Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 221/2013-T
Data da decisão: 2014-02-24  IRC  
Valor do pedido: € 176.560,50
Tema: IRC – dedutibilidades de custos
Versão em PDF

 

 

Processo n.º 221/2013-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e Prof. Doutor Jorge Júlio Landeiro de Vaz, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-11-2013, acordam no seguinte:

 

1.      Relatório

 

A… – HOLDING, SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. NIPC, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com vista à declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2010 …, no valor de € 170.470,28, relativa ao ano de 2008, e da liquidação de juros compensatórios n.º 2010 …, no valor de € 6.090,22 (valor global de € 176.560,50).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-09-2013.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Dr. Paulo Lourenço e o Prof. Doutor Jorge Júlio Landeiro de Vaz, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 30-10-2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14-11-2013.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta.

Por despacho de 3-2-2014, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT determinada a notificação das Partes para alegações escritas facultativas simultâneas, no prazo de 10 dias.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas excepções nem se vê qualquer obstáculo a apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos que se consideram provados

 

a) A Requerente adquiriu, em Outubro de 2007, 6.613.300 acções do Banco (adiante, "B");

b) Com essa aquisição a Requerente suportou um custo de € 18.604.449,59, acrescido de encargos no valor de € 18.603,21;

c) A Requerente classificou contabilisticamente esse custo na sub conta 4113 — Investimentos Financeiros \ Partes de Capital \ Outras Empresas;

d) Em Abril de 2008, o "B" procedeu a um aumento do capital social, mediante a emissão de 1.083.270,433 novas acções, pelo valor nominal unitário de € 1,00 (um euro), acrescido de um prémio de emissão de € 0,20 (vinte cêntimos);

e) Atento o número de acções do "B" que a Requerente detinha nessa data, foi-lhe atribuído o direito de subscrever 1.983.754 novas acções, pelo preço de subscrição unitário de € 1,20 (um euro e vinte cêntimos);

f) A Requerente apenas subscreveu uma parte dessas acções (em número de 183.968), pelo preço unitário de € 1,20, tendo alienado os direitos de subscrição das restantes acções que poderia subscrever;

g) Em 14 e 15 de Abril de 2008, a Autora alienou os direitos de subscrição relativos a 1.799.786 acções do "B", pelo preço de venda unitário de € 0,833432419, tendo arrecadado o valor global de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), isto é, a Requerente alienou os direitos de subscrição que lhe proporcionavam 6.000.000 das acções que possuía, ao preço unitário de € 0,25;

h) Pretendendo a Requerente reflectir tal operação e suas consequências na sua contabilidade, experimentou algumas dúvidas, que viria a esclarecer através da consultas ao Senhor Dr. C… e ao então presidente da Comissão de Normalização Contabilística, Senhor Dr. D…;

i) Em consonância com os pareceres recolhidos, a Requerente autonomizou o custo de aquisição dos direitos de subscrição (como componente do custo complexivo de aquisição das acções de que esses direitos provêm), tendo apurado uma menos-valia contabilística, correspondente à diferença entre esse custo e o valor de realização desses direitos;

j) Tendo em conta que, durante os dias 10, 11 e 14 a 18 de Abril de 2008 foram transaccionados em bolsa, quer os direitos de subscrição, quer as acções do "B" sem esses direitos, a Requerente apurou as cotações médias de ambos os valores mobiliários — € 0,2154 e € 1,9172, respectivamente — e daí retirou que o valor médio dos direitos de subscrição correspondia a uma percentagem de cerca de 10,10035% do valor médio das acções (com direitos), nos termos do quadro que segue:

k) Seguidamente, a Requerente aplicou essa percentagem ao custo histórico de aquisição das acções do "B" de que era titular (€ 2,813187 por acção, como se refere em nota na página 20 do relatório da inspecção), assim apurando o custo atribuído aos direitos de subscrição de que dispunha;

l) Confrontando esse custo com o valor de realização dos direitos, a Requerente apurou desta forma uma menos valia de € 204.600,00, procedeu à sua relevação contabilística na Conta 6941 — Custos e Perdas Extraordinárias / Perdas em Imobilizações / Alienação de Investimentos Financeiros;

n) Os serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de … efectuaram uma inspecção à Requerente, determinada pela Ordem de Serviço OI…;

o) No relatório dessa inspecção, que consta do processo administrativo junto com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido, a Autoridade Tributária e Aduaneira discordou da qualificação e do tratamento contabilístico dado pela Requerente ao produto da alienação dos direitos de subscrição, tendo considerado que ele devia ser qualificado, na sua totalidade, como proveito, mantendo inalterado o custo de aquisição das acções, dizendo, além do mais, o seguinte:

 

No que respeita à operação de alienação, a "A…" caracterizou aquele montante arrecadado como se de um valor de realização se tratasse, tendo, na ânsia de encontrar uma componente negativa correlacionada, procedido à diminuição, em 1.704.600,00 do custo de aquisição da parte de capital detida antes do aumento de capital.

Aquela caracterização, permitiu o apuramento de uma menos valia, de € 204.600,00, objecto de relevação contabilística, na conta do razão 69 – Custos e Perdas Extraordinárias, sub conta 6941 -Perdas em Imobilizações \ Alienação de investimentos financeiros.

 

Consequentemente, o resultado líquido, demonstrado para o exercício de 2008, encontra-se influenciado, negativamente, no montante daquela redução operada no activo, ou seja, em € 1.704.600,00.

Na quantificação do lucro tributável, para aquele exercício, a "A…" não procedeu a qualquer correcção àquela caracterização, tendo a, assim considerada, perda, concorrido, integralmente, para a sua formação.

De acordo o Artigo 17, número 1, do Código do IRC, "O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.° é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

Ou seja e por outras palavras, a variável resultado fiscal depende, em primeiro lugar, do resultado líquido do exercício, determinado com base na contabilidade.

