Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 304/2020-T
Data da decisão: 2020-11-02  IMI  
Valor do pedido: € 1.553,97
Tema: IMI - Espécies de prédios urbanos; Artigo 6.º do CIMI.
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SUMÁRIO

I.             Os “postos de abastecimento de combustíveis” integram a espécie de prédios urbanos “comerciais” de acordo com o alvará de licença de utilização emitido pela edilidade competente;

II.            O “local de abrigo simples” (cobertura metálica) não releva para o conceito de área bruta privativa ou de área bruta dependente.

III.          Os bens de equipamento (v.g. bombas de combustíveis) não integram o conceito de prédio.

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 15 de Junho de 2020, a Requerente, A..., Lda., NF n.º..., com sede na ..., n.º..., ...Piso, ...-... Lisboa, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia sobre o  “... ato de fixação do valor patrimonial do prédio urbano com a inscrição matricial n.º..., sito na freguesia de ..., ... e ...”.

 

b)           É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

c)            A Requerente termina pedindo ao Tribunal Arbitral Singular (TAS) que proceda à  “anulação do ato de fixação do valor patrimonial do prédio matriz nº..., sito na freguesia de ..., ... e ..., com os seguintes fundamentos:

a)            As estações de serviço configuram prédios "comerciais", sendo o valor patrimonial determinado com base na fórmula prevista no nº 1 do artigo 38º do CIMI na redação à data da apresentação da modelo 1.

b)  Os bens de equipamento não se subsumem ao conceito de prédio, pelo que não relevam para o conceito de área bruta privativa ou área bruta dependente”, consequentemente, requer:

b)           A repetição do procedimento de avaliacão e a fixação do respetivo valor patrimonial, em € 143.800,00, do prédio inscrito na matriz nº..., sito na freguesia de ..., ... e ..., conforme simulação realizada no portal da AT, de acordo com o descrito anteriormente; e

c)            a consequente regularização do imposto pago com base no valor patrimonial erroneamente calculado relativamente exercícios de 2016 e seguintes e consequente juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43º da Lei Geral Tributária”.

 

d)           O pedido de constituição do TAC foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 16-06-2020.

e)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 03.08.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)            O TAS encontra-se desde 02 de Setembro de 2020, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

g)            A fundamentar o pedido, a Requerente alega, em resumo, o seguinte:

 

i.             Submeteu uma declaração modelo 1 do IMI solicitando a avaliação do prédio urbano correspondente à matriz n.º..., sito na freguesia de ..., ... e ..., resultando um valor patrimonial tributário € 356.940,00 e por não concordar com o este valor, apresentou um pedido de 2ª avaliação, centrando a sua discórdia na classificação do prédio urbano como “outros” e consequente fixação do valor patrimonial com base no método previsto no n.º 2 do artigo 46.º do CIMI.

ii.            Defendeu na segunda avaliação que o prédio urbano em apreço - posto de abastecimento de combustíveis - configura um prédio “comercial” e não um prédio que se enquadre na categoria “outros”.

iii.           A segunda avaliação manteve a classificação do prédio como “outros”, procedendo à determinação do valor patrimonial tributário com base no método enunciado no n.º 2 do artigo 46.º do CIMI (valor de mercado do terreno adicionado pelo custo de construção) e manteve o valor patrimonial tributário em € 365.640,00.

 

iv.           Coloca a questão prévia da lei a aplicar ao caso concreto, face ao nº 4 do artigo 37º do CIMI, não se aplicando as alterações introduzidas ao artigo 38.º do CIMI, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou o Orçamento Estado para 2016 e que entraram em vigor em 31 de março, uma vez que o modelo 1 do IMI foi entregue em 18 de março de 2016, concluindo que as regras que possibilitam a avaliação do prédio em apreço serão as que estavam em vigor a essa data.

