Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 194/2013-T
Data da decisão: 2014-01-24  IRS  
Valor do pedido: € 96.630,83
Tema: IRS – tributação de mais-valias; domicílio fiscal
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Processo n.º 194/2013-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Manuel Pires e Dr. Nuno Azevedo Neves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 1-10-2013, acordam no seguinte:

 

 

1.      Relatório

 

A, representado fiscalmente em Portugal por B, com residência na ..., com NIF … (doravante também denominado por "Requerente") veio, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) e do artigo 1.º e 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo para se pronunciar sobre a ilegalidade do acto tributário n.º 2012 …, com o número da Compensação 2012 ..., relativo à liquidação de IRS n.º 2012 ... ( [1] ), respeitante ao exercício de 2011, no valor total global de € 96.630,83 (em que estão incluídos juros compensatórios).

O Requerente pede ainda a restituição do IRS pago em excesso bem como juros indemnizatórios.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 1-10-2013.

As Partes acordaram em não haver lugar à reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguiria com alegações escritas simultâneas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos que se consideram provados

 

a)                            Em 25-3-2011, o Requerente apresentou à Administração Tributária uma declaração de alteração de dados em que alterou a sua residência, que era em Portugal, para a República Popular da China;

b)                            Em 30-5-2011, o Requerente alienou, através de venda em bolsa, direitos de subscrição de acções C, pelo valor ilíquido de € 480.688,92 (fls. 12 do documento anexo ao pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

c)                            O Requerente, através do seu representante fiscal em Portugal, submeteu no dia 30-4-2012, declaração Modelo 3 de IRS, com referência aos rendimentos objecto de tributação em Portugal, relativos a 2011, invocando a qualidade de não residente, e não fazendo referência às mais-valias obtidas com a referida alienação dos direitos de subscrição;

d)                           Com base na declaração referida na alínea anterior foi efectuada a liquidação de IRS n.º 2012 ..., relativa a 2011, datada de 18-7-2012, no valor de 7,77, não tendo existido qualquer pagamento a realizar, por aplicação do previsto no art. 95.º do Código IRS;

e)                            No dia 26-7-2012, o Requerente foi notificado de que a declaração de rendimentos que apresentara relativa ao ano de 2011 detinha incongruência, tendo sido detectado que "os rendimentos de incrementos patrimoniais declaradas, são inferiores ao conhecidos ou as partes sociais alienadas não pertencem a micro e pequenas empresas; Outros";

f)                             Em sequência, o Requerente apresentou declaração de substituição relativa ao período em causa, invocando a qualidade de não residente e incluindo nela, no anexo G, o valor de realização de € 480.688,82, sem valor de aquisição e com os encargos de € 1.251,48;

g)                            Com base nesta nova declaração foi efectuada a liquidação de IRS n.º 2012 ..., datada de 10-8-2012 e a Compensação 2012 ..., relativas ao exercício de 2011, de que resultou o valor a pagar de € 96.630,83 (em que estão incluídos juros compensatórios);

h)                            Em 14-12-2012, foi apresentada reclamação graciosa alegando o ora Requerente, então reclamante, em síntese, ser a tributação indevida atenta a circunstância de se mostrarem verificados os requisitos necessários à aplicação do benefício contemplado no artigo 27.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), designadamente que as mais-valias obtidas resultaram da alienação de valores mobiliários emitidos por entidade residente em território português que foram negociados em mercado regulamentado de bolsa e que o Requerente não era residente em Portugal, sendo antes residente fiscal na República Popular da China;

i)                              O Requerente juntou à reclamação graciosa, cópia de bilhete de identidade de residente permanente na Região Administrativa Especial de Macau (n.º ..., de que constam as datas de “20-09-1995” e “04-08-2005” e cópia certificada de Declaração emitida em 5-11-2012 pela Direcção de Serviços da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, subscrita pelo Chefe da Repartição de Finanças de Macau, que constitui o documento n.º 8 junto à reclamação graciosa, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere o seguinte:

