Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 293/2020-T
Data da decisão: 2020-11-23  ISV  
Valor do pedido: € 21.555,74
Tema: ISV - Artigo 11º do CISV – Conformidade com o artigo 110º do TFUE – Veículos usados provenientes de outros Estados-Membros.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

1. No dia 8-6-2020, o sujeito passivo A..., pessoa colectiva nº..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações de ISV resultantes das Declarações Aduaneiras de Veículo DAV nº 2017/...de 28/7/2017 (Alfândega de Leixões) no valor de € 28.601,35, referente ao veículo ... matrícula ... e DAV nº 2017/... de 26/9/2017 (Alfândega de Leixões), no valor de € 20.586,17, referente ao veículo ... matrícula ... da iniciativa do Serviço de Finanças de ..., datada de 12.10.2018.

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, disso notificando as partes.

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. Os fundamentos que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, os seguintes:

4.1. O Requerente introduziu em Portugal com origem na Alemanha, os seguintes dois veículos automóveis de passageiros, usados: – Marca ..., modelo ..., movido a gasolina, a que foi atribuída a matrícula ... – Marca ..., modelo ..., movido a gasolina, a que foi atribuída a matrícula ... .

4.2. Os referidos veículos tinham sido matriculados pela primeira vez nos seus países de origem, em 27.03.2009 e 08.11.2013, respectivamente.

4.3. E tinham, antes da sua entrada em território nacional, percorrido, respetivamente, 23.434 e 7.122 quilómetros.

4.4. O Requerente procedeu à declaração aduaneira dos referidos veículos, tendo a AT pelo veículo ... liquidado em 28.07.2017 ISV no valor de € 28.601,35 e pelo veículo ... liquidado em 26.09.2017 ISV no valor de € 20.586,17.

4.5. Os impostos em causa já foram integralmente pagos pela Requerente.

4.6. Destes valores liquidados pela AT, € 12.467,12, corresponde ao valor global (dos 2 veículos) da componente cilindrada e € 36.719,50 ao valor global da componente ambiental.

4.7. Sendo que, relativamente à componente cilindrada, aquele valor foi deduzido da redução resultante do número de anos de uso do veículo, que foi de 70% e 35% respetivamente.

4.8. Apesar de o Requerente ter procedido ao pagamento dos impostos liquidados, sem o que não poderia legalizar os veículos para poderem circular em Portugal, considera o mesmo que as liquidações efectuadas do ISV estão feridas de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2.

4.9. Isto porque a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – o art. 11º do CISV – viola o art. 110º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia), conforme foi já declarado por acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia.

4.10. Efectivamente, o Imposto sobre Veículos, criado em 2007 através da Lei 22-A/2007, tem por incidência, entre outros factos tributários, a admissão de veículos tributáveis, por oposição aos veículos que pelas suas características são isentos, em território nacional provenientes de outro Estado-membro da União Europeia.

4.11. O cálculo do ISV incide sobre a cilindrada dos veículos e as suas emissões de CO2, ou seja a componente cilindrada e a componente ambiental.

4.12. De acordo com a redação inicial do art. 11º do CISV, no caso da admissão de veículos usados, aplicava-se no cálculo de imposto uma percentagem de redução conforme o número de anos do veículo, equiparável à desvalorização comercial média dos veículos usados comercializados no mercado nacional.

4.13. Essa desvalorização era crescente, tendo o seu início após o primeiro ano de uso e o seu termo no final do quinto ano de uso, sendo que, após o quinto ano, a percentagem de redução se mantinha inalterada.

4.14. Ou seja, considerou o legislador nacional, à data da criação do ISV, que os veículos usados admitidos em Portugal, provenientes de outros Estados-membros, apenas se desvalorizavam, relativamente aos veículos novos, após um ano de uso e que a partir do quinto ano não sofriam mais nenhuma desvalorização.

4.15. Efectivamente, a Tabela D do art. 11º do ISV, na sua redacção inicial previa para os veículos com 1 a 2 anos, uma desvalorização de 20%, de mais de 2 a 3 anos – 28%; mais de 3 a 4 anos – 35%; mais de 4 a 5 anos – 43% e mais de 5 anos –52%.

4.16. Desde a entrada em vigor deste art. 11º e da tabela anexa, que os importadores de automóveis usados admitidos em Portugal originários de outro Estado-membro, reclamaram junto das entidades competentes pelo facto desta tabela de reduções discriminar negativamente os veículos admitidos em Portugal vindos do estrangeiro relativamente aos veículos usados transaccionados em Portugal.

4.17. Com efeito, é sabido que qualquer veículo novo, independentemente das suas características, designadamente marca, modelo ou cilindrada, se desvaloriza logo que é posto em circulação

4.18. Pelo que, considerar-se que um veículo proveniente de um Estado-Membro só sofria uma desvalorização ao fim de um ano de uso, não respeitava a realidade do mercado automóvel e penalizava injustificadamente os veículos usados importados.

4.19. O mesmo se diga, relativamente aos veículos com mais de cinco anos de uso, pois é sabido que um veículo com mais de cinco anos continua a desvalorizar-se nos anos seguintes.

4.20. Sendo que a desvalorização de um veículo com 6, 7 ou 10 anos de uso, é necessariamente superior à de um veículo com 5 anos.

4.21. Acresce ainda que na redacção inicial do art. 11º, esta redução apenas se aplicava à componente cilindrada dos veículos e não à componente ambiental (CO2), provocando, também por este motivo, um critério desigual no cálculo do ISV relativamente a veículos usados matriculados em Portugal e aos veículos admitidos em Portugal, matriculados noutros Estados-Membros.