 

v.            Considera que a AT não teve em conta, tanto o artigo 6.º do Código do IMI, que define a tipologia de prédios urbanos, como as inúmeras decisões arbitrais decididas a seu favor, ao partir da classificação do prédio como “outros” (alínea d) do nº 1 do artigo 6º do CIMI), uma vez que a aplicação de um método de avaliação é consequência da classificação de um prédio.

vi.           Considera ainda que, mesmo que fosse classificado como prédio “outros”, o artigo 38.º do CIMI era passível de aplicação, face ao nº 1 do artigo 46º do CIMI, ou seja, o método de avaliação preferencial continuaria a ser a fórmula prevista no artigo 38.º, na redação à data da entrega da modelo 1 do IMI.

 

vii.          Considera incorrecto que a comissão de avaliação tenha decidido que as estações de serviços configuram um prédio “outros”, não vislumbrando o motivo pelo qual a estação de serviço não engloba a tipologia de “prédio comercial” ou “prédio para serviços”, uma vez que o prédio urbano em apreço é constituído por edifícios de apoio, lavagem automática e terreno, no qual estão instalados bens de equipamento (cobertura metálica, tanques e bombas de combustível) e respetivos arruamentos (passeios, zonas verdes e local de passagem dos veículos para aquisição de combustíveis).

viii.         Concluindo que se configura que esta estação de serviço, constitui um local que tem como “destino normal” a prática de atos de comércio (venda de combustíveis, bebidas e alimentos), sendo inequívoco que o destino dado aos edifícios é para a instalação de um posto de abastecimento que é um local onde se praticam atos mercantis de venda de combustíveis, nos mesmos termos em que se compram e vendem bebidas, alimentos e outros artigos característicos, numa loja de conveniência. 

ix.           E os prédios “comerciais” ou para “serviços” avaliam-se nos termos do artigo 38.º do Código do IMI e não nos termos do artigo 46º do CIMI, tal como levou à prática a AT.

x.            Considera que o acto impugnado de fixação do valor patrimonial padece dos vícios de facto e de direito atrás referidos.

 

h)           Notificada a AT, respondeu em 06.10.2020, referindo, em resumo, o seguinte:

 

i.             Começa por referir que o objecto de avaliação é um “posto de abastecimento de combustível” e que o destino primordial de um posto de abastecimento ou de uma estação de serviço é proceder ao abastecimento dos veículos com combustível, utilizando-se os equipamentos adequados para o efeito; e que o destino do prédio avaliado é a venda de combustível a retalho ao público, sendo o prédio onde se desenvolve esta actividade, prima facie, um posto de abastecimento com o respectivo reservatório de armazenamento, com vista a desenvolver a actividade da empresa.

ii.            A composição do prédio integrado no “posto de abastecimento de combustível”, contendo ainda uma loja de conveniência, outras valências ligadas ao abastecimento de combustível como o fornecimento de ar/gás e a lavagem de viaturas, atendendo à sua especificidade, deve classificar-se como “outros” e não como “comercial” ou para “serviços”.

iii.           Especificidade que resulta da “configuração construtiva”, “características construtivas do prédio”, daqui resultando que os peritos avaliadores tomaram em consideração, em primeiro lugar, essas características construtivas que distinguem claramente os prédios, para, posteriormente, os integrar na classificação dada pela lei, e nessa base aplicarem as regras de avaliação próprias.

iv.           Reconhece a Requerida que a Requerente pratica actos de comércio enquanto vende a retalho combustível, mas conclui que tal não determina que o prédio aqui em causa, um “posto de abastecimento de combustível, tenha como fim o comércio.

v.            A classificação do prédio como “outro” resultou da prévia avaliação do bem imobiliário, através do método do custo adicionado do valor do terreno previsto no n.º 2 do artigo 46.º do CIMI, em detrimento do método avaliativo previsto no artigo 38.º, porque as características intrínsecas impedem a utilização da fórmula que consta do artigo 38.º do CIMI.

