Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 163/2013-T
Data da decisão: 2014-02-15  IRC  
Valor do pedido: € 323.302,30
Tema: IRC – Derrama municipal - Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS)
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Processo n.º163/2013-T

                                                                                                                          

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Jorge Carita e Dr. Henrique Curado, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 23-9-2013, acordam no seguinte:

 

I - Relatório

A – SGPS, SA, NIPC ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, pedindo:

a)  a anulação do ato tributário de liquidação da Derrama Municipal relativa ao exercício de 2011, na parte correspondente ao montante de € 323.302,30, por vício de violação de lei;

b) a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no reembolso da quantia referida, com juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º, da LGT e do artigo 61º, do CPPT.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do

artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do tribunal arbitral colectivo, que

comunicaram a aceitação do encargo no respetivo prazo regulamentar.

Foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 23-9-2013.

Foi notificada a AT para responder ao pedido formulado, tendo-o feito no respetivo prazo.

Realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

Saneamento - Exceções e/ou questões prévias

 

1. A Autoridade Tributária e Aduaneira em sede de Resposta ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente veio consubstanciar, no que designou por QUESTÕES PRÉVIAS, defesa por excepção [cfr 12 a 81, desse articulado], embora sustentando argumentos que também utiliza na sua RESPOSTA POR IMPUGNAÇÃO.

Surpreende-se nessa defesa por exceção, a alegação da ilegitimidade processual passiva e a incompetência deste tribunal Arbitral, sustentada nas seguintes conclusões:

“(…)

  1. O sujeito activo do imposto e credor tributário é o município e não a AT, à qual estão reservadas meras funções de cobrança do tributo.
  2. O dirigente máximo do serviço da administração tributária a demandar nos autos seria o dirigente máximo da autarquia local, e não o dirigente máximo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
  3. Não estando os municípios, nem vinculados à jurisdição arbitral – como exige o RJAT – nem devidamente representados em juízo, nem sendo a AT in casu responsável pela sua representação em juízo, existe uma ilegitimidade processual passiva da AT.
  4. E bem assim, uma incompetência do tribunal arbitral para proferir decisão de mérito sobre o pleito, porquanto esta não será apta a fazer caso julgado em relação aos municípios.”

 

2.  A AT suscita ainda o incidente da intervenção provocada [cfr 21, da resposta: “(…)afigura-se plenamente justificado ponderar a verificação de uma “intervenção provocada” dos Municípios nas demandas que tenham por objecto a derrama municipal (…)”], vindo a requerer mesmo a intervenção provocada dos Municípios “(…) á luz dos artigos 325º e ss. do C.P. Civil[1], o que se afigura pertinente suscitar, a título de incidente processual.

 

3. Apreciando e decidindo as questões suscitadas[2]:

As questões prévias da incompetência dos tribunais arbitrais e da ilegitimidade passiva estão relacionadas na medida em que, caso se apure que a legitimidade passiva é, efetivamente, dos municípios que são credores da derrama, então os tribunais arbitrais deverão ser considerados materialmente incompetentes, por os municípios em causa não se terem vinculado à sua jurisdição, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, nos termos do qual “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

Não obstante, far-se-á primeiro o exame da questão da competência, por ser de conhecimento prioritário, como decorre do disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 2, alínea c), do RJAT. Com efeito, com exceção precisamente da sua própria competência, o tribunal que seja incompetente está impedido, não só de apreciar o mérito da causa, mas todos os demais pressupostos processuais. Assim, de acordo com o bem conhecido princípio da competência‐competência, de acordo com o qual o tribunal tem competência para averiguar da sua própria competência, seja qual for o critério de que ela derive, ainda que para concluir pela sua incompetência, cabe, previamente, proceder à apreciação desta matéria.

 

a) A competência deste Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o litígio

 

A competência do tribunal para julgar a causa que nele foi instaurada, que constitui pressuposto processual essencial e, como tal, condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa, é a medida da sua jurisdição, pelo que um certo tribunal só será competente para o julgamento de uma determinada causa se e quando os critérios determinativos da sua competência lhe atribuírem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação. Por outro lado, a competência do tribunal deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, tendo em conta o modo como surgem formulados na petição inicial, independentemente da sua procedência ou não (vd., assim, entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4-03-2010, proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1 e de 10-12-09, proc. 09S0470, divulgados em www.dgsi.pt).