Certifico que A, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º …, nada deve à Região Administrativa Especial de Macau no que diz respeito a contribuições e impostos”;

j)                              A declaração referida na alínea anterior foi emitida a requerimento do Requerente cujo teor se dá como reproduzido, em que pediu que se certificasse que era “contribuinte fiscal em nome individual devidamente registado junto do Governo da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China e de que não é devedor da Fazenda Pública da Região Administrativa Especial de Macau por contribuições e impostos, multas ou acrescido de nenhuma contribuição ou imposto em relação à RAEM”;

k)                            Foi elaborado esboço de decisão da reclamação graciosa, tendo os serviços da Administração Tributária projectado a intenção de indeferimento da reclamação apresentada, com fundamento no facto de a isenção que o ora Requerente afirmava gozar estar excluída por força do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 27.º do EBF, por a Administração Tributária entender que os elementos de facto que integravam o procedimento permitiam concluir que o ora Requerente, para efeitos de aplicação do regime estatuído no artigo 27º do EBF, era uma pessoa singular sem domicílio em território português e que o mesmo era domiciliado em território sujeito a “um regime fiscal claramente mais favorável constante da lista aprovada por portaria do Ministério das Finanças”, concretamente Hong Kong (parte 2 do processo administrativo);

l)                              Em exercício do direito de participação, o ora Requerente discordou da decisão que se projectava, nomeadamente pelo facto de a Administração ter desconsiderado os documentos de prova apresentados e em reforço dos documentos que antes haviam sido apresentados, e juntou à reclamação graciosa cópia de um «Conhecimento de cobrança» de Imposto Profissional, emitido em 14-9-2012, e uma «Notificação de Fixação de Rendimento», datada de 15-8-2012, com referência ao ano de 2011, que constam de fls. 64, 65 e 66 da reclamação graciosa, cujos teores se dão como reproduzidos, em que, além do mais, se indica como endereço do Requerente «…, Macau»;

m)                          No exercício do direito de audição, o Requerente protestou juntar nova certidão emitida pelo Governo da Região Administrativa de Macau – Direcção dos Serviços de Finanças, atestando/confirmando a residência fiscal do ora Exponente nessa região;

n)                            Em 24-4-2013, o Requerente juntou ao processo de reclamação graciosa a certidão, datada de 9-4-2013, cuja cópia consta de fls. 71 desse processo, em que se refere o seguinte: «Certifico que, A, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º ..., nada deve à Região Administrativa Especial de Macau no que diz respeito a contribuições e impostos”;

o)                            No requerimento com base no qual esta certidão foi emitida, o Requerente pediu ao Senhor Chefe das Repartições de Finanças que o mesmo “se digne ordenar a emissão de uma certidão comprovativa de que o requerente (…) tem o seu domicílio profissional devidamente registado junto desta repartição de serviços, sendo por isso, RESIDENTE FISCAL DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU, onde tem vindo a pagar os seus impostos e contribuições regularmente, nos termos da lei”;

p)                            Na sequência, por despacho de 30-4-2013, do Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação graciosa, com os fundamentos propostos na Informação Final n.º REC …, que consta de fls. 73 a 75 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

«3.1 O pedido respeita, como se viu, à tributação em IRS das mais valias obtidas com a venda em bolsa, a 30/5/2011, de um conjunto de direitos de subscrição de acções do C, em conformidade com a declararão de substituição nº 1503-J3501-57, de 9/8/2012, submetida pelo contribuinte depois de para esse fim notificado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (fls. 10, 19, 25 e 53 verso).

3.2 Invoca agora que em 2011 beneficiava da isenção de IRS prevista no artigo 27º, nº 1, do EBF relativamente às mais valias em questão, por não ser residente em Portugal, nem se verificar a situação prevista no nº 3, alínea a), do mesmo artigo, dado residir na República Popular da China.

Afirma que Macau não consta na lista aprovada pela Portaria nº 292/2011, de 8/11, de países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis (petição, artigos 20º e 21º)

Junta à sua petição, por fotocópia, entre outros elementos:

- Declaração, emitida a 12/1/2012, por C para efeitos do artigo 125º do CIRS, onde se inclui a referida operação de venda de direitos de subscrição de acções (fls. 25 e 26);

- Print do portal das finanças respeitante aos dados do contribuinte (fls. 27 e 28);

- Bilhete de identidade de residente permanente na Região Administrativa Especial de Macau nº ..., com as datas de 20/9/1995 e 4/8/2005 (fls. 29);

- Documento emitido a 5/11/2012 pela Direcção de Serviços de Finanças da Região Administrativa Especial de Macau certificando que o contribuinte nada deve" àquela Região "no que diz respeito a contribuições e impostos" (fls. 32);

(...)

3.4 Resulta dos elementos juntos aos autos que o ora reclamante apresentou a primeira declaração modelo 3 de IRS relativa a 2011 (nº …, de 30/4/2012), assim como a declaração de substituição (nº …, de 9/8/2012), indicando a qualidade de "não residente" (fls. 20 e 43).

