de pedido de reconhecimento de atividade de elevado valor acrescentado através de informação comunicada ao Requerente pelo ofício n.º..., da Direção de Serviços do IRS, de 11.11.2019 (Doc.6):

 “Relativamente ao seu pedido em referência, informa-se que, com o ato de inscrição como residente não habitual adquiriu o direito a ser tributado nos termos do respetivo regime fiscal. Caso em algum ano, dos 10 anos de direito ao regime, aufira rendimentos da categoria A e/ou B de atividades que sejam elencadas na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro (alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, com produção de efeitos a partir de 1 de janeiro de 2020) ou seja, rendimentos de atividades de Elevado Valor Acrescentado (EVA), então, o direito a ser tributado de acordo com o regime aplicável aos rendimentos advenientes daquelas atividades adquire-se no momento da verificação dos respetivos pressupostos, ou seja, no momento em que exerceu aquela atividade de EVA por conta de outrem ou por conta própria e recebeu os correspondentes rendimentos.

Assim, para exercer o direito ao correspondente regime fiscal, basta que proceda, no anexo L da declaração modelo 3 do ano em causa, à inscrição do adequado código da atividade de EVA, efetivamente exercida nesse ano, bem como dos respetivos rendimentos obtidos, não sendo necessário um ato prévio de reconhecimento por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

Não obstante, alerta-se que deve estar munido, para cada um dos anos em que invoca aquele direito, dos elementos comprovativos do efetivo exercício dessa(s) atividade(s) e da correspondente obtenção de rendimentos, bem como dos demais pressupostos legais, devendo proceder à respetiva apresentação sempre que tal lhe seja solicitado pelos serviços da AT, nos termos do artigo 128.º do Código do IRS.

Deste modo, a verificação dos factos/pressupostos do direito invocado na declaração ocorre através das provas a apresentar em fase posterior à entrega da declaração de rendimentos, quando solicitadas pela AT, e não mediante o averbamento do respetivo código na aplicação do cadastro da AT tal como ocorreu até ao presente momento.

Em consequência, informa-se que o seu pedido foi arquivado, por inutilidade superveniente.”

 

30. Como já referido, o Requerente, depois de identificar os rendimentos em causa, declarou no anexo L da declaração periódica de rendimentos a opção pelo método da isenção que veio a ver recusado pela AT com o fundamento de que a atividade exercida no estrangeiro, a que se referem aqueles rendimentos, não estaria enquadrada no âmbito das atividades de elevado valor acrescentado.

 

31. Esta conclusão da AT suporta-se no simples facto de tratando-se de atividade regulada em Portugal, o direito decorrente do estatuto de residente não habitual, só seria reconhecido se este se encontrasse inscrito na respetiva ordem profissional portuguesa, neste caso na Ordem dos Engenheiros.

 

32. Com este fundamento, a AT rejeita todos os elementos de prova do exercício da atividade em causa em causa no estrangeiro bem como dos rendimentos, igualmente de fonte estrangeira, auferidos no exercício dessa atividade.

 

33. Como bem observa o Requerente, do regime jurídico relativo ao estatuto fiscal de residente não habitual, nomeadamente no que concerne a atividades de elevado valor acrescentado, não se pode extrair que, relativamente ao exercício no estrangeiro de profissões reguladas em Portugal, o direito a ser tributado de acordo com aquele estatuto dependa de inscrição em ordem profissional portuguesa.

 

34. Na ausência de uma tal exigência, conclui-se que o residente não habitual para além de, em termos declarativos, manifestar a pretensão de optar por qualquer dos métodos de eliminação da dupla tributação jurídica internacional  previstos no artigo 81.º do CIRS, apenas tem de fazer prova, pelos meios de prova admitidos em direito (cfr. LGT, art. 72.º), de que os rendimentos auferidos provêm do exercício no estrangeiro de atividade de elevado valor acrescentado enquadrada no elenco constante da  Portaria n.º 12/2010, de 07/01.

 

35. Nestes termos, e revertendo ao caso dos autos, constata-se, dos documentos juntos pelo Requerente – e oportunamente facultados à AT no âmbito do procedimento de liquidação do IRS - que o mesmo comprova, sem margem para dúvidas, que os rendimentos da categoria B por ele declarados com referência aos anos de 2016 e de 2017, derivam da atividade de engenheiro desenvolvida em Moçambique, ao abrigo de contratos de prestação de serviços de consultoria de engenharia e gestão de projeto a entidades residentes no Reino Unido e Países Baixos.

 

36. Relativamente à capacidade para o exercício da atividade em causa no território de Moçambique, onde foi exercida, o Requerente apresenta cópia de cédula pessoal, válida, que certifica a sua inscrição na Ordem dos Engenheiros de Moçambique, da mesma constando, em reprodução da lei aplicável naquele país que “A inscrição e reconhecimento pela Ordem dos Engenheiros são condições obrigatórias para o exercício das atividades de engenharia em Moçambique” (Doc.15).