No entanto, e de acordo com o número 3, do mesmo preceito legal, "De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código; (...) "

Isto significa que, à data dos factos, a contabilidade da "A…", deve observar o normativo contabilístico consagrado no Plano Oficial de Contabilidade (POC), pelo que, importa verificar se a caracterização adoptada, para a operação em apreço, merece acolhimento naquele normativo.

Nesta apreciação, apresenta particular interesse, o capitulo 5.4.3 do POC, o qual, estabelece os critérios de valorimetria passíveis de aceitação na valorização dos investimentos financeiros. Assim, a parte de capital no "B, não representando um investimento financeiro em empresa filial e associada, fica subjugada à categoria de restante investimento financeiro, cujo critério de valorização é o do custo de aquisição [ponto 5.4.3.4; POC]" passível de ajustamento, somente, nas duas seguintes circunstâncias e pela forma aí determinada:

"Quando, relativamente aos restantes investimentos financeiros, qualquer deles tiver, à data do balanço, um valor de mercado ou de recuperação inferior ao registado na contabilidade, este deverá ser objecto da correspondente redução, por intermédio da rubrica apropriada da conta 49 "Ajustamentos de investimentos financeiros”, que nestes casos terá contrapartida na rubrica apropriada da conta 684 "Custos e perdas financeiros – Ajustamentos de aplicações financeiras [ponto 5.4.3.6; POC].

"Os ajustamentos de activos referidos nos n.ºs 5.4.3.5 e 5.4.3.6 serão reduzidos ou anulados quando deixarem de existir os motivos que os originaram [ponto 5.4.3.7; POC].

Ora, conclui-se pela total ausência de correspondência entre as circunstâncias, previstas na normalização contabilística e no tratamento contabilístico atribuído à alienação em apreço. Por outras palavras, aquele normativo não acolhe a relevação contabilística efectuada, concluindo-se pela sua derrogação.

Igualmente em oposição à normalização contabilística aplicável, embora, aqui, com a sua denúncia expressa, para os utilizadores da informação financeira, encontram-se as situações descritas na nota 1 do Anexo ao Balanço e à Demonstração dos Resultados (ABDR), segundo a qual:

"Pelas razões invocadas no Relatório do Conselho de Administração, não foram constituídos ajustamentos pela diferença entre o custo de aquisição e a cotação em 31 de Dezembro de 2008, relativamente às acções cotadas em bolsa de valores que integram o Activo da sociedade" [Nota 1 -Derrogações ao POC; ABDR].

E, na nota 3, daquela demonstração financeira, podemos identificar os activos objecto daquelas derrogações:

" ... Tal como se refere na nota 1, relativamente às acções detidas do Banco E…, S.A e Banco "B"…, S.A foi decidido não constituir ajustamentos pelas diferenças entre os respectivos custos de aquisição e cotações em bolsa de valores à data de 31 de Dezembro de 2008" [Nota 3 -Critérios Valorimétricos; ABDR].

Significam as mesmas que, na valorização das partes de capital que não sejam em empresas filiais e associadas, como são exemplo o "Banco E…, SA" e o "Banco "B", SA", a "A…", não procedeu conforme o disposto no ponto 5.4.3.6 do POC, acima reproduzido.

Em jeito de sumário e no que respeita à parte de capital no "Banco "B", SA", a "A…" efectuou um ajustamento, ao seu valor de aquisição, cujas motivações e circunstâncias, não se encontram preconizadas pelo normativo contabilístico, consubstanciando uma derrogação ao ponto 5.4.3.4 do POC. Ao invés, absteve-se de efectuar um ajustamento, cuja natureza, distinta do anterior, está expressamente prevista naquele normativo, consubstanciando uma derrogação ao ponto 5.4.3.6 do POC. O desrespeito pelo normativo contabilístico aplicável é evidente nas duas actuações.

No que concerne às implicações fiscais dessas actuações, concluímos pela não neutralidade da primeira e pela neutralidade da segunda, uma vez que, contrariamente à primeira, nesta segunda, as leis, fiscal e contabilística preconizam normas distintas [1].

Pelo exposto, concluímos que a "A…", pela violação do normativo contabilístico aplicável, reportou um resultado líquido do exercício de 2008, sub avaliado em € 1,704.600,00 tendo, esse efeito, concorrido, ilegitimamente, para a formação do respectivo resultado fiscal.

Sem prejuízo da penalidade a aplicar, prevista para a discordância da contabilidade com a normalização contabilística em vigor, proceder-se-á ao acréscimo daquele valor ao resultado líquido do exercício de 2008, na determinação do resultado fiscal do mesmo, neutralizando, assim, aquele efeito. O lucro tributável da "A…”, para o exercício de 2008, ascenderá a € 1.581.514,20.

(...)

VII. INFRACÇÕES VERIFICADAS

A irregularidade descrita no capítulo III., constitui infracção ao Artigo 17, números 1 e 3, do Código do IRC e consubstancia contra-ordenação fiscal, por não organização da contabilidade de harmonia com as regras de normalização contabilística e consequentes inexactidões praticadas nos livros de contabilidade e escrituração, punível pelos Artigos 121 e 119, do Regime Geral das Infracções Tributárias.

