Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 207/2013-T
Data da decisão: 2014-04-07  Selo  
Valor do pedido: € 11.102,23
Tema: Verbas 28 e 28-1 da TGIS; Terreno para construção
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

AS PARTES

 

Requerente: A..., NF …, com domicílio na Rua …, Lisboa.

 

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

 

DECISÃO

 

 

  1. RELATÓRIO

 

a)      Em 29.08.2013, A..., NF … (a seguir designada por Requerente) entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular.

b)      O pedido está assinado por advogado cuja procuração foi junta.

 

O PEDIDO

 

c)      A Requerente peticiona a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS) nº 2013 …, com data de 2013-03-21, geradora de uma colecta de 11.102,23 €, relativa ao ano de 2012 e ao prédio urbano da espécie "terreno para construção" inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, sob o artigo ...º.

d)     Insurge-se ainda contra a liquidação ..., com data de 07.11.2012, geradora de uma colecta de 5 551,11 €, ao abrigo do artigo 6º-1, alínea f) e subalínea i) da Lei 55-A/2012 de 29.10, quanto ao mesmo bem imobiliário atrás identificado, não atacando todavia a liquidação em concreto, mas alegando uma “duplicidade de tributação” com a liquidação atrás referida.

e)      Peticiona a anulação do acto com o fundamento em “erro sobre os pressupostos de direito” por violação do artigo 4º da Lei 55-A/2012 de 29.10.

f)       E termina peticionando a anulação do tributário identificado em c), e a condenação da AT na devolução do indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT.

g)      A Requerente, entretanto, em 11.03.2014 comunicou ao Tribunal Arbitral que “não efectuou qualquer pagamento relativo à liquidação em apreço”, sem que, no entanto, tenha prescindido do pedido de condenação da Requerida em juros.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

h)      O pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 30.08.2013.

i)        Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 14.10.2013.

j)        Pelo que o Tribunal Arbitral Singular se encontra, desde 29.10.2013, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio.

k)      Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 29.10.2013 que aqui se dá por reproduzida.

l)        Em 23.01.2014 realizou-se a primeira reunião de partes prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se com o acordo das partes, optado pela realização das alegações por escrito, tendo sido notificadas para as apresentar, no prazo de 10 dias, primeiro a Requerente e depois a Requerida.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

m)    Contraditório - a AT juntou ao processo, em 06.12.2013, a resposta ao pedido de pronúncia apresentado pela Requerente e ainda o processo administrativo respectivo. Ambas as partes apresentarem tempestivamente alegações escritas mantendo as posições assumidas anteriormente.

n)      Legitimidade, capacidade e representação - as partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.

o)      Excepções dilatórias - o processo não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

SÍNTESE DA DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE

 

Quanto à anulação do acto com o fundamento em “erro sobre os pressupostos de direito” por violação do artigo 4º da Lei 55-A/2012 de 29.10.

 

p)      Entende a Requerente que o terreno para construção está fora da incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo posto que aí se tributa apenas os “prédios classificados como habitacionais”.

q)      Que a AT ao liquidar IS sobre o terreno da Requerente “origina uma nova regra de incidência” violando-se o princípio da legalidade consagrado na Constituição.

r)       Considera que existe “duplicidade de tributação do mesmo imposto relativamente ao mesmo ano” face à liquidação de IS expressa em d) deste Relatório.

 

Quanto à retroactividade da norma de incidência

 

s)       A anulação do acto tributário sempre deverá ocorrer porque a Lei 55-A/2012 de 29.10, foi aprovada apenas no final do ano de 2012 e projecta um efeito retroactivo a todo o ano de 2012, “não permitido por lei”. (Não invocando todavia qualquer desconformidade com a lei em concreto ou com a Constituição).

 

SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

 

Quanto ao “erro sobre os pressupostos de direito” por violação do artigo 4º da Lei 55-A/2012 de 29.10.