4.22. Já que, relativamente aos veículos originariamente matriculados em Portugal, a desvalorização incidia sobre as duas componentes.

4.23. Perante esta opção do legislador, os importadores desses veículos, à data representados pela Associação Portuguesa de Importação de Veículos, reagiram junto de várias instâncias públicas, designadamente a Provedoria de Justiça e a Comissão Europeia, no sentido de serem eliminados os tratamentos desiguais e discriminatórios dados aos veículos usados admitidos em Portugal, relativamente aos veículos usados matriculados e comercializados em Portugal.

4.24. E que determinavam que um veículo usado proveniente de outro Estado-membro, pagasse mais ISV relativamente aos veículos idênticos matriculados em Portugal.

4.25. O que se traduzia numa violação clara do disposto no art. 110º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia).

4.26. Fruto destas reclamações, a Comissão Europeia instaurou o processo por infração 2009/... contra a República Portuguesa, com base no facto de não ser tida em conta a depreciação dos veículos para efeitos do cálculo da componente ambiental do ISV.

4.27. Esse processo foi encerrado após uma alteração ao Código do ISV, introduzida pela Lei nº 55-A/2010, de 31-12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011.

4.28. Com esta alteração legislativa ficou resolvida uma parte da ilegalidade, não ficando contudo sanada a ilegalidade que dizia respeito à desvalorização dos veículos até ao final do 1º ano de uso e após os 5 anos de uso.

4.29. Face à manutenção desta divergência nos cálculos de ISV entre os veículos usados matriculados em Portugal e os veículos usados provenientes de outros estados-membros, e consequente tratamento desigual destes últimos, a Comissão Europeia instaurou um novo processo que revestiu a natureza de ação por incumprimento contra a República Portuguesa, que correu termos com o nº C-200/15.

4.30. Tendo sido proferido o respetivo Acórdão em 16.06.2016, o Tribunal de Justiça decidiu: “A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro estado-membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta uma desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do art. 11º do TFUE".

4.31. Na sequência deste acórdão que declarou o incumprimento pela República Portuguesa do art. 110º do TFUE, o legislador nacional introduziu uma nova alteração ao CISV, através da Lei 42/2016 de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017), que se traduziu numa nova redação do art. 11º do CISV e da tabela D que integra esse mesmo artigo.

4.32. Nessa tabela, o Estado Português respeitou o decidido pelo Tribunal Europeu naquele referido acórdão, ao alargar as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso.

4.33. Todavia, a par desta alteração, foi introduzida uma outra, bem mais gravosa para o cálculo do ISV, uma vez que o legislador, com a nova redação dada ao art. 11º, voltou a limitar a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2).

4.34. Desta forma, o legislador retrocedeu ao ano de 2010 e voltou a pôr em vigor uma norma jurídica, que tinha sido já objeto de um processo instaurado pela Comissão Europeia e que esteve na base da alteração legislativa operada com a Lei 55-A/2010 de 31 de Dezembro.

4.35. Limitando a tabela de redução para cálculo do ISV à componente cilindrada e excluindo-a da componente ambiental (emissão do CO2), o legislador português, aproveitando o facto do Acórdão do Tribunal de Justiça apenas se ter debruçado sobre a componente cilindrada, aproveitou para repor a exclusão da redução da componente ambiental que tinha sido já objeto de alteração legislativa anterior, imposta ou recomendada pela Comissão Europeia.

4.36. Assim, a norma actualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago pelo Requerente, viola frontalmente o art. 110º do TFUE, conforme foi já decidido pelo acórdão acima citado, pois permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo.

4.37. Essa violação que foi já reconhecida, pelo menos, por duas decisões da União Europeia, uma das quais o já referido acórdão do Tribunal de Justiça.

4.38. Pelo que a liquidação do ISV sob a presente impugnação está ferida de ilegalidade, por contrariar o art. 110º do TFUE.

4.39. Essa ilegalidade foi objeto de uma queixa apresentada em 20.07.2017 junto da Comissão Europeia, que deu origem à instauração de um processo de infração contra Portugal, a que foi atribuído o nº CHAP (2017) 2326.

4.40. Tendo ainda dado origem à emissão do parecer fundamentado pela CE, na sequência do qual esta entidade decidiu, em 12.02.2020, interpor contra Portugal uma nova acção no Tribunal de Justiça da União Europeia.

4.41. Foram também já proferidas, pelo menos, cinco decisões arbitrais por este CAAD, duas delas já transitadas em julgado que, com base nos mesmos fundamentos invocados nesta impugnação, anularam parcialmente a liquidação do ISV, na parte respeitante à não redução da componente CO2 – Processos 572/2018-T, 346/2019-T, 348/2019-T, 350-2019-T e 459/2019-T.

4.42. Todavia, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110º do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado.

4.43. Face a esta manifesta ilegalidade, o Requerente, em 03.04.2020, requereu junto da Alfândega de Leixões ao abrigo do disposto no art. 78º da LGT, a revisão da liquidação do referido imposto liquidado referente aos dois veículos acima identificados.

4.44. Tal pedido de revisão foi indeferido, por despacho proferido pelo Diretor da Alfândega de Leixões, notificado ao Impugnante em 28.05.2020

4.45. Conforme é pacífico na jurisprudência (cfr. Acs. do STA de 11.05.2005, proc. 0319/05, de 17.05.2006, proc. nº 016/06 e de 10.07.2013, publicado em 26.05.2014, proc. 390/13-30), a revisão do ato tributário, previsto no referido art. 78º da LGT, pode efetuar-se a pedido do contribuinte, respeitando-se assim os princípios constitucionais da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade (art. 266º, nº 2 da CRP).