A não actualização dos elementos constantes da declaração de inscrição, pelas alterações ocorridas, descritas no capítulo 11.3., constitui infracção aos Artigos 109, n.º 1, alínea a) e 110, n.º 5, ambos do Código do IRC, consubstanciando falta de apresentação de declarações, punível pelo Artigo 117 do Regime Geral das Infracções Tributárias;

 

p) Em 28-4-2010, na primeira folha do Relatório da Inspecção foi proferido pela Senhora Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária despacho nos seguintes termos:

 

«Com o presente relatório dá-se por concluído a procedimento de inspecção, nos termos do artº 62 ° do RCPIT. O SP exerceu o direito de audição, previsto no artº 60º do RCPIT e no art. 60° da LGT, os argumentos apresentados foram apreciados, conforme ponto IX deste relatório. Desta análise conclui-se não ser de dar razão ao SP, uma vez que ao invés do tratamento contabilístico dado pelo SP à alienação de direito de subscrição, com as consequentes percussões fiscais, demonstra-se que, de acordo com a legislação contabilística e fiscal, tal operação deverá ter o enquadramento como proveito e jamais como menos valia. Dê-se andamento ao Documento de Correcção e ao auto de notícia»

 

q) Em conformidade com tal entendimento, a Administração Tributária procedeu à correcção do resultado líquido do exercício de 2008, fixando o lucro tributável da Requerente em € 1.581.514,20;

r) Na sequência dessa correcção a Autoridade Tributária e Aduaneira, em 1-6-2010, efectuou a liquidação de IRC n.º 2010 …, no valor de € 170.470,28, relativa ao ano de 2008, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2010 …, no valor de € 6.090,22, efectuando em 9-6-2010 a compensação, de que resultou um valor a pagar de € 176.560,50;

s) Em 15-11-2010, a Requerente apresentou reclamação graciosa, que veio a ser indeferida por despacho de 20-10-2011, proferido pelo Senhor Director de Finanças de …, por delegação, que se baseou na informação de que consta, além do mais o seguinte:

 

A questão objecto da presente petição prende-se com a problemática contabilística e fiscal a dar à alienação dos direitos de subscrição de novas acções fruto do aumento de capital, motivada pela inexistência de um critério contabilístico e fiscal perfeitamente definido para este tipo de operações.

Pela reclamante, e no seguimento do parecer do Dr. C… com a concordância do Presidente da CNC bem como nos métodos adoptados por outros países face à escassez de literatura nacional sobre a matéria, foi adoptado o seguinte procedimento:

Em termos contabilísticos na óptica do alienante, de acordo com a posição assumida pela ora reclamante, foi o de que correspondendo a venda a uma redução dos direitos que eram conferidos pela titularidade das acções haverá lugar a uma redução do valor de aquisição dessas acções. Tal redução deverá corresponder ao custo "teórico" de aquisição dos direitos contido na subscrição de novas acções pelo facto de haver uma diminuição por parte do alienante da sua participação no capital social do "B".

Para tal foi considerado um custo de aquisição para os direitos de subscrição tendo em conta o peso que estes representam no valor total das acções e a cotação dessas mesmas acções em bolsa nos dias que antecederam a operação de aumento de capital.

Em termos fiscais, e no seguimento da solução contabilística adoptada, foi considerado que, tratando-se de direitos inerentes a partes de capital integrados em investimentos financeiros, o mesmo terá enquadramento no art. 44° do CIRC e como tal deverá ser calculada a mais ou menos-valia fiscal inerente e não considerar na totalidade o produto da venda como um rendimento financeiro,

Existindo algumas dúvidas quanto ao tratamento fiscal a dar à alienação de direitos de subscrição de novas acções fruto do aumento de capital, foi pela Direcção de Serviços de IRC preconizado o seguinte entendimento que passamos a transcrever:

"Com efeito, a alienação dos direitos de subscrição implica, para o seu alienante, uma diminuição da sua participação no capital social da sociedade mas, por via de regra, o valor absoluto da mesma mantém-se, sendo o valor recebido pela alienação dos referidos direitos, para além de uma compensação pela perda da diminuição da sua participação, um ganho que tem a sua fonte naquela participação.

Ora, se reveste a natureza de um ganho, quer ele seja financeiro ou extraordinário, então, segundo as regras de incidência que regem a tributação das pessoas colectivas, este tem que ser tributado".

No âmbito do POC até 31/12/2009, no qual se situa a presente operação,"(...) o direito de subscrição é tido como um valor mobiliário, assumindo, per si, um carácter autónomo perante o activo que lhe deu origem.

Com efeito, em oposição ao entendimento que defende a alienação dos direitos de subscrição como a existência de uma redução de direitos inócua em termos fiscais, consolida-se a noção de se tratar de um ganho sujeito a tributação, incapaz de diminuir o valor de aquisição do instrumento que lhe deu origem.

Na verdade, até se pode admitir que o valor de aquisição das acções fosse diminuído do valor da contraprestação, se o direito em questão, o direito de preferência na subscrição de novas acções, cessasse com a sua alienação, o que não é verdade. A verdade, é que o direito se mantém bem presente, sempre que o órgão de gestão delibere um aumento de capital com entradas em dinheiro, o direito de preferência não é limitado, e ao seu detentor é sempre conferida a possibilidade de exercer esse mesmo direito, não o exercer ou aliená-lo.

Se então o que resulta da alienação do direito de preferência é um ganho e não uma redução do valor de aquisição, para que se possa efectuar o seu enquadramento de acordo com a tipificação do instrumento financeiro em causa, perante o artigo 43º (actual artigo 46°) do Código do IRC – Conceito de Mais Valias e Menos Valias, na redacção à data dos factos, nele apenas tinham cabimento, transacções que se materializavam em alienações de elementos do activo imobilizado.

Ora, como se pode verificar, com a alienação dos direitos de subscrição, não houve uma alteração do valor do activo imobilizado do alienante. Até porque se trata de um activo de curto prazo que, por natureza, não excede um mês e é negociado separadamente do activo que lhe deu origem. Logo, o valor da contraprestação não é passível de se consubstanciar numa mais ou menos-valia fiscal, o que significa que, aquele valor assume a natureza de um ganho de natureza financeira enquadrável no n.º 1 do artigo 20° do Código do IRC”.

Em face do entendimento exposto, a venda de direitos de subsunção deverá ser considerada como um rendimento financeiro/extraordinário enquadrável no n.º 1 do art° 20° do CIRC, à data da ocorrência dos factos, e não como uma menos-valia fiscal nos termos do arte 43° do mesmo diploma legal.