 

t)       A AT propugna no sentido de que a “noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade), incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.

u)      “Conforme resulta da expressão "valor das edificações autorizadas", constante do artigo 45º-2, do CIMI, o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral, à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes, por conseguinte, aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI”.

v)      E alega que “para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28-1 da TGIS não pode ser ignorada”.

w)     Esclarece que “a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção”.

x)      Resumindo o seu raciocínio acaba por expressar: “ que própria verba 28 da TGIS remete para a expressão "prédios com afectação habitacional", apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do artigo 6.° do CIMI”.

y)      Contesta a posição actual da Requerente pela razão de que “porquanto a indicação da afectação habitacional do prédio ou decorre da iniciativa do contribuinte, nos termos do artigo 37º do CIMI, ou decorre da avaliação geral, com base nos elementos fornecidos pela Câmara Municipal respectiva”.

z)      A Requerente conformou-se “… com a aplicação do coeficiente de afectação, aceitando a avaliação efectuada pela AT e, nessa medida, que o prédio fosse qualificado como sendo de afectação habitacional, prescindindo do uso dos mecanismos de defesa”.

aa)   Entende a AT “que o conceito de "prédios com afectação habitacional", para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados, quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”, uma vez que “o legislador não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção de "afectação habitacional", expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de dever integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.°- 1, alínea a), do CIMI”.

bb)  Entende que a “mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa” e que “muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção”.

 

Quanto à retroactividade da norma de incidência.

 

cc)   Refere textualmente que “… conforme se retira do artigo 6º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro, conjugado com o nº 4, artigo 2º, alínea u) do artigo 3º, alínea u) do nº1 do artigo 5º e nº6 do artigo 4º o facto tributário verificou-se a 31 de Outubro de 2012 (conforme alínea a), do nº 1 daquele artigo), ou seja o facto tributário verificou-se em data posterior à entrada em vigor da Lei, logo não existe aqui qualquer retroactividade”.

 

***

 

dd) Termina propugnando pela legalidade do acto tributário porque “… consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo do vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS”.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

As questões que se colocam ao Tribunal são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.

 

Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma, ou seja, discute-se a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

O limite da interpretação é a letra, o texto da norma.

 

Falta depois a tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal.

 

Partindo do princípio que toda a norma tem uma previsão (e uma estatuição), a questão que aqui se coloca é a de apurar, delimitando, se a norma de incidência, tal como se encontra redigida – na sua previsão - (prédios urbanos … com afectação habitacional), comporta ou não a realidade jurídico-fiscal definida na lei como “terrenos para construção”.

 

A AT não se pronunciou especificamente quanto ao referido pela Requerente e que se expressa em q) e r) deste Relatório.

 

No entanto, quando se pronuncia sobre a questão da retroactividade da norma de incidência (inciso cc) deste Relatório) formula uma posição implícita no sentido de que alegado pela Requerente e que consta em d) do Relatório não tem cabimento no âmbito deste processo, porque nenhuma desconformidade com lei concreta é invocada.

 

Por outro lado, é patente que não há qualquer “duplicidade” de tributação, porque não se pode confundir a tributação em 2012 ao abrigo das disposições transitórias constantes do artigo 6º  da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro (liquidação que não foi impugnada), e a tributação em 2013 resultante da aplicação subsequente da norma de incidência das verbas 28º e 28º-1 da TGIS (ora em causa), o que só uma leitura menos atenta da lei pode justificar, pelo que a questão colocada pela Requerente expressa em d) do Relatório não tem qualquer fundamento até porque nem a mesma acaba por peticionar expressamente a sua anulação.