 

No caso concreto, o pedido objeto dos presentes autos arbitrais é o de declaração parcial de ilegalidade do ato de liquidação da derrama municipal, estando o mesmo dependente da questão de se saber como deve ser efetuado o cálculo da derrama municipal no âmbito de um grupo societário tributado nos termos do RETGS.

Temos, portanto, um pedido que é formulado com referência a um ato de liquidação da derrama municipal, e que tem em vista a sua anulação parcial com base em vícios de violação de lei que são diretamente atribuídos à mesma liquidação.

 

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende, nomeadamente, as pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

Por sua vez, o artigo 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de março, vincula a AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida.

 

Ora, conforme resulta dos n.ºs 8 a 10 do artigo 14.º da LFL (Lei das Finanças Locais), na sua redação inicial, e dos n.ºs 9 a 11, na redação introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2012, é à Direção-Geral de Impostos que é atribuída a competência para a liquidação e cobrança das derramas municipais[3].

Com efeito, tal como se refere no acórdão 82/2012-T, “é por ser atribuída tal competência à Direção-Geral de Impostos que se prevê que lhe seja comunicada a deliberação sobre o lançamento da derrama e é porque só a Direção-Geral de Impostos tem competência para liquidar e cobrar derramas municipais que a parte final do n.º 9 inicial e atual n.º 10 estabelece perentoriamente que, sem a comunicação aí prevista, «não há lugar à liquidação e cobrança da derrama». E é também por ser a Direção-Geral de Impostos quem tem competência para cobrar a derrama que se prevê que o seu produto do seu apuramento por esta entidade seja transferido para os municípios.”

 Por outro lado, como também se refere naquele aresto, “a Direção-Geral de Impostos e a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua prática administrativa, não põem sequer em dúvida esta sua competência para liquidar e cobrar derramas, pois é isso que explica que a Direção-Geral de Impostos até tenha elaborado um ofício circular estabelecendo regras para a sua liquidação e cobrança e tenha, sem qualquer vestígio de hesitação, recebido as quantias autoliquidadas pela Requerente e apreciado a reclamação graciosa e o recurso hierárquico que esta apresentou”.

 

Em suma, a Direção-Geral dos Impostos sempre teve e, subsequentemente, a AT passou a ter e mantém, as competências de liquidação e de cobrança de derramas municipais.

Ora, de acordo com a norma consagrada no n.º 3 do artigo 1.º da LGT, é justamente o exercício dessas competências que constitui aquilo que se convencionou denominar por “administração tributária”. Com efeito, ali se prevê que “integram a administração tributária, para efeitos do número anterior, a Direção-Geral dos Impostos, a Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, a Direção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário, e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e autarquias locais.” (itálico e negrito nossos). O atributo de “administração tributária” depende, como se vê, do exercício daquelas duas competências e não, como pretende a Entidade Requerida, da qualidade de credor tributário. E nem poderia ser de outra maneira já que é a administração tributária, isto é, o conjunto de entidades incumbidas da liquidação e cobrança de tributos, quem se relaciona com o contribuinte no decorrer das atividades que conduzem à cobrança dos tributos e, portanto, quem pode praticar atos cuja validade importa poder ser apreciada. O credor não interage necessariamente com o sujeito passivo, não sendo, por conseguinte, a sua atuação que releva para efeitos de procedimento e de processo tributário, quer se esteja em fase graciosa, quer se esteja em fase contenciosa.

 

Ora, destas conclusões decorre necessariamente uma outra: a de que a jurisdição arbitral, que compreende, nomeadamente, as pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta relativas a impostos cuja administração esteja cometida à AT,  é evidentemente competente para apreciar pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação da derrama municipal, cuja administração está, justamente, cometida à AT. Por conseguinte, o presente Tribunal é competente para apreciar a pretensão suscitada pela Requerente.

 

Em argumento ex novo, não exposto nos processos arbitrais anteriores,  a AT vem apresentar, a §§ 68, 69 e 76, em suporte da sua tese, que o acórdão nº 197/2013 do Tribunal Constitucional (TC) entendeu que “(…)o sujeito ativo da relação jurídica tributária que se subsume à derrama municipal é o município, que tem aliás um domínio praticamente absoluto sobre os seus elementos essenciais, o que não é perturbado pelo facto de a cobrança do tributo continuar a pertencer, por razões de comodidade, à administração tributária central (…).”

Esta tese não é, porém, aceitável na medida em que, ao invés de a sustentar, o acórdão do TC a vem infirmar.

