Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 291/2013-T
Data da decisão: 2014-07-14  Selo  
Valor do pedido: € 28.589,50
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Prédio em propriedade total com divisões susceptíveis de utilização independente
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Requerentes: A..., Lda.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro Rogério M. Fernandes Ferreira designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 14 de Fevereiro de 2014 (despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 14 de Fevereiro de 2014), acorda no seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

A)    Relatório:

 

1.      A..., Lda. (doravante designada por “Requerente”), sociedade por quotas com sede na Avenida …, …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, no dia 13 de Dezembro de 2013, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 10 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

2.      A Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare a anulação das vinte liquidações de Imposto do Selo com os n.ºs 2013 ... a 2013 ..., no valor global de € 28.589,50 (vinte e oito mil, quinhentos e oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos), relativas aos prédios inscritos sob o artigo U-..., da extinta freguesia do …, actual freguesia de … e, bem assim, declare ilegal os actos de liquidação supra indicados, por violação do disposto no artigo 6.º, alíneas c), d) e f), ponto ii), da Lei n.º 55-A/2012

 

3.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Requerida, em 16 de Dezembro de 2013.

 

4.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, b), do RJAT, o signatário foi designado como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

5.      Em 24 de Março de 2014, a Requerida apresentou a sua Resposta.

 

6.      Em 10 de Abril de 2014, e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º do RJAT, foi realizada a reunião arbitral nos termos da qual o representante da Requerente declarou prescindir da inquirição de testemunhas por si arroladas, sem oposição da Requerida e, tendo para este efeito, a Requerida admitido como provados os factos dos artigos 11.º, 12.º e 13.º do pedido de pronúncia arbitral.

 

7.      Na decorrência da reunião arbitral foi, também, requerido pela Requerente a ampliação do pedido, relativamente aos actos de liquidação emitidos, por referência ao exercício de 2013, que foram notificados na pendencia dos presentes autos, com o mesmo fundamento e valor, tendo em consideração os princípios da economia processual e uniformidade de decisões.

 

8.      Ouvidas as partes, e sem oposição das mesmas, o Tribunal decidiu prescindir da realização de alegações finais.

 

9.      A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

a)             A Requerente é uma sociedade civil, sob a forma de sociedade por quotas, cujo objecto social se refere à compra e posse de prédios urbanos para satisfazer as necessidades dos sócios e tem um capital social que ascende a € 5.005,00, dividido em 20 quotas indivisíveis.

 

b)            As liquidações em causa têm por objecto os andares ou divisões com utilização independente do prédio, cuja propriedade é da Requerente.

 

c)             O referido prédio é composto por um total de vinte e um andares ou divisões com utilização independente e, cujo VPT varia entre € 126.510,00 e € 163.210,00, o que perfaz o total de € 2.958.550,00, todavia apenas vinte desses é que são afectos a habitação, pelo que o VPT total ascende a € 2.858.950,00.

 

d)            O prédio objecto dos presentes autos é composto por dez pisos, cada um com dois apartamentos, esquerdo e direito, com utilização totalmente independente e autónoma.

 

e)             Cada titular de cada uma das vinte quotas indivisíveis do capital social pode usar e administrar um dos vinte apartamentos, tal como se fosse proprietário e, neste sentido, a gerência da sociedade da Requerente administra o prédio, tal como se fosse administrador de condomínio.

 

f)              No que à liquidação de Imposto do Selo diz respeito, a Requerente considerou que, estando em causa um prédio composto por andares de utilização independente, a sujeição ao referido imposto é determinada pelo VPT de cada andar ou divisão, e não pelo VPT do prédio.

 

g)             Assim, sustenta que se deve atender ao VPT constante da matriz que determina a sujeição ao imposto do selo de cada andar do prédio susceptível de utilização independente.

 

h)            Neste sentido, alega que o imposto do selo da verba 28.1 da TGIS tem natureza acessória em face do IMI, que se trata do imposto principal, pelo facto de a relação jurídica que dele emerge estar subordinada às vicissitudes da relação jurídica tributária deste.

 

i)               Assim, de acordo com o disposto no Código do IMI, cada andar ou parte do prédio susceptível de utilização independente é considerada separadamente na inscrição matricial e, neste sentido, é ao VPT que consta dessa mesma matriz que se determina a incidência do imposto do selo, de acordo com a verba n.º 28.1. da TGIS.