 

Pelo que resta – prevenindo o vício “petitionem brevis” - a questão da constitucionalidade levantada pela Requerente quando expressa que a tributação ora em causa “origina uma nova regra de incidência”, defendendo implicitamente a desconformidade em concreto com o artigo 103º-2 da Constituição da República Portuguesa, ou seja, de que a norma de incidência não respeita o princípio da tipicidade tributária, concretizada no princípio da determinabilidade, o qual, no entanto, diga-se, não inviabiliza que o legislador (citando Saldanha Sanches in a “Segurança Jurídica do Estado Social de Direito”, CTF 310/312): “… se sirva de uma formulação suficientemente ampla para abranger factos da mesma natureza e igualmente indicadores de capacidade tributária, ainda que com características que entre si os diferenciem”.

 

Afigura-se ao Tribunal Arbitral que as questões que deve solucionar são as seguintes:

 

  1. As verbas 28 e 28-1 da TGIS quando expressam: “prédios urbanos … com afectação habitacional” criaram uma classificação de prédios que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do artigo 6º do Código do IMI?
  2. A previsão da norma de incidência plasmada nas verbas 28 e 28-1da TGIS com a seguinte literalidade: “prédios urbanos … com afectação habitacional”, abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação ou apenas os prédios urbanos edificados destinados a fins habitacionais?
  3. Caso se conclua que a norma de incidência abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, esta leitura colide com o princípio da legalidade/tipicidade das normas de incidência tributária, estatuídos nos nºs 2 e 3 do artigo 103º da CRP?
  4. O acto tributário de liquidação de IS ora impugnado padece de desconformidade com a lei, nomeadamente “erro sobre os pressupostos de direito por violação … da verba 28.1 da TGIS” que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária?

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDAMENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos) e/ou os artigos do pedido da Requerente e da resposta da AT quanto aos factos admitidos por acordo, como fundamentação:

 

1)      A Requerente consta como titular da propriedade plena do prédio urbano identificado como artigo ...º, (descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 1099) localizado no Rua …, freguesia da ..., concelho de Vila Nova de Gaia e distrito do Porto – Documento (certidão de teor de prédio urbano desactivado) junto com a resposta da AT ao pedido de pronúncia e Documento nº 1 junto com o pedido de pronúncia (nota de liquidação do IS);

2)      A descrição do prédio urbano na “certidão de teor de prédio desactivado” é feita da seguinte forma: “Tipo de prédio: terreno para construção; Descrição: terreno para construção com área de 8 000 m2” - Documento (certidão de teor de prédio urbano desactivado) junto com a resposta da AT;

3)      Na aludida “certidão de teor de prédio desactivado”, em “dados da avaliação” consta “tipo de coeficiente de localização: habitação" e aí consta uma quadrícula indicando “Ca – 1,00”;

4)      O prédio urbano em causa tem um valor patrimonial actual (CIMI): 1.110.222,73 euros, determinado em 2010 - Documento (certidão de teor de prédio urbano desactivado) junto com a resposta da AT.

5)      A classificação do prédio urbano em causa resultou do “Modelo 1 do IMI nº … entregue em 2004.03.04, ficha de avaliação …, avaliada em 2006.01.01” - Documento (certidão de teor de prédio urbano desactivado) junto com a resposta da AT.

6)      A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo de 2012 no montante de € 11.102,23 ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, através do documento 2013 … que determinou o pagamento da 1ª prestação e do documento 2013 … que determinou o pagamento da 2ª prestação desse imposto, e do documento 2013…que que determinou o pagamento da 3ª prestação desse imposto, sobre o prédio a que se alude em 1 a 4 – notas de liquidação juntas em 11.03.2014.

7)      Imposto este liquidado com fundamento na verba 28.1 da TGIS, com a redaccão que lhe foi introduzida pela Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro - artigo 2º do pedido de pronúncia e artigo 1º de resposta da AT.

8)      E cujo prazo para pagamento voluntário foi fixado com data limite até final de Abril de 2013 (quanto a 1ª prestação) e até final de Julho de 2013 (quanto a 2ª prestação) e até final de Novembro de 2013 (3ª prestação) – conforme notas de liquidação juntas em 11.03.2014.

9)      A Requerente não pagou as liquidações que lhe foram notificadas – conforme requerimento de 11.03.2014.

