Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 200/2013-T
Data da decisão: 2014-01-06  IRC  
Valor do pedido: € 140.958,11
Tema: IRC. Derrama municipal. Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (REGTS)
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Decisão Arbitral

                                                             

Os árbitros Juiz Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro presidente), Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia e Dr. André Festas da Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 25 de Outubro de 2013, acordam no seguinte:  

 

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 22 de Agosto de 2013 a A… – SGPS, S.A., sociedade com sede na Rua de …, pessoa colectiva n.º …, doravante designada por “Requerente” ou “A…”, enquanto entidade responsável pela autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do grupo de sociedades tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), em virtude de ser a sociedade dominante de um Grupo de sociedades, requereu, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) e do artigo 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo.
  2. Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral: i) declare a ilegalidade  do acto de autoliquidação da derrama municipal respeitante ao exercício de 2011, no montante de €140.958,11; ii) determine o reembolso do montante de € 140.958,11; iii) determine o pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre os montantes indevidamente pagos pela Requerente.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 23/08/2013 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou a “Requerida”) nessa mesma data.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral colectivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 
  5. Em face das questões processuais levantadas (tantas vezes repetidas em outros processos do CAAD), o tribunal em 26.11.2013, ao abrigo do princípio da «autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas» [cf. a alínea c) do artigo 16.º do RJAT], e dos princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais [n.º 2 do artigo 29.º do RJAT], decidiu  dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
  6. As partes não se opuseram e nada mais requereram.

 

I.2 A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

  1. Apesar de a Lei das Finanças Locais (doravante apenas LFL) possibilitar que os municípios obtenham uma receita própria através do recurso à derrama, o apuramento da receita deste adicionamento de imposto está condicionado pelo processo normal de determinação subsidiária da matéria coletável e da coleta, a qual se encontra fixada nas regras do imposto do qual depende: o IRC.
  2. Caracterizada a derrama municipal como um imposto que, embora autónomo, continua a ser dependente do IRC em muitos dos campos que definem a respectiva relação jurídico-tributária ― entre os quais avulta o da determinação da sua matéria coletável ― e sabendo-se que a Impugnante e o conjunto das sociedades dominadas que integram o RETGS são tributadas em IRC no âmbito do Grupo, é preciso tomar ainda em consideração as regras especiais de determinação do lucro tributável fixadas nesse regime (ou seja, no RETGS).
  3. O que, no âmbito da aplicação do RETGS, releva para efeitos fiscais, em sede de IRC, é o resultado fiscal do Grupo, unitário e indivisível, sendo os resultados individuais de cada empresa meras parcelas constitutivas do mesmo.
  4. O lucro tributável que releva para efeitos do IRC é calculado, no âmbito do RETGS, nos termos do artigo 70.º do Código do IRC, correspondente ao lucro tributável do Grupo.
  5. A base de incidência da derrama municipal no âmbito do RETGS não pode ser apurada por referência apenas aos elementos materiais positivos do lucro tributável do Grupo ― que mais não são do que meras parcelas de uma soma aritmética, ditada pelo artigo 70.º do Código do IRC, com substância fiscal menor.
  6. A derrama municipal deverá ser apurada sobre a única realidade verdadeiramente tributável ― o lucro tributável agregado do Grupo ― , na medida em que é este o montante que se encontra na base do apuramento da matéria coletável do Grupo, em sede de IRC, em cada período de tributação.
  7. É, assim, inteiramente legítimo concluir que o conceito de “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas” a que se refere a LFL se subsume no mesmo conceito definido em sede de IRC, de lucro tributável agregado do Grupo, e não num outro qualquer em que relevassem os lucros das sociedades individuais (sujeitas ao RETGS).
  8. O acórdão do STA de 02.02.2011 (processo n.º 909/10) refere na sua fundamentação que: “prevendo o CIRC, nos seus artigos 69.º a 71.º, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, situação em que se encontra a impugnante (…) e tendo esta optado, como a lei lhe faculta, pela aplicação desse regime para determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo. E assim determinado o lucro tributável para efeito de IRC, está necessariamente encontrada a base de incidência da derrama”.
  9. E se dúvidas ainda subsistissem após a aprovação do regime legal da derrama estadual, as mesmas teriam de ficar definitivamente dissipadas com a entrada em vigor da LOE 2012
  10. Com efeito, o artigo 57.º da LOE 2012 prevê alterações à redação da LFL, sendo de destacar a introduzida no respetivo artigo 14.º n.º 8: “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.”
  11. A nova redação conferida àquela norma legal ― obviamente, sem carácter interpretativo ― apresenta o mérito de marcar uma distinção entre o que sucederá a partir da sua entrada em vigor e o que existia nos períodos de tributação anteriores.
  12. Ora, se o legislador sentiu a necessidade de fazer aquela alteração à LFL foi porque concluiu que a derrama não incidia, nos períodos anteriores a 01.01.2012, sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades tributadas de acordo com o RETGS.
  13. Só a partir daquela data ― e apesar do retrocesso que isso representa na conceptualização do RETGS ― é que a tributação da derrama municipal passou, na realidade, a recair sobre os lucros individualmente considerados das sociedades que sejam tributadas segundo o RETGS.
  14. Nos termos dos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  15. Decorre destas normas que considera-se haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