Resulta também que a 25/3/2011 submeteu uma declaração de alteração de dados (nº ...), onde a residência (que até então era em Portugal) foi alterada para o estrangeiro, indicando como país de residência a República Popular da China (fls. 44 e 45).

Significa isto que a 30/5/2011, data da         alienação em bolsa dos títulos e de acordo com os elementos referidos, o contribuinte era fiscalmente residente no estrangeiro na República Popular da China.

Não se indicava, porém, no documento de alteração de dados, se o lugar de residência era em qualquer uma das regiões administrativas especiais da República Popular da China — em Macau, ou em Hong Kong, sendo este o território do seu nascimento -- ou, eventualmente, em mais do que uma região daquele país (fls. 44).

3.5 Já a declaração do C, onde consta a venda dos títulos em questão, emitida para efeitos do artigo 125º do Código de IRS, é dirigida ao ora reclamante para um domicílio em Hong Kong (…), o que permite supor que ai possuía domicílio (fls. 25).

Ora, tal como Macau, também Hong Kong, igualmente com o estatuto de região administrativa especial, faz parte da República Popular da China, que o contribuinte identifica como país da sua residência.

Diferentemente de Macau, porém, Hong Kong integra a lista de países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis aprovada pela Portaria nº 292/2011.

Acresce que em 2011 não se encontrava ainda em vigor o Acordo entre a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Hong Kong para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, o que apenas viria a suceder a 3/6/2012, nos termos do respectivo artigo 28º, nº 1 (cfr. o Aviso 53/2012, de 1/6/2012, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e a Resolução da Assembleia da República nº 49/2012, de 16/4)

3.6 A titularidade do bilhete de residente permanente da Região Administrativa Especial de Macau, assim como a declaração de que não é devedor fiscal desta Região, não são incompatíveis com o domicílio em Hong Kong.

Parece, em suma, estar excluído, por força do disposto no artigo 27º, nº 3, alínea a), do EBF, o direito à isenção consagrado no nº 1 do mesmo artigo, devendo por isso considerar-se legal a liquidação reclamada.

Porque a liquidação do imposto foi "retardada" por "facto imputável ao sujeito passivo", é também de considerar legal a liquidação dos juros compensatórios, nos termos do artigo 35º, nº 1, da Lei Geral Tributária (CGT).

4. Audição prévia. Conclusão

4.1 Notificado para se pronunciar previamente à decisão do procedimento, o reclamante respondeu pelo envio do documento de fls. 59 a 63, onde manifesta a sua discordância relativamente à decisão em projecto.

Manifesta aí a convicção que não existem "divergências quanto à legislação aplicável e à interpretação da mesma" e que "está apenas em causa a comprovação da residência do ora Exponente na República Popular da China — Região Administrativa de Macau" (resposta, artigo 5º).

Para prova desse facto, junta agora os documentos emitidos em seu nome pela administração fiscal da Região Administrativa Especial de Macau respeitantes à "notificação da fixação do rendimento" e ao "conhecimento de cobrança" do imposto profissional de 2011.

E protesta juntar uma "nova certidão" emitida também pela Região Administrativa Especial de Macau "atestando/confirmando a residência fiscal do ora Exponente nessa região" (fls. 61).

Sucede que, nos termos da norma do EBF acima citada, o projecto de indeferimento funda-se em que o reclamante possui domicílio em Hong Kong, de acordo com a prova constante nos autos. É aí domiciliado: é esta a expressão do EBF, sem qualquer qualificativo.

Por isso, conforme resulta claro no projecto de decisão e ao contrário do que afirma o reclamante, não está em causa nos autos o seu estatuto de residente permanente na Região Administrativa Especial de Macau ou a sua tributação nesta Região. Tão-pouco está em causa o seu nascimento em Hong Kong (pontos 3.5 e 3.6).

No projecto de decisão não se excluía que o reclamante fosse residente permanente em Macau. O que se dizia era que a titularidade do bilhete de residente permanente da Região Administrativa Especial de Macau, assim come a declaração de que não é devedor fiscal desta Região, não são incompatíveis com o domicílio em Hong Kong" (cfr. supra ponto 3.6).

Com efeito, a lei admite que uma pessoa tenha mais do que um domicílio. Admite também a existência de mais do que um lugar de residência (cfr. Código Civil, artigos 82º a 84º).