Ao contrário do alegado pela reclamante, este tipo de rendimento deverá ser qualificado como financeiro/extraordinário e não se subsumindo como rendimento, de capitais não fica sujeito a retenção na fonte nos termos do art° 88° do CIRC.

 

t) Em 2-12-2011, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que veio a ser indeferido por despacho de 30-5-2013, que remeteu para uma informação em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

25.  Importa salientar, que nos termos do artigo 2° do Decreto-Lei n.º 410/89, de21 de Novembro, a ora recorrente, no exercício de 2006, estava obrigada a aplicar aos seus registos contabilísticos as regras constantes no Plano Oficial de Contabilidade (POC).

26.  Conforme referido em sede de reclamação graciosa, o entendimento da Administração Tributaria (AT) relativamente ao enquadramento fiscal referente à operação de alienação dos direitos de subscrição, é em sentido diverso daquele propugnado pela ora recorrente.

27.  É de facto, entendimento da AT, que a alienação dos direitos de subscrição implica, para o seu alienante, uma diminuição da sua participação no capital social da sociedade após o correspondente aumento de capital, mas, via da regra, o valor absoluto da mesma mantém-se, sendo o valor recebido pela alienação, dos referidos direitos, para além de uma compensação pela perda da diminuição da sua participação, um ganho que tem a sua fonte naquela participação.

28.  A revestir a natureza de um ganho, quer ele seja financeiro ou extraordinário, então segundo as regras de incidência que regem a tributação das pessoas colectivas, este tem que ser tributado.

29.  O direito de subscrição resulta da existência de um tipo de valor mobiliário, que é a acção, mas que apenas nasce quando se der a respectiva deliberação de aumento de capital, nos termos do artigo 458.º do Código das Sociedades Comerciais. E daí se poder afirmar, que o direito de subscrição é destacado do outro direito, que é o direito conferido pela posse de determinada acção, donde assiste aos seus titulares, designadamente, o direito a receber dividendos originados pelos lucros da sociedade, o direito de preferência na subscrição de acções em aumento de capital ou o direito a receber acções sem custo, quando ocorrem aumentos de capital por incorporação de reservas.

30.   Em suma, o direito de subscrição é um direito destacado de um valor mobiliário, Tem um carácter autónomo perante o activo que lhe deu origem.

31.  Não se pode admitir que haja uma redução do valor de aquisição das correspondentes acções, pelo facto de se ter alienado o referido direito de subscrição. De facto, para as mesmas acções esse direito voltará sempre a subsistir para os demais futuros aumentos de capital, na proporção, da então, participação na sociedade.

32.  Com efeito, o que resulta da alienação do direito de subscrição é um ganho e não uma redução do valor de aquisição, para que se possa efectuar o seu enquadramento de acordo com a tipificação de instrumento financeiro em causa, perante o artigo 43° do CIRC (na redacção à data dos factos, actual artigo 46°) – uma vez, que nele, apenas tinham cabimento, transacções que se materializavam em alienações de elementos do activo imobilizado

33.  Com a alienação dos direitos de preferência de subscrição, não houve uma alteração do valor do activo imobilizado do alienante. O direito de preferência de subscrição, pela sua natureza, nasce e morre em cada operação de aumento de capital, cuja duração é, em regra, de muito curto prazo (até subscrever as novas acções ou transmitir esse direito). É negociado separadamente do activo que lhe deu origem. Logo, o valor que é atribuído não é passível de originar uma mais ou menos valia fiscal, o que significa que, aquele valor assume um ganho de natureza financeira enquadrável no n.º 1 do artigo 20° do CIRC.

34.  Na falta de retenção na fonte perante uma eventual exigência de retenção na fonte, nos termos do artigo 88° do CIRC, não releva para a presente correcção, uma vez que a existir a obrigação de retenção na fonte, tal retenção reveste a natureza de imposto por conta, e a obrigação de proceder à sua retenção caberia ao devedor do rendimento. Não caberia, no procedimento de Inspecção em análise, qualquer obrigação de rectificar a retenção na fonte, que deve eventualmente ser efectuada, nos termos do n.º 6 daquele artigo.

35.  No que concerne ao entendimento propugnado pela ora recorrente, em resultado da opinião do senhor Prof. Universitário Dr. C… – corroborado pelo Prof. Universitário Dr. D…, e com o devido respeito, não obstante as funções que ocuparam ou ocupam na CNC, não deixa de ser uma opinião pessoal, não vinculando o entendimento àquela Comissão

36.  Ainda sobre tal entendimento, não obstante o referido anteriormente em sentido diverso do mesmo, importa patentear, que a solução preconizada pelo autor, a ser aceite, torna-se inexequível, quando extrapolando às demais sociedades cuja participação de capital é representada por quotas (também previsto no artigo 266.º do CSC) ou por acções não cotadas na bolsa.

37.  Resumindo, a aplicar-se tais procedimentos contabilísticos os mesmos seriam excepcionais para as sociedades com cotação na bolsa das suas participações, o que vai contra o principio da normalização contabilística, e sem olvidar as características da informação financeira exigida e referida no §3.2.3. do POC, como seja a comparabilidade, quando a mesma refere: (...) Por outro lado, as empresas devem adoptar a normalização, a fim de se conseguir comparabilidade entre elas.".