Desde logo porque e como emerge do respetivo relatório desse aresto constitucional, este processo resulta do recurso “(…)para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, da decisão do tribunal arbitral tributário, de 31 de julho de 2012(…)”.

Ora, a referida decisão do tribunal arbitral tributário, de 31 de julho de 2012 é a decisão arbitral no Processo N.º 7/2012-T, no qual a AT invocara as mesma exceções e nas quais o Tribunal Arbitral não lhe dera razão, vindo ademais a achar-se competente e a proferir decisão que até era favorável à então (e ora) Requerida, a AT.

Ou seja: a AT vem invocar um acórdão do TC em abono da sua tese, de que a AT é considerada parte ilegítima e de que este Tribunal Arbitral é incompetente, quando o (este) Tribunal Arbitral no processo que sustenta o recurso para o tribunal Constitucional se achara competente e bem assim a AT parte legítima e não um qualquer município. Questões, ademais, que em sede de apreciação da constitucionalidade não foram suscitadas pela AT, assim divergindo das suas alegações de inconstitucionalidade, como no processo em apreço, a §§ 58, de que a consideração da legitimidade passiva da AT, em detrimento dos municípios configuraria uma clara violação dos princípios do acesso ao direito, e da tutela jurisdicional efetiva, com assento constitucional.

Falece assim o argumento, ex novo, da AT de que o acórdão nº 197/2013 do Tribunal Constitucional sustenta a sua tese. Antes a infirma.

 

 

Improcede, assim, a exceção de incompetência deste Tribunal Arbitral.

 

 

b) Exceção de ilegitimidade passiva da Entidade Requerida e incidente de intervenção provocada

 

O artigo 9.º do CPPT, relativo à legitimidade, estabelece o seguinte:

 

1 - Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

2 - A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal.

3 - A legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários.

4 - Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.”

 

O artigo 44.º do CPPT, relativo ao procedimento tributário, consagra o seguinte:

1 - O procedimento tributário compreende, para efeitos do presente Código:

a) As ações preparatórias ou complementares da liquidação dos tributos, incluindo parafiscais, ou de confirmação dos factos tributários declarados pelos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários;

b) A liquidação dos tributos, quando efetuada pela administração tributária;

c) A revisão, oficiosa ou por iniciativa dos interessados, dos atos tributários;

d) A emissão, retificação, revogação, ratificação, reforma ou conversão de quaisquer outros atos administrativos em matéria tributária, incluindo sobre benefícios fiscais;

e) As reclamações e os recursos hierárquicos;

f) A avaliação direta ou indireta dos rendimentos ou valores patrimoniais;

g) A cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial;

h) A contestação de caráter técnico relacionada com a classificação pautal, a origem ou o valor das mercadorias objeto de uma declaração aduaneira, sem prejuízo da legislação especial aplicável;

i) Todos os demais atos dirigidos à declaração dos direitos tributários.

2 - As ações de observação das realidades tributárias, da verificação do cumprimento das obrigações tributárias e de prevenção das infrações tributárias são reguladas pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.”

 

Decorre da norma prevista no n.º 1 do citado  artigo 9.º que, no âmbito do procedimento tributário, a legitimidade ativa é conferida à “administração tributária”. Ora, conforme ficou explicitado no ponto anterior, a AT exerce as competências de liquidação e cobrança da derrama municipal, sendo, para esse efeito, “administração tributária” tal como a mesma é concebida pela norma contida no n.º 3 do artigo 1.º da LGT. Isto significa que, no que respeita à derrama municipal, é a AT quem tem competência para intervir no procedimento tendente à liquidação e cobrança do tributo, realizando todas as competências previstas no artigo 44.º do CPPT, nomeadamente para apreciar reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como a administração tributária fez, e bem, no caso em apreço.

 

Do que ficou exposto decorre, como aliás se refere no já citado acórdão 82/2012-T[4], que não releva, “para se apurar a legitimidade procedimental em matéria derramas municipais, saber quem é o credor tributário, mas sim determinar a quem são atribuídas as competências para liquidação e cobrança do tributo.”

Ora, o que vem de se referir a propósito do procedimento tributário é aplicável também ao processo judicial tributário visto que o n.º 4 do mencionado artigo 9.º do CPPT atribui legitimidade para os processos judiciais “às entidades referidas nos números anteriores”, inclusivamente à “administração tributária” referida no n.º 1, a qual será, dependendo da forma como o processo seja configurado, ativa ou passiva (note-se que o regime do referido n.º 4 do artigo 9.º, com referência ao n.º 1, do CPPT, é aplicável subsidiariamente ao processo arbitral previsto no RJAT, por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do seu artigo 29.º, uma vez que não há qualquer norma deste diploma que defina a legitimidade passiva). O que não se verifica em matéria de legitimidade, quer procedimental, quer processual, tributária, é a atribuição à figura do “credor tributário”, a esse exclusivo título, de qualquer tipo de função procedimental ou processual.