Não se vê, por isso, interesse para a decisão do procedimento nos documentos juntos aos autos com que se visa provar que o reclamante é residente na Região Administrativa Especial de Macau, que é aí tributado, e que não é devedor dessa Região "no que diz respeito a contribuições ou impostos" (fls. 29, 32, 64 a 66 e 71).

4.2 Em face do exposto, e em conclusão, é de indeferir a presente reclamação graciosa.»;

q)                            No Passaporte português de que o Requerente é titular, emitido em 25-8-2005, indica-se como sua residência «Macau (China)» (anexo 4 ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

r)                             Em escritura celebrada em 10-3-2006, a procuradora que interveio em representação do Requerente declarou que este residia na ..., em Macau (anexo 2 ao Relatório da Inspecção que consta do “Documento n.º 2 1.ª parte.pdf», junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);

s)                             Em escritura celebrada em 12-12-2008, o procurador que interveio em representação do Requerente, indicou que este residia em «Hong Kong, em …, República Popular da China» (anexo 3 ao Relatório da Inspecção que consta do “Documento n.º 2 1.ª parte.pdf», junto com a resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);

t)                             O C, entidade depositária dos títulos de valores mobiliários, enviou ao Requerente a declaração de «Registo ou Depósito de Valores Mobiliários» relativa ao ano de 2011, para o endereço «…, Hong Kong» (fls. 25 do processo administrativo);

u)                            O Requerente pagou a quantia liquidada, através de cheque cuja cópia consta do anexo 5 ao pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que o Requerente tivesse residência habitual em Macau, em 30-5-2011 ou posteriormente até ao termo do ano desse ano.

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseou-se no processo administrativo, nos documentos juntos à petição inicial, em afirmações da Requerente que não são impugnadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

3. Apreciação do mérito da causa

 

3.1. A questão a apreciar

 

Está em causa no presente processo a questão de saber se o Requerente pode usufruir do benefício previsto no artigo 27.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), relativamente as mais-valias resultantes da alienação de valores mobiliários obtidas no ano de 2011.

O artigo 27.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção vigente em 2011, estabelecia o seguinte:

 

Artigo 27.º

Mais-valias realizadas por não residentes

1 – Ficam isentas de IRS e de IRC as mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais, outros valores mobiliários, warrants autónomos emitidos por entidades residentes em território português e negociados em mercados regulamentados de bolsa e instrumentos financeiros derivados celebrados em mercados regulamentados de bolsa, por entidades ou pessoas singulares que não tenham domicílio em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual as mesmas sejam imputáveis.

2 – O disposto no número anterior não é aplicável:

a) A entidades não residentes e sem estabelecimento estável em território português que sejam detidas, directa ou indirectamente, em mais de 25 %, por entidades residentes;

b) A entidades não residentes e sem estabelecimento estável em território português que sejam domiciliadas em país, território ou região sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou com o qual não esteja em vigor uma convenção destinada a evitar a dupla tributação internacional ou um acordo sobre troca de informações em matéria fiscal; (Redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro)

c) Às mais-valias realizadas por entidades não residentes com a transmissão onerosa de partes sociais em sociedades residentes em território português cujo activo seja constituído, em mais de 50 %, por bens imóveis aí situados ou que, sendo sociedades gestoras ou detentoras de participações sociais, se encontrem em relação de domínio, tal como esta é definida no artigo 13.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, a título de dominantes, com sociedades dominadas, igualmente residentes em território português, cujo activo seja constituído, em mais de 50 %, por bens imóveis aí situados.

3 – O disposto no n.º 1 não é ainda aplicável:

a) A pessoas singulares não residentes e sem estabelecimento estável em território português que sejam domiciliadas em país, território ou região sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou com o qual não esteja em vigor uma convenção destinada a evitar a dupla tributação internacional ou um acordo sobre troca de informações em matéria fiscal; (Redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro)

b) Às mais-valias realizadas por pessoas singulares com a transmissão onerosa de partes sociais em sociedades residentes em território português cujo activo seja constituído, em mais de 50 %, por bens imóveis aí situados ou que, sendo sociedades gestoras ou detentoras de participações sociais, se encontrem em relação de domínio, tal como esta é definida no artigo 13.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, a título de dominantes, com sociedades dominadas, igualmente residentes em território português, cujo activo seja constituído, em mais de 50 %, por bens imóveis aí situados.

