Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 523/2022-T
Data da decisão: 2023-05-13  IRC  
Valor do pedido: € 5.021,13
Tema: IRC – Pagamentos por conta – Declaração de substituição
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SUMÁRIO

  1. O pagamento por conta é uma antecipação do imposto que será devido a final, calculado com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos.
  2. Tendo sido apresentada declaração de rendimentos de IRC de substituição, nos termos do disposto no artigo 122º, n.º 2 do CIRC, é com base na mesma que terá de ser calculado o montante dos pagamentos por conta exigíveis no exercício seguinte.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A… – … S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal …, com sede no …, …, … …, apresentou, em 01-09-2022, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida no processo n.º …2021…, enquanto objeto imediato e, bem assim, à anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas – IRC - n.º 2021…., referente ao ano de 2020, com a restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-09-2022.

 

3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.

 

3.2. Em 26-10-2022 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 15-11-2022.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

3.5. Por despacho de 14-03-2023 foi dispensada a realização da reunião e, com a anuência das partes, da apresentação de alegações.

 

4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade com o acto de liquidação de juros, bem como com o indeferimento do recurso hierárquico que apresentou.

Sustenta, com tal fundamento, em suma:

- Apresentou tempestivamente a sua declaração Modelo 22 de IRC, tendo apurado (i) o montante de € 136.474,00 a pagar em cada pagamento por conta e (ii) o montante de € 4.613,00 devido a título de pagamento adicional por conta.

- em cumprimento dos valores apurados e acima mencionados, em 28 de agosto de 2020, a Requerente efetuou o primeiro pagamento por conta, no referido valor de € 136.474,00, tendo, igualmente, procedido ao pagamento do primeiro montante a título de pagamento adicional por conta.

- Porém, em 1 de outubro de 2020, por entender que havia sido liquidado imposto superior ao devido, a Requerente apresentou, no prazo legal estabelecido para o efeito, uma declaração Modelo 22 de substituição, nos termos da qual (i) os pagamentos por conta devidos foram corrigidos, em razão da diminuição do imposto liquidado - passando a ser de € 40.751,00 ao invés de € 136.474,00 -, tendo, ainda, apurado que (ii) não havia lugar à realização de pagamentos adicionais por conta, por não ser devida derrama estadual em 2019.

- Atendendo aos valores apurados, foram pagos o segundo e o terceiro pagamentos por conta de acordo com o valor efetivamente devido, isto é, € 40.751,00.

- Por não se conformar com a liquidações a título de juros compensatórios e de juros de mora, a Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa contra os referidos atos tributários, que reputa de ilegais, invocando, sumariamente, não serem “devidos juros compensatórios, nem juros de mora relativos ao período de 2020, por não existirem pagamentos por conta e adicionais por conta em falta”.

- Tal reclamação graciosa foi indeferida com o fundamento de que “da autoliquidação efetuada na declaração resultou uma entrega final de imposto de valor que supera o limite de 20% da quantia que seria normalmente entregue, assim, são devidos os juros compensatórios liquidados e aqui reclamados (…) acrescidos de juros de mora nos termos do art. 109º do CIRC”.

- Por não se conformar com a referida decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, a Requerente interpôs Recurso Hierárquico, peticionando (i) a anulação da liquidação dos juros (compensatórios e de mora), (ii) a revisão da demonstração de liquidação de IRC, referente ao exercício de 2020, o qual foi indeferido.

- Por força da apresentação, em 1 de outubro de 2020, de uma declaração Modelo 22 de IRC de substituição, nos termos do n.º 2 do artigo 122.º do Código do IRC, o valor a pagar a título de pagamentos por conta referentes a 2019 foi corrigido, passando a cifrar-se em € 40.751,00.

- Quer isto dizer que, não só em momento algum foi “retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente”, porque nunca existiu qualquer valor de imposto em falta, como em boa verdade, o valor entregue ao Estado a título de pagamentos por conta foi bastante superior ao devido.

- Não está, assim, verificada a previsão da norma do n.º 1 do artigo 35.º da LGT, o que significa que não há lugar à aplicação da respetiva estatuição, isto é, não são, no caso sub judice, devidos quaisquer montantes a título de juros compensatórios.