Por outras palavras, o legislador não atribui, para efeitos de legitimidade procedimental ou processual tributária, qualquer relevância autónoma a entidades que apenas ocupem a posição de credores de tributos, mas que não sejam simultaneamente responsáveis pela sua liquidação e cobrança – o que, de resto, tem toda a razão de ser já que são as relações entre as entidades que procedem à liquidação e cobrança de tributos, através de atos potencialmente ilegais, e os contribuintes, que são os sujeitos passivos dos mesmos tributos, que importa apreciar no âmbito do processo tributário.

Ora, sendo o estatuto dos municípios em matéria de derrama municipal justamente o de credor tributário que não exerce simultaneamente as funções de liquidação e cobrança do tributo, os mesmos não podem dispor de legitimidade processual – não obstando a esta conclusão as potenciais consequências financeiras da decisão para o credor tributário, já que as mesmas não relevam, nos termos da lei, em concreto dos artigos 9.º do CPPT e 1.º, n.º 3, da LGT, para se aferir da legitimidade processual.

Para concluir este ponto importa ainda referir que, sendo o artigo 9.º, n.º 4, uma norma especial de legitimidade no âmbito do processo judicial tributário, afasta a norma geral prevista no artigo 26.º do CPC [30º, do atual CPC], invocada pela Requerida.

 

A AT invoca ainda o artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, para corroborar a tese da autonomia dos municípios na defesa dos seus interesses em juízo.

A norma ali prevista estabelece que “as competências atribuídas no código aprovado pelo presente decreto-lei a órgãos periféricos locais serão exercidas, nos termos da lei, em caso de tributos administrados por autarquias locais, pela respetiva autarquia”, reportando-se, portanto, aos tributos cujas liquidação e cobrança são realizadas pelas autarquias locais, razão pela qual a mesma não afasta, contrariamente ao que pretende a Entidade Requerida, o entendimento supra referido.

Por outro lado, quanto à representação de autarquias locais nos tribunais tributários, prevista no artigo 54.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que estabelece que “quando estejam em causa receitas fiscais lançadas e liquidadas pelas autarquias locais, a Fazenda Pública é representada por licenciado em Direito ou por advogado designado para o efeito pela respetiva autarquia” (n.º 3 na redação introduzida pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, que constitui o n.º 2 na redação anterior), também não afeta o entendimento aqui sufragado, bem pelo contrário. Efetivamente, a representação ali prevista só tem lugar quando os tributos são liquidados pelas autarquias locais, o que implica que a representação nos outros casos em que estejam em causa receitas autárquicas, isto é, naqueles em que a liquidação e cobrança seja efetuada pela AT, é assegurada exclusivamente pelos representantes desta entidade.

 

Do que fica exposto decorre, portanto, a legitimidade passiva exclusiva da AT, já que a nenhuma outra entidade atribui a lei semelhante posição processual.

 

Por isso, improcede também a questão prévia da ilegitimidade passiva.

 

c) Questão prévia da intervenção provocada dos municípios

 

Quanto a este aspeto, remete-se para o que a esse propósito se disse no Acórdão n.º 82/2012-T no sentido de não poder ser atendida a pretensão da AT de intervenção provocada dos municípios. Com efeito, porque o processo arbitral foi criado como alternativa ao processo de impugnação judicial, ser-lhe-ão aplicáveis, preferencialmente, as normas reguladoras deste último, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Sucede que, no âmbito do processo de impugnação judicial, não é admissível a intervenção provocada, porquanto o artigo 127.º, n.º 1, do CPPT apenas indica como incidentes admissíveis os de assistência, habilitação e falsidade. Assim, e fora dos casos especialmente previstos nos incidentes de assistência e habilitação, estará afastada a intervenção de terceiros.

 

Acresce, como bem se assinala no citado aresto, que, no sistema de contencioso objetivista, em que se faz radicar a legitimidade passiva no exercício de poderes tributários com referência ao ato impugnado, não é admitida a intervenção de outras entidades públicas.