 

Não existe outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

 

A matéria assente resulta de confissão das partes ou de documentos que juntaram, cujos conteúdos e valorações probatórias não mereceram dissonância.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

  • As verbas 28 e 28.1 da TGIS quando expressam: “prédios urbanos … com afectação habitacional” apelam a uma classificação de prédios que se sobrepõe às espécies previstas no nº 1 do artigo 6º do Código do IMI?

 

Suscita a AT esta questão que tem alguma consistência face à formulação da norma de incidência escolhida pelo legislador, posto que o intérprete “presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (nº 3 do artigo 9º do Código Civil), quer siga a corrente doutrinária denominada subjectiva que sustenta a prevalência da vontade do legislador (voluntas legislatoris) quer siga a denominada corrente doutrinária objectiva que sustenta a prevalência da vontade da lei (voluntas legis).

 

Na verdade, com a criação de uma nova verba na TGIS, a verba 28, no fundo criando-se um novo “facto ou situação jurídica” sujeito a tributação fiscal, apenas se pretendeu ampliar a incidência do imposto do selo a uma nova realidade jurídico-factual, mas não alterando a divisão das diversas espécies de prédios urbanos existentes.

 

Isso configura-se ser claro face ao texto da verba 28 da TGIS que fala em “prédios urbanos”.

 

Estamos assim, apenas e só, no âmbito da actividade de interpretação e aplicação das normas, ou seja, na tarefa de delimitar as situações jurídico-factuais que devem haver-se por comportadas na norma de incidência deste novo tributo e que resulta da conjugação das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Só que depois, a lei, o seu elemento literal que é sempre o limite de qualquer interpretação, na verba 28-1 TGIS, vem acrescentar “… por prédio com afectação habitacional”.

 

Ou seja, esta concreta norma de incidência do imposto, não deve depois ser interpretada, delimitada, como se tivesse a literalidade de “prédios urbanos habitacionais”, isto porque o intérprete, em respeito pelo comando do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, não poderá partir do pressuposto que o legislador não conhecia os exactos termos do nº 1 do artigo 6º do CIMI que faz a divisão das diversas espécies de prédios urbanos.

 

Mas também não parece que possa entender-se que na norma de incidência caiba automaticamente para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais”, a espécie  “terrenos para construção”.

 

Parece-nos, pois, que face ao elemento literal da norma de incidência (reveladora da voluntas legis) escolhido pelo legislador: “prédios urbanos … com afectação habitacional” se pretendeu atingir outras espécies de prédios urbanos, para além dos “prédios urbanos …habitacionais” segundo a divisão do nº 1 do artigo 6º do Código do IMI.

 

Não queremos, no entanto, com isto significar que a espécie de prédios urbanos “terrenos para construção” (ou outra espécie de prédios urbanos) esteja claramente e sem mais (ou seja, “ope legis”), comportada na norma de incidência da verba 28-1 da TGIS.

 

  • A previsão da norma de incidência que resulta da conjugação das verbas 28 e 28-1 da TGIS com a seguinte literalidade: “prédios urbanos … com afectação habitacional”, abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação ou apenas os prédios urbanos edificados destinados a fins habitacionais?

 

 A este propósito transcrevemos, visando a simplificação e uniformização, o que é referido v.g. na decisão arbitral CAAD Processo 48/2013-T, na parte a que aderimos:

 

***

 

A sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, efectuada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

Relativamente às situações tipificadas na verba 28.1 só estão sujeitos os prédios com afectação habitacional.

A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, em nenhum lugar clarifica o que são prédios com afectação habitacional. No entanto, no nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo referido diploma legal, foi estipulado que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

 

O CIMI também não clarifica o que são prédios com afectação habitacional, mas apenas o que são os diversos tipos de prédios, qualificando o nº 2 do artigo 6º como “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços os edifícios como tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

Ou seja, para o CIMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização, como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim.