4.46. Ora, efectuado este pedido de revisão e tendo o mesmo sido indeferido, está o Requerente em tempo de nos termos do art. 99º do CPPT, impugnar esta liquidação.

4.47. Verificados os cálculos do ISV constantes das DAV temos que relativamente à componente cilindrada, o ISV foi liquidado pelo valor global de € 25.878,90 – € 13.411,78 (redução de 70% e 35% pelo número de anos de uso), enquanto, na componente ambiental, foi liquidado por € 36.719,50, sem qualquer redução.

4.48. Quando deveria ter sido também aplicada a esta componente as reduções aplicadas à componente ambiental, que totalizam o valor de € 21.555,74, baixando dessa forma o valor relativo a esta componente ambiental para o valor de € 15.163,76 e o respetivo ISV global para o valor de € 27.631,78.

4.49. Devendo ser restituído à Impugnante o montante de € 21.555,74 pago a mais, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do art. 43º da LGT.

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. Constata-se que o meio jurídico utilizado pela Requerente para interpor a impugnação no tribunal arbitral foi o despacho de indeferimento, por intempestividade, do pedido de revisão oficiosa que apresentou na Alfândega de Leixões.

5.2. Entende a Requerida que, no caso dos autos, procede a excepção da intempestividade do pedido arbitral, com base na extemporaneidade do pedido de revisão da liquidação efectuado, cujo indeferimento está na origem do presente pedido arbitral, nada havendo a censurar na decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira/Alfândega de Leixões por ter decidido nesse sentido.

5.3. Considerando a Requerida que não pode a Requerente pretender justificar a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento do pedido de revisão, extemporâneo, pois, deste modo estaria aberto o caminho para continuar a discutir a legalidade de actos tributários relativamente aos quais já findaram os respetivos prazos de contestação.

5.4. Pelo que não pode o Tribunal deixar de apreciar a questão da tempestividade do pedido de revisão, para efeitos de apreciação e decisão relativamente à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 576º, n.º 3, do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente pelo artigo 29.º do RJAT)

5.5.A Requerente apresentou em 08.06.2020 o presente pedido de pronúncia arbitral, na sequência do indeferimento, datado de 19.05.2020 e notificado à Requerente em 29.05.2020, do pedido de revisão das liquidações de ISV n.ºs 2017/..., de 28.07.2017, e 2017/..., de 26.07.2017, apresentado em 03.05.2020 junto da Alfândega de Leixões, relativas aos veículos em causa nos autos, a saber, o veículo da marca ..., modelo ... Turbo, com a matrícula ..., declarado através da DAV nº 2017/..., de 28.07.2017, cujo termo do prazo de pagamento do imposto ocorreu em 11.08.2017 e o veículo da marca ..., modelo..., matrícula ..., declarado através da DAV nº 2017..., de 26.09.2017, cujo termo final do pagamento ocorreu em 11.10.2017.

5.6. Tal pedido de revisão foi indeferido, com fundamento na sua intempestividade, tendo a administração aduaneira analisado o pedido face ao disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

5.7. Não tendo a Requerente invocado especificamente a primeira ou segunda parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, mas tendo-o referido como um todo, resulta claramente que, à luz do nº 1, 1ª parte, do artigo 78º da LGT, os pedidos de revisão oficiosa apresentados são manifestamente intempestivos, pois se encontrava há muito ultrapassado o prazo da reclamação graciosa, de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISV.

5.8. Assim, além de o prazo de 120 dias para apresentação do pedido de revisão oficiosa da liquidação, por iniciativa do sujeito passivo, se encontrar claramente ultrapassado, por outro lado, à data dos factos tributários, a AT aplicou aos mesmos a lei aplicável, em vigor, em estrita observância do princípio da legalidade, não existindo, pois, erro imputável aos serviços que fundamente a 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

5.9. Deste modo, tendo o pedido de revisão sido apresentado depois do prazo previsto na lei, encontra-se igualmente ultrapassado o prazo de 90 dias, contados após o termo do prazo de pagamento do imposto, para apresentação do pedido arbitral, que só veio a ser efetuado em 08.06.2020.

5.10. Em face da manifesta extemporaneidade do pedido, verifica-se a excepção de caducidade do direito de ação, devendo, em consequência, a Requerida, ser absolvida do pedido.

5.11. Conforme resulta dos elementos constantes do Processo Administrativo (PA), constituído pelos procedimentos atinentes à Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV) 2017/..., de 28.07.2017, e (DAV) 2017/..., de 26.09.2017, e pelo processo de Revisão Oficiosa nº ...2020..., de 05.05.2020, da Alfândega de Leixões, relativo a Imposto Sobre Veículos (ISV), com referência aos veículos automóveis com as características descritas nas declarações, foram aquelas DAV apresentadas na referida estância aduaneira, por transmissão electrónica de dados, para introdução no consumo dos veículos, ligeiros de passageiros, usados, provenientes da Alemanha.

5.12. Com referência às mencionadas DAV, apresentada pela ora Requerente, operador sem estatuto, foram declarados o veículo da marca ..., modelo ... Turbo, a que foi atribuída a matrícula ..., e o veículo da marca ..., modelo ... Turbo, a que foi atribuída a matrícula..., cujas características constam das inscrições do Quadro A, para o qual se remete.