 

j)              Ora, a Requerente afirma que o VPT de qualquer um dos vinte apartamentos é inferior a €1.000.000,00, o que implica a não sujeição do imposto do selo e, bem assim, que os actos de liquidação são ilegais por violação da norma de incidência da verba n.º 28.1. da TGIS.

 

k)            Note-se que, segundo a Requerente, a concentração de habitações independentes num único prédio não pode constituir uma causa de incidência do imposto do selo da verba n.º 28 da TGIS sobre cada uma e, bem assim, não constitui, também, causa de incidência do referido imposto, a falta de constituição em regime de propriedade horizontal de um prédio, conforme objecto dos presentes autos.

 

l)               Neste sentido, sustenta que não pode a forma jurídica da propriedade do prédio ser determinante da incidência, pelo que não se pode diferenciar em razão do regime de propriedade horizontal ou vertical, nos termos do qual são constituídos os direitos sobre os respectivos edifícios, sob pena de um tratamento desigual.

 

m)          Assim, ao contribuinte cujo prédio não esteja sujeito ao regime da propriedade horizontal, é exigido um esforço contributivo que ao outro contribuinte não se verifica.

 

n)            A Requerente fundamentou o seu entendimento considerando que a igualdade se trata de um princípio constitucional e, neste sentido, são proibidas as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, conforme resulta do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

 

o)             Assim, conclui a Requerente, que não sendo a concentração um critério de capacidade contributiva, deve concluir-se que a norma de incidência da verba n.º 28 da TGIS é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, previsto na Constituição, no artigo 13.º.

 

p)            Ora, alega ainda a Requerente que se verificou uma liquidação de imposto do selo à taxa de 1%, de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

q)            Com efeito, sustenta estar em causa uma violação do regime transitório do imposto do selo, aplicável ao ano de 2012, neste sentido, alega que o facto tributário não se verifica em 31 de Dezembro, pelo que também a liquidação não deve ocorrer em Fevereiro ou Março de 2013 e, bem assim, que a taxa não deve ser 1%.

 

r)             Assim, conclui que há uma violação das regras do regime transitório de 2012 e que por isso os actos de liquidação não podem subsistir.

 

10.  A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e alegando, em síntese:

 

a)                Que estando o prédio da Requerente, em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, pelo que não se considera como proprietária de 21 fracções autónomas, mas, sim, de um único prédio.

 

b)               Com efeito, considera que não pode o intérprete e aplicador da lei fiscal, aplicar por analogia ao regime da propriedade total, o regime da propriedade horizontal, por se considerar abusivo e ilegal, porque o regime da propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade previsto no artigo 1414.º do Código Civil.

 

c)                Neste sentido, entende a Requerida que o intérprete da lei fiscal não pode equiparar estes regimes, de acordo com o artigo 11.º da Lei Geral Tributária e 10.º do Código Civil, pois a aplicação da analogia só é possível em caso de lacunas da lei.

 

d)               A Requerida defende que no Código do IMI, no âmbito do regime da propriedade horizontal, as fracções constituem prédios, pelo que, se o prédio não está submetido a este regime, as fracções devem ser juridicamente consideradas como partes susceptíveis de utilização independente.

 

e)                Assim alega ser insustentável que, para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo (TGIS), as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal.

 

f)                 No que aos presentes autos diz respeito, entende que estando em causa um prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal avalia as partes individualmente e considera-as separadamente na inscrição matricial, ainda que na mesma matriz.

 

g)                Neste sentido, sustenta a Requerida que a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares não é, porém, afectada pelo facto desses andares serem susceptíveis de utilização económica independente.

 

h)               Com efeito, entende que no âmbito dos presentes autos, a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas conta da descrição na matriz do prédio na sua totalidade.

 

i)                  A Requerida entendeu que o facto tributário do imposto do selo da verba 28.1. ao consistir na propriedade de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00, entende-se que o valor patrimonial tributário se refere ao total do prédio e não ao valor de cada uma das partes que o compõe, ainda quando susceptíveis de utilização independente.

 

j)                 A Requerida alega ainda que não entende como a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade referido pela Requerente.

 

k)               Por outro lado, considera que não se verifica uma violação do regime transitório, aplicável ao ano 2012, no que diz respeito as liquidações em causa, porque o facto tributário verificou-se em 31 de Dezembro de 2012, ainda que o prazo para liquidar tenha ocorrido em 2013.

 

l)                  Por fim, sustenta a Requerida que o pedido de prova testemunhal apresentado pela Requerentes não é pertinente para esclarecer os factos subjacentes à questão jurídica dos presentes autos, por ser inoperante e inadequada.