 

Por fim, no que concerne a intervenção acessória provocada ao abrigo do disposto no artigo 321.º do CPC (artigo 330.º do antigo CPC), em que se prevê que “o réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal”, não se está claramente perante uma situação enquadrável nesta norma, pois não se vislumbra a que título poderá a AT ter um direito de indemnização em relação a municípios que não praticaram qualquer ato lesivo dos seus interesses.

 

Termos em que não se admite o incidente de intervenção suscitado pela AT.

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5º e 6º, todos do RJAT.

 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo é isento de nulidades e quaisquer outros vícios invalidantes do processo.

 

II - Fundamentação

Os factos essenciais provados

 

a)                            No exercício de 2011, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado de acordo com as normas do RETGS, previstas nos artigos 69.º a 71.º do CIRC;

b)                            Enquanto sociedade dominante do referido grupo de sociedades, a Requerente submeteu, atempadamente, a sua declaração de rendimentos modelo 22 do IRC relativa ao exercício de 2011, tendo pago a importância de € 413.469,50, a título de derrama municipal liquidada nos termos definidos pelo ofício-circulado nº 20132, de 14 de abril de 2008, da Direção de Serviços do IRC em resultado do apuramento de lucro tributável do Grupo de € 6.661.566,21;

c)                             Cinco das treze sociedades que se encontram no perímetro do Grupo de que a requerente era sociedade dominante apuraram, no referido período (2011), lucro tributável de €30.547.186,79 e as restantes oito sociedades apuraram prejuízos no valor global de € 23.885.620,585;

d)                            O sistema informático da AT não permitia então a submissão da declaração modelo 22 senão nos termos enunciados na alínea b);

e)                            A Requerente apresentou junto do respetivo Serviço de Finanças reclamação graciosa do ato de autoliquidação de IRC mencionado em b) [cfr Doc 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral];

f)                              A citada reclamação graciosa foi indeferida [Cfr Doc 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral].

g)                            Por despacho de 17 de janeiro de 2014, o Diretor Geral da AT determinou a aplicação ao ato tributário impugnado neste processo arbitral o entendimento sancionado pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais [Despacho nº 464/2013 – XIX, de 18 de outubro de 2013] de que “(…) relativamente às sociedades sujeitas a tributação em IRC no âmbito de regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama municipal incide sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades (…)”

 

Motivação

A convicção sobre os factos assim dados como provados fundou-se no processo administrativo e documentos juntos pela requerente e não impugnados, em conjugação com a inexistência em geral de qualquer controvérsia das partes quanto a matéria de facto.

 

II Fundamentação (cont)

 

O Direito

Improcedendo as exceções e fixada a matéria de facto relevante, constata-se que a questão principal a conhecer no presente processo consiste em saber se, relativamente ao exercício de 2011, a derrama municipal deveria ser apurada com base no lucro tributável do grupo de sociedades sujeito ao RETGS, conforme entendimento da requerente, ou se, diversamente, como pretendeu a requerida[5], deveria aquele tributo ser calculado com base no lucro individual de cada uma das sociedades que o integram.

 

Importa, pois, antes de mais, uma breve incursão ao regime da derrama, bem como ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, previstos no Código do IRC.

 

Do regime da derrama.

 

De acordo com o artigo 238.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), as autarquias locais dispõem de património e finanças próprios, dispondo de poderes tributários nos casos e nos termos previstos na lei. Entre outros, traduzem-se estes na possibilidade de lançar derramas.

 Nos termos do n.º 1 do artigo 18.º da Lei de Finanças Locais (LFL) - Lei n.º 42/98, de 06-08 - os municípios podiam “… lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 10% sobre a coleta do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.”

Posteriormente, a Lei n.º 2/2007, de 15-01, veio fixar um novo regime para o lançamento de derrama, prevendo, no n.º 1 do seu artigo 14.º, que "Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.” - sendo este o regime vigente à data dos factos a que se reporta o pedido que originou o presente processo.

 

Da análise do regime instituído pela Lei de Finanças Locais (LFL) de 2007, por comparação com o anterior, resulta que:

 

a) A derrama municipal que, no regime anterior, configurava um adicional ao IRC, sendo apurada através da aplicação da taxa fixada pelos municípios à coleta deste imposto, passou, no domínio da Lei n.º 2/2007, a ser determinada por aplicação daquela taxa ao lucro tributável, constituindo, assim, o que a doutrina usualmente denomina de adicionamento. [6]

 

b) Estabelecendo regras específicas no tocante à definição, incidência subjetiva e determinação da base tributável, por remissão expressa para as regras do IRC, a derrama, manteve-se condicionada a um imposto principal (IRC), de que depende, conservando, assim, a anterior característica de imposto acessório. [7]

 

c) Todavia, o referido regime não regulava, de forma completa, a correspondente relação jurídico tributária, mantendo-se, assim, dependente do regime do IRC relativamente às matérias omissas, designadamente no que concerne a regras de liquidação, pagamento, garantias e obrigações acessórias.