5.13. Quanto aos veículos em questão constata-se que, para efeitos de aplicação da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, o veículo da marca ..., modelo ..., se insere no escalão correspondente à percentagem de redução de 70%, e que o veículo da marca ..., modelo ..., se insere no escalão da tabela correspondente à redução de 80 %, conforme resulta da referida tabela (cf. teor das DAV junto ao PA).

5.14. No Quadro A das DAV (características do veículo), consta, na casa 25, quanto à Emissão de Gases CO2, respetivamente, o valor de 298 g/Km e 227 g/Km, indicado na pág. 1 das DAV.

5.15. O cálculo do imposto sobre veículos, que consta do Quadro G da DAV, foi efectuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, e calculado o ISV atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º do CISV, tendo, igualmente, sido deduzida a percentagem de redução correspondente, conforme o disposto na tabela D constante do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, prevista para os veículos usados, em função do número de anos de uso do veículo (cf. consta das respectivas DAV).

5.16. Foi efectuada a liquidação do imposto, relativa aos veículos identificados nas DAV, conforme indicado nos Quadros O e P das declarações, constando destas, igualmente, a identificação dos actos de liquidação e data da liquidação (n.º 2017/..., de 28.07.2017, e n.º 2017/..., de 26.09.2017), montante, termo final do prazo de pagamento (que ocorreu em 11.08.2017 e 11.10.2017 para os veículos declarados pela DAV n.º 2017/..., de 28.07.2017, e DAV n.º 2017/..., de 26.09.2017, respetivamente), data de cobrança e a identificação do autor do acto.

5.17. Em 07.04.2020, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Leixões, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de imposto, dando origem ao processo de Revisão Oficiosa a que foi atribuído o n.º ...2020... .

5.18. Com vista à apreciação desse pedido foi elaborada a informação de serviço de 05.05.2020 (processo nº ...2003...), daquela alfândega, sobre a qual recaiu despacho datado de 08.05.2020, no sentido do indeferimento.

5.19. Por ofício n.º 2020..., de 13.05.2020, recebido em 14.05.2020, foi aquele projeto de decisão notificado à Requerente para efeitos de audição prévia, cf. aviso de recepção, que se pronunciou neste âmbito, por correio electrónico datado de 15.05.2020.

5.20. A resposta da Requerente foi analisada na informação de serviço de 18.05.2020, sobre a qual recaiu despacho do Director da Alfândega de Leixões, de 19.05.2020, que indeferiu o pedido de revisão da liquidação do imposto pago, decisão que veio a ser notificada à Requerente pelo ofício n.º 2020..., de 28.05.2020, e recebida pela mesma em 29.05.2020.

5.21. Desta decisão apresentou a Requerente, em 08.06.2020, junto da Instância Arbitral, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV e o reembolso do montante de 21.555,74 € acrescido de juros indemnizatórios.

5.22. Estando em causa, nos presentes autos, a admissão de veículo usado, oriundo de outro Estado-membro, no caso, a Alemanha, deve atender-se, especificamente, ao artigo 11.º do CISV na redação atualmente em vigor, o qual já foi sujeito a alterações desde a entrada em vigor do diploma que aprovou o mesmo código.

5.23. Não obstante o artigo 11.º do CISV tenha sido objeto de várias alterações desde a sua entrada em vigor, para o caso em apreço releva, particularmente, a redação atual introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28.12.2016 (Lei do OE para 2017), a qual procedeu ao alargamento das percentagens de redução da tabela D, tendo sido criado o escalão “até um ano”, a que corresponde uma percentagem de redução de 10%, sendo ainda criados novos escalões a partir dos cinco anos de uso, com percentagens de redução que atingem os 80% para veículos com mais de 10 anos, permitindo estabelecer uma maior correspondência entre a desvalorização comercial média sofrida pelos veículos usados no mercado nacional e o seu nível de tributação, em sede de ISV, que na redação anterior se cifrava no máximo de 52 % para veículos com mais de 5 anos de uso.

5.24. Relevando, também, no contexto da tributação automóvel, o disposto no artigo 1.º do CISV que consagra o Princípio da Equivalência, de acordo com o qual o imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

5.25. Não obstante o disposto no artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), há ainda que considerar a previsão do artigo 191.º do TFUE, que consagra, expressamente, que a política da União no domínio do ambiente contribuirá para a prossecução dos objectivos da preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente, da protecção da saúde das pessoas e a promoção, no plano internacional de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente e designadamente, a combater as alterações climáticas, acrescentando o nº2 que a política da União se baseará nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador.

5.26. Resultando ainda do art. 66º, nº2, da Constituição que incumbe ao Estado: a) prevenir e controlar a poluição; f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial; h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida.

5.27. No caso concreto o imposto foi calculado de acordo com o previsto no artigo 7.º. do CISV, tendo sido aplicada uma redução para a componente ambiental nos termos deste artigo, não tendo sido aplicada outra/nova redução à componente ambiental porque tal redução não se encontra prevista no artigo 11.º do CISV, ao contrário do estabelecido para a componente cilindrada, que prevê uma redução em função dos “anos de uso” de acordo com a tabela D.

5.28. O modelo de fiscalidade automóvel vigente em Portugal está em sintonia com o espírito do art. 191º TFUE, na medida em que a tributação das emissões de dióxido de carbono nos veículos novos e usados pode entender-se como uma acção preventiva, destinada a evitar a degradação do ambiente, sujeitando os consumidores ao pagamento de um montante de imposto que depende do grau poluidor do automóvel, no estrito cumprimento do princípio do poluidor-pagador.