I.3 Nas suas alegações, a Requerida sustenta, em breve síntese, o seguinte:

i) Por excepção

  1. À AT apenas estão conferidas funções de arrecadação da receita (dada a forma de apuramento da derrama – que à semelhança do IRC é autoliquidada na declaração de rendimentos – Modelo 22) e subsequente entrega ao município.
  2. A competência para administrar a derrama municipal cabe em larga medida aos municípios, sendo estes, em, exclusivo, os sujeitos activos do imposto. Daqui decorre necessariamente que a legitimidade passiva para intervir no presente litígio – cujo objecto é exclusivamente a derrama municipal – será igualmente dos municípios (sujeitos activos e co-administradores do imposto) e não da AT, em exclusivo.
  3. Logo, existe um premente interesse em agir dos Municípios no presente pleito. Interesse em agir que, no fundo, justifica a legitimidade destes para intervir na presente demanda, porquanto o artigo 26.º do Código de Processo Civil (CPC) reconhece a legitimidade como parte - neste caso, como réu na demanda - daquele que tenha interesse directo em contradizer.
  4. Assim, afigura-se plenamente justificado ponderar a verificação de uma “intervenção provocada” dos Municípios nas demandas que tenham por objecto a derrama municipal.
  5. Um eventual decaimento no presente litígio acarretará necessariamente para a entidade demandada encargos financeiros, dos quais os municípios não poderão ser alheados, pois implicará a restituição de importâncias eventualmente pagas pela Requerente que já não se encontram na esfera jurídica da AT, porquanto são receitas próprias dos municípios. Além disso, implicará – para os municípios - o eventual pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo dos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 12 de Dezembro.
  6. Assim, não só em face da relação jurídica que aqui se mostra configurada, mas igualmente por força do interesse pessoal e directo em agir que os municípios têm, afigura-se não só necessária, mas mesmo essencial a intervenção provocada dos mesmos, no presente processo arbitral, à luz dos artigos 325.º e segs. do Código de Processo Civil (CPC).
  7. Os municípios neste litígio processual não se encontram representados pelo Respondente. Aliás, envolvendo a questão a decidir interesses, não de uma, mas de várias pessoas colectivas públicas, os quais entre si poderão ser conflituantes, nunca a AT poderia, de forma independente, assumir posição em defesa de alguns dos interesses de alguns dos Municípios, sem que com isso prejudicasse legítimos interesses de outros nesta demanda.
  8. E ainda que assim não fosse, nem o RJAT, nem a portaria de vinculação (Portaria n.º 112-A/2011) conferem ao dirigente máximo da AT o papel de representante de outra entidade que não a AT.
  9. Tal significa não só que os municípios não se encontram representados no processo em curso, mas igualmente que não existe acto de vinculação dos municípios à jurisdição do CAAD em matéria tributária.
  10. Tal circunstância acarreta necessariamente a impossibilidade de um tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD se considerar dotado de legitimidade para proferir decisão arbitral de mérito, cujo objecto abranja interesse pessoal e directo de entidades com personalidade e capacidade jurídica que não se encontram vinculadas à sua jurisdição, nem representadas em juízo, nem os seus interesses devidamente acautelados.
  11. Pretender-se que o tribunal arbitral decida sobre uma matéria relativa a entidades não vinculadas à sua jurisdição tem como consequência a incompetência do tribunal.
  12.  Quando uma decisão não possa produzir efeito definitivo entre as partes sem simultaneamente o produzir também quanto a todos os demais sujeitos da relação jurídica, estaremos perante um caso de litisconsórcio necessário, nos termos do artigo 28º, n.º2, do CPC.
  13. Sendo preterida a formalização, por parte da Requerente, da intervenção processual dos vários municípios, interessados na relação controvertida, a falta deles é motivo de ilegitimidade.
  14. Caso o tribunal entenda não estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário, não poderá afastar a necessidade de uma intervenção acessória dos municípios, pois que se mostram integralmente preenchidos os pressupostos da intervenção acessória provocada, previstos no artigo 330.º do CPC.
  15. Entendimento diverso - que acolha como válidas as possibilidades de os municípios terem estado devidamente representados em juízo arbitral, e de a portaria de vinculação n.º 112-A/2011 vincular jurisdição arbitral em matéria fiscal os municípios – pessoas colectivas públicas - distintas do Estado/Administração Central – com personalidade e capacidade jurídicas e autonomia administrativa e financeira - configurará uma clara violação dos princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, com assento constitucional.
  16. O presente litígio não poderá ser dirimido por via arbitral, porquanto os interessados na relação controvertida não foram, nem poderão vir a ser demandados na instância arbitral, por falta de instrumento de vinculação legal, sendo configurável a ausência destes como ilegitimidade passiva da entidade requerida (artigos 26.º e 28.º do CPC).
  17. E da não vinculação dos municípios à jurisdição arbitral tributária decorre, por inerência, o entendimento respeitante à incompetência do tribunal arbitral, o que tem apoio legal no artigo 108.º do CPC.
  18. São assim suscitadas, a título prévio, as seguintes excepções:

A) Ilegitimidade passiva da AT para estar em juízo como única demandada em matéria respeitante a derrama municipal, imposto co-administrado com os municípios;

B) Interesse dos municípios em agir neste litígio, porquanto, além de co-administradores do tributo, têm um interesse pessoal e directo no seu resultado, devendo qualquer decisão que seja proferida sobre o litígio fazer necessariamente caso julgado em relação a estes;

C) Possibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva através de um incidente de intervenção provocada, a apreciar pelo tribunal arbitral, que, todavia, estará dependente da apreciação da questão da não vinculação dos municípios à jurisdição do CAAD e consequente incompetência do Tribunal arbitral para proferir decisão de mérito sobre a questão em litígio.

 

ii) Por impugnação

  1. A derrama municipal é um imposto autónomo, que apenas se socorre das regras de cálculo do IRC para apuramento do lucro tributável, pelo que as especificidades da tributação em sede de IRC só a este dizem respeito, não sendo legalmente acolhidas para efeitos de sujeição à derrama.
  2. O sujeito activo do imposto é o município correspondente à área geográfica na qual é gerado o rendimento e o sujeito passivo as sociedades residentes, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial industrial ou agrícola, na área geográfica daqueles municípios.
  3. A incidência real da derrama municipal recai sobre o lucro tributável das sociedades – conceito distinto do de matéria colectável – sendo a imputação da derrama aos vários sujeitos activos feita de acordo com as disposições constantes do artigo 14.º da LFL.
  4. Para efeitos de determinação da base de incidência da derrama municipal, o legislador socorre-se dos mecanismos legalmente previstos no CIRC, que culminam com o apuramento do lucro tributável sujeito e não isento de IRC.
  5. Ora, no caso concreto das sociedades abrangidas pelo RETGS, é inegável que cada uma das sociedades que integram o perímetro é sujeito passivo de IRC, sendo igualmente incontestável que todas elas geram rendimentos sujeitos a IRC.
  6. Estamos, pois, perante situações patentes de sujeição, pessoal e real, de cada uma daquelas sociedades e respectivos rendimentos.
  7. Em nenhum momento foi consagrada qualquer situação de não sujeição, de isenção, ou de exclusão de tributação para estas sociedades ou os seus rendimentos.
  8. Para estas sociedades, o que o legislador prevê é que possam agregar os seus vários lucros tributáveis/prejuízos fiscais, individualmente apurados, e assim chegar ao denominado “lucro tributável do grupo”.
  9. Não se poderá ter por infundado o entendimento de que a derrama incidirá sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo, sendo essa a base tributável deste imposto.
  10. Efectivamente, todas as sociedades que integram o perímetro têm a obrigação legal de proceder à entrega da sua própria declaração de rendimentos, na qual apuram o seu próprio lucro tributável, o qual é determinante para efeitos de cálculo da derrama devida pela sociedade.
  11. Inexistindo qualquer estatuição que considere não sujeitos ou isentos de IRC os rendimentos das sociedades que integram o perímetro de um grupo de sociedades, não se vislumbra como possam os mesmos estar afastados de tributação em sede de derrama.
  12. Tributar cada uma das sociedades que integram o perímetro, tendo por base o seu próprio lucro tributável, é a melhor forma de conferir exequibilidade ao instrumento de financiamento dos municípios que se consubstancia na derrama.
  13. Aderir à posição assumida pelo Acórdão do STA de 2 de Fevereiro de 2011 seria denegar a concretização dos desígnios constitucionalmente consagrados, e legitimar o reforço das assimetrias entre municípios, o que é contrário à lei fundamental.
  14. A derrama municipal é um imposto autónomo e não acessório, mas meramente dependente, que apenas acolhe do IRC os elementos essenciais à determinação da sua matéria colectável – que na prática se subsume ao lucro tributável, sujeito e não isento de IRC – sendo imune a quaisquer outras vicissitudes com repercussão no IRC, o que definitivamente o desliga daquele imposto.
  15. Tendo em conta que:
  1. Todas as sociedades que integram o perímetro dos grupos de sociedades sujeitas ao RETGS são necessariamente sociedades com sede ou direcção efectiva em território português, estando a totalidade dos seus rendimentos sujeita ao regime especial de tributação em IRC à taxa mais elevada (número 3 do art. 69º do CIRC);
  2. Inexiste qualquer dispositivo legal donde dimane qualquer isenção para tais rendimentos;
  3. O n.º1 do art. 69º do CIRC refere expressamente que o RETGS é “um regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo” e não um regime especial de determinação do lucro tributável em relação a todas as sociedades do grupo;
  4. Resulta do art. 15º do CIRC que a matéria colectável resulta da dedução ao lucro tributável, determinado nos termos do artigo 17ª do CIRC, dos prejuízos fiscais e benefícios fiscais apurados nos termos legais;
  5. No caso dos grupos de sociedades, a matéria colectável é apurada tendo por base o denominado lucro tributável do grupo, que mais não é, atento o activo 70º do CIRC, que a soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados por cada uma das sociedades que integram o perímetro do grupo;