 

O regime da derrama municipal, à data da ocorrência do facto tributário a que se reportam os presentes autos, era omisso relativamente à determinação da base tributável no caso de grupos abrangidos pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), cujos contornos essenciais se encontram previstos nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC.

 

Relativamente a este regime especial, estabelece o n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC que “existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo.”

 Segundo o n.º 1 do artigo 70.º, do mesmo Código, “…o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.”

 

A questão que, desde logo se veio a colocar, foi a de saber se a base tributável apurada nos termos supra referidos para o IRC relevaria igualmente para efeitos de cálculo da derrama.

 

A esta questão respondeu a Administração Tributária e Aduaneira (AT), divulgando, através do Ofício-Circulado n.º 20 132, de 14-04-2008, o seguinte entendimento[8]:

 

" A nova lei das finanças locais (Lei nº 2/2007, de 15-01), alterou a forma de cálculo da derrama para o exercício de 2007 e seguintes.

Tendo sido suscitadas dúvidas sobre o cálculo e a aplicação de derrama aos regimes especiais de tributação do IRC, informa-se o seguinte:

...

2. Regime especial de tributação de grupos de sociedades

No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no artigo 64º do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais.

Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento de coleta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável.

Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual.

Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o Anexo A, se for caso disso.

O somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respetivo pagamento à sociedade dominante, em consonância com o entendimento sancionado por despacho de 2008-03-13, do substituto legal do Diretor-Geral."

 

Tal entendimento não viria, porém, a ser acolhido pela jurisprudência, designadamente dos tribunais superiores. Com efeito, de forma reiterada e unânime, se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (STA) no sentido de que não resultando da Lei de Finanças Locais (LFL) - na redação anterior à que lhe foi conferida ao seu artigo 14.º pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro - regras específicas de apuramento da base da incidência da derrama nos casos de grupos abrangidos pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, haverá de seguir-se, para o cálculo da derrama, as regras do imposto principal (IRC).

 

Com efeito, pronunciou-se aquele Supremo Tribunal sobre a matéria em causa em acórdão de 02-02-2011, proferido no Recurso 909/10, nos seguintes termos:

 " É certo que, de acordo com a atual redação da LFL de 2007, se trata claramente de um imposto autónomo em relação ao IRC, pois todos os seus elementos estruturantes ora resultam da lei (sujeito ativo, margem de taxas) ou obedecem à intervenção da autarquia local (tributação ou não, taxas concretas), apenas comungando, para efeitos do seu cálculo e por simplicidade de gestão, de uma incidência objetiva comum (v. Saldanha Sanches, in revista citada, p. 137 e 138).

Por outro lado, a base de incidência da derrama deslocou-se, como vimos, da coleta de IRC para o lucro tributável em IRC.

A base de incidência da derrama passou, deste modo, a coincidir com a do IRC, no que respeita aos sujeitos passivos que exerçam a título principal atividade comercial, industrial ou agrícola, quer sejam residentes ou não residentes que exerçam tal atividade através de estabelecimento estável situado em território português (artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CIRC).

Esta coincidência entre bases de incidência apenas foi afastada quanto aos lucros sujeitos mas isentos de IRC, os quais ficaram expressamente excluídos da base de incidência da derrama.

Esta deslocação suscita novas questões, entre as quais sobressai a da determinação da matéria coletável da derrama cujas regras permanecem omissas no atual regime legal.

Não obstante a autonomização acima assinalada em relação à incidência, à coleta e à taxa do IRC, a derrama continua, todavia, a depender do regime do IRC em todos os outros campos que definem a sua relação jurídica tributária.

Com efeito, além de remeter expressamente para o IRC na definição da sua base de incidência e dos seus sujeitos passivos, o regime da derrama é omisso quanto a regras próprias de determinação da matéria coletável, liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias, para elencar apenas aquelas em que tradicionalmente se analisa a relação jurídica tributária.