5.29. A componente ambiental do ISV existe para compensar um conjunto vasto de emissões poluentes dos veículos, incluindo o dióxido de carbono (CO2), o monóxido de carbono (CO), o óxido de azoto (NOx), hidrocarbonetos (HC), partículas (PM), hidrofluorocarboneto 134ª (HFC-134ª), metano (CH4), e protóxido de azoto (N2O).

5.30. Não se trata de criar nenhum obstáculo ao regular funcionamento do mercado único, mas sim de respeitar os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Português em matéria de defesa do ambiente, bem como pelos Estados-Membros, no acordo de Paris sobre as alterações climáticas, designadamente a neutralidade carbónica em 2050.

5.31. A interpretação da Requerente, ao defender a aplicação da mesma percentagem de redução aplicável à componente cilindrada, pugna igualmente pela aplicação de um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei, o que, desde logo, é inconstitucional, posto que, face, ao n.º 2 do artigo 103.º da CRP, os impostos são criados por lei, determinando esta igualmente a incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, verificando-se, assim, uma violação desta norma constitucional, bem como uma desaplicação do artigo 66.º da CRP.

5.32. Concluindo-se que a liquidação de ISV, que aplicou o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional e o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição.

5.33. Destarte, tendo os atos impugnados sido efetuados de acordo com o direito nacional e comunitário, não enfermam de qualquer vício, devendo, consequentemente, as liquidações, na parte que vêm impugnadas, efetuadas pela identificada alfândega, manter-se na ordem jurídica.

5.34. Da interpretação do artigo 11.º do CISV defendida pela Requerente resulta uma violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º (Princípios fundamentais) da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual, além de estabelecer, no n.º 1, que a administração pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, impõe aos órgãos e agentes administrativos a subordinação à Constituição e à lei, devendo atuar no exercício das suas funções com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2).

5.35. Concomitantemente, no que concerne ao princípio da legalidade tributária, nos termos do artigo 8.º da Lei Geral Tributária, estão sujeitos a este princípio a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, bem como a liquidação e cobrança dos tributos.

5.36. Ora, no caso concreto a administração tributária agiu nos termos da lei, de acordo com as normas de incidência, taxas e liquidação do imposto em causa, não podendo ter atuado de modo diferente, face ao direito constituído sob pena de violar os referidos princípios da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da segurança jurídica.

5.37. Assim, relativamente às liquidações ora impugnadas, as mesmas foram efetuadas de acordo com as normas aplicáveis em vigor, o artigo 7.º e o artigo 11.º do CISV

5.38. Mas, sustentando a Requerente a anulação parcial dos actos de liquidação, face à actual redação do artigo 11.º, introduzida pela Lei do OE para 2017, lei de valor reforçado, não é possível extrair da norma a aplicação de uma nova redução, além da prevista no artigo 7.º do CISV, atinente à componente ambiental.

5.38. De facto, não se retira da letra da lei, no caso, do artigo 11.º do CISV, ou de outra norma do mesmo código, a aplicação da redução prevista na admissão de veículos usados, para a componente cilindrada, à componente ambiental, além da que já é aplicada por força do artigo 7.º.

5.39. Nesta medida, a interpretação da Requerente ofende claramente o princípio da equivalência previsto no artigo 1.º do CISV, sobre o qual assenta o atual modelo de tributação automóvel, e o artigo 9.º, alínea e) e artigo 66.º, n.º 1 e n.º 2, ambos da CRP, ocorrendo uma violação do princípio constitucional do Estado de direito ambiental.

5.40. Na elaboração do CISV foram considerados os referidos princípios constitucionais, estando subjacentes, designadamente, nos artigos 1.º e 11.º do CISV, não podendo afastar-se a aplicação deste artigo, impondo-se que se afira a sua conformidade com os princípios constitucionais consagrados no artigo 9.º e 66.º da CRP, até porque está em causa matéria de reserva de lei (âmbito de reserva legislativa da Assembleia da República).

5.41. Acrescendo que, a interpretação defendida pela Requerente, posto que defende a aplicação de uma fórmula de cálculo, com atribuição de uma redução não prevista na tabela D do artigo 11.º, acrescenta uma redução à componente ambiental que não está consagrada na letra da lei, que não foi querida pelo legislador, consubstancia assim, também nesta parte, uma violação dos princípios constitucionais aludidos, da legalidade e da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica.

5.42. Por outro lado, a aplicação de tal redução, não prevista na lei, não pode deixar de se considerar como um benefício fiscal que não se encontra previsto na lei e que é inconstitucional face ao disposto no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que os impostos são criados por lei, determinando esta igualmente a incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, que coloca igualmente a Requerente em situação de vantagem face aos demais sujeitos passivos, criando também, nesta parte, uma situação de desigualdade fiscal.

5.43. Ademais, a pretensão da Requerente também olvida que estamos perante um imposto sobre o consumo não harmonizado, e que a tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo, conforme o consagrado no n.º 4 do artigo 104.º da CRP.

5.44. E, sendo um dos princípios gerais da interpretação das normas jurídicas e “critério de interpretação” o da interpretação conforme à Constituição, de acordo com este critério, no caso de o intérprete, mediante a aplicação dos elementos interpretativos, chegar a mais do que um sentido possível a atribuir a um preceito normativo, deve preferir aquele que mais se adeque à Constituição.

5.45. Não podendo, assim, deixar de se considerar o artigo 204.º da CRP, que impõe que os tribunais não apliquem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.