vi.           E pela razão de que a fórmula do artigo 38.º do CIMI é para aplicar com as adaptações que o caso concreto exija, mas não pode ser aplicada com o afastamento de todos os seus componentes, caso contrário não se obteria o VPT de acordo com o artigo 38.º. do CIMI

vii.          E uma vez que o prédio se compõe de um terreno, onde se  encontram as unidades de abastecimento, as áreas de acesso,  as zonas de protecção,  a referida “pala de cobertura das unidades de abastecimento”, ou como agora se refere “ a cobertura metálica” assim como a loja de conveniência os espaços de lavagem-auto e de abastecimento de ar/água, com os respectivos acessos, dificilmente se poderá atribuir a este prédio um coeficiente de qualidade e conforto ou um coeficiente de vetustez.

viii.         Conclui que as regras de construção de postos de abastecimento impedem a aplicação do método de avaliação do artigo 38 do CIMI.

ix.           Quanto à avaliação da “pala metálica” entendida como «local com abrigo simples»: área total ou parcialmente coberta por uma estrutura aligeirada de protecção contra os agentes atmosféricos, considera que decorre do artigo 2.º do CIMI, prima facie que a cobertura existente sobre as unidades de abastecimento constitui um prédio. 

x.            E na medida em que a estrutura constituída por uma pala se encontra integrada num imóvel e afecta ao destino económico desse imóvel, passa a ser considerada como parte integrante desse prédio, sem a autonomia económica que possibilite a sua qualificação autónoma como bem imóvel. 

xi.           Termina requerendo a improcedência do PPA e, consequentemente, pugna pela sua absolvição.

 

Por despacho de 06.09.2020 foi dispensada a realização da reunião de partes do artigo 18º do RJAT e bem assim a produção de alegações pelas partes.

 

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 15 de Junho de 2020. A Requerente impugna a decisão de fixação do valor patrimonial tributário do imóvel que lhe foi notificado por notificação electrónica de 03.03.2020, que apenas se considera realizada no 15º dia posterior ao 1º dia útil seguinte ao registo da sua disponibilização na caixa postal electrónica.

c)            A AT não alegou a extemporaneidade da apresentação do pedido. Assim, nos termos conjugados dos artigos 77º do CIMI, nºs 1, 2, e 7 do artigo 134º do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.

d)           O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

 

III - MÉRITO

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a.            Em 18 de Março de 2016 a Requerente submeteu perante a AT, uma declaração de modelo 1 do IMI, solicitando a avaliação do prédio urbano correspondente à matriz n.º..., sito na freguesia de ..., ... e ..., por terem decorrido mais de 3 anos desde a última determinação do valor patrimonial tributário, resultando uma avaliação com o valor patrimonial tributário de € 356.940,00 – conforme nºs 1 e 2 do PPA e documentos nºs 1 e 2 em anexo ao PPA;

b.            Ainda com data de 18 de Março de 2016, a Requerente enviou à AT um requerimento “juntando informação referente à declaração modelo 1”, ou seja, as plantas de implantação e de arquitetura do “Posto de Abastecimento de ...”, várias decisões judiciais, simulação do valor patrimonial tributário e uma licença de utilização – conforme documento nº 1 em anexo ao PPA e falta de impugnação especificada por parte da AT;

c.            Consta da licença de utilização nº .../03 de 29 de Setembro de 2003, emitida pelo Município de Matosinhos, referida no ponto anterior, que “por despacho de 2003/08/05 foi autorizada a seguinte utilização: E OCUPAÇÃO PARA POSTO DE ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS” – conforme documento nº 1 em anexo a PPA e falta de impugnação especificada por parte da AT;

d.            Com data de 14 de Julho de 2017, a Requerente apresentou um pedido de 2ª avaliação, centrando a sua discórdia no facto do prédio urbano ter sido classificado como “outros”, com a consequente fixação do valor patrimonial com base no método previsto no n.º 2 do artigo 46.º do CIMI.