 

B) Saneador

 

8.      O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

9.      As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

10.  Foi requerido, pela Requerente, a ampliação do pedido, relativamente aos actos de liquidação emitidos, por referência ao exercício de 2013, notificados na pendência dos presentes autos, com o mesmo fundamento e valor, tendo em consideração os princípios da economia processual e uniformidade de decisões.

 

11.  O objecto inicial dos presentes autos iniciados através do requerimento apresentado, em 13 de Dezembro de 2014, são os actos de liquidação do Imposto do Selo de 2012, relativamente aos prédios inscritos sob o artigo U-..., da extinta freguesia do …, actual freguesia de ….

 

12.  Ora, na pendência dos presentes autos, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo, relativamente a outro prédio, com referência ao exercício de 2013.

 

13.  Assim, na pendência dos presentes autos, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo, sobre os prédios inscritos sob o artigo U-..., da actual freguesia de …, referentes ao exercício de 2013, no montante total de € 9.529,90.

 

14.  Tendo a Requerida sido notificada, na ocorrência da reunião arbitral, em 10 de Abril de 2014, para, no prazo de 30 dias, se pronunciar quanto ao requerimento ditado para acta de ampliação do pedido, esta não exerceu essa faculdade.

 

15.  Em face do exposto, no que a esta questão diz respeito, e de acordo com o disposto no artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, é necessário ter em presente que para se verificar uma ampliação do pedido nos presentes autos, tal implica que as novas liquidações, juntas no âmbito da reunião arbitral ocorrida, sejam desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

 

16.  Assim, torna-se relevante proceder à distinção entre ampliação do pedido e cumulação de pedidos, pois, nos casos de ampliação do pedido, pressupõe-se que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão inicial se modifique para um mais, enquanto na cumulação de pedidos, a um único pedido fundado em determinado acto, se junta outro, fundado em acto diverso (Cfr. NETO, Abílio, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição revista e ampliada, Janeiro 2014, EDIFORUM, Edições Jurídicas, Lda., Lisboa, p. 306).

 

17.  Neste sentido, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou também no processo n.º 5202/2007, que “A autora não abandonou a primitiva causa de pedir, não se apoia em qualquer acto ou facto diverso daquele que havia sido já alegado na petição inicial, pelo que a haver ampliação do pedido, tal implicaria uma cumulação indevida. A ampliação do pedido é possível desde que a mesma esteja contida virtualmente no pedido inicial (cfr. Acs. RL. de 25-6-96 e de 26-2-87, in www.dgsi.pt.).Com efeito, a ampliação pretendida não está contida no pedido inicial, nem corresponde a um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.”.

 

18.  Em face do exposto, parece-nos que, nos presentes autos, o pedido de ampliação referente aos actos de liquidação de imposto de selo, relativos ao exercício de 2013, não pode proceder. Note-se que não se verifica um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e, bem assim, importa fazer referência ao facto de a descrição do prédio que consta dos actos de liquidação juntos na reunião arbitral, referentes ao exercício de 2013, não corresponder à descrição que consta dos actos de liquidação de imposto do selo, referentes ao exercício de 2012 e objecto dos presentes autos.

 

19.  Veja-se que os actos de liquidação de imposto de selo, do exercício de 2012, referem-se ao prédio U-..., enquanto os actos de liquidação de imposto de selo, cuja ampliação foi requerida, referem-se ao prédio U-..., pelo que, também por aqui, não se verifica qualquer desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

 

20.  O argumento sustentado pela Requerente, referente à salvaguarda dos princípios da economia processual e de uniformidade de decisões, não pode igualmente proceder, pois “Não é de acolher o entendimento que, por recurso ao princípio da economia processual, e por forma a não se limitar excessivamente o alcance do citado art. 506.º do CPC defende a admissibilidade de alteração ou ampliação da causa de pedir (...). Importa não sobrevalorizar o princípio da economia processual em detrimento de outros grandes princípios que enformam o processo civil, designadamente, desvalorizando-se o princípio da estabilidade da instância (...).” (Cfr. NETO, Abílio, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição revista e ampliada, Janeiro 2014, EDIFORUM, Edições Jurídicas, Lda., Lisboa, p. 306).

 

21.  Em face do exposto, não se admite a ampliação do pedido, pelo que o objecto dos autos refere-se aos actos de liquidação de imposto do selo n.ºs 2013 ... a 2013 ..., no montante global de €28.589,50 (vinte e oito mil, quinhentos e oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos).