 

No caso em apreço, não é controvertido que se verificam os requisitos da isenção exigidos pelo n.º 1 deste artigo 27.º:

– as mais-valias foram realizadas com a transmissão onerosa valores mobiliários;

– esses valores mobiliários foram emitidos por uma entidade residente em território português;

– esses valores mobiliários foram negociados em mercado regulamentado de bolsa;

– o Requerente não tinha domicílio em território português nem possuía estabelecimento estável ao qual as mais-valias fossem imputáveis.

 

A controvérsia assenta apenas em divergência entre o Requerente e a Administração Tributária quanto à verificação do requisito negativo previsto na alínea a) do n.º 3 deste artigo 27.º, que é o de o contribuinte, pessoa singular, não ser domiciliado «em país, território ou região sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças».

No caso em apreço, a Administração Tributária entende que, no ano de 2011, o Requerente estava domiciliado em Hong Kong, que fazia parte da «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro (o mesmo sucede com a anterior lista, publicada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro). Por este motivo, a Administração Tributária entendeu que o Requerente não beneficia da isenção referida.

O Requerente defende que, no ano de 2011 estava domiciliado na Região Administrativa Especial de Macau, que faz parte da República Popular da China, e não é incluída na lista referida. Por isso, o Requerente entende que beneficia da isenção.

Assim, a questão essencial a decidir é a de saber se, à face da prova produzida, o Requerente deve considerar-se domiciliado ou não em Hong Kong.

 

3.2. Conceito de domicílio

 

O Código Civil, nos seus artigos 82.º a 86.º, define vários conceitos de domicílio: domicílio voluntário geral; domicílio profissional; domicílio electivo; domicílio legal dos menores e interditos; domicílio legal dos empregados públicos; domicílio legal dos agentes diplomáticos portugueses.

Porém, a Lei Geral Tributária (LGT) contém também conceitos de «domicílio fiscal», no seu artigo 19.º.

Por força do disposto no artigo 11.º, n.º 2, da LGT, «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».

Fornecendo a lei fiscal conceitos próprios de domicílio, tem de entender-se que resulta directamente da lei que não são aplicáveis os conceitos que se prevêem no Código Civil, na medida em que estão previstos naquela lei.

Na verdade, o alcance de a LGT estabelecer conceitos próprios de domicílio para efeitos fiscais não pode deixar de ser o de afastar a aplicação dos conceitos previstos no Código Civil, na parte em que sejam contrariados pelos fiscais.

O artigo 19.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária estabelece, salvo disposição em contrário, o domicílio fiscal do sujeito passivo é, para as pessoas singulares, o local da residência habitual, o que significa que há coincidência entre este conceito fiscal e o conceito base do domicílio voluntário geral, que consta da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 82.º do Código Civil, em que se estabelece que «a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual».

Não existia qualquer disposição legal vigente em 2011 que possa ser aplicável à situação em apreço que dispusesse em contrário do que se estabelece naquela norma da LGT, pelo que, em face da equiparação da residência habitual a domicílio fiscal, tem de se concluir que a expressão «que sejam domiciliadas em país, território ou região sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável» tem de ser interpretada como significando «que residam habitualmente em país, território ou região sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável».

Por outro lado, a vontade do contribuinte não é relevante para afastar a localização do domicílio fiscal no local da residência habitual, como se conclui do facto de se estabelecer que «a administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor» (n.º 8 do artigo 19.º da LGT, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que era anteriormente o n.º 6).

Como residência habitual considera-se «o sítio onde a pessoa mora», o «sítio ou local onde estabeleceu o centro da sua vida e com o qual está em ligação» ( [2] ), conceito este que se distingue do domicílio profissional, que é o local onde a profissão é exercida (artigo 83.º, n.º 1, do Código Civil) e do domicílio electivo, que é o estipulado para determinados negócios (artigo 84.º do Código Civil).

Assim, para efeitos do caso em apreço, como domicílio do Requerente tem de se considerar a sua residência habitual, por força do preceituado no artigo 19.º, n.º 1, alínea a), da LGT.

 

3.3. O ónus da prova dos pressupostos do benefício fiscal

                                                                                                 

O artigo 74.º, n.º 1, da LGT estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

No específico caso dos benefícios fiscais, o artigo 14.º, n.º 2, da LGT estabelece que «os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito».

Desta norma infere-se que o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre os contribuintes e concretiza-se através da revelação desses pressupostos ou autorização para eles serem revelados à Administração Tributária.