e.            A AT manteve, em segunda avaliação, a classificação do prédio como “outros”, e manteve ainda a determinação do valor patrimonial tributário com base no método enunciado no n.º 2 do artigo 46.º do CIMI (valor de mercado do terreno adicionado pelo custo de construção), resultando a manutenção do valor patrimonial tributário antes atribuído de € 365.640,00 – conforme nºs 3, 4, 6 e 7 do PPA e documento nº 4 em anexo ao PPA e falta de impugnação especificada por parte da AT;

f.             O prédio urbano objecto de avaliação é composto por um edifício onde funciona uma loja de conveniência, um espaço de lavagem de veículos, um local com abrigo simples (cobertura metálica), tanques de combustíveis, bombas de combustíveis, local de abastecimento de ar e água, passeios, zonas verdes e locais de circulação de viaturas automóveis, conforme os seguintes registos fotográficos:

 

Foto 1 (imagem do ponto de abastecimento e combustíveis)

Foto 2 (imagem do ponto de abastecimento e combustíveis)

 

                - conforme artigo 22º, 45º, 99º e 100º do PPA e 22º, 24º e 77º da Resposta da AT.

g.            Em 15 de Junho de 2020 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).

 

Factos considerados não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 – Quanto ao mérito

 

A)           Apreciação da questão de fundo.

 

A Requerente coloca a questão prévia da lei a aplicar ao caso concreto, face ao nº 4 do artigo 37º do CIMI,  não se aplicando as alterações introduzidas ao artigo 38.º do CIMI, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou o Orçamento Estado para 2016 e que entraram em vigor em 31 de março, uma vez que o modelo 1 do IMI foi entregue em 18 de março de 2016, concluindo que as regras que possibilitam a avaliação do prédio em apreço serão as que estavam em vigor a essa data.

 

A Autoridade Tributário nem aludiu a esta questão, pelo que, quanto ao normativo a aplicar, não existe qualquer dissonância entre as partes.

 

A questão de fundo resume-se em apurar se o bem imóvel aqui em causa, sob a forma de “posto de abastecimento e combustíveis”, face ao teor do alvará de licença de utilização, deve considerar-se da espécie “outros” (alínea d) do nº 1 do artigo 6º do Código do IMI) - como defende a AT - ou deve considerar-se da espécie “comerciais” (alínea b) do nº 1 do artigo 6º do Código do IMI) - como defende a Requerente. Concluída esta operação, o método de avaliação fluirá automaticamente.

 

Antes de mais, convirá referir que se configura assertiva a formulação de que nomeadamente, os tanques de combustíveis, bombas de combustíveis e equipamentos de abastecimento de ar e água, devem considerar-se bens de equipamento não sujeitos a IMI. Isso resultará, inclusive, do facto, com relevância para o IRC, de terem um período de vida útil inferior ao que é atribuído a um bem imóvel.

 

Relativamente à “cobertura metálica” ou “local com abrigo simples”, que serve apenas para

(1) suportar a iluminação

(2) servir de abrigo a quem abastece as viaturas,

(3) ligada ao solo apenas por pilares; 

como se verifica dos registos fotográficos acima reproduzidos, de facto, configura-se controverso que se considere, sem mais, que “servem uma função análoga à de um edifício”.

 

O teor do nº 1 do artigo 2º do CIMI quando define “prédio” como “construções de qualquer natureza” desde que assentes numa fracção de território, ainda que móveis por natureza (nº 2 do artigo 2º), parece indicar no sentido defendido pela Requerida, ou seja, de que se trata de uma parte integrante do prédio urbano considerado no seu conjunto, designado por “posto de abastecimento de combustíveis”.  É a posição que este TAS considera mais conforme à letra da lei.