Ora, como sustenta Manuel Anselmo Torres, a propósito da relevância dos prejuízos fiscais na matéria coletável da derrama, in Fiscalidade n.º 38, a fls. 159, a única via para integrar essas lacunas consiste em aplicar à derrama o regime previsto para o IRC.

Na verdade, como refere o autor citado, só o CIRC nos permite concluir, por exemplo, que a derrama deve ser objeto de autoliquidação e paga até ao fim do 5.º mês seguinte ao fim do período de tributação.

E o mesmo deverá, quanto a nós, suceder no caso de grupos de sociedades.
Prevendo o CIRC, nos seus artigos 69.º a 71.º, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, situação em que se encontra a impugnante, ora recorrida, e tendo esta optado, como a lei lhe faculta, pela aplicação desse regime para determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo.

E, assim determinado o lucro tributável para efeito de IRC, está necessariamente encontrada a base de incidência da derrama.

Tal entendimento, sufragado na decisão recorrida, é o que melhor se harmoniza com os preceitos legais aplicáveis e em nada desvirtua os fins que a LFL pretende alcançar ou ofende qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente os mencionados pela recorrente na conclusão 9 das suas alegações.

Por último, a circunstância de, relativamente às sociedades que integrem um grupo de empresas e que optem pelo regime especial de tributação previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC, se determinar o lucro tributável do grupo, em vez do lucro tributável de cada uma das sociedades individualmente, e, dessa forma, se encontrar a base de incidência da derrama devida globalmente, em vez de se apurar uma pluralidade de derramas individuais, nada tem a ver com a questão suscitada na conclusão 10 das alegações de recurso – a relevância dos prejuízos fiscais na matéria coletável da derrama – a qual não foi sequer objeto de apreciação na decisão sob recurso.

Razão por que se impõe, desta forma, a confirmação da sentença recorrida, assim se negando provimento ao recurso."

 

Esta jurisprudência, que aqui se sufraga inteiramente, foi reiterada e uniformemente mantida em numerosos arestos do STA, de que se destacam, entre outros, os acórdãos proferidos nos processos 309/11 de 22.06.2011, 234/2012 de 02.05.2012, 206/12, de 05-07-2012, 265/12, de 05-07-2012, 1302/12, de 09-01-2013, 1301/12, de 23-01-2013, 14082, de 13-03-2013, 105/13, de 13-03-2013, 1315/12, de 05-06-2013 e 1004/13, de 04-12-2013.

 

No mesmo sentido de que sempre que seja aplicável o regime de especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram, a jurisprudência arbitral, também de forma reiterada e unânime, se tem revelado inteiramente convergente com a do STA, conforme se extrai das decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 18/2011-T, 87/2012-T, 88/2012-T, 94/2012-T, 147/2012-T, 6/2013, 11/2013-T, 13/2013-T e 93/2013-T, entre outros.

 

Subsunção

Na situação sub juditio está em causa a liquidação da derrama à luz do entendimento então sufragado pela AT, ou seja, de que aquela [derrama] deveria ser apurada em função do lucro tributável de cada uma das sociedades individualmente, e não em função do lucro tributável do Grupo sujeito a IRC.

 

Considerando a jurisprudência uniforme do STA citada e que na pendência deste processo a própria AT, alterando entendimento anterior, veio a sufragar por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº 464/2013 – XIX, de 18 de outubro de 2013 [em que se determinou a não aplicação do citado ofício circulado nº 20 132, de 14 de abril de 2008, da Direção dos Serviços do IRC, na parte que se refere ao RETGS (nº 2 daquele ofício) relativamente aos períodos de imposto cujo facto tributário se considera ocorrido entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2011] e que veio a originar o mencionado pedido de extinção desta instância arbitral por alegada inutilidade superveniente, o pedido de anulação terá de proceder inteiramente,

 É certo que a Lei nº 64-B/2011, de 30-12 - que aprovou o Orçamento do Estado para 2012 - procedeu à alteração de diversos preceitos da LFL de 2007, tendo aditado ao seu artigo 14.º um novo n.º 8, com a seguinte redação: " Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.”

Assim, passou a vigorar, quanto à determinação da base de incidência da derrama, uma regra específica aplicável aos grupos sujeitos ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, sendo, no entanto, aplicável apenas a factos tributários que ocorram após 1-1-2012, como, aliás, foi entendido no sobredito despacho nº 464/2013-XIX, de 18 de outubro.

 

Com efeito, o legislador não lhe atribuiu caráter interpretativo pelo que, tendo em consideração o princípio constitucional da irretroatividade da lei fiscal plasmado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, aquela norma não pode ser aplicada retroativamente.

