Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 276/2013-T
Data da decisão: 2014-05-27  Selo  
Valor do pedido: € 89.573,04
Tema: IS – Isenção de IS nas operações sujeitas e não isentas de IVA; verba n.º 1.1 da TGIS; art. 13.º n.º 3 do RJAT; custas de parte
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Os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Maria Manuela Roseiro e Alberto Amorim Pereira (Árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam na seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 3 de Dezembro de 2013, A..., SA (doravante Requerente), NIF …, com sede na Rua … Vila Nova de Gaia, veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), requerer a constituição de tribunal colectivo designado nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma, para apreciação da legalidade da liquidação adicional de Imposto do Selo no valor de €89.573,04, com prazo limite de pagamento a 05-09-2013, e a consequente anulação e sua restituição, acrescida dos devidos juros indemnizatórios (e de mora se a eles houver lugar).

 

2.            Os Requerentes optaram por não designar árbitro pelo que o Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação dos árbitros: Dr. José Pedro Carvalho, Dr.ª Maria Manuela Roseiro e Dr. Alberto Amorim Pereira, que foram aceites pelas partes.

 

3.            O tribunal arbitral ficou constituído em 4 de Fevereiro de 2014.

 

4.            Em 10 de Fevereiro, a Requerente apresentou um pedido (documentado com a decisão de deferimento de uma reclamação graciosa - proc. … - apresentada sobre questão idêntica à submetida a este tribunal arbitral) de notificação da AT para “esclarecer se mantém interesse na contestação e prosseguimento dos autos, ou se porventura pretende promover a revogação do acto impugnado (...)”.

 

5.            A Requerida (AT) não apresentou, no prazo legal, resposta ao requerimento inicial.

 

6.            Em 24 de Abril de 2014, realizou-se a reunião do tribunal arbitral nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT. A Requerente pediu a rectificação da sua designação enquanto requerente para A... , SA e solicitou confirmação sobre a não entrega de PA pela AT. A Requerida informou que não procedeu ao envio do processo administrativo por estar em curso procedimento de revogação do acto objecto de pronúncia – o que já foi concretizado. As partes produziram alegações orais e o Tribunal notificou a requerida para juntar aos autos o acto revogatório no prazo de cinco dias, sendo concedido igual prazo à Requerente para se pronunciar sobre o mesmo.

 

7.            Em 30 de Abril de 2014, a AT requereu junção aos autos de comunicação de despacho exarado pelo Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, determinando revogação do acto com fundamento em Nota Jurídica elaborada pelos juristas mandatários da AT no processo.

 

8.            Em 7 de Maio de 2014, a Requerente veio manifestar a sua posição, considerando extemporânea a revogação do acto tributário e requerendo o prosseguimento do processo arbitral para apreciação da ilegalidade do acto; requerimento que foi mandado juntar aos autos pelo tribunal e notificado à Requerida, sendo indicado que a decisão final seria proferida nos 30 dias seguintes. 

 

9.            O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

10.          As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

11.          O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

12.          Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FATO

A.1. Fatos dados como provados

 

1-            Por escritura pública celebrada em 22 de Dezembro de 2005, a Requerente adquiriu uma parte correspondente a dezoito/vinte e cinco avos do prédio urbano, composto de lote de terreno para construção, designado por lote 2, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o artigo n.º 1218 da freguesia da Brandoa, e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob n.º U-003495, pelo preço de €25.568.391,56 acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) no valor de €5.369.362,23.

 

2-            O IVA foi liquidado na transmissão, à taxa legal de 21% então em vigor, ao abrigo do respectivo certificado de renúncia à isenção de IVA à data prevista no n.º 31 do artigo 9.º do Código do IVA, atual n.º 30, nos termos do artigo 12.º do mesmo Código.

 

3-            O notário público que celebrou a referida escritura não liquidou imposto do selo sobre a respectiva aquisição, e declarou que "a presente transmissão está isenta do pagamento do imposto do selo, nos termos do n.º 2 do art.º 1 do CIS".

 

4-            Em 22 de Outubro de 2009 a Requerente foi notificada da 2ª avaliação do terreno para construção a que os presentes autos se referem, tendo-lhe sido então atribuído um valor patrimonial tributário (VPT) de €51.062.530,00.