5.46. Por outro lado, ao defender a ilegalidade das liquidações por entender que existe uma desconformidade do artigo 11.º do CISV com o artigo 110.º do TFUE, a Requerente, além de violar, por via de tal interpretação, os já referidos princípios, consagrados na nossa Lei Fundamental, viola ainda, por via da desaplicação do artigo 11.º do CISV na redação actualmente em vigor, uma violação do princípio do acesso ao direito à tutela jurisdicional efectiva.

5.47. De facto, tendo a Requerente recorrido à arbitragem tributária para impugnar as liquidações, a administração encontra-se coartada no seu direito de reacção face aos limitados meios de recurso perante a prolação de uma decisão arbitral desfavorável, em geral e, concretamente, quanto ao recurso de decisão que desaplica norma nacional com fundamento em violação de princípio de direito da União Europeia.

5.48.É que o RJAT prevê tão somente três tipos de reações recursórias, sendo eles o recurso para o Tribunal Constitucional, o recurso para uniformização de jurisprudência e a impugnação arbitral, com base nas nulidades elencadas no artigo 28.º, n.º 1 do RJAT.

5.49. Ora, defendendo a Requerente a violação de um princípio do TFUE no caso concreto, e prevendo o RJAT que o recurso para o Tribunal Constitucional só pode ter como fundamento as alíneas a) e b) do artigo 70.º da Lei do TC, não há dúvida que, a vingar tal interpretação, estamos perante uma violação do princípio do livre acesso aos tribunais.

5.50. Verifica-se, pois, face ao disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 266.º, todos da CRP, a violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.

5.51. Em face do exposto, a interpretação do Requerente do artigo 11.º do CISV viola os princípios, acima mencionados, da legalidade e da legalidade fiscal, da justiça tributária, da igualdade e da certeza e segurança jurídica, do Estado de direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, impondo-se a apreciação da constitucionalidade de tal entendimento, o qual, desde já, reputamos de inconstitucional, não podendo por isso, ser aplicado no caso concreto.

5.52. Quanto ao direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, o mesmo pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

5.53. E, no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária.

5.54. É que, efetivamente, as liquidações em causa nos presentes autos decorreram exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo aquela sido efetuadas nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto, o que nem sequer é posto em causa pela Requerente.

5.55. E, estando a AT e os seus órgãos, vinculados, na sua atuação, ao princípio da legalidade, a Requerida AT agiu, sempre, em obediência àquele e em conformidade com o direito em vigor, não podendo ter agido de modo diverso, não devendo, consequentemente, ser-lhe atribuído qualquer erro que lhe seja imputável, nos termos do artigo 43.º da LGT, posição que já foi sufragada em sede arbitral, conforme resulta das decisões proferidas nos Processos n.º 348/2019-T e n.º 34/2020-T.

5.56. Pelo que, face ao invocado, tendo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, sob pena de se verificar com tal interpretação, uma violação, também aqui, do invocado princípio constitucional da legalidade e legalidade fiscal, não devendo assistir, por conseguinte, à Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

6. Em 6/10/2020 foi proferido despacho arbitral convidando o Requerente a pronunciar-se sobre a excepção de caducidade invocada pela Requerida, o que este fez sustentando não haver lugar à caducidade, uma vez que requereu no prazo legal de quatro anos previsto no art. 78º da LGT a revisão da liquidação, sendo que essa disposição abrange a situação de erro de direito, tendo em seguida impugnado a liquidação após o indeferimento do pedido de revisão.

7. Em 2/10/2020 foi proferido despacho arbitral, dispensando a reunião prevista no art. 18º do RJAT por não estarem preenchidas as circunstâncias que justificam a sua realização, podendo as partes requerer que a mesma tivesse lugar, o que estas não fizeram.

 

II – Factos provados

8. Com base na prova documental constante do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

8.1. O Requerente apresentou Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV) 2017/..., de 28.07.2017, e (DAV) 2017/..., de 26.09.2017 através das quais declarou o veículo da marca ..., modelo ... Turbo, a que foi atribuída a matrícula ..., e o veículo da marca..., modelo ... Turbo, a que foi atribuída a matrícula ... .

8.2. Para efeitos de aplicação da tabela D prevista no n.º 1 do artigo 11.º do CISV, o veículo da marca ..., modelo..., se insere no escalão correspondente à percentagem de redução de 70%, e o veículo da marca ..., modelo..., se insere no escalão da tabela correspondente à redução de 80 %.

8.3. No Quadro A das DAV (características do veículo), consta, na casa 25, quanto à Emissão de Gases CO2, respetivamente, o valor de 298 g/Km e 227 g/Km.

8.4. Foi efectuada a liquidação do imposto, relativa aos veículos identificados nas DAV, conforme indicado nos Quadros O e P das declarações, constando destas, igualmente, a identificação dos actos de liquidação e data da liquidação (n.º 2017/..., de 28.07.2017, e n.º 2017/..., de 26.09.2017), montante, termo final do prazo de pagamento (que ocorreu em 11.08.2017 e 11.10.2017 para os veículos declarados pela DAV n.º 2017/..., de 28.07.2017, e DAV n.º 2017/..., de 26.09.2017, respetivamente), data de cobrança e a identificação do autor do acto.

8.5. Os impostos em causa foram pagos pelo Requerente.

8.6. Em 07.04.2020, o Requerente apresentou junto da Alfândega de Leixões, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de imposto, dando origem ao processo de Revisão Oficiosa a que foi atribuído o n.º ...2020... .