38.   Ainda outra questão pertinente que se levanta, é que o direito de subscrever é atribuído às pessoas (por serem detentoras de participação), que à data da deliberação de aumento de capital sejam accionistas (nesse sentido, artigo 458.º do CSC), daqui se deduz que, o titular das acções, independentemente de usufruir o seu direito de preferência de subscrição de novas acções, pode eventualmente, e se o entender, ainda antes da aquisição de novas acções, desfazer-se das acções que tinha anteriormente em carteira, isto é, desfazendo-se da sua participação na sociedade, resultando, contabilisticamente, uma eliminação do seu investimento financeiro,

39.   A título meramente académico, a resultar na eliminação do investimento financeiro, a solução apresentada pela ora recorrente – de ir abater ao custo de aquisição das acções o "custo teórico" do direito de subscrição é impraticável, uma vez que não existe qualquer valor em balanço representativo da referida participação (que entretanto, foi também ela alienada), não sendo possível deduzir o referido "custo teórico”

40.   Será caso, para se utilizar as palavras, do autor do artigo trazido ao processo, quando comenta outras soluções alternativas ao procedimento contabilístico a adoptar: “ora, em termos teóricos, poderia até suceder que o preço de venda dos direitos fosse superior ao valor de aquisição das acções [que no exemplo anterior, o valor de aquisição seria zero após alienação da participação, o que inviabilizaria mesmo um registo contabilístico; (...)

 

Das demais doutrinas vigentes noutros estados membros da União Europeia

41.  Resulta da fundamentação anterior, que não se pode concluir que haja um vazio quanto às regras contabilísticas a respeitar na transmissão de direito de preferência de subscrição, uma vez que as mesmas se deduzem a partir dos critérios valorimétricos constantes no POC, referentes a investimentos financeiros. Razão pela qual não carece de pedido de esclarecimentos à CNC.

42.  No que concerne aos exemplos apresentados relativamente ao tratamento contabilístico noutros países, salienta-se que em 18 de Setembro de 1999, foi publicado o Decreto-Lei n.º 367/99 (que define as atribuições da Comissão de Normalização Contabilística (CNC», que no seu preâmbulo refere: "(...) que no plano técnico se consagra, a exemplo do que sucede noutros países, a existência de três níveis de normalização: Plano Oficial de Contabilidade (POC), as directrizes contabilísticas, que revestirão efeito obrigatório, e as interpretações técnicas" (...).

43.   E resulta do §13° do capítulo IV -Princípios contabilísticos geralmente aceites no normativo contabilístico nacional da Directriz contabilística n.º 18/05: "Assim, a CNC, ao privilegiar uma perspectiva conceptual de substância económica para o relato financeiro, considera que a adopção dos princípios contabilísticos geralmente aceites no normativo contabilístico nacional se deve subordinar, em primeiro lugar, ao POC e às directrizes contabilísticas e respectivas interpretações técnicas, supletivamente, pela ordem indicada, às:

1 Normas Internacionais de Contabilidade, adoptadas ao) abrigo do Regulamento n.º 1602/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho;

2 Normas de Contabilidade Internacionais (IAS) e as normas internacionais de relato financeiro (IFRS), emitidas pelo IASB, e respectivas interpretações SIC-IFRIC”(...)

44.   Ora, daqui não resulta, que o facto de outros Estados Membros terem adoptado regras contabilísticas diferentes daquelas que foram adoptadas para o território nacional (por imposição das regras constantes no POC e directrizes contabilísticas), que as mesmas devam ser tidas em consideração, somente pelo facto desse Estado Membro pertencer à União Europeia.

45.   Embora, a ora recorrente venha dar conhecimento do tratamento contabilístico em alienação de direitos de subscrição de acções, constante no Plan General de Contabilidad (Espanha) e de outras fontes doutrinárias oriundas da Suiça e Bélgica, não se afigura ser de aplicar critérios de contabilização de investimentos financeiros adoptados por aqueles países, uma vez que o POC, em 2008, tinha os seus próprios critérios.

46.   Na eventual falta de referência expressa, quer no POC quer em Directrizes Contabilísticas, quanto ao tratamento contabilístico a aplicar à transmissão de direito de preferência de subscrição, também não se afigura recorrer por analogia a legislação de outros países uma vez, que a Directriz contabilística n.º 18/05, refere expressamente, que supletivamente, aceita apenas o recurso às Normas Internacionais de Contabilidade.

47.   De facto, a harmonização contabilística europeia não se faz directamente entre Estados  Membros, mas sim entre as orientações comunitárias e 0s respectivos Estados Membros.

 

III CONCLUSÃO

48.   Importa concluir que a IT andou bem, quando considerou o ganho resultante da alienação de direitos de subscrição de acções do "B", como um proveito, nos termos do n.º 1 do artigo 20° CIRC, a contrário da ora recorrente, quando entendeu estar perante um valor que traduziria o valor de realização para apuramento de uma mais ou menos valia fiscal, nos termos do artigo 43° do CIRC.

49.  Nestes termos, propõe-se que não seja dado provimento ao presente recurso hierárquico.

 

u) Em 16-9-2013, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no processo administrativo e nas afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não havendo qualquer controvérsia sobre a factualidade relevante para a decisão.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Objecto do litígio

 

A Requerente alienou direitos de subscrição de acções do "B" e, na sequência de consultas a especialistas em contabilidade, procedeu da forma seguinte:

– entendeu que o custo de aquisição dos direitos de subscrição é componente do custo de aquisição das acções de que esses direitos provêm;

– entendeu que a alienação de direitos de subscrição de acções implica uma redução do valor das acções que originam aqueles direitos, que deve ser reflectida como menos-valia na contabilidade do alienante dos direitos;

– constatando que durante os dias 10, 11, 14 e 18 de Abril de 2008 foram transaccionados em bolsa quer direitos de subscrição, quer acções do "B" sem esses direitos, a Requerente apurou as cotações médias de ambos os valores mobiliários e daí concluiu que os direitos de subscrição correspondiam a uma percentagem de cerca de 10,10035% do valor médio das acções com direitos;

– seguidamente, a Requerente aplicou essa percentagem ao custo histórico de aquisição das acções do Banco "B" de que era titular, apurando o custo dos direitos de subscrição que alienou;

– confrontando esse custo com o valor de realização dos direitos, a Requerente determinou a menos valia que apurou na venda, que registou na contabilidade.