- Considerando que na primeira declaração Modelo 22 de IRC, apresentada em 29 de julho de 2020, foi apurado imposto superior ao efetivamente devido - factualidade que a Autoridade Tributária não contesta -, a aceitação dos elementos constantes na declaração Modelo 22 de IRC de substituição, apresentada após a data limite para efetuar o primeiro pagamento por conta, mas antes do termo do prazo de um ano a que alude o artigo 122.º do Código do IRC, não põe em causa o princípio da igualdade e a coerência do sistema tributário, como alega a Autoridade Tributária, porque é, na verdade, a única forma de os assegurar.

- A bem da legalidade e da coerência do sistema jurídico, se um contribuinte pode, estando em prazo, corrigir uma autoliquidação e declarar imposto devido em montante inferior, deve, do mesmo modo, ter a possibilidade de corrigir os montantes que foram calculados com base no imposto anteriormente liquidados para que os mesmos passem a refletir o novo valor de imposto efetivamente devido.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:

- A questão em apreciação foi devidamente analisada em sede administrativa.

- O IRC é um imposto de autoliquidação e por esse motivo tem normas especiais previstas no artigo 122.º do CIRC quanto às condições e prazos de entrega de declarações de substituição.

- A entrega de declarações de substituição posteriores à data limite para a entrega do primeiro pagamento por conta, das quais resulte um valor a pagar superior ou inferior ao apurado na primeira declaração, não relevam para o cálculo do pagamento por conta. A aceitação dos dados de qualquer declaração entregue após a data limite para efetuar o primeiro pagamento por conta põe em causa o princípio da igualdade e a coerência do sistema tributário.

- A coleta do IRC vigente à data limite para a entrega do primeiro pagamento por conta do IRC (prorrogada até 31 de agosto de 2020) era a de € 431.251,50 constante da primeira declaração entregue para o período de 2019. A declaração de substituição do IRC do período de 2019 com a coleta de € 128.967,72 só foi entregue em 01-10-2020, após a data limite para pagar o 1.º PPC, razão pela qual não pode ser tida em conta para o apuramento dos pagamentos por conta a efetuar em 2020. A quantificação dos pagamentos por conta ocorrem até à data limite para o pagamento do primeiro PPC. O contribuinte poderia, querendo, aproveitar a limitação do 3.º PPC nos termos previstos no artigo 107.º do CIRC.

- Uma vez que foi apurado no campo 367 do quadro 10 da modelo 22 de 2020 o montante de € 781,353,32 (autoliquidação) e a empresa só efetuou até 15 de dezembro de 2020 PPC no montante de € 217.976,00, ou seja, deixou de pagar uma importância superior a 20 % da que, em condições normais teria de ser entregue, conforme previsto no artigo 107.º do CIRC, foram liquidados pela AT juros compensatórios, cuja fundamentação consta da demonstração de liquidação de juros notificada à empresa.

- Conclui, pois, a Requerida no sentido de se deverem manter as liquidações aqui em causa, bem como o indeferimento do recurso hierárquico.

 

II – SANEAMENTO

 

6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

6.3. O processo não enferma de nulidades.

6.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO

 

- Matéria de facto

 

A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a)  A Requerente, A… – …, SA, apresentou, tempestivamente, declaração Modelo 22 de IRC, tendo apurado o montante de 136.474,00 € a pagar em cada pagamento por conta e o montante de 4.613,00 € devido a título de pagamento adicional por conta.

b)  Por entender que havia sido liquidado imposto superior ao devido, a Requerente apresentou, em 01-10-2020, declaração Modelo 22 de substituição, nos termos da qual os pagamentos por conta devidos foram corrigidos, em razão da diminuição do imposto liquidado - passando a ser de 40.751,00 € -, tendo, ainda, apurado que não havia lugar à realização de pagamentos adicionais por conta, por não ser devida derrama estadual em 2019.

c)  Face aos valores constantes da declaração de substituição apresentada, a Requerente pagou o segundo e o terceiro pagamentos por conta de acordo com o valor que entendeu como efectivamente devido, isto é, 40.751,00 €.