 

Já quanto aos terrenos para construção, que interessam no presente caso, face à liquidação efectuada e impugnada sobre terreno para construção, o CIMI, no nº 3 do artigo 6º, diz-nos que “são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos”.

 

Das duas normas atrás transcritas não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando fala em prédios com afectação habitacional.

 

A Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí que da mesma não é possível retirar a intenção do legislador.

 

Tal lei da Assembleia da República teve origem na proposta de lei nº 96/XII (2ª), a qual, na exposição de motivos fala na introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

 

Na exposição de motivos da referida proposta de lei, é dito que, “estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

 

Nessa exposição de motivos é ainda dito que, além do agravamento da tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, é criada uma taxa em sede de imposto do selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

 

Ou seja, em tal exposição de motivos, também não é clarificado o que se entende por prédios urbanos com afectação habitacional.

 

Na sua intervenção na Assembleia da República, na apresentação e discussão da referida proposta de lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou o seguinte:

 

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

 

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

 

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

 

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

 

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

 

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

 

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

 

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

 

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.”

 

***

 

Em primeiro lugar, há que constatar que não há dúvidas de que a espécie de prédios urbanos considerados “habitacionais” (alínea a) do nº 1 do artigo 6º do CIMI) que são “… os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal esse fim”, cabem automaticamente na previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Mas da simples consideração do elemento literal da lei resultará que se pretendeu abranger mais do que esta realidade jurídico-fiscal abrange.

 

Posto que, como se referiu no ponto anterior, por força do comando do nº 3 do artigo 9º do Código Civil, não parece possível ao intérprete entender que a expressão “prédios urbanos … com afectação habitacional” tenha o mesmo alcance prático (âmbito de aplicação) como se dissesse “prédios urbanos habitacionais”, partindo do princípio que se pretendeu abranger mais do que se abrangeria através do uso do primeiro elemento literal.

 

No caso dos autos a AT defende que se deve recorrer ao artigo 41º (coeficiente de afectação) do Código do IMI: “O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados” e pela razão de que, no caso dos autos, o prédio urbano em causa foi avaliado tendo em conta um Ca de 1,00 – habitação, em consequência do estipulado no nº 2 do artigo 45º do Código do IMI: “O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”.

 

Ou seja, entende que a “afectação habitacional” do prédio urbano em causa é clara face ao que consta na caderneta predial que resultou de uma declaração do contribuinte (declaração modelo 1 do IMI) – matéria que acima se levou aos factos provados.

 

O que aqui está em causa é a adopção de uma interpretação restrita ou lata da norma de incidência.

 

“O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo”, se chegar “à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer”; “o intérprete limita a norma aparente, por entender que o texto vai além do sentido” (Parecer da PGR DR II Série, 26-11-1993, pág. 11227).

 

Ao nível da interpretação das normas tributárias existe uma regra muito própria que se encontra vertida no nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.

 

Há uma situação em que o legislador fiscal parece ter aumentado, na prática, o conceito jurídico de “prédios urbanos habitacionais”, tendo em conta a utilidade económica, como será o caso do nº 2 do artigo 46º do EBF que versa sobre a isenção de IMI dos prédios urbanos – edificações - destinados a habitação: “A isenção … abrange os arrumos, despensas e garagens, ainda que fisicamente separados, mas integrando o mesmo edifício ou conjunto habitacional, desde que utilizados exclusivamente pelo proprietário, inquilino ou seu agregado familiar, como complemento da habitação isenta”.

 

Ou seja, verifica-se que o único caso conhecido em que a lei fiscal estendeu o conceito jurídico de prédio urbano habitacional para realidades de utilidade económica, faz apelo a edificações (prédios urbanos edificados ou conjuntos habitacionais) e não a prédios urbanos que não contenham ou não sejam edificações.