 

No entanto, tal classificação, configura-se que não deve relevar para o conceito de área bruta privativa ou área bruta dependente, porquanto, não estamos perante um edifício, assente no solo com paredes laterais (com a correlativa delimitação da área bruta privativa e dependente), mas perante uma construção metálica, assente no solo através de pilares, como se retira dos registos fotográficos juntos, acrescendo que, por baixo desta construção, circulam viaturas, logo existe, ao nível do solo, um espaço de circulação de viaturas.

 

Não há qualquer dissonância quanto à identificação da questão de fundo a decidir.

 

Quanto à questão de fundo, este Tribunal vai aderir à decisão CAAD Processo nº 604/2015-T (que segue a decisão adoptada no processo CAAD nº 348/2015-T), em que as partes eram as mesmas e o dissídio colocava-se nos mesmos moldes, apenas alterando os bens imóveis que eram diferentes, mas eram postos de abastecimento de combustíveis e áreas de serviço.

 

“De acordo com o artigo 6.º do CIMI:

 “1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros”.

 

Acrescenta o nº 2 do mesmo artigo que: “2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciadas ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

Por sua vez, e de acordo com o número 4 do mesmo artigo: “4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.”

 

Ou seja, por definição legal, são prédios comerciais ou prédios destinados a serviços, os edifícios ou construções para tal licenciados”.

 

Ora, conforme a matéria de facto provada na alínea c) dos factos assentes, ... o prédio urbano aqui em causa destina-se a posto de abastecimento de combustíveis conforme alvará de licença de utilização.

 

“Por força do nº 2 do artigo 6º do Código do IMI, o posto de abastecimento ... em causa neste processo, enquanto conjunto de edifícios e construções (com as respectivas partes integrantes) integrando como integram o conceito de estabelecimentos comerciais onde se praticam actos de comércio objectivos e subjectivos, devem considerar-se prédios urbanos comerciais (alínea b) do nº 1 do artigo 6º do Código do IMI).

 

Ou seja, este prédio urbano constitui as instalações onde a Requerente exerce a sua actividade comercial (principal) de venda a retalho de combustíveis, ... actividade geradora de rendimentos empresariais (sujeito a IRC nos termos das alíneas a) dos nºs 1 dos artigos 2º e 3º do Código do IRC) e que é em si mesma comercial, lucrativa, conforme a classificação das actividades económicas – CAE, do Instituto Nacional de Estatística (artigo 142º do Código do IRC).

 

Bastará atentar-se na forma como no CAE Rev-3, com o código 47 300, se define esta actividade: “comércio a retalho de combustíveis de veículos com motor, em estabelecimentos especializados”. O mesmo se passa com a definição das actividades de venda de produtos e de restauração que ocorre nos postos de abastecimento. 

 

Não faria sentido considerar-se que estas instalações (onde se exerce a actividade comercial principal de comercialização de combustíveis) que são no fundo o local por excelência onde a Requerente exerce a sua actividade geradora de lucros - actividade comercial lucrativa - sujeitos ao regime de IRC e depois, em sede de IMI, não se considerar essas instalações ou edificações, em termos globais, como constituindo um prédio urbano da espécie “comercial”.

 

Não vislumbramos suporte legal que permita sustentar a qualificação do prédio em causa, como “outros”, para efeitos de avaliação e determinação do seu valor patrimonial tributário”.

 

Classificação que, naturalmente, ocorre em momento anterior ao da avaliação do bem imóvel.

 

“Nestes termos, a avaliação realizada, aqui impugnada, padece de desconformidade com a lei, na leitura aqui plasmada, verificando-se erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que se considerou o prédio como integrando a espécie “outros”, quando devia ter sido considerado como prédio urbano “comerciais”, o que afectou os critérios de avaliação.

 

Ou seja, a escolha do método de avaliação não foi a mais adequada uma vez que os prédios urbanos “comerciais” devem ser avaliados de acordo com as regras do artigo 38.º do CIMI.