 

22.  Não se verificando nulidades, nem questões prévias ou excepções, impõe-se, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

 

C) Objecto da pronúncia arbitral

 

23.  Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:

 

a)      É ilegal o entendimento segundo o qual a verba 28.1 da TGIS deve ser interpretada no sentido de que, quanto aos prédios com afectação habitacional em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o VPT sobre o qual vai incidir a taxa refere-se à sua soma ou atende-se separadamente a cada andar ou divisão, tal como ocorre no âmbito do regime de propriedade horizontal?

 

b)      É inconstitucional o entendimento que a Requerida tem feito quanto à aplicação da verba 28 da TGIS, tendo em consideração o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa?

 

c)      A taxa de 1%, aplicada aos actos de liquidação de Imposto do Selo, é conforme com a norma transitória prevista no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012?

 

 

D) Matéria de facto (Factos provados)

 

24.  Consideram-se como provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:

 

a)      A Requerente consta como titular de propriedade plena do prédio urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, sito em …, freguesia de …, na …, inscrito sob o artigo ..., 1.º D, 1.º E, 2.º D, 2.ºE, 3.ºD, 3.ºE, 4.º D, 4.ºE, 5.ºD, 5.º E, 6.ºD, 6.º E, 7.ºD, 7.ºE, 8.ºD, 8.ºE, 9.ºD, 9.º E, 10.º D e 10.ºE (Cfr. Doc. 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral);

 

b)      A Requerente foi notificada das liquidapções de Imposto do Selo de 2012, no montante global de € 28.589,50 (vinte e oito mil, quinhentos e oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos), de acordo com a verba 28 da TGIS, tendo sido considerado separadamente VPT dos andares ou divisões, conforme quadro infra (Cfr. Doc. 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral):

 

Inscrição Matricial

VPT

Imposto

…-U-...-1ºD

126.510,00

1.265,10

…-U-...-1ºE

152.950,00

1.529,50

…-U-...-2ºD

126.510,00

1.265,10

…-U-...-2ºE

152.950,00

1.529,50

…-U-...-3ºD

126.510,00

1.265,10

…-U-...-3ºE

163.210,00

1.632,10

…-U-...-4ºD

126.510,00

1.265,10

…-U-...-4ºE

152.950,00

1.529,50

…-U-...-5ºD

126.510,00

1.265,10

…-U-...-5ºE

163.210,00

1.632,10

…-U-...-6ºD

130.860,00

1.308,60

…-U-...-6ºE

163.210,00

1.632,10

…-U-...-7ºD

130.860,00

1.308,60

…-U-...-7ºE

163.210,00

1.632,10

…-U-...-8ºD

126.510,00

1.265,10

…-U-...-8ºE

163.210,00

1.632,10

…-U-...-9ºD

126.510,00

1.265,10

…-U-...-9ºE

142.690,00

1.426,90

…-U-...-10ºD

130.860,00

1.308,60

…-U-...-10ºE

163.210,00

1.632,10

 

 

c)      Os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente têm VPT compreendido entre € 126.510,00 e € 163.210,00, num total sujeito a imposto de € 2.858.950,00, referente aos actos de liquidação do exercício de 2012 (Cfr. Doc. 1 junto ao pedido de pronuncia arbitral);

 

d)     As notificações dos actos de liquidação fundamentam a mesma de acordo com a verba 28.1 da TGIS, com a redacção prevista na Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro (Cfr. Doc. 1 junto ao pedido de pronuncia arbitral);

 

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

 

 

E) Do Direito

 

E.1) Da ilegalidade do entendimento segundo o qual a verba 28.1 da TGIS, deve ser interpretada no sentido que quanto aos prédios com afectação habitacional em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o VPT sobre o qual vai incidir a taxa refere-se à soma dos VPT de cada andar ou divisão, contrariamente, ao que se verifica no regime da propriedade horizontal:

 

a)      Ora, cumpre ao Tribunal pronunciar-se sobre esta questão, tendo em consideração se a norma de incidência, verba 28.1. da TGIS, atende aos prédios com afectação habitacional em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, em que o VPT, sobre o qual incide a taxa, deve ser a sua soma, ou se deve considerar-se o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, à semelhança do que se verifica nos prédios em propriedade horizontal, de acordo com o disposto na verba 28 da TGIS e artigo 23.º, n.º 7, do Código do Selo.