 

5-            De acordo com a referida 2ª avaliação, a parte adquirida pela Requerente em 2005 corresponderia, portanto, a um VPT de €36.765.021,60.

 

6-            Em 15 de Julho de 2013 foi a Requerente notificada pela administração tributária da liquidação adicional aqui em causa, emitida sobre o VPT assim fixado deduzido do valor tributável do contrato de 2005.

 

7-            O imposto em causa nos autos foi assim liquidado à taxa de 0,8% sobre uma base tributável de €11.196.630,04 determinada pela subtração dos €25.568.391,56 aos €36.765.021,60, perfazendo o valor de €89.573,04.

 

8-            O acto de liquidação adicional notificado foi emitido com fundamento na verba n.º 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), conjugada com o disposto no n.º 4 do artigo 9.º do CIS e na alínea b) do n.º 4 do artigo 15.º-D do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, aditado pelo artigo 5.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro.

 

9-            O imposto em causa nos autos foi integralmente pago em 04 de Setembro de 2013.

 

10-         A 24-04-2014 foi proferido despacho pelo Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, determinando a revogação do ato tributário em causa nos presentes autos.

 

A.2. Fatos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem fatos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os fatos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental,  junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os fatos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

B. DO DIREITO

 

A primeira questão que se apresenta a resolver nos presentes autos, prende-se com aferir da repercussão nos mesmos do ato revogatório praticado pelo Sr. Diretor Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.

A este propósito, dispõe o artigo 13.º/1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT):

“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”

                Dispõe ainda o n.º 3 do mesmo artigo:

“Findo o prazo previsto no n.º 1, a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos.”.

                O regime legal parece suficientemente claro, no sentido de que, findo o prazo estipulado no artigo 13.º/1 do RJAT, à AT fica vedado o poder de dispor sobre a relação (jurídico-tributária) material controvertida.

                Pretender-se-á, com esta disposição, permitir uma estabilização da lide, em termos de, submetida a mesma à jurisdição arbitral, subtraí-la à instabilidade que uma permanente disponibilidade do seu conteúdo pela AT poderia gerar.

                Poder-se-ia questionar, face ao caso concreto, se, estando-se perante um ato integralmente revogatório e incondicional, o mesmo não deveria ser aceite, na medida em que, por um lado, seria totalmente conforme aos interesses do contribuinte e, por outro, integraria em si uma declaração confessória, retirando qualquer utilidade ao prosseguimento da lide.

                Contudo, bem vistas as coisas, dever-se-á desde logo ponderar que, atento o caráter indisponível da relação jurídico-tributária (artigo 30.º/2 da LGT), justificador, para além do mais, da obrigação de conformidade da arbitragem tributária com o direito constituído, à AT estará vedado o poder de confessar ou transigir.

                Acresce que, ainda que se atendesse ao ato revogatório, a prossecução da lide teria sempre um efeito útil, que consistiria na cobertura da decisão pelo efeito de caso julgado, o que não aconteceria no caso de acolhimento do ato revogatório, o que permitiria que, a posteriori, a AT pudesse praticar novos atos na matéria, sem que os mesmos se ferissem de nulidade, nos termos do artigo 133.º/2/h) do CPA.

                Conclui-se, assim, que o ato revogatório praticado após o decurso do prazo fixado no artigo 13.º/3 do RJAT será ilegal, por violação do mesmo, e, como tal, anulável.

                Caso o interessado nada arguísse a seu respeito, ou se conformasse com o mesmo, a referida ilegalidade poderia ser sanada.

                Não o tendo feito, e considerando que:

i.             o Tribunal tem sempre competência para apreciar as questões quer incidentais quer prejudiciais que relevem para decisão do processo (artigo 91.º do CPC) podendo, quanto àquelas últimas, suspender o processo apenas se a competência para decidir couber a outra jurisdição (artigo 92.º do CPC e 15.º do CPTA);

ii.            está em causa a apreciação da questão da utilidade da prossecução da lide;

iii.           a Requerente arguiu a ilegalidade do ato revogatório; e

iv.           a anulabilidade pode ser arguida quer por via de ação, quer por via de exceção,

com efeitos restritos ao presente processo e à decisão da questão sub iudice, dever-se-á reconhecer a apontada ilegalidade e dela retirar os correspondentes efeitos, designadamente não reconhecendo ao ato que dela enferma a possibilidade de afetar a utilidade da presente lide.