 

Em face do exposto, procede o presente pedido arbitral com a consequente anulação do acto impugnado de fixação do valor patrimonial tributário do prédio urbano com a inscrição matricial n.º ..., sito na freguesia de ..., ... e ... .

 

                B - Direito ao reembolso de imposto pago a mais e direito a juros indemnizatórios

 

A Requerente terminou o PPA pedindo, como consequência da anulação do acto de fixação do valor patrimonial tributário: “a ... regularização do imposto pago com base no valor patrimonial erroneamente calculado relativamente exercícios de 2016 e seguintes e consequente juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43º da Lei Geral Tributária”.

 

A Requerente não invocou, nem provou, o quantum do imposto pago a mais, nem juntou as notas de liquidação do imposto, pelo que não é possível ao Tribunal apurar os valores, em concreto, que estão em causa. No entanto, configura-se que nada impede, em termos abstractos, que se aprecie o direito da Requerente ao reembolso do IMI pago a mais, em função do valor patrimonial tributário (VPT) superior que foi fixado, face ao que, em execução deste julgado vier a apurar-se.

***

 

Também quanto aos juros indemnizatórios, pela razão acima referida, não é possível ao Tribunal apurar a data a partir do qual são devidos, nem determinar o valor sobre o qual devem ser contados, mas também nada impedirá que o Tribunal aprecie, em termos abstractos, o direito da Requerente aos mesmos, existindo pagamento de IMI a mais, a apurar em execução deste julgado.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

No caso em apreço, na sequência da ilegalidade do acto de fixação do VPT do imóvel aqui em causa, há lugar a reembolso da quantia que se vier a apurar que tenha sido paga a mais, na parte que exceder as liquidações que vierem a ser feitas após fixação do novo VPT, em execução deste julgado, quanto ao IMI de 2016 até 2019, como consequência da anulação do acto impugnado, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT .

 

***

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

 1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

 (...)

d)           Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

Esta alínea d) foi aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de Fevereiro, e, nos termos do seu artigo 3.º, «a redação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, introduzida pela presente lei, aplica-se também a decisões judiciais de inconstitucionalidade ou ilegalidade anteriores à sua entrada em vigor, sendo devidos juros relativos a prestações tributárias que tenham sido liquidadas após 1 de janeiro de 2011».

 

Neste caso, há direito da Requerente a juros indemnizatórios nos termos do nº 1 do artigo 43.º da LGT, porquanto a ilegalidade da fixação do VPT é imputável à Requerida, que emitiu a avaliação do valor patrimonial do prédio urbano em desconformidade com a lei, na leitura aqui adoptada.

 

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 3, alínea d), e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde as datas dos pagamentos dos valores em excesso, face aos valores que verem a ser liquidados em execução de sentença, quanto ao IMI de 2016, 2017, 2018 e 2019, e até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente:

I.             Anula-se o acto de fixação do valor patrimonial tributário aqui impugnado (alínea a) dos factos provados) por estar em desconformidade com a lei (artigo 6º nº 1 alínea b) e nº 2 e artigo 38º do Código do IMI).

II.            Declara-se que os bens de equipamento não integram o conceito de prédio.

III.          Determina-se a repetição do procedimento de avaliação em conformidade com a qualificação do prédio como “comercial”, nos termos supra descritos e com as consequências legais, mormente em sede de aplicação dos critérios de avaliação, como o previsto no artigo 38º, nº 1 do Código do IMI.

IV.          Declara-se que a Requerente tem direito (1) à regularização do IMI pago, com base no valor patrimonial aqui julgado em desconformidade com a lei, quanto aos anos de 2016 a 2019; (29 e a juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43º da Lei Geral Tributária, em execução deste julgado.

 

V – VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 1 553,97, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. A) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 306,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 02 de Novembro de 2020

 

Tribunal Arbitral Singular,

 

O Árbitro,

Augusto Vieira