 

 A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o produto da alienação dos direitos de subscrição deve ser qualificado, na sua totalidade, como proveito, mantendo-se inalterado o custo de aquisição das acções, pelo que procedeu a correcção da matéria tributável da Requerente.     

Na definição do objecto do litígio há que ter em conta que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa a eliminação dos efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele] ( [2] ), pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, mesmo que invocados a posteriori pela Autoridade Tributária e Aduaneira em impugnação administrativa ou contenciosa. ( [3] )

Por outro lado, aos Tribunais do contencioso tributário cabe apenas a função de dirimir os litígios emergentes da prática do acto cuja legalidade é contestada, apreciando as questões suscitadas pelas partes cujo conhecimento seja necessário para apreciar essa legalidade, na estrita medida dessa necessidade, como decorre do princípio da limitação dos actos, actualmente enunciado de forma genérica no artigo 130.º do Código de Processo Civil.

Desta perspectiva, importa apenas apreciar se tem suporte legal a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira à matéria tributável da Requerente, para efeitos puramente fiscais, e não determinar qual a forma mais adequada para contabilização da alienação de direitos de subscrição.

Assim, a questão que é objecto do presente processo arbitral é a de saber se o produto da alienação de direitos de subscrição de acções deve ser considerado integralmente como proveito para efeitos de tributação em IRC, já que foi este o fundamento da correcção efectuada.

 

3.2. Os termos do litígio

 

Relativamente à determinação da matéria tributável de IRC, o artigo 17.º do CIRC (redacção vigente em 2008) estabelece o seguinte:

 

Artigo 17.º

Determinação do lucro tributável

 

            1. O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

            2. Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do exercício.

            3. De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.

 

Como se vê pelo n.º 1 deste artigo 17.º, não se estabelecem na lei fiscal todas as regras necessárias para apuramento da matéria tributável das entidades sujeitas a IRC, remetendo-se genericamente para as normas contabilísticas, mas com primazia das normas deste Código («...corrigidos nos termos deste Código»).

A justificação destas relações entre a fiscalidade e a contabilidade é dada no ponto 10 do Preâmbulo do CIRC, nestes termos:

 

«Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.

As relações entre contabilidade e fiscalidade são, no entanto, um domínio que tem sido marcado por uma certa controvérsia e onde, por isso, são possíveis diferentes modos de conceber essas relações. Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extracontabilisticamente, as correcções – positivas ou negativas – enunciadas na lei para tomar em consideração os objectivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.»

 

Nesta linha, pode dizer-se que «a contabilidade fornece uma base conceptual para o recorte operacional do lucro tributável, mas, dados os objectivos e princípio que enquadram a fiscalidade, não pode haver uma identificação entre este e o resultado contabilístico pois a contabilidade tem também objectivos e princípios que lhe são próprios e que devem ser salvaguardados. Em alguns países opta-se até por uma completa separação entre essas duas grandezas, mas a tradição em que nos inserimos é a da dependência parcial do lucro tributável em relação ao resultado contabilístico» ( [4] )

No caso em apreço, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira subjacente à liquidação impugnada baseia-se exclusivamente em considerações de ordem contabilística, sendo os n.ºs 1 e 3 do artigo 17.º do CIRC as únicas normas que são referidas no relatório da inspecção e no despacho que sobre ele recaiu.

No entanto, apesar de no relatório da inspecção não se fazer referência ao artigo 20.º do CIRC, no despacho que apreciou a proposta naquele formulada, que é, afinal, o acto que determinou a correcção da matéria tributável subjacente à liquidação impugnada, refere-se que «conclui-se não ser de dar razão ao SP, uma vez que ao invés do tratamento contabilístico dado pelo SP à alienação de direito de subscrição, com as consequentes percussões fiscais, demonstra-se que, de acordo com a legislação contabilística e fiscal, tal operação deverá ter o enquadramento como proveito e jamais como menos valia» [alínea p) da matéria de facto fixada].

Depois do acto de liquidação, designadamente no parecer em que se baseou o indeferimento da reclamação graciosa e no ponto 33 do parecer em que se baseou a decisão do recurso hierárquico, faz-se referência ao artigo 20.º, n.º 1, do CIRC, indicando-se que se está perante «ganho de natureza financeira».

Mas, como se disse sobre a irrelevância da fundamentação a posteriori, há que atender apenas à fundamentação subjacente ao acto de liquidação e não há sucessiva, pelo que o que está em causa é apenas saber se se está perante num «proveito», por tal resultar da aplicação das normas contabilísticas, designadamente do ponto 5.4.3.4. do POC, aplicável por via do artigo 17.º, n.ºs 1 e 3, do CIRC.

 

3.3. Apreciação da questão

 

A norma contabilística que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca é o ponto 5.4.3.4. do POC em que se refere que «os restantes investimentos financeiros registam-se pelo custo de aquisição», reportando-se aos investimentos financeiros que não são representados por partes de capital em empresas filiais e associadas, referidos no ponto 5.4.3.3..

No entanto, aquele ponto 5.4.3.4., independentemente de poder revelar, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, incorrecção do procedimento contabilístico utilizado pela Requerente quanto ao tratamento dado ao registo do valor das acções detidas, não resolve o problema do tratamento contabilístico do produto da alienação dos direitos de participação, nem nada permite concluir sobre a sua relevância fiscal, que, pelo que se disse, não tem de coincidir com a relevância contabilística, mesmo quando esta for explícita.

 Na verdade, a referida norma contabilística tem em vista directamente os investimentos financeiros cujo valor não sofre redução, pois, quando qualquer desses investimentos financeiros «tiver, à data do balanço, um valor de mercado ou de recuperação inferior ao registado na contabilidade, este deverá ser objecto da correspondente redução», sem prejuízo de o ajustamento ser posteriormente reduzido ou anulado, quando deixarem de existir os motivos que os originaram (pontos 5.4.3.6. e 5.4.3.7. do POC).