 

Afigura-se-nos que apenas com os elementos constantes da matriz predial, como é o caso, em que se demonstra uma mera potencialidade construtiva ou edificativa, sem uma fundamentação adicional do acto tributário, sem a demonstração de que a espécie de prédio urbano “terreno para construção” tem desde já uma qualquer utilidade económica ao nível da afectação habitacional, não será possível considerá-lo abrangido na norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Em primeiro lugar, parece-nos inadequado, face aos princípios gerais de direito, partir-se da consideração que o prédio urbano espécie “terreno para construção” com potencial de construção de imóveis para habitação (uma mera hipótese em termos de futuro) deva ser considerado ter “afectação habitacional”, relevando-se o coeficiente de afectação (CA)  porque o contribuinte fez uma declaração nesse sentido, pela razão de que a mesma foi feita em momento em que este imposto não existia.

 

Em segundo lugar, mesmo que essa declaração tenha sido feita referindo que só se iam construir edifícios habitacionais, tal poderá ser alterado de acordo com os planos urbanísticos da edilidade local, no sentido de também virem a ser construídos prédios para fins comerciais ou outros.

 

Em terceiro lugar, podem ocorrer discrepâncias entre o que na realidade se possa vir a construir (edificações para fins habitacionais e para fins não habitacionais) segundo os planos urbanísticos e o que possa constar da matriz na data da inscrição do prédio, pelo que falta um grau de segurança jurídica consistente.

 

No entanto, afigura-se-nos que podem ocorrer na complexidade da economia real, da utilidade económico-funcional em concreto de bens imobiliários, até informal, situações de sujeição, face aos comandos que se colocam ao intérprete constantes do nº 3 do artigo 9º do Código Civil e do nº 3 do artigo 11º da LGT.

 

Só que quanto aos “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, afigura-se-nos que não é suficiente para demonstrar a “afectação habitacional” os elementos que constam da matriz. Será necessário uma fundamentação, outra matéria factual para além do que consta da matriz que evidencie a utilização económica com essa finalidade em concreto.

 

Um exemplo seria o caso de habitações construídas, ainda que não licenciadas, em lotes de terreno para construção em que o proprietário não fez a correspondente alteração na matriz das edificações destinadas ou usadas para habitação. Nesta situação de economia informal, aliás pela própria definição de prédio urbano habitacional, seria indiscutível a afectação habitacional.

 

Tendo em conta que as normas de incidência fiscal podem ser interpretadas extensivamente (face ao comando do nº 3 do artigo 11º da LGT e por deferência ao princípio da igualdade plasmado na “grundsnorm” que enforma o Estado de direito democrático português), não nos parece possível, através de interpretação extensiva, utilizando o raciocínio por paridade de razão com as edificações consideradas prédios urbanos habitacionais, concluir, sem mais, que a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” cabem “ope legis” na norma de incidência fiscal, bastando alegar-se a qualificação jurídico-formal e os elementos da matriz, posto que haverá que demonstrar a sua “afectação habitacional” em concreto.

 

Por último, afigura-se-nos que a expressão utilizada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aquando da discussão no Parlamento da Proposta de Lei de onde veio a resultar este novo tributo, a saber: “esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”; não será por si só suficiente para se aferir a “mens legislatoris” (e de que a lei diz mais do que o legislador pretendia), porquanto se trata de um membro do Poder Executivo e não da Assembleia da República, ainda que se tratasse de uma proposta que teve origem no Governo.

 

  • Caso se conclua que a norma de incidência abrange ou pode abranger os “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, esta leitura colide com o princípio da legalidade/tipicidade das normas de incidência tributária, estatuídos nos nºs 2 e 3 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa (CRP)?

 

No fundo parece que se invoca a desconformidade da norma de incidência deste imposto face ao comando do nº 2 do artigo 103º da CRP que refere o seguinte: “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”, caso se conclua que abrange a tributação dos “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação.

 

Ou seja, parece defender-se uma visão implícita do princípio da tipicidade (ou melhor da determinabilidade) de que os conceitos tributários devem estar totalmente descritos na lei.