Na falta de cumprimento desse ónus, os benefícios fiscais ficam sem efeito, como estatui a parte final daquele n.º 2 do artigo 14.º.

O artigo 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) confirma esta conclusão ao estabelecer, no seu n.º 1, que «salvo disposição em contrário e sem prejuízo dos direitos resultantes da informação vinculativa a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º, o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei» e, no seu n.º 5, que «a manutenção dos efeitos de reconhecimento do benefício dependem de o contribuinte facultar à administração fiscal todos os elementos necessários ao controlo dos seus pressupostos de que esta não disponha».

Resulta, assim, destas normas que, nos casos em que a Administração Tributária não dispõe de elementos de prova dos benefícios fiscais, é o contribuinte que lhos tem de fornecer, «sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito», como determina a parte final do n.º 2 do artigo 14.º da LGT.

Embora estas regras estejam previstas para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo jurisdicional que se lhes seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo jurisdicional. ( [3] )

Por outro lado, embora o artigo 100.º, n.º 1, do CPPT estabeleça a regra de que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado», nos casos dos pressupostos dos benefícios fiscais não se está perante uma situação aqui directamente enquadrável, pois, ela reporta-se apenas a prova da existência do facto tributário e sua quantificação e não às isenções.

O facto tributário é o facto jurídico constitutivo da obrigação de imposto e «a isenção tem a natureza jurídica de um facto impeditivo autónomo e originário e não de uma delimitação negativa do facto constitutivo». ( [4] )

Para além disso, aquela regra do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, tem natureza de norma geral sobre o ónus da prova nos processos de natureza jurisdicional, pelo que deve ceder perante normas especiais sobre essa matéria, como é o caso das normas que se referiram sobre o ónus da prova em matéria de benefícios fiscais. Nos casos em que existem normas especiais sobre o ónus da prova que o fazem recair sobre o contribuinte no procedimento tributário, deve entender-se que ele também lhe é imposto no processo jurisdicional, pois a ponderação de interesses, baseada em regras da normalidade, que justifica a repartição do ónus da prova no procedimento tributário é a mesma que se tem de fazer no processo judicial, e, por isso, «o critério de repartição deverá ser o mesmo, como impõe a coerência valorativa e axiológica imposta pelo princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primordial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do Código Civil). Com efeito, não se compreenderia que, com base num determinado critério sobre o ónus da prova, se levasse a administração tributária a praticar um acto de liquidação (que, à face deste critério, seria legal), para, depois, no processo judicial, inverter o ónus da prova sobre os mesmos factos, levando o tribunal a decretar a anulação desse acto, por ilegalidade consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto, sem que sobreviesse qualquer alteração da matéria de facto». ( [5] )

Por isso, no caso em apreço, sendo pressuposto do benefício fiscal o Requerente ser domiciliado em país, território ou região não sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, é sobre ele que recai o ónus da prova dessa residência.

 

3.4. A prova da residência do Requerente

 

O Requerente, na sequência de uma notificação da Administração Tributária, que comunicou existir divergência entre os rendimentos declarados pelo Requerente relativos ao ano de 2011 e os dela conhecidos, apresentou uma declaração de substituição em que incluiu as mais-valias referidas, resultantes da alienação de valores mobiliários.

Com base nessa declaração foi efectuada a liquidação e a compensação cuja ilegalidade se discute no presente processo.

O Requerente impugnou administrativamente essa liquidação e compensação, através de reclamação graciosa, defendendo que se verificavam os requisitos da isenção prevista no artigo 27.º, n.º 1, do EBF, designadamente porque era residente na Região Administrativa Especial de Macau, da República Popular da China.

O Requerente apresentou na reclamação graciosa, como elementos de prova desta residência, os seguintes documentos:

– cópia de bilhete de identidade de residente permanente na Região Administrativa Especial de Macau (n.º ..., de que constam as datas de “20-09-1995” e “04-08-2005”;

– cópia certificada de Declaração emitida em 5-11-2012 pela Direcção de Serviços da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, subscrita pelo Chefe da Repartição de Finanças de Macau, em que se refere o seguinte: “Certifico que A, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º ..., nada deve à Região Administrativa Especial de Macau no que diz respeito a contribuições e impostos”; esta certidão foi emitida a requerimento do Requerente, em que pediu que se certificasse que era “contribuinte fiscal em nome individual devidamente registado junto do Governo da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China e de que não é devedor da Fazenda Pública da Região Administrativa Especial de Macau por contribuições e impostos, multas ou acrescido de nenhuma contribuição ou imposto em relação à RAEM”;