                Deste modo, entendendo-se que se mantém a utilidade da presente lide, prosseguir-se-á para o conhecimento do mérito da causa.

 

*

                O Requerente sustenta a invalidade do ato impugnado da seguinte forma:

-              Na escritura pública de aquisição, em 22 de Dezembro de 2005, de dezoito vinte e cinco avos de um prédio urbano classificado como terreno para construção, designado por lote 2, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o artigo n.º … da freguesia da Brandoa, e inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob n.º …, o notário público não liquidou imposto do selo sobre a respectiva aquisição, declarando que “a presente transmissão está isenta do pagamento do imposto do selo, nos termos do n.º 2 do art.º 1 do CIS” (cf. doc.º n.º 2);

-              A aquisição foi realizada pelo preço de €25.568.391,56, acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), à taxa legal de 21%, então em vigor, ao abrigo do respectivo certificado de renúncia à isenção de IVA (n.º 31, atual n.º 30, do artigo 9.º do Código do IVA, nos termos do artigo 12.º do mesmo código);

-              O terreno para construção foi objecto de 2ª avaliação, notificada em 22 de Outubro de 2009, tendo-lhe sido então atribuído um valor patrimonial tributário (VPT) de € 51.062.530,00, pelo que a parte adquirida pela Requerente em 2005 teria um VPT de € 36.765.021,60;

-              Foi efectuada uma liquidação de imposto de selo à taxa de 0,8% ,sobre uma base tributável de € 11.196.630,04, determinada pela subtração dos €25.568.391,56 aos €36.765.021,60;

-              A liquidação fundamentou-se na aplicação da verba n.º 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), conjugada com o disposto no n.º 4 do artigo 9.º do CIS e na alínea b) do n.º 4 do artigo 15.º-D do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, aditado pelo artigo 5.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro;

-              A referida liquidação, emitida sobre o VPT fixado, deduzido do valor tributável do contrato de 2005, foi notificada à Requerente apenas em 15 de Julho de 2013, tendo esta pago o imposto em 04 de Setembro de 2013;

-              Segundo o n.º 2 do artigo 1.º do CIS, as operações sujeitas a IVA e dele não isentas não são sujeitas a imposto do selo e, não se distinguindo quanto à causa da tributação em IVA, esta previsão normativa não abrange apenas as operações tributadas em IVA por determinação legal, abrangendo também os casos de  tributação em IVA resultante de renúncia voluntária a isenção;

-              Tal entendimento foi adoptado pela própria administração tributária (Subdiretor-Geral dos Impostos informação n.º 669 da DSISTP, despacho de 18.11.2004, processo n.º CS/1, Livro 12/4473 da DSISTP; Despacho n.º 296/2003-XV, de 10.02.2003, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais) e pela jurisprudência (acórdãos do STA de 15 de Maio de 2012, no proc. n.º 464/11, e de 14 de Março de 2012, proc. n.º 3/12);

-              Este entendimento funda-se no princípio da não dupla tributação das mesmas operações, ainda que previstas na base de incidência de mais do que um imposto, e no princípio da residualidade do imposto do selo face ao IVA, o que configura o acto de liquidação como ilegal por violar o n.º 2 do artigo 1.º do CIS;

-              Por outro lado, está em causa um imposto cuja liquidação não foi notificada à impugnante dentro do respectivo prazo de caducidade.

-              Apesar de o direito à liquidação do imposto ora impugnado ter nascido com o facto translativo do imóvel ocorrido em 22 de Dezembro de 2005, a administração tributária só veio notificar a ora impugnante do acto de liquidação mais de sete anos e meio depois, em 15 de Julho de 2013, estando largamente ultrapassado o prazo que a lei para tanto concede à administração tributária, nos termos do artigo 39º n.º 1 do CIS;

-              Muito embora o artigo 39.º n.º 1 do CIS, na sua redacção atual dada pelo artigo 130.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, reserve à caducidade do direito de liquidação do imposto do selo previsto na verba 1.1. da TGIS um prazo especial de oito anos, à data em que o facto tributário ocorreu, a 22 de Dezembro de 2005, a mesma norma, na redacção do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, mandava aplicar o prazo geral de caducidade do artigo 45.º da LGT a todo o catálogo da TGIS, apenas excluindo o imposto devido nas transmissões gratuitas;