8.7. Com vista à apreciação desse pedido foi elaborada a informação de serviço de 05.05.2020 (processo nº ...2003...), daquela alfândega, sobre a qual recaiu despacho datado de 08.05.2020, no sentido do indeferimento.

8.8. Por ofício n.º 2020..., de 13.05.2020, recebido em 14.05.2020, foi aquele projeto de decisão notificado ao Requerente para efeitos de audição prévia, que se pronunciou neste âmbito, por correio electrónico datado de 15.05.2020.

8.9. A resposta do Requerente foi analisada na informação de serviço de 18.05.2020, sobre a qual recaiu despacho do Diretor da Alfândega de Leixões, de 19.05.2020, que indeferiu o pedido de revisão da liquidação do imposto pago, decisão que veio a ser notificada à Requerente pelo ofício n.º 2020..., de 28.05.2020, e recebida pela mesma em 29.05.2020.

8.10. Desta decisão apresentou o Requerente, em 08.06.2020, junto da Instância Arbitral, o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV e o reembolso do montante de 21.555,74 € acrescido de juros indemnizatórios.

 

III - Factos não provados

9. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

 

IV - Do Direito

9. São as seguintes as questões a examinar no presente processo.

- A excepção de extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral.

- Da ilegalidade das liquidações de ISV.

- Da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 11.º do CISV em conformidade com o artigo 110.º do TFUE.

- Do direito a juros indemnizatórios.

Examinar-se-ão assim essas questões:

 

— A EXCEPÇÃO DA EXTEMPORANEIDADE DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

10. Invocou a Requerida, em sede de excepção, que o pedido de revisão oficiosa foi interposto fora do prazo da reclamação administrativa, pelo que só poderia ter por fundamento o erro imputável aos serviços, o qual não se verifica no caso presente, uma vez que a Administração Tributária se limitou a aplicar o disposto no art. 11º do CISV a esta situação. Em consequência no seu entender seria extemporâneo o presente pedido de pronúncia arbitral.

Conforme dispõe o artigo 78º, nº 1, da Lei Geral Tributária: “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

Referindo o nº 3 do mesmo artigo: “A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior”.

A questão prende-se em saber se o erro imputável aos serviços, previsto no art. 78º da LGT como fundamento da revisão oficiosa, abrange o erro de direito, no caso de uma incorrecta interpretação da lei, já que no caso afirmativo o prazo para o pedido de revisão é elevado para quatro anos.

Sobre esse assunto já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no Ac. STA 14/3/2012 (Dulce Neto), processo 01007/11 nos seguintes termos:

"Em suma, a revisão do acto tributário por «iniciativa da administração tributária» pode ser efectuada «a pedido do contribuinte», como resulta do artigo 78.º, n.º 7 da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, bem como dos princípios da legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade - art. 266º, nº 2 da CRP. E o «erro imputável aos serviços» constante do artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende o erro de direito e não apenas o lapso, erro material ou erro de facto, como aliás veio esclarecer o n.º 3 do artigo 78.º da LGT, na redacção introduzida pelo artigo 40.º da Lei n.º 55-B/04, de 30 de Dezembro.

É esta jurisprudência consolidada e pacífica que aqui, mais uma vez, se acolhe (Além dos acórdãos referidos na sentença recorrida, leiam-se, por mais recentes, os acórdãos proferidos em 17/05/2006, no recurso n.º 16/06, em 6/06/2007, no recurso n.º 606/06, em 21/01/2009, no recurso n.º 771/08, e em 22/03/2011, no recurso n.º 1009/10.), pois que nenhuma razão se descortina para dela divergir".

Assim sendo, uma vez que a liquidação n.º 2017/... tem a data de 28.07.2017, e a liquidação n.º 2017/...tem a data de 26.09.2017, e o pedido de revisão das mesmas deu entrada em 7.4.2020, tem que se considerar que o pedido de revisão com fundamento em erro imputável aos serviços foi apresentada dentro do prazo previsto no art. 78º, nº1, da LGT.

Tendo sido esse pedido de revisão indeferido por despacho de Director da Alfândega de Leixões, de 19.05.2020, cuja notificação recebida pelo Requerente em 29.05.2020, e tendo o mesmo apresentado o competente pedido de pronúncia arbitral em 08.06.2020, tem-se que concluir que esse pedido foi apresentado dentro do prazo legal.

Nestes termos, julga-se improcedente a excepção relativa à caducidade do direito de impugnar as liquidações por extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa.

 

DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES DE ISV.

11. Sustenta ainda a Requerente existir ilegalidade das liquidações de ISV, uma vez que a disposição do art. 11º do CISV contraria o art. 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.

Ora vejamos:

O art. 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia dispõe expressamente o seguinte:

"Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções".

Dispõe o artigo 11.º, nº1, do CISV o seguinte:

O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:

TABELA D

 

Esta redacção do art. 11º, nº1, do CISV foi introduzida pela Lei 42/2016, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017), surgida após o Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 16 de junho de 2016, emitido no processo C-200/15 relativo à acção incumprimento interposta pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa no qual se declarou a desconformidade da anterior redacção desta disposição com o art. 110º TFUE, nos seguintes termos:

"A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro estado-membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta uma desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do art. 11º do TFUE (…)Este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdão de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C-393/98, EU: C:2001:109, nº 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiames e Siilin, C-101/00, EU: C:2002:505, nº  53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, nº 25)” (nº 24 dos fundamentos do acórdão). Assim, a cobrança, por um Estado-Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-membro é contrária ao artigo 110º. do TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C-345/93, EU:C:1995:66, n.º 20, e de 22 de fevereiro de 2001, GomesValente, C-393/98, EU:C:2001:109, n.º 23)” (nº 25 dos fundamentos do acórdão).“ (…) Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.ºs 27 e 28 (…) ".