– uma certidão, datada de 9-4-2013, emitida na sequência de um requerimento apresentado pelo Requerente ao Senhor Chefe das Repartições de Finanças em que pediu que o mesmo “se digne ordenar a emissão de uma certidão comprovativa de que o requerente (…) tem o seu domicílio profissional devidamente registado junto desta repartição de serviços, sendo por isso, RESIDENTE FISCAL DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU, onde tem vindo a pagar os seus impostos e contribuições regularmente, nos termos da lei”, certidão essa em que se refere o seguinte: «Certifico que, A, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º ..., nada deve à Região Administrativa Especial de Macau no que diz respeito a contribuições e impostos”;

– cópia de um «Conhecimento de cobrança» de Imposto Profissional, emitido em 14-9-2012, e uma «Notificação de Fixação de Rendimento», datada de 15-8-2012, com referência ao ano de 2011, em que, além do mais, se indica como endereço do Requerente «… , Macau».

 

Foi junta ainda ao presente processo cópia de uma página do passaporte do Requerente, emitido em 2005, em que se refere a residência em Macau.

Nenhum destes documentos permite considerar provado que o Requerente residisse habitualmente na Região Administrativa Especial de Macau no ano de 2011.

Na verdade, o Bilhete de Identidade de residente permanente em Macau foi renovado em 2005, ano em que também foi emitido o passaporte, e está demonstrado que, depois dessa data, o Requerente residiu em Portugal. ( [6] ) Por isso, o que se pode inferir do referido Bilhete de Identidade e do passaporte é que, no ano de 2005, o Requerente teria residência permanente em Macau. O facto de serem documentos oficiais, com a inerente presunção de veracidade, apenas assegura que o que neles se refere é verdadeiro no momento em que foram emitidos ou actualizados, mas não indefinidamente.

No que concerne às certidões emitidas pelo Senhor Chefe das Repartições de Finanças de Macau, para além de se reportarem aos anos de 2012 e 2013 e não 2011, constata-se que em nenhuma delas se certifica que o Requerente residisse em Macau, pois apenas se certifica que não tinha dívidas fiscais. No que concerne à primeira certidão, o Requerente nem mesmo pediu para ser certificado que tinha a qualidade de residente em Macau, tendo antes pedido, no requerimento que deu origem à emissão da certidão, que se certificasse que era «contribuinte fiscal em nome individual devidamente registado junto do Governo da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China».

Quanto à segunda certidão, emitida na sequência de um requerimento em que era pedido que se certificasse que «tem o seu domicílio profissional devidamente registado junto desta repartição de serviços, sendo por isso, RESIDENTE FISCAL DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU, onde tem vindo a pagar os seus impostos e contribuições regularmente, nos termos da lei», apenas foi certificado que «nada deve à Região Administrativa Especial de Macau no que diz respeito a contribuições e impostos».

É de notar que o Requerente, em nenhum destes requerimentos de certidões invocou a qualidade de residente habitual em Macau, apenas afirmando ser aí «contribuinte fiscal em nome individual devidamente registado» e ter «o seu domicílio profissional devidamente registado», o que, obviamente, é diferente de aí ter a residência habitual.

Por outro lado, no contexto em que foram apresentados os referidos requerimentos de certidões, que é o de o Requerente ter necessidade de demonstrar perante a Administração Tributária Portuguesa que residia em Macau (o segundo requerimento foi apresentado na sequência da notificação para audição prévia em que foi posto em causa pela Administração Tributária que o ao Requerente residisse em Macau), o facto de em nenhum deles ter afirmado que aí residia, mas apenas que aí estava registado como contribuinte e aí tinha domicílio profissional, apontam manifestamente no sentido de se concluir que o Requerente não residia Macau, pois, se aí residisse era natural que invocasse essa qualidade, que era a que necessitava demonstrar, em face do conceito de domicílio adoptado na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º da LGT.

Quanto ao conhecimento de cobrança e notificação da fixação de rendimento em Macau relativos ao ano de 2011, também não comprovam que o Requerente tivesse residência em Macau nesse ano, pois são compatíveis como o que o Requerente afirmou ao requerer as certidões, que foi ser aí contribuinte fiscal e ter domicílio profissional.