-              Esse prazo geral correu integralmente ao abrigo dessa anterior redacção, razão pela qual não pode ser atribuído qualquer efeito à alteração posterior que a Lei n.º 64-B/2011 veio introduzir;

-              Nem se diga que caberia na alínea b) do n.º 4 do artigo 15.º-D do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, aditado pelo artigo 5.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, em que se fundamentou o acto impugnado, a aptidão de sanar o vício de caducidade de que a liquidação enferma porque o n.º 4 desse artigo dispõe apenas que o VPT dos prédios urbanos que tenham sido objecto da avaliação geral entra em vigor no momento da ocorrência dos respectivos factos tributários, para efeitos de todos os outros impostos à excepção do IMI;

-              O sentido a retirar deste n.º 4 do artigo 15.º-D é assim o de fazer valer o novo VPT para efeitos do IMI de 2012 e seguintes, ainda que tal VPT apenas se ache determinado já em 2013, por hipótese, observado o regime de salvaguarda do artigo 15.º-O mas, relativamente aos demais impostos o novo VPT só valerá para cada facto tributário que se verifique depois da avaliação do imóvel;

-              Um novo VPT determinado de acordo com os artigos 15.º-A a 15.º-P não pode assim determinar a base de incidência de outros impostos por factos ocorridos antes da sua fixação, nem muito menos por factos tributários ocorridos em data anterior à entrada em vigor da lei que os aditou ao diploma preambular do CIMI;

-              A Lei n.º 60-A/2011, de 30.11, entrou em vigor, como disposto no n.º 1 do seu artigo 10.º apenas no dia 1 de Dezembro de 2011, não podendo fazer-se retroagir a produção dos seus efeitos a factos tributários verificados muito antes da sua entrada em vigor;

-              A Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, reservou a produção dos seus principais efeitos, quanto à revogação do disposto nos n.ºs 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto -Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, e consequente aplicação do novo regime dos artigos 15.º-A a 15.º-P, aos prédios urbanos que em 1 de Dezembro de 2011 não tivessem sido ainda avaliados nos termos do CIMI – cfr. o n.º 4 do seu artigo 10.º e o n.º 1 e 10 do artigo 15.º do Decreto -Lei n.º 287/2003 na redacção atual;

-              Todo o complexo normativo dos artigos 15.º-A a 15.º-P do diploma preambular do CIMI – incluindo, naturalmente, a alínea b) do n.º 4 do artigo 15.º-D em que a administração ancorou a liquidação impugnada – é inaplicável e inoponível ao caso dos presentes autos por expressa determinação do artigo 15.º, n.º 10 do referido diploma preambular, na sua atual redacção;

-              Mas também porque ainda que, por absurdo, se pudesse extrair do referido complexo normativo de 2011 consequências tributárias referentes a um facto ocorrido em 2005, nem assim deixaria de estar ferida de ilegalidade a liquidação impugnada, nesse caso por inconstitucionalidade da norma em que se fundamentou, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.°, n.º 3 da Constituição da República;

-              Com fundamento na ilegalidade do acto de liquidação adicional de imposto do selo, por violação do n.º 2 do art.º 1.º do CIS, por se achar verificado o respectivo prazo de caducidade estabelecido no art.º 39.º, n.º 1 do CIS na redacção do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, aqui aplicável em razão do tempo; por se fundamentar na aplicação do artigo 15º-D do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12/11, em redacção (da Lei nº 60-A/2011) cuja aplicação aos factos em litígio constituiria violação da norma constitucional em matéria de retroatividade (artigo 103º da CRP), deve ser declarado ilegal e anulado o acto de liquidação adicional de imposto do selo respeitante ao ano de 2005.

 

*

                Compulsada a matéria de facto, e o direito aplicável, exposto de forma clara pela Requerente, constata-se que assiste manifesta razão à Requerente.

                Com efeito, e como expressamente reconhece a AT, por a liquidação de imposto de selo controvertida ter incidido sobre uma operação que, por estar sujeita e não isenta de IVA, não está sujeita a imposto de selo e ter sido efectuada para além do termo do prazo geral de caducidade de imposto de selo, que se esgotou a 22 de Dezembro de 2009, antes da ampliação efectuada pela Lei n.º 64-B/2011, é ilegal a liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, que deve, como tal ser anulada, devendo, nesta parte, o pedido arbitral proceder.