Resulta demonstrada a incidência e sujeição da derrama de todas as sociedades que integram o perímetro de um grupo de sociedades, que tenham efectivamente apurado um lucro tributável, nos termos do artigo 17º do CIRC, o qual será, para efeitos de derrama municipal, a matéria colectável sobre a qual incidirá(ão) a(s) respectiva(s) taxa(s), fixada(s) pelo(s) município(s).

 

  1. A ligação da derrama municipal ao CIRC e ao respectivo imposto esgota-se assim com o apuramento do lucro tributável sujeito e não isento de IRC, sendo de todo alheio às demais vicissitudes da tributação em sede tributação em IRC.
  2. Não existe a lesão de quaisquer princípios constitucionais que devam prevalecer sobre o princípio da autonomia local, ao interpretar o artigo 14ª da LFL nos termos propugnados pela AT.
  3. A redacção dada ao n.º 8 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, pelo artigo 57.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, (Lei do Orçamento do Estado para 2012) procurou obstar à dimanação de jurisprudência inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 81.º, 103.º e 238.º da Constituição da República.
  4. Tal redacção tem natureza interpretativa, pelo que não se coloca a questão da sua aplicação retroactiva.

 

II. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES PRÉVIAS

II.1. A AT suscita na sua Resposta ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente um conjunto de questões que, por poderem obstar ao conhecimento do mérito do pedido, importa conhecer previamente. 

II.2. Essas questões encontram-se sintetizadas no artigo 79.º da Resposta da Requerida:

A) Ilegitimidade passiva da AT para estar em juízo como única demandada em matéria respeitante à derrama municipal, na medida em que este é um imposto co-administrado pelos municípios. 

B) Interesse em agir dos municípios neste litígio, porquanto além de co-administradores do tributo, têm um interesse pessoal e directo no seu resultado, devendo qualquer decisão que seja proferida sobre o litígio fazer necessariamente caso julgado em relação a estes.

C) Possibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva através de um incidente de intervenção provocada, a apreciar pelo tribunal arbitral, questão que todavia estará dependente da apreciação da questão da não vinculação dos municípios à jurisdição do CAAD e, consequentemente, incompetência do Tribunal arbitral para proferir decisão de mérito sobre a questão em litígio, porquanto esta não será apta a fazer caso julgado em relação aos municípios, o que terá consequências relevantes no caso de ser dado provimento ao pedido da Requerente, ficando esta impossibilitada de executar a decisão arbitral contra os municípios, por não ter quanto a eles a natureza de caso julgado.

D) Acautelando a possibilidade de o tribunal arbitral considerar verificada a sua legitimidade para proferir decisão de mérito, fica suscitado o incidente de intervenção provocada dos municípios.

II.3. Embora as questões da incompetência do Tribunal e da ilegitimidade passiva estejam intimamente ligadas, atento o modo como são deduzidas, vai conhecer-se em primeiro lugar da questão da competência, por ser de conhecimento prioritário à luz do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aqui aplicável por força do artigo 29.º, n.º1, alínea c), do RJAT.