 

37. Emitida em Maputo em 30-10-2018, o Requerente junta, ainda, declaração, certificada pelo bastonário da Ordem dos Engenheiros de Moçambique, de que “Para os efeitos de apresentação às autoridades Portuguesas, se declara que o Eng.º A..., de nacionalidade moçambicana, está inscrito na Ordem dos Engenheiros de Moçambique, como membro efetivo n.º 49 do Colégio de Engenharia Civil desde 19/2/2004, e está no pleno gozo dos seus direitos.” (Doc. 16).

 

38. Sobre o reconhecimento, em Portugal, do título profissional de engenheiro, o Requerente juntou, ainda, ao processo, cópia de Protocolo celebrado entre as Ordens dos Engenheiros de Portugal e de Moçambique, em 25-11-2017, de que se extrai terem as mesmas acordado em assumir o compromisso formal de, reciprocamente, admitirem como membros efetivos e atribuírem o título de engenheiros aos requerentes que sejam membros da Ordem.

 

39. Dos elementos expostos pode retirar-se, como conclusão, que o Requerente faz prova do título profissional que invoca e que, segundo a lei moçambicana, constitui condição do exercício da atividade de engenharia naquele país.

 

40. Quanto à origem dos rendimentos declarados, o Requerente apresenta, como elementos probatórios, cópia dos contratos de prestação de serviços celebrados com as empresas B... Limited, com sede no Reino Unido (cfr.Doc. 22) e C... B. V., com sede nos Países Baixos (cfr. Doc. 27), dos quais se extrai que entre o Requerente e as referidas empresas foi acordada a prestação de serviços de consultoria técnica respeitante à realização de obras e gestão operacional no porto da cidade da Beira, em Moçambique.

 

41. Neste sentido, a C..., por declarações de 20-01-2017 e de 19-06-2017, certifica ter pago ao Requerente, em dezembro de 2016, honorários no valor de USD 25.712,50 – o equivalente a € 24.450,84, ao câmbio de 31-12-2016 - ao abrigo do aludido contrato de prestação de serviços de consultoria de engenharia e gestão de projetos (cfr. Docs. 18 e 19).

 

42. Por declarações de 25-01-2017 e 19-06-2017 a B... Limited atestou ter pago ao Requerente honorários no montante de €23.998,60 referentes a serviços prestados no terceiro quadrimestre de 2016 no Terminal de ... em Moçambique em conformidade com o contrato de serviços de consultoria técnica assinado entre as partes em 21 de Julho de 2016 (cfr. Docs. 20, 21 e 22).

 

43. Por declarações de 15-01-2018 a C... B.V., atestou ter pago ao Requerente honorários no valor de € 269.157,92 durante o ano de 2017, ao abrigo do contrato assinado entre as partes em 01-01-2016, E € 94.087,18, durante o mesmo ano, ao abrigo de contrato assinado entre as partes com efeitos desde 01-01-2017. Os serviços prestados pelo Requerente relacionam-se com o planeamento e design do porto (cfr. Docs. 25,26 e 27).

 

44. Por declaração de 15-01-2018 a B... Limited atestou ter pago ao Requerente honorários no montante de € 275.528,48 em 2017 referentes a serviços prestados desde Dezembro de 2016 até ao final do terceiro quadrimestre de 2017 no Terminal ... em Moçambique em conformidade com o contrato de serviços de consultoria técnica assinado entre as partes em 21 de Julho de 2016 (cfr, Doc, 24).

 

45. Da análise dos documentos apresentados pelo Requerente acima referidos extrai-se, com meridiana clareza, que os rendimentos por ele auferidos no âmbito da Categoria B do IRS nos anos de 2016 e de 2017 provêm do exercício de atividade enquadrada no âmbito de profissão de engenheiro, qualificada como de elevado valor acrescentado de acordo com a Portaria n.º 12/2010, de 07/01, na redação em vigor à data dos factos.

 

46. Nestes termos, considerando que o Requerente faz prova do direito que invoca através de documentos oportunamente facultados à Administração Tributária, conclui-se pela ilegalidade, e consequente anulabilidade, das liquidações impugnadas.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

47. A par da anulação dos atos de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, o Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

48. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

49. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

50. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, a Requerente efetuou o pagamento de importâncias manifestamente indevidas.

 

51. Resulta, também, dos autos, que a ilegalidade do ato de liquidação objeto do presente processo é diretamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal, padecendo de errada aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.

 

52. Reconhece-se, assim, ao Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre os montantes indevidamente cobrados, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso (cfr. LGT, art.43.º, n.º 1 e CPPT, art. 61.º).

 

VI. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a ilegalidade das liquidações impugnadas, com a consequente anulação e reembolso das importâncias indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 148.959,90, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3 060,00, a cargo da Requerida (AT).

 

Notifique.

 

Lisboa, 18 de janeiro de 2021,

 

O Presidente do Tribunal Arbitral,

(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)

 

O Árbitro Vogal,

(Zeferino Ferreira)

 

O Árbitro Vogal,

(Álvaro Caneira)