d)  A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º 2021 …, sendo exigida a quantia de 4.952,19 € a título de juros compensatórios e 68,94 € a título de juros de mora, num total de 5.021,13 €.

e)  Por não se conformar com a liquidação em causa, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra os referidos atos tributários, invocando, sumariamente, não serem “devidos juros compensatórios, nem juros de mora relativos ao período de 2020, por não existirem pagamentos por conta e adicionais por conta em falta”.

f)   Por não se conformar com a liquidações dos citados valores a título de juros compensatórios e de juros de mora, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os referidos atos tributários, que reputa de ilegais, invocando, sumariamente, não serem “devidos juros compensatórios, nem juros de mora relativos ao período de 2020, por não existirem pagamentos por conta e adicionais por conta em falta”.

g)  Após ter exercido direito de audição na aludida reclamação graciosa, a Requerente foi notificada de decisão de indeferimento da mesma.

h)  Por ofício datado de 22-04-2022, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico por si apresentado.

 

B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.

 

- Matéria de Direito

 

Está em causa apurar se, perante a apresentação de declaração de rendimentos Mod 22 de substituição, após ter sido efectuado o primeiro pagamento por conta, o cálculo dos subsequentes terem que se ater ao que consta da declaração de rendimentos original, desprezando-se a de substituição.

Pode dizer-se que a função e a natureza dos pagamentos por conta, aderindo à fundamentação constante do Acórdão TCAN de 21-12-2017, no Proc. 00622/16.8BEAVR, é a seguinte: “… o pagamento por conta é uma antecipação do imposto que será devido a final, calculado com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, o qual poderá, ou não, coincidir com o valor que venha a ser efectivamente devido, razão pela qual a lei prevê, inclusive, que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante ou, sendo o valor do lucro tributável do exercício em curso inferior ao do anterior e se comprovar que os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, isto é, correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido, o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta (cfr.art°s.96, n°.4, e 99, nº1, do C.I.R.C.). E tais pagamentos antecipados do imposto «a final devido» constitui uma imposição do Estado determinada por interesses próprios de arrecadação de valores que, em bom rigor ou por princípio, não fora esta determinação legal de «antecipação» apenas seriam entregues/pagos ulteriormente”.

Em suma, os pagamentos por conta funcionam como forma de antecipação da receita fiscal, conforme veiculou o Tribunal Constitucional no Acórdão 494/2009 de 23-10- 2009: “A finalidade dos pagamentos por conta (do PEC mas, do mesmo modo, do pagamento normal por conta - PNC) é a de, concretizando a máxima pay as you earn, aproximar a data do pagamento, neste caso, do IRC, da data da produção ou obtenção dos rendimentos, sendo certo que a obrigação tributária apenas estará efectivamente definida e quantificada no final do respectivo período de imposição, por referência aos factos tributários que fundam a emergência da obrigação do imposto. Imposições deste género correspondem juridicamente, numa perspectiva estrutural, a actos tributários provisórios e, funcionalmente, a actos cautelares ou caucionais”.

Com efeito, decorre do artigo 104.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, que as entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto “em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respectivo período de tributação.

Mais estabelece o n.º 4 do mesmo artigo que, “os sujeitos passivos são dispensados de efetuar pagamentos por conta quando o imposto do período de tributação de referência para o respetivo cálculo for inferior a € 200”.

Por sua vez, determina o artigo 105.º, n.º 1, do CIRC, que os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1, do artigo 90.º, do mesmo diploma, relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquidos da dedução a que se refere a alínea e) do n.º 2 desse artigo.

Do cotejo dos preceitos em causa, resulta que as entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respectivo período de tributação, tendo por base o IRC liquidado no ano anterior e se o montante apurado assim o impuser.

A AT sustenta que os pagamentos por conta que deveriam ter sido efectuados pela Requerente, teriam que ter por referência, a declaração de rendimentos modelo 22 inicialmente apresentada pela Requerente, uma vez que “a declaração de substituição só foi entregue em 01-10-2020, após a data limite para pagar o 1º pagamento por conta, razão pela qual não pode ser tida em conta para o apuramento dos pagamentos por conta a efetuar em 2020”.

Desde já se adianta que entendemos não ter razão.