Vejamos então:

II.4. Sobre a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral

II.4.1. Com base nos argumentos expendidos, designadamente nos artigos 2.º a 14.º da sua Resposta (e que a já se aludiu no Relatório), a AT afirma que tem “por certo que a competência para administrar a derrama municipal cabe em larga medida aos Municípios, sendo estes, em exclusivo, os sujeitos activos do imposto” (cf. artigo 15.º da mesma), partindo dessa alegação para fundamentar a sua ilegitimidade e, depois, a incompetência do Tribunal.

Será assim?

II.4.2. Estatui o artigo 2º, n.º1, a), do RJAT que os tribunais arbitrais são competentes para apreciar as pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”. Por seu turno, o n.º1 do artigo 4.º do mesmo Regime determina que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais “depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”.

II.4.3.Trata-se da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, de cujos artigos 1.º e 2.º resulta que a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (a que a AT veio suceder, como já se deixou dito) ficam vinculadas à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, prevendo-se, contudo, algumas excepções, que não têm aplicação ao caso (refira-se, aliás, que a que podia ter não se encontra verificada, visto que a Requerente, conforme já se salientou, recorreu, sem sucesso, previamente, à via administrativa através da apresentação de reclamações graciosas dos actos de autoliquidação que agora submete a este Tribunal). 

II.4.4. Para apreciar e decidir a excepção de incompetência deste Tribunal é, pois, decisivo o juízo que se fizer sobre o problema da administração da derrama municipal, isto é, a quem cabe essa administração. Ora, pese embora todo o seu empenho argumentativo em sentido contrário, a verdade é que a administração da derrama municipal cabe – e em exclusivo – à Requerida.

De facto, a circunstância de os municípios serem os beneficiários da receita da derrama municipal não se confunde com a questão de quem a administra. É a titularidade da competência para liquidar e cobrar um tributo que corresponde ao que se designa como a sua “administração”. Esse é o entendimento que inequivocamente se extrai, por exemplo, do disposto no artigo 1.º, n.º 3, da LGT.   

Ora, a AT é precisamente o serviço da administração directa do Estado que tem por missão administrar os impostos, prosseguindo para isso, entre outras, as atribuições de assegurar a liquidação e cobrança de tributos e de outras receitas, de exercer tarefas inspectivas, de exercer a acção de justiça tributária e representar a Fazenda Pública junto dos órgãos judiciais, e de informar os contribuintes sobre as suas obrigações fiscais (cf. artigos. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 118/2011, 15 de Dezembro).

II.4.5. É verdade que quanto à derrama municipal a LFL atribui aos municípios, entre outros, o poder de deliberar anualmente o seu lançamento, fixando a respectiva taxa até ao limite legal (artigo. 14.º, n.º1), e de receber o produto da sua cobrança, líquido dos encargos de administração, suportados pela AT (artigo 14º, nº 10, e artigo 13.º, n.º4).

Mas não lhes compete receber declarações fiscais, controlar a sua autoliquidação, emitir liquidações substitutivas ou adicionais, cobrar a derrama ou receber e decidir reclamações graciosas relativas à sua liquidação. Os municípios apenas podem deliberar se querem ou não lançá-la e qual a respectiva taxa, dentro do limite legal. No entanto, a partir do momento em que comunicam essa deliberação à AT toda a administração desse imposto local fica fora da sua competência. Nenhuma norma legal comete aos municípios o poder de liquidar e cobrar as derramas.

II.4.6. Como bem se afirma na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 10/2011-T, “não obstante todos os poderes que a Lei das Autarquias Locais (Lei nº 169/99, de 18 de Setembro) e a Lei das Finanças Locais (Lei nº 2/2007 de 15 de Janeiro) atribuem aos Municípios por força da sua posição de credores da derrama municipal, nenhuma daquelas leis afasta a regra de que é a AT que administra esses impostos, especificamente no sentido de protagonizar os momentos decisivos da relação com os contribuintes, incluindo os momentos de subordinação de litígios à adjudicação judicial ou arbitral. O mesmo resulta do art. 14º da Lei nº 2/2007, 15/1, Lei das Finanças Locais, que comete à AT o papel de interlocutor directo dos contribuintes de derramas”.

E noutra passagem a mesma Decisão salienta: “Não parece, pois, aceitável querer-se, por um lado, que seja a AT a desempenhar a maior parte das tarefas administrativas e a interagir em exclusivo com o contribuinte, e pretender, por outro lado, furtar a AT à jurisdição arbitral com o argumento de que não é à AT que cabe aquela administração, ou que não lhe cabe em exclusivo”. Em contradição – dizemos nós – com o próprio facto de a AT se ter sentido com os poderes bastantes para, desacompanhada dos municípios, indeferir as duas reclamações graciosas relativas às derramas em causa nos autos, conforme também já se tem assinalado noutras decisões arbitrais em situações idênticas (cf., por exemplo, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 88/2012-T).