 

A este propósito parece-nos relevante o que se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional, Processo: n.º 134/94, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Março de 1996, a propósito do então artigo 106º-2 da CRP que tinha a mesma literalidade do actual artigo 103º-2 da CRP:

 

É a esta formulação (mais precisamente ao que dela decorre) que a recorrente reporta os argumentos de inconstitucionalidade … A tal formulação, com efeito — no reservar da incidência, taxa, etc., na sua determinação à lei — subjaz, tal como já acontecia na Constituição de 1933 (artigo 70.º, § 1.º), integrando a essência das garantias dos contribuintes, o que se qualifica como «princípio da tipicidade tributária».

 

“Será a norma de incidência … tão ampla e vaga na sua formulação, que ponha em causa esse mínimo de precisão exigível às normas fiscais? A resposta a esta interrogação pressupõe o caracterizar da articulação — constitucionalmente viável — entre o emprego, neste tipo de normas, de conceitos indeterminados e aquilo que a jurisprudência constitucional alemã definiu como «princípio da determinabilidade» (Bestimmenheitsgrundsatz), referindo-se à exigência destas normas construírem a respectiva previsão «assegurando um mínimo de clareza e de transparência do tipo» e que «permita a calculabilidade e a previsibilidade da obrigação fiscal» (Saldanha Sanches, A Segurança Jurídica no Estado Social de Direito, Ciência e Técnica Fiscal, nºs 310/312, página 299). 

 

A justificação de qualquer destas realidades (conceitos amplos/exigências de determinabilidade) não deixa de ser possível face a regras ou princípios constitucionalmente relevantes: se a determinabilidade se acolhe na defesa dos contribuintes contra o arbítrio da Administração Fiscal, que subjaz aos artigos nºs 2 e 3 do artigo 106.º, o emprego de conceitos amplos e por vezes indeterminados — os únicos que garantem a plasticidade que possibilite a adaptação ao constante aparecimento de novas situações que, substancialmente iguais a outras já tributadas, não estejam ainda formalmente descritas com precisão — não deixa, o emprego desse tipo de conceitos, de se poder louvar no cumprimento do mandato de igualdade em sentido material, não permitindo o aparecimento constante de refúgios de evitação fiscal. Só a harmonização entre estas duas realidades, potencialmente conflituantes, é susceptível de fornecer soluções equilibradas que, sacrificando o menos possível dos valores subjacentes a cada uma, garanta o essencial desses valores. Esta harmonização vem sendo prosseguida, nomeadamente no plano das jurisdições constitucionais, excluindo as cláusulas gerais que operem como que uma transferência da «criação da obrigação fiscal» para a «discricionariedade da administração», mas não inviabilizando liminarmente certas «cláusulas gerais», «conceitos jurídicos indeterminados», «conceitos tipológicos» (Typusbegriffe), «tipos discricionários» (Ermessentatbestände), e certos conceitos que atribuem à administração uma margem de valoração, os chamados «preceitos poder» (Kaan-Vorschrift). Todas estas figuras, guardadas certas margens de segurança, flexibilizam o sistema tornando-o apto a abranger, através da interpretação, «circunstâncias novas, porventura imprevisíveis ao tempo da formulação da lei» (Saldanha Sanches, ob. cit., pp. 297 e 299-300).

 

Ganha, assim, a tipicidade tributária, concretizada no princípio da determinabilidade, um valor específico, aquele que (e citamos de novo Saldanha Sanches) «tem o seu núcleo essencial na reserva da competência da lei para a selecção dos factos da vida social que devem ser objecto de tributação, na manutenção do dictum do legislador ordinário quanto à determinação dos factos tributáveis», mas que não inviabiliza «que este se sirva de uma formulação suficientemente ampla para abranger factos da mesma natureza e igualmente indicadores de capacidade tributária, ainda que com características que entre si os diferenciem» (ob. cit., p. 299).”