 

b)      Todavia, antes de expor o nosso entendimento quanto ao caso em apreço, cumpre fazer uma breve referência ao conceito de prédio, mesmo que este conceito não seja unívoco, nem nos diversos ramos do direito, nem nos diversos impostos existentes, assumindo em cada caso contornos e características específicas (cfr. GOMES, Nuno de Sá, Os Conceitos Fiscais de Prédio, Ciência e Técnica Fiscal n.º 101, Maio de 1967).  

 

c)      Assim, nos termos do artigo 2.º do Código do IMI, ex vi artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, prédio é “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”(sublinhado nosso).

 

d)     Neste sentido, tendo em consideração os elementos acima sublinhados, importa ter presente, desde logo, a posição do Supremo Tribunal Administrativo, nos Acórdãos n.ºs 1109/11 e 1004/11, nos termos dos quais considerou que “(...) o conceito de prédio assenta em três elementos: um elemento de natureza física (fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência), um elemento de natureza jurídica (exigência de que a coisa - móvel ou imóvel - faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva) e um elemento de natureza económica (exigência de que a coisa tenha valor económico em circunstâncias normais).Trata-se de um conceito de prédio que diverge, quer do conceito de prédio constante do nº 3 do art. 8º do CIRS.(...)”.

 

e)      Ora, no caso em apreço, consideramos que os requisitos acima mencionados estão verificados, pois há uma correspondência física com a realidade, que integra o património da Requerente, e, bem assim, tem um valor económico, pelo que importa atender à incidência da verba 28 da TGIS.

 

f)       Assim, no que à verba 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, passou a prever-se o seguinte:

28- Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1- Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%.

 

g)      Assim, de acordo com o elemento literal entende-se, pois, que o facto tributário relevante para efeito de aplicação da verba da Tabela Geral do Imposto do Selo em análise incide sobre os direitos descritos, constituídos sobre: i) prédios urbanos; ii) com afectação habitacional; iii) cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00, e iv) devendo esse valor patrimonial tributário ser o utilizado para efeito de IMI.

 

h)      Ora, a lei acima referida prevê no âmbito das normas transitórias que, para a aplicação da verba mencionada, deve o facto tributário verificar-se em 31 de Outubro de 2012 e a Requerida deve efectuar a liquidação do imposto devido até ao final do mês de Novembro desse ano (2012). Mais: os sujeitos passivos deviam ter efectuado o pagamento do imposto liquidado nesses termos até ao dia 29 de Dezembro de 2012 e, bem assim, a taxa aplicável, nesse ano, era a de 0,5% para os prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI e de 0,8% para prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do CIMI.

 

i)        Assim, para a aplicação da taxa acima referida importa o direito de propriedade sobre o prédio urbano, com afectação habitacional e cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

j)        Ora, nos termos dos presentes autos, estando em causa se deve atender-se ao VPT total do prédio ou separadamente, importa ter presente o disposto no artigo 12.º, n.º 3, do Código do IMI, na medida em que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”.

 

k)      Com efeito, parece-nos que o entendimento da Requerida, que assenta no facto de somar os VPT de cada andar ou divisão independente afecta a fins habitacionais, não pode proceder, pois não há suporte legal para este facto de existir um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical. Acresce, ainda, que, tal entendimento coloca em causa o disposto no artigo 23.º, n.º 7, do Código do IMI na medida em que este prevê que deve ser atendido “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

 

l)        Assim, entendemos que o valor patrimonial tributário deve ser atendido separadamente, isto é, a cada andar ou parte do prédio separadamente e, neste sentido, podemos afirmar que a expressão contida nos actos de liquidação de “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto” não está conforme com a lei.

 

m)    Neste sentido, tendo presente que o critério essencial do legislador, em sede de impostos sobre o património, foi o da substância material do bem, ou seja, mais do que o rigor jurídico-formal está em causa a efectiva utilização dos edifícios e suas partes componentes. Este critério pragmático e de verdade material, manifesta-se na determinação do valor patrimonial tributário que é feito individualmente por referência a cada uma das divisões susceptíveis de utilização individual, tal como sucede em edifício em propriedade horizontal.

 

n)      A este respeito, se o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis refere que a liquidação desse imposto se faça individualmente sobre cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente – o que sucedeu, como vimos nos presentes autos -, igual critério terá que ser utilizado para a liquidação do Imposto do Selo previsto na Verba 28 da TGIS. Deve, pois, a incidência de Imposto do Selo ser aferida em face do VPT de cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente.

 

o)      Com efeito, se o critério legal de Imposto Municipal sobre Imóveis, impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, liquidações essas que têm por base o concreto VPT de cada uma das divisões com utilização independente, é esse concreto VPT o relevante para a aferição da incidência do Imposto do Selo.