II.4.7. Temos, pois, por inequívoco que os municípios não possuem quaisquer competências relativas à administração da derrama municipal, sendo esta exclusivamente administrada pela AT. Sendo assim, e atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no corpo do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, o Tribunal é materialmente competente para conhecer do pedido, pelo que improcede a excepção de incompetência em razão da matéria deduzida pela Requerida.

II.5. Sobre a excepção de ilegitimidade passiva

II.5.1. Uma vez que, na sua perspectiva, os municípios são co-administradores da derrama municipal a Requerida sustenta que existe uma situação de ilegitimidade passiva, já que também eles deveriam ser demandados. Porém, como já se deixou fundamentado supra, este Tribunal considera que a derrama municipal é administrada, em exclusivo, pela AT, não se verificando, portanto, qualquer situação de co-administração com os municípios. Assim sendo, cai pela base um dos argumentos com que a Requerida pretende fundamentar a pretensa situação de ilegitimidade passiva, na medida em que, na sua tese, os municípios deveriam também ser demandados.

II.5.2. Todavia, para a AT, os municípios teriam interesse em agir neste litígio, porquanto, para além de co-administradores da derrama, “têm interesse pessoal e directo no seu resultado, devendo, por isso, qualquer decisão que seja proferida sobre o litígio fazer necessariamente caso julgado em relação a eles.

Ora, a verdade é que para apurar a legitimidade processual o que releva não é a situação de credor tributário, mas sim a quem a lei atribui as competências para a liquidação e cobrança do tributo.

II.5.3. Como também não relevam as eventuais consequências que resultem para o credor tributário da decisão arbitral. Não se vislumbra, aliás, no nosso ordenamento nenhuma norma que permita a intervenção seja no procedimento seja no processo tributário do credor tributário enquanto tal. É isso que resulta do disposto no artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que constitui norma especial sobre a legitimidade no processo judicial tributário e, portanto, afasta a aplicação do artigo 26.º do CPC, invocada pela Requerida. E, por outro lado, como bem se refere na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 98/2012-T, “o disposto no artigo 9.º, n.º 4, com referência ao n.º 1, do CPPT é aplicável subsidiariamente ao processo arbitral previsto no RJAT, por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do seu art. 29.º, já que não há qualquer norma deste diploma que defina a legitimidade passiva”.

Ao contrário do que pretende a Requerida, a circunstância de estar em apreciação nos autos a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação de um tributo cuja receita reverte para determinados municípios não torna necessária a intervenção destes no processo arbitral para que a decisão produza o seu efeito útil normal, que é, afinal, o de declarar ou não a ilegalidade dos actos impugnados e determinar as consequências, seja quanto à devolução de imposto eventualmente indevidamente pago ou à eventual sujeição a juros indemnizatórios.     

II.5.4. Em abono da sua tese, a Requerida invoca também o disposto no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que aprova o CPPT, e no artigo 54.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF). No entanto, tais disposições não são aplicáveis no presente caso uma vez que se referem a “tributos administrados pelas autarquias locais” (ou seja, por estas liquidados e cobrados), o que já vimos não ser o caso da derrama municipal.

II.5.5. Em face do que antecede, conclui-se que a Requerida é parte legítima, improcedendo, portanto, a invocada excepção de ilegitimidade passiva.

II.6. Sobre o incidente de intervenção provocada

II.6.1. A Requerida suscita o incidente de intervenção provocada previsto nos artigos 325.º e segs. do CPC (actual 316º e segs do CPC), alegando o interesse pessoal e directo dos municípios em agir nos presentes autos.

A matéria dos incidentes processuais no âmbito do processo de impugnação encontra-se especificamente regulada nos artigos 127.º e segs. do CPPT e não contempla o incidente de intervenção provocada, pelo que se afigura que o mesmo não é admissível. Mas mesmo que o fosse, encontrar-se-ia prejudicado, pois, como já vimos, a legitimidade passiva nos presentes autos cabe em exclusivo à AT. E quanto à intervenção acessória provocada, prevista no artigo 330.º do CPC (actual art. 321º), mesmo admitindo a possibilidade da sua aplicação nestes autos, é manifesto que o caso sub judice não se subsume à previsão da referida norma por não estar em causa, em nenhuma circunstância, a existência de um direito de regresso da AT contra os municípios, que obviamente não praticaram, neste contexto, nenhum acto susceptível de os constituir em responsabilidade perante a Requerida.

Indefere-se, assim, sem necessidade de mais considerações, o pedido de incidente de intervenção provocada deduzido pela Requerida.