 

Ora, à guisa de conclusão (e utilizando as palavras do acórdão do TC parcialmente citado) na norma aqui constitucionalmente questionada, o legislador define com suficiente precisão as realidades jurídico-fiscais e factuais (prédios urbanos … com afectação habitacional), que pretende tributar, factos estes a concretizar de acordo com as regras interpretativas possíveis relativamente a normas de incidência fiscal, pelo que está muito longe de colocar nas mãos da AT um poder arbitrário de concretização, resultando que uma norma com estas características, interpretada da forma como se defende nesta decisão, não pode à partida ser tida como constitucionalmente indeterminada.

 

Não procede, pois, a invocada desconformidade da norma em causa, face aos princípios da legalidade/tipicidade/determinabilidade consagrados no artigo 103º nºs 2 e 3 da CRP.

 

  • O acto tributário de liquidação de IS ora impugnado padece de desconformidade com a lei, nomeadamente “erro sobre os pressupostos de direito por violação … da verba 28.1 da TGIS” que afecte a sua manutenção na ordem jurídica tributária?

 

A Requerente aduz, no fundo, a desconformidade do acto tributário nos termos da alínea a) do artigo 99º do CPPT: “errónea qualificação …de factos tributários”.

 

De facto, mesmo que se entenda, como nos parece ser de entender, em termos gerais e abstractos, que um “terreno para construção” como aliás qualquer outro prédio urbano para além da espécie de prédios urbanos “habitacionais” (porque estes têm sempre afectação habitacional por definição) pode ter, em termos de utilidade prática, económica e funcional uma “afectação habitacional” em concreto (até na economia informal), a verdade é que a sua consideração “ope legis” como tendo “afectação habitacional” partindo apenas dos elementos da matriz e do facto da avaliação ser feita com referência aos coeficientes aplicáveis aos prédios urbanos habitacionais, constitui desconformidade com a norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS, ocorrendo, desta feita, a ilegalidade prevista na alínea a) do artigo 99º do CPPT.

 

Por outro lado, o acto impugnado não contém qualquer fundamentação no sentido que acima se referiu, para além da consideração que se trata de um prédio urbano da espécie “terreno para construção” “com capacidade construtiva de imóveis para habitação” em termos hipotéticos, o que se configura ser insuficiente, pelo que também se verifica a desconformidade prevista na alínea c) do artigo 99º do CPPT, dada a insuficiente fundamentação que a lei, na leitura que acima se expressou, exigirá.

 

***

  • Pedido de juros

 

A Requerente peticionou juros mas não pagou qualquer valor à Fazenda Nacional, não tendo subsequentemente prescindido do pedido expresso no requerimento em que suscita a intervenção do Tribunal Arbitral.

 

Pelo que não pode a Requerente ver a sua pretensão obter vencimento, com relevância em termos de decaimento neste pleito.

 

***

 

Como consequência do acima exposto haverá que julgar-se procedente o pedido de anulação do acto tributário deduzido pela entidade requerente perante o Tribunal Arbitral, uma vez que a liquidação de IS levada a efeito pela AT não está em conformidade com a lei, mas improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros.

 

V. DECISÃO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se procedente o pedido da Requerente visando a anulação da liquidação de Imposto de Selo (IS), constante do documento 2013 … que determinou o pagamento da 1ª prestação, do documento 2013 … que determinou o pagamento da 2ª prestação e do documento 2013000294529 que determinou o pagamento da 3ª prestação, geradora de uma colecta de 11.102,23 €, relativa ao ano de 2012 e ao prédio urbano da espécie "terreno para construção" inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, sob o artigo ...º, anulando-se o acto tribuário expresso nos documentos acima indicados, por estar em desconformidade com norma de incidência de IS constante das verbas 28 e 28-1 da TGIS.

 

Julga-se improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 11.102,23 €.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918.00 €, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo ¼ a cargo da requerente e ¾ a cargo da requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 07 de Abril de 2014

O Árbitro,

 

 

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto

no artigo 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.