No caso da alienação de direitos de subscrição o que está em causa é, precisamente, uma situação em que poderá existir uma redução do valor da participação social derivada da alienação, pelo que aquela norma do ponto 5.4.3.4. não pode ser considerada um obstáculo a uma redução do valor da participação social.

De qualquer modo, nenhuma destas normas estabelece o regime específico do tratamento contabilístico de um investimento financeiro (aquisição de acções) que proporciona ao seu titular um conjunto de direitos, depois de se autonomizar e ser alienado um desses direitos, que passa a constituir um novo valor mobiliário autónomo, sendo inclusivamente susceptível de ser transaccionado em bolsa com completa autonomia em relação à participação social cuja detenção gera esse valor mobiliário autónomo.

Assim, tem de se concluir que não há regulamentação específica na legislação vigente em 2008, para o tratamento contabilístico da alienação de direitos de subscrição,

Por outro lado, como se evidencia no artigo «Alienação de direitos de subscrição», publicado na Revista da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, n.º 112, cuja cópia foi junta aos autos, é controversa a questão da determinação do tratamento contabilístico adequado, sendo aventadas várias soluções. ( [5] )

Para além disso, constata-se ainda que, ao contrário do que sucede em Portugal, noutros países, há regulamentação fiscal específica para a alienação de direitos de subscrição, como é o caso da Espanha, em que já se previa no Plan General De Contabilidad de 1990 (aprovado pelo Real Decreto n.º 1643/1990, de 20 de Dezembro), na norma de valoração 8.ª, relativamente a «Valores negociables», que «En el caso de venta de derechos preferentes de suscripción o segregación de los mismos para ejercitarlos, el importe del coste disminuirá el precio de adquisición de los respectivos valores. Dicho coste se determinará aplicando alguna fórmula valorativa de general aceptación y en armonía con el principio de prudencia: al mismo tiempo, se reducirá proporcionalmente el importe de las correcciones valorativas contabilizadas». Esse regime foi mantido no Ponto 2.5.2. do novo Plan General Contablilidad de 2007 (Aprovado pelo Real Decreto n.º 1514/2007, de 16 de Novembro) em que se refere: «En el caso de venta de derechos preferentes de suscripción y similares o segregación de los mismos para ejercitarlos, el importe del coste de los derechos disminuirá el valor contable de los respectivos activos. Dicho coste se determinará aplicando alguna fórmula valorativa de general aceptación».

Este facto de há muito a solução contabilística preconizada pela Requerente ser legislativamente acolhida em Espanha, não deixa margem para dúvidas de que se trata, pelo menos, de uma solução razoável, em termos contabilísticos.

Por outro lado, a tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira tem como corolário o produto da alienação de direitos de subscrição constituir sempre matéria tributável de IRC, mesmo quando o investimento em acções que gera tais direitos provoca globalmente prejuízo (como sucede no caso em apreço), o que é incompaginável com os princípios da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa) e assentando essencialmente na capacidade contributiva (artigo 4.º, n.º 1, da LGT).

Para além disso, o entendimento de que o produto da alienação dos direitos de subscrição deve ser considerado proveito na totalidade, não tem coerência lógica, pois o facto de aqueles direitos serem valores mobiliários autónomos que se destacam de outro valor mobiliário terá como efeito normal uma desvalorização deste: tendo os direitos de subscrição um valor autónomo, as acções que permitem o seu exercício não terão normalmente o mesmo valor do que as acções que não o permitem, por esses direitos terem sido alienados. Aliás, a própria Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão da reclamação graciosa, reconheceu que «a alienação dos direitos de subscrição implica, para o seu alienante, uma diminuição da sua participação no capital social da sociedade» e, embora, na sua perspectiva, «por via de regra, o valor absoluto da mesma mantém-se, sendo o valor recebido pela alienação dos referidos direitos, para além de uma compensação pela perda da diminuição da sua participação, um ganho que tem a sua fonte naquela participação», o certo é que, por um lado, essa pretensa «regra», cuja correspondência à realidade a Autoridade Tributária e Aduaneira não demonstra, não pode considerar-se mais que um palpite, e, por outro lado, a sua aplicação só poderia justificar-se relativamente às situações em que se verificasse o pressuposto em que ela assenta, de ser integralmente recuperado o custo de aquisição das acções que geram os direitos de subscrição, o que imporia que se afastasse a aplicação dessa hipotética regra quando se comprovassem excepções, como sucede no caso dos autos. ( [6] )

Neste contexto, tem de se concluir que é, no mínimo, duvidoso que a solução contabilística adequada seja a preconizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que não está explicitamente prevista no POC, não encontra qualquer apoio doutrinal ou jurisprudencial e leva a resultado inconciliável com os princípios básicos que regem a tributação dos rendimentos das empresas.

De qualquer modo, em matéria de incidência tributária, há exigências acrescidas de segurança jurídica, que estão subjacentes ao princípio da tipicidade dos impostos («null taxation without law»), concretizado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, que impõe um grau de exigência de determinabilidade e precisão da lei «que garanta aos destinatários da normação um conhecimento preciso, exacto e atempado dos critérios legais que a Administração há-de usar, diminuindo desta forma os riscos excessivos que, para esses destinatários, resultariam de uma normação indeterminada quanto aos próprios pressupostos de actuação da Administração». ( [7] )