 

III. SANEAMENTO

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Não há quaisquer vícios que invalidem o processo. Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

  1. A Impugnante é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais e é também a sociedade dominante, para efeitos do disposto no artigo 69.º do Código do IRC, de um Grupo de sociedades tributadas de acordo com RETGS.
  2. Ao abrigo deste regime, a Impugnante tem apurado o lucro tributável do Grupo através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas de rendimentos de cada uma das sociedades que integram o perímetro do RETGS.
  3. Na qualidade de sociedade dominante, a Impugnante submeteu, em 31.05.2012, a 1.ª declaração de rendimentos Modelo 22 do Grupo relativa ao período de tributação de 2011, tendo submetido, a 29.05.2013, uma declaração de substituição respeitante ao mesmo exercício.
  4. Esta última declaração reflete o apuramento do lucro tributável do Grupo no período de tributação de 2011, no montante de € 3.767.559,95.
  5. Nesta declaração de rendimentos encontra-se ainda refletido o montante da derrama municipal correspondente a € 197.471,51.
  6. O montante da derrama foi calculado de acordo com o Ofício-Circulado, n.º 20 132, de 14.04.2008, da Direção de Serviços do IRC.
  7. O montante da derrama acima referido foi autoliquidado e entregue nos cofres do Estado.
  8. A derrama municipal foi autoliquidada em excesso pelo valor de € 140.958,11.
  9. A Impugnante apresentou em 12.06.20013 uma reclamação graciosa, peticionando o reembolso do montante indevidamente entregue e o pagamento de juros indemnizatórios.
  10.  No dia 12.07.2013, a Impugnante foi notificada do projeto de decisão emitido pela Administração Tributária, no qual se propunha o indeferimento da reclamação graciosa acima apresentada.
  11. A Impugnante foi notificada do indeferimento expresso da reclamação graciosa, proferido pelo Exmo. Director de Finanças Adjunto, em substituição, no dia 01.08.2013.

IV.2. Motivação da matéria de facto

Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos (processo administrativo e documentos n.º1 a 6 do r.i.).

 IV.3. Factos dados como não provados

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados. 

V. SOBRE O PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE PARCIAL DOS ACTOS DE AUTOLIQUIDAÇÃO DE DERRAMAS MUNICIPAIS

V.1. A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber se para efeitos de determinação da derrama de um grupo de sociedades que se, encontra sujeito ao RETGS, releva o lucro tributável do grupo ou o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram.

À data dos factos, o artigo 14.º da LFL, sob a epígrafe “derrama”, estatuía nos seus n.ºs 1 e 2, o seguinte:

“1. Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.

2. Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria colectável superior a € 50 000, o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional”.

 

Como já vimos, a Requerente é uma sociedade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao RETGS, previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC. Ora, o artigo 69.º, n.º 1, estatuí que “existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo” e, por sua vez, o artigo 70.º, n.º 1, dispõe que “relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.

V.2. Face a alguma efectiva ambiguidade quanto aos termos em que se deveria compaginar a redacção do artigo 14.º da LFL com o disposto nas normas do CIRC relativas ao RETGS, a DSIRC emitiu o ofício circulado n.º 20.132, de 14 de Abril de 2008.

Baseando-se no facto de com a Lei n.º 2/2007 a derrama ter deixado de incidir sobre a matéria colectável de IRC para passar a incidir sobre o lucro tributável, sujeito e não isento de IRC, e no disposto no artigo 12.º do CIRC, nos termos do qual as entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, não obstante serem sujeitos passivos deste imposto, não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas, a administração tributária concluiu que esta norma de não tributação teria de conduzir à conclusão de que o lucro tributável por elas apurado não era passível de tributação em IRC. Logo, fixou no aludido ofício circulado o entendimento administrativo de que “para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma sociedades na sua declaração” e o “somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante”.

V.3. Tal entendimento foi contestado por vários contribuintes, surgindo assim um relevante contencioso à volta desta matéria, que deu origem a vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e, também, a um número muito significativo de decisões arbitrais. Ora, verifica-se que tanto a jurisprudência do STA como a jurisprudência arbitral convergiu, de forma unânime, no entendimento de que quando seja aplicável o RETGS, a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro tributável de cada uma das sociedades que o integram. Com efeito, assim decidiram os Acórdãos do STA proferidos nos processos 909/10, 309/11, 234/2012, 1302/12, 105/13 e 121/13 de 2/2/2011, 22/6/2011, 2/5/2012, 9/1/2013 13/3/2013 e 10/7/2013 respectivamente, e as Decisões Arbitrais proferidas nos processos 8/2011-T, 10/2011-T, 19/2011-T, 24/2011-T, 1/2012-T, 2/2012-T, 5/2012-T,16/2012-T, 53/2012-T, 88/2012-T, 98/2012-T, 6/2013, 11/2013 e 13/2013[1], entre outras. 