 

*

Com o pedido de anulação da liquidação de Imposto de Selo objeto deste processo, a Requerente cumula os seguintes pedidos:

-              a condenação da AT na restituição à impugnante do valor do imposto pago acrescido de juros, à taxa legal, vencidos desde a data do pagamento do indevido, a que acrescerão os que se vencerem até integral restituição;

-              ressarci-la das despesas resultantes da lide, nomeadamente os honorários do seu mandatário judicial, a liquidar em execução de sentença.

Vejamos cada um deles.

 

*

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade do acto de liquidação cuja quantia a Requerente pagou é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos desde 04-09-2013 até integral pagamento à Requerente das quantias liquidadas, calculados com base no valor de €89.573,04, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

 

*

 

                Pede ainda a Requerente a condenação da AT a ressarci-la das despesas resultantes da lide, nomeadamente os honorários do seu mandatário judicial, a liquidar em execução de sentença.

                Não indicando a Requerente qualquer fundamento legal para a sua pretensão, quer de um ponto de vista substantivo quer processual, louva-se na decisão do processo arbitral 50/2012 T, que reconheceu tal direito aos ali Requerentes.

                Compulsada esta decisão, todavia, verifica-se que, ela própria, não sustenta, em termos legais, os respetivos fundamentos substantivos e processuais, limitando-se a fundar a condenação peticionada no considerando de que a Requerida deu causa à lide.

                Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, entende-se, desde logo, que a opção pela jurisdição arbitral implica a renúncia à compensação das despesas cobertas pelas custas de parte, onde se incluem os honorários de advogado (artigo 25.º/2/d) do Regulamento das Custas Processuais).

                Efetivamente, não se prevendo o pagamento de custas de parte na jurisdição arbitral, ao admitir-se a possibilidade de ser pedida, pelos contribuintes, compensação pelos encargos com mandatário, estar-se-ia a discriminar negativamente a AT, na medida em que, nas causas que vença, não se verá compensada pelas correspondentes custas de parte, nem poderá obter a correspondente compensação.

                Deste modo, dever-se-á entender que, ao optar pela jurisdição arbitral tributária, quer a AT quer o contribuinte, estão a abdicar da compensação devida por despesas abrangidas pelas custas de parte.

Sem prejuízo do que vem de se dizer, entende-se ainda não caber na competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, a apreciação da pretensão indemnizatória em causa.

                Com efeito, como se decidiu no Ac. do Pleno do STA de 30-04-2013, proferido no processo 03197/13 (disponível em www.dgsi.pt):

“Está atribuída aos tribunais administrativos a competência para a acção em que a parte vencedora em anterior demanda vem pedir indemnização pelos encargos que suportou como honorários a advogado, ainda que tal acção tenha decorrido perante os tribunais tributários.”

                Considera-se, assim, tendo em conta, nos termos explicitados no referido aresto, o disposto nos artigos 4.º/1, 37.º/f) e 49.º, todos do ETAF, bem como o disposto no artigo 2.º do RJAT, verificar-se, quanto ao pedido em causa, a excepção da incompetência absoluta da incompetência em razão da matéria, de conhecimento oficioso e que obsta ao conhecimento do mérito do pedido.

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação adicional de Imposto do Selo no valor de €89.573,04, com prazo limite de pagamento a 05-09-2013, objecto dos presentes autos, anulando-a;

b)           Julgar procedente o pedido de restituição do montante de €89.573,04, pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, devidos desde 04-09-2013 até integral pagamento à Requerente das quantias liquidadas;

c)            Declarar a incompetência absoluta deste tribunal arbitral para conhecer do pedido de condenação da AT em indemnização à Requerente pelas despesas resultantes da lide, nomeadamente os honorários do seu mandatário judicial, a liquidar em execução de sentença; e

d)           Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €2.754,00, tendo-se em conta o já pago.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €89.573,04, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa

27 de Maio de 2014

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

A Árbitro Vogal

(Manuela Roseiro)

 

O Árbitro Vogal

(Alberto Amorim Pereira)