No caso em apreço, é manifesto que da mera remissão genérica feita para as normas contabilísticas no artigo 17.º, n.ºs 1 e 3, do CIRC, sem apoio explícito no texto de qualquer norma contabilística, não resulta com o mínimo de clareza exigível em normas de incidência tributária que o IRC incida sobre o produto da alienação de direitos de subscrição de acções, pelo que, além do mais, há um obstáculo constitucional inultrapassável à adopção da tese defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Diga-se, ainda, que o CIRC confirma, indirectamente, que a alienação dos direitos de subscrição não se inserem no âmbito de incidência do IRC, ao não lhe fazer qualquer referência no seus artigo 20.º, designadamente na alínea c) do n.º 1 em que se indicam genericamente os «rendimentos de carácter financeiro», dando-se como exemplos «juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio e prémios de emissão de obrigações». Na verdade, apesar de a enumeração que aí se faz em ter natureza exemplificativa, o facto de, quanto a proveitos relacionados com acções, apenas de indicarem os dividendos e não também os direitos de subscrição, aponta no sentido de o legislador fiscal não ter pretendido considerar como proveito o produto da sua alienação, pois trata-se se direitos típicos e de frequente exercício associados à detenção de acções, previstos e regulados nos artigos 458.º a 460.º do Código das Sociedades Comerciais, e, por isso, se se entendesse que tal produto devia ser considerado como proveito, seria normal que se fizesse uma referência explícita, o que se justificaria acentuadamente por se tratar de solução que, pelo que se disse, não resulta das normas contabilísticas.

De resto, a não incidência de IRC sobre o produto da alienação de direitos de subscrição pode ser explicada, por um lado, pela existência de outras vias para tributação do rendimento real das empresas associado à detenção de acções e, por outro lado, pela dificuldade de quantificação dos proveitos ( [8] ), por a autonomização e alienação do direito de subscrição implicar redução pelo menos temporária do valor da acção e a recuperação posterior do anterior valor, que a Autoridade Tributária e Aduaneira aventa na decisão do recurso hierárquico, ser incerta, hipotética e eventual.

Trata-se de uma situação que, pelo que se vê, conviria ser regulamentada, como há muito se fez em Espanha, mas, na falta de regulamentação, o princípio da legalidade opõe-se a que o produto da alienação de direitos de subscrição seja considerado proveito para efeitos de incidência de IRC.

Pelo exposto, é de concluir que correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de vício de violação de lei, designadamente de violação do artigo 17.º, n.ºs 1 e 3, do CIRC e do ponto 5.4.3.4. do POC, o que justifica a sua anulação [artigos 99.º alínea a) do CPPT e 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicáveis por força do disposto nos artigos 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 2.º, alínea c), da LGT].

                                    

4. Decisão

 

   De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, na totalidade;

b) Anular a liquidação adicional de IRC n.º 2010 …, no valor de € 170.470,28, relativa ao ano de 2008, e a liquidação de juros compensatórios n.º 2010 …, no valor de € 6.090,22.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 176.560,50.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2014

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

 

 

 

 

(Jorge Júlio Landeiro de Vaz)

 



[1] Os ajustamentos preconizados no ponto 5.4.3.6. do POC afectam, negativamente, o resultado contabilístico do período, mas, de acordo com a conjugação dos Artigos 23 e 34, do Código do IRC, não concorrem para a formação do lucro tributável. A designação destes ajustamentos, anterior ao Decreto-lei número 35/2005,de 17 de Fevereiro, era "Provisões”, cujo regime fiscal integra o capítulo III, secção II, subsecção IV, do Código do IRC, em vigor à data dos factos. Este regime não contempla, os ajustamentos de (antes, "provisões para") aplicações financeiras, como fiscalmente dedutíveis.

( [2] )          Apenas complementado com as consequências da decisão anulatória a nível de atribuição de juros indemnizatórios e de indemnização por prestação de garantia indevida, se for caso disso.

( [3] ) Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

–   de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207;

–   de 19-06-2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289;

–   de 09-10-2002, processo n.º 600/02;

–   de 12-03-2003, processo n.º 1661/02.

               

                Em sentido idêntico, podem ver-se:

–   MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;  

–   MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade».

( [4] ) MANUEL H. DE FREITAS PEREIRA, Relações entre a fiscalidade e a contabilidade, em Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, volume IV, página 953.

( [5] )          Não se justificam dúvidas sobre a competência técnica, em matéria de contabilidade, do Autor do artigo, Dr. C… e do Dr. D… (que manifesta concordância com a posição assumida no artigo), pois ela é reconhecida pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira ao dizer, a páginas 26 e 27 do relatório da inspecção o seguinte:

«Relativamente aos professores de contabilidade, não retiramos qualquer credibilidade. Pelo contrário, enaltecemos o seu papel fundamental, no que à investigação científica respeita, bem como, no seu esforço na profusão, pela sociedade, dos resultados, daí decorrentes. Realçamos, mesmo, na medida em que aqueles intelectuais, como informa a "A…''', integraram a Comissão de Normalização Contabilística (CNC), o seu papel preponderante na concepção e implementação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), enquanto normativo contabilístico, com aplicabilidade, na ordem jurídica nacional, para os exercícios económicos iniciado em 1 de Janeiro de 2010».

( [6] )          Como resulta das alíneas a) e b) da matéria de facto fixada, o custo de aquisição das acções de que emergiram os direitos de subscrição foi de 2,813287 por acção, muito acima do valor de € 2,1326 que resulta da soma dos valores dos direitos de subscrição e das «acções sem direitos», como se vê pelo quadro que consta da alínea j) da matéria de facto fixada.  

( [7] )          Acórdão n.º 285/92 do Plenário do Tribunal Constitucional, de 22-07-1992, proferido no processo n.º 383/92, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17-08-1992, na linha de J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª edição, página 253.

                No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 485/93, de 12-8-1993, processo n.º 424/93, e n.º 233/94, de 10-3-1994, processo n.º 238/89.

( [8] )          Como ensina o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2.ª edição, página 246, o princípio da legalidade tributária, na sua concretização do princípio da determinabilidade da lei, leva à não tributação de ganhos dificilmente quantificáveis.