V.4. Não se encontra fundamento jurídico para não acompanhar toda esta jurisprudência. Pelo contrário, afigura-se-nos que a mesma é inteiramente correcta. De facto, sendo a base de incidência da derrama o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, há que recorrer às normas do CIRC para apurar a matéria colectável da derrama.

Mais importante do que a designação da derrama (imposto acessório ou imposto autónomo), a qual decorre do regime legal e não o contrário, o seu regime legal é exíguo, sendo omisso não só quanto às regras sobre a determinação da matéria colectável, mas também quanto a liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias, pelo que o funcionamento do imposto obriga a lançar mão do regime do IRC, não apenas quanto ao cálculo do lucro tributável mas em relação a muitos outros aspetos.

Sendo assim, é-se levado a concluir que a Derrama Municipal, segue o regime do IRC em tudo o que não diga respeito à determinação da colecta.

Porquanto deverá aplicar-se também o regime do IRC no que diz respeito ao cálculo de lucro tributável no caso de opção pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

Prevendo o CIRC um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, e estando a Requerente abrangida por ele para determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo. Assim sendo, cremos inteiramente justificado que a determinação do lucro tributável para efeitos da derrama se realize do mesmo modo.

V.5. O artigo 57.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), veio – é certo - dar nova redacção ao n.º 8 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, que passou a dispor o seguinte: “Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC”.

Ou seja, a partir do período de tributação de 2012, a lei passou a consagrar expressamente a tese que a Requerida defende nos autos. Mas, conforme se assinala no Acórdão do STA de 2 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 234/12, estamos perante uma norma “claramente inovadora” e que, por isso mesmo, não se aplica a factos passados.

Como se refere no citado aresto, “só se a lei fosse interpretativa é que aplicaria a factos passados. E se o fosse, por certo o legislador não deixaria de o fazer constar do respectivo texto, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa. Mas não o fez, nem se depreende no texto da Lei do Orçamento de 2012 ou no referido n.º 8 do artigo 14º da Lei das Finanças Locais qualquer referência ao carácter interpretativo da norma ou a qualquer controvérsia gerada pela solução de direito anterior”. E mais à frente: “sendo a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo pacífica, em sentido aliás inverso ao consagrado na lei nova, haveremos de concluir que não estamos perante uma lei interpretativa mas sim perante uma lei inovadora, portanto, com aplicação apenas para o futuro”.

Este entendimento foi recentemente reiterado no Acórdão do STA, proferido no processo n.º 121/13, de 10 de Julho de 2013[2].

Impõe-se, pois, concluir que o acto de autoliquidação da derrama devida pela Requerente relativamente ao exercício de 2011 está inquinado pelo vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, na medida em que o cálculo da derrama deveria ter incidido sobre o lucro tributável do grupo fiscal encabeçado pela Requerente e não, como aconteceu, sobre o lucro tributável de cada sociedade individualmente considerada. 

Foi assim (auto)liquidada (e paga) derrama em excesso no seguinte montante: €140.958,11.

 

VI. SOBRE O PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido". Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo estatui que se considera também haver erro imputável aos serviços “nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas".

Ora, foi precisamente isso que sucedeu no caso dos autos. Isto é, embora a Requerente tenha efectuado a autoliquidação da derrama na declaração que entregou, o erro é imputável aos serviços visto que decorre da prossecução de orientações genéricas, no caso o ofício circulado n.º 20.132/2008, de 14 Abril.

Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre os dias em que foi efectuado o pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito.  

 

VII. DECISÃO

Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se:

  1. Julgar improcedentes as arguidas excepções de incompetência do Tribunal Arbitral e de ilegitimidade passiva da Requerida;
  2. Julgar improcedente o incidente de intervenção provocada deduzido pela Requerida;
  3. Julgar procedente, por violação de lei, a impugnação da legalidade da liquidação de derrama municipal relativa ao exercício de 2011, no montante de €140.958,11, anulando-se, nessa parte, tal liquidação e condenando-se a Requerida a restituir a referida importância;    
  4. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento da derrama em causa até ao momento da restituição da quantia indevidamente liquidada e paga.

 

Fixa-se o valor do processo em € 140.958,11 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que a Requerente obteve deferimento integral do pedido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 06 de Janeiro de 2014  

 

Os Árbitros,

 

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Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

(Árbitro Presidente)

 

 

____________________________

Jorge Bacelar Gouveia

(Árbitro Vogal)

 

____________________________

André Festas da Silva

(Árbitro Vogal e Relator)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Todas disponíveis no site do CAAD.

[2] Disponível no site do STA.