Por outro lado, a experiência comum permite concluir que é extremamente fácil para uma pessoa com a elevada situação económica do Requerente (que se infere do nível de rendimentos auferidos em 2011) fazer a prova da residência habitual, designadamente através da correspondência de natureza não profissional normalmente associada à manutenção de uma residência, como por exemplo, contratos e facturas ou recibos relativos a fornecimento de água e electricidade ou prestações de serviços ou aquisição de bens. Essa facilidade de prova da residência através de documentos desses tipos justifica que se conclua que a sua ausência se deva ao facto de o Requerente não ter residência em Macau no ano de 2011, pois se a tivesse, seria normal que apresentasse prova desse tipo. Na verdade, se é certo que o local onde se recebe a correspondência pessoal não é forçosamente o da residência, também o é que normalmente assim sucede, pelo que com base nas regras da vida e da experiência comum se pode inferir da existe de residência habitual com fundamento na prova da recepção de correspondência desse tipo, se não existirem outros elementos probatórios que apontem em sentido contrário.

Por outro lado, corrobora também a conclusão de o Requerente não ter residência em Macau o facto de não ter conseguido obter qualquer declaração das autoridades públicas nesse sentido, apesar de ter procurado obtê-la, como o próprio Requerente referiu ao pronunciar-se no exercício o direito de audição [alínea m) da matéria de facto fixada].

Para além de não haver elementos que comprovem a tese do Requerente de que, no ano de 2011, residia em Macau, o facto de ser para um endereço localizado em Hong Kong que foi enviada a declaração bancária relativa ao registo e depósito de valores mobiliários, referente ao ano de 2011, aponta no sentido de o Requerente, nesse ano, residir em Hong Kong.

Por outro lado, também apontam no sentido de a residência do Requerente ser a indicada nesta declaração bancária, os factos de na escritura de celebrada em 2006, referida na alínea r) da matéria de facto fixada, ter sido indicado que o ora Requerente residia em Macau, mas na celebrada em 2008, referida na alínea s) da matéria de facto fixada, ter sido indicada como sua residência a de Hong Kong, que é a que foi indicada na referida declaração bancária.

A conclusão a que objectivamente conduzem tais factos é a de que o Requerente tinha residência em Macau em 2005 (como consta do Bilhete de Identidade e do passaporte) e pelo menos até 2006 [como se refere na escritura referida na alínea r) da matéria de facto fixada], mas, depois, deixou a aí residir, passando a ter residência em Hong Kong, pelo menos já em 12-12-2008, no local onde mantinha residência em 2011.

Por isso, à face da prova produzida, é de concluir que o Requerente, no ano de 2011, tinha residência em Hong Kong e que não a tinha em Macau.

De qualquer forma, mesmo que não se considerasse provado que o Requerente residia em Hong Kong, é inequívoco que o Requerente não fez prova de que, em 2011, não residia em Hong Kong nem noutro território estrangeiro indicado na Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro (ou na antecedente Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro), pelo que recaindo sobre o Requerente o ónus da prova do requisito negativo do benefício fiscal previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º do EBF, a dúvida que pudesse existir sobre a residência do Requerente sempre teria de ser processualmente valorada contra ele e não a seu favor.

Assim, não se demonstra a ilegalidade do acto de liquidação e compensação que é objecto do pedido de pronúncia arbitral, pelo que este tem de ser julgado improcedente, bem como os pedidos de restituição da quantia paga e pagamento de juros indemnizatórios, que dependem da ilegalidade daquele acto.

 

4. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

 

a)                       Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto tributário n.º 2012 ..., com o número da Compensação 2012 ..., relativo à liquidação de IRS n.º 2012 ..., respeitante ao exercício de 2011, no valor total global de € 96.630,83;

b)                      Julgar improcedente o pedido restituição da quantia liquidada, paga pelo Requerente;

c)                       Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios. 

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 96.630,83.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754.00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Lisboa, 24 de Janeiro de 2014

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(Manuel Pires)

 

 

 

 

 

(Nuno Azevedo Neves)

 



( [1] )          É este o número da liquidação, como se vê pela folha 2 do documento junto pelo Requerente.

( [2] )          CASTRO MENDES, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, 1978, página 195.

                No mesmo sentido, LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, volume I, tomo I, 1983, página 360.

( [3] ) Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2007, processo n.º 479/07; de 20-10-2010, processo n.º 495/10; e de 28-9-2011, processo n.º 494/11.

( [4] )          Neste sentido, ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, I, 1981, páginas 247 e 282.

( [5] )          Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2007, processo n.º 479/07.

( [6] )          E também em Hong Kong, como adiante se referirá.