 

p)      Em face do exposto, e tendo em consideração o referido supra,
verificando-se que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, objecto dos actos de liquidação, tem um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, pelo que deve o entendimento da Requerente ser julgado procedente, considerando-se estes actos ilegais e, consequentemente, devem os mesmos ser anulados.

 

 

q)      E.2) Da inconstitucionalidade do entendimento adoptado pela Requerida, quanto à aplicação da verba 28 da TGIS, tendo em consideração o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa?

 

r)       Não obstante, por si só, ser suficiente para a declaração de ilegalidade e a anulação requerida, o que se indica no ponto anterior, sempre se dirá ainda, quanto à inconstitucionalidade invocada, o seguinte:

 

s)       No que a esta questão diz respeito, a Requerente invocou o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, por considerar que não se deve verificar uma diferenciação quanto aos prédios constituídos sob o regime da propriedade horizontal e sob o regime de propriedade vertical.

 

t)       Ora, no que a esta questão diz respeito entendemos que não se verifica qualquer distinção para a aplicação da verba 28 da TGIS quanto ao regime do prédio em propriedade horizontal ou propriedade vertical, pois o que releva, essencialmente, é o destino económico do imóvel, de acordo com o Código do IMI.

 

u)      Com efeito, entende-se que os actos de liquidação emitidos pela Requerida não estão conformes com a verba 28 da TGIS e, bem assim, a expressão “cada prédio urbano” prevista no artigo 23.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo deve ser entendida não só quanto aos andares em propriedade horizontal, mas, também, aos andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente.

 

v)      Esta tem sido aliás a posição já adoptada pelo tribunal arbitral, no âmbito de diversas decisões arbitrais. Neste sentido e tendo em consideração a ratio desta Verba, na decisão arbitral n.º 48/2013 é referido que, “Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional. Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais. Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de sectores da sociedade portuguesa. Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais. Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de eurosCom a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

 

w)    Neste sentido, a jurisprudência arbitral tem-se pronunciado no sentido de que “a interpretação feita pela AT não é conforme à Lei e à Constituição, por violação do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), bem como do que dispõe o art. 104.º, n.º 3, da CRP. (...) Atendendo ao acima exposto, conclui-se que a verba n.º 28, ao abrir a possibilidade de se tributar de modo diferenciado a titularidade de património imobiliário de igual valor detido por pessoas diferentes em razão de critérios que podem contender, sem a mínima necessária justificação, com, nomeadamente, o princípio da capacidade contributiva (como seja o caso da "dispersão" ou "concentração" do património imobiliário habitacional de cada um), não pode deixar de ser considerada inconstitucional, dada a violação do princípio da igualdade.”. E, bem assim, a decisão n.º 50/2013-T refere que “Pois bem, este critério de oportunidade adoptado pela AT não se afigura aceitável, nem conforme ao princípio da legalidade fiscal. (...) para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização”.

 

x)      Em face do exposto, conclui-se que, se para os andares que compõem as fracções autónomas de prédios urbanos habitacionais, em propriedade horizontal, não se verifica uma operação de adição de VPT para determinar um VPT total para sujeitar a imposto do selo, importa, assim, que o mesmo aconteça quanto aos prédios em propriedade vertical, pois, estão em causa realidades substancialmente e economicamente idênticas, pelo que devem ter o mesmo tratamento fiscal.

 

 

E.3) Da conformidade da aplicação da taxa de 1% aos actos de liquidação de Imposto do Selo, com a norma transitória prevista no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012?

 

y)      Tendo, ainda, em consideração que não está em causa um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, não nos cumpre pronunciar quanto à conformidade da aplicação da taxa de 1% aos actos de liquidação de imposto do selo, pelo facto de a mesma não ser aplicável.

 

z)      Em face do exposto, uma vez que o tribunal arbitral não acolheu o entendimento da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso vertente, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação desta questão.

 

 

F) Decisão:

 

25.  Termos em que se decide julgar procedente o pedido da Requerente e, assim, anular as liquidações de imposto do selo impugnadas.

 

*

 

26.  Fixa-se o valor da acção em € 28.589,50 (vinte e oito mil, quinhentos e oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

27.   Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, nos termos do disposto no artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

 

 

 

Notifique-se.

 

A redacção do acórdão rege-se pela ortografia anterior à do Acordo Ortográfico de 1990.

 

Lisboa, 14 de Julho de 2014

                       

O Árbitro,

 

 

 

Rogério M. Fernandes Ferreira