 

Tratando-se, assim, de norma inovadora e não interpretativa, o novo n.º 8 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15-01, vigora apenas para o futuro, ou seja, para os exercícios iniciados em ou a partir de 01-01-2012, não sendo, assim, aplicável ao caso a que se reportam os presentes autos, em que está em causa a derrama relativa ao exercício de 2011.

 

Do exposto decorre, como se viu, que o ato de autoliquidação da derrama relativa ao exercício de 2011 encontra-se ferido de ilegalidade, por vício de violação da lei porquanto, conforme alega a Requerente, deveria ter sido calculada com base no lucro tributável do grupo e não, como pretendeu a Requerida, com base no lucro tributável individual de cada uma das sociedades que o integram.

Procede, em consequência, o pedido de anulação do ato de liquidação da derrama municipal relativa ao exercício de 2011 na parte correspondente ao montante de € 323.302,30.

 

Do pedido de juros indemnizatórios.

 

A par da declaração da ilegalidade da autoliquidação da derrama, a Requerente peticiona, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, matéria que se insere no âmbito das competências deste Tribunal, conforme expressamente prevê o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT.

 

Determinada a ilegalidade da liquidação e a sua consequente anulação parcial, e encontrando-se paga a dívida tributária indevida, o direito a juros indemnizatórios subsiste, sempre que tal decorra de erro imputável aos serviços da AT, conforme prevê o n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

No presente caso, está-se perante uma autoliquidação, efetuada em conformidade com instruções genéricas divulgadas pela AT através do Ofício-Circulado n.º 20132, de 14-04-2008. De acordo com o n.º 2 do citado artigo, "considera-se haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas."

 

Assim, com base nas disposições dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), são devidos juros indemnizatórios sobre a importância indevidamente liquidada e paga, contados a partir do dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito, à taxa legal.

 

III - Decisão 

 

    De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)                    Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação da Derrama Municipal relativa ao exercício de 2011 na parte correspondente ao montante de €323.302,30;

b)                    Julgar procedente o pedido de reembolso da mencionada importância e

c)                    Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso à requerente do montante mencionado em a), com juros indemnizatórios, à taxa legal, nos termos dos artigos 43º e 100º, da LGT e 61º, do CPPT.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e  2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 323.302,30.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 15 de fevereiro de 2014

 

Os Árbitros

 

 

(José Poças Falcão)

 

 

 

(Jorge Carita)

 

 

 

(Henrique Curado)



[1] Na redação anterior do CPC e a que corresponderão hoje os artigos 316º e segs., do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho e que entrou em vigor em 15-9-2013.

 

[2] As exceções ora invocadas pela AT são recorrentes em idênticos processos arbitrais,dos quais se destacam e acolhem, porque transitadas em julgado, as decisões no Processo nº 106/2012-T e no Processo nº 147/2012-T. Mas também no Processo N.º 7/2012-T, que embora não transitado em julgado profere decisão de apreciação das exceções em tudo idêntica aos demais referidos

[3] Com a extinção da Direção-Geral de Impostos, resultante do DL n.º 118-A/2011, de 15 de dezembro, estas competências passaram para a Autoridade Tributária e Aduaneira, para a qual se consideram feitas «as referências deitas em quaisquer leis», por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do seu art. 12.º.

[4] E também no Acórdão proferido no proc nº 106/2012 – T, do CAAD.

[5] Como se viu, na pendência deste processo, a entidade requerida veio a alterar o seu entendimento e aderir ao sufragado pela requerida, pese embora não tenha anulado o ato tributário impugnado. Daí a continuidade da lide e o indeferimento do pedido de inutilidade superveniente desta [cfr despacho de 30-1-2014].

[6]  Vd., neste sentido, Rui Duarte Morais, "Passado, Presente e Futuro da Derrama" e Sérgio Vasques, "O Sistema de Tributação Local e Derrama", ambos em Fiscalidade, n.º 38, Abril-Julho 2009.

[7]  Neste sentido, vd, STA, Acórdão de 4-12-2013, Recurso n.º 01004/13, bem como doutrina e jurisprudência no mesmo citadas.

[8] Como se verá  adiante este entendimento veio a ser alterado por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nº 464/2013 – XIX, de 18 de outubro que determinou a não aplicação do ofício circulado nº 20 132 relativamente aos períodos de imposto cujo facto tributário tenha ocorrido entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2011.