Com efeito, decorre do artigo 89.º do CIRC que a liquidação do IRC é efectuada pelo próprio sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo diploma, e, pela Administração Fiscal, nos restantes casos.

Consequentemente, os contribuintes podem apresentar a declaração periódica de no prazo legal, relativamente ao ano anterior (artigo 120.º n.º 1 do CIRC), sendo-lhes concedida a faculdade de apresentarem uma declaração de substituição (artigo 122.º do CIRC).

De facto, determina o artigo 122.º do CIRC, sob a epígrafe “Declaração de substituição”, que:

1 - Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta.

2 - A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal”.

Ora, com as declarações de substituição pretende o legislador permitir a correcção dos valores apurados e declarados, por iniciativa do sujeito passivo, consubstanciando-se em regularizações voluntárias de erros cometidos pelos próprios.

Foi nesse enquadramento que a Requerente apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, respeitante ao exercício de 2019, em 29-07-2020 e em 01-10-2020 declaração modelo 22 de substituição, referente ao mesmo exercício.

Ora, conforme referimos supra, a declaração de rendimentos pode ser substituída pelos sujeitos passivos, nos prazos legais, prerrogativa que a lei lhes confere, e que tem em vista a regularização da declaração anterior, pelo que, se a Requerente, procedeu à entregado 1º pagamento por conta em conformidade com a declaração Modelo 22 inicialmente apresentada, os seguintes foram-no de acordo com a de substituição, entretanto apresentada, a única que passou a vigorar como válida.

Na verdade, com a entrega da declaração modelo 22 de substituição, nos termos legais, só essa poderá servir de referência para efeitos do cálculo dos pagamentos por conta.

Dito de outro modo, a declaração de rendimentos entregue pela Requerente em 29-07-2020 foi substituída pela declaração entregue em 01-10-2020, pelo que, consequentemente, a primeira declaração deixou de ter qualquer validade, passando a vigorar apenas a declaração de substituição.

Acresce que não se vislumbra qual – nem a Requerida o indica - o amparo legal que permita à Administração Fiscal considerar que a Requerente deveria ter efectuado os 2º e 3º pagamentos por conta no valor de 136.474,00 €, por força da primeira declaração de rendimentos apresentada, desconsiderando a declaração de substituição.

Aliás, tal entendimento parece contrariar a noção de pagamentos por conta plasmada no artigo 33.º da LGT, e, bem assim, a sua natureza instrumental quando determina que “as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamento por conta do imposto devido a final” (sublinhado nosso).

Bem pelo contrário, à luz da declaração de substituição apresentada, e nos termos dos artigos 90.º, n.º 1, alínea a) e 104. º, n.º 1, alínea a) e n.º 4, do CIRC, não estava a Requerente obrigada a efetuar tais pagamentos por conta naquele montante.

Entendimento contrário será, salvo o devido respeito, desprovido de justificação e senso. Acolhe-se, pelo contrário, o alegado pela Requerente quando refere que “a bem da legalidade e da coerência do sistema jurídico, se um contribuinte pode, estando em prazo, corrigir uma autoliquidação e declarar imposto devido em montante inferior, deve, do mesmo modo, ter a possibilidade de corrigir os montantes que foram calculados com base no imposto anteriormente liquidados para que os mesmos passem a refletir o novo valor de imposto efetivamente devido”.

Desse modo, não tendo a Requerente incumprido qualquer norma legal ou prazo de pagamento, é manifesto que não lhe podem ser exigidos quaisquer juros compensatórios, impondo-se a anulação da liquidação em causa.

Fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

 

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Além da restituição da quantia indevidamente paga, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Tal direito vem consagrado no artigo 43º da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

No caso em apreço, é manifesto que ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise que por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.

Pelo que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios, nos termos decorrentes do atrás exposto.

 

IV. DECISÃO

 

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a anulação da liquidação de juros impugnada.
  2. Ordenar a restituição à Requerente da quantia paga a esse título, acrescido dos juros indemnizatórios nos termos legais.
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 5.021,13 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 13-05-2023

 

 

                                                                                           O Árbitro

 

                                                                                                  

 

 

                                                                               (António Alberto Franco)