Sucede, porém, que a actual redacção do art. 11º do CISV mantém uma diferenciação com os valores do ISV aplicáveis aos veículos nacionais, e que constam do art. 7º CISV e tabelas anexas, dado que o legislador, em conformidade com o acima referido acórdão do TJUE, alargou as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso, mas introduziu uma outra alteração diferenciadora em relação aos veículos com origem noutros Estados-Membros, com impacto no cálculo do ISV, uma vez que a actual redacção do art. 11º CISV limita a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2), ao contrário do que sucede com os veículos usados já matriculados no território nacional.

Por esse motivo, a jurisprudência deste CAAD tem decidido uniformemente que a actual redacção do art. 11º CISV viola o disposto no art. 110º TFUE (cfr. as decisões dos processos 572/2018-T, 346/2019-T, 348/2019-T, 350-2019-T, 459/2019-T e 660/2019-T).

É claramente essa a solução desta questão, uma vez que as normas do Direito da União Europeia, no caso o art. 110º TFUE, têm efeito directo e primado sobre o Direito Nacional, não podendo assim o art. 11º CISV contrariar aquela disposição. Ora, existe uma clara violação do artigo 110.° TFUE sempre que o montante de imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional, o que é o caso.

Quanto à justificação apresentada pela Requerida que a diferenciação na tributação resulta de razões ambientes, a mesma não pode proceder. Como se escreveu na Decisão no processo 660/2019-T "decorre da jurisprudência do TJUE e da própria sistemática do TFUE que, ao contrário do que indica a AT, a norma do artigo 110.º do TFUE é imperativa e sobrepõe-se às normas de cariz ambiental do artigo 191.º do TFUE. Assim, ainda que um EM utilize componente ambientais na determinação do cálculo do regime de tributação de veículos, nunca poderá, com base nessa componente, agravar a tributação de veículos usados provenientes de outros EM face aos veículos usados já matriculados em território nacional". Tal "equivale a dizer que não decorre da legislação aplicável que as regras e princípios ambientais constantes do artigo 191.º do TFUE e artigo 66.º da CRP prevaleçam sobre a regra do artigo 110.º do TFUE que é imperativa para os EM".

É manifesta assim a ilegalidade das liquidações de ISV impugnadas, tendo razão a Requerente nesta questão.

 

- DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO DO ART. 11º DO CISV EM CONFORMIDADE COM O ARTIGO 110º DO TFUE.

12. Veio ainda a Requerida alegar que a desaplicação do artigo 11.º do CISV resulta numa violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 266.º da CRP e do disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e n.º 4, 66º, e 266.º, todos da CRP, i.e. violação dos princípios do Estado de Direito ambiental e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

É manifesto que tal não sucede, sendo de salientar que, nos termos do art. 8º, nº4 da Constituição, "as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático". Não é assim possível aos tribunais, salvo em caso de violação dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, que in casu não se verificam, recusar a aplicação de normas do Direito da União Europeia invocando disposições do Direito Interno Português.

Relativamente à invocação da limitação dos recursos em sede da arbitragem tributária, tal resulta da vinculação da Administração Tributária à jurisdição do CAAD resultante da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, com as alterações resultantes da Portaria 287/2019, de 3 de Outubro, e ao regime instituído no RJAT que este Tribunal tem que observar. É por isso que tem o dever de apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de ISV aqui em causa, limitado e no âmbito da competência que lhe é conferida pelo artigo 2.º n.º s 1 e 2 do RJAT, não se verificando qualquer inconstitucionalidade nessa sua competência. Na verdade, a existência de tribunais arbitrais é reconhecida pelo art. 209º, nº2, da Constituição.

 

- DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

13. Os Requerentes solicitaram ainda o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.

Decorre do número 1 desse artigo que "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Podemos entender ainda que, como decorre do n.º 5 do art. 24.º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral. Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.

Como já se referiu, a Autoridade Tributária tinha pleno conhecimento da jurisprudência existente no sentido da interpretação da incompatibilidade do art. 11º do CISV como o art. 110º do TFUE, devendo por isso ter aceite a revisão oficiosa pedida pelo contribuinte. Estamos assim, neste caso, perante uma actuação por parte da Autoridade Tributária, que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.

Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º, nº1 da LGT), entendemos que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 21.555,74, que serão contados desde a data do pagamento desse montante, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

 

V – Decisão

 

Nestes termos, julga-se procedente o pedido de anulação parcial das liquidações de ISV resultantes das Declarações Aduaneiras de Veículo DAV nº 2017/... de 28/7/2017 (Alfândega de Leixões) e DAV nº 2017/... de 26/9/2017 (Alfândega de Leixões), anulando-se parcialmente as referidas liquidações quanto ao valor global de € 21.555,74.

Julga-se procedente o pedido de reembolso do ISV, acrescido dos componentes juros indemnizatórios, condenando-se a Requerida a pagar ao Requerente a quantia de € 21.555,74, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios desde o pagamento indevido até que ocorra o reembolso.

Fixa-se ao processo o valor de € 21.555,74 (trinta e cinco mil novecentos e trinta e nove euros e quarenta e três cêntimos) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 1224,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, condenando-se a Requerida nas custas do processo.

 

Lisboa, 23 de Novembro de 2020

 

O Árbitro

(Luís Menezes Leitão)