Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 518/2022-T
Data da decisão: 2023-04-27  IRC  
Valor do pedido: € 4.762,64
Tema: IRC – Execução de julgado anulatório; caducidade do direito à liquidação.
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  1. Sumário

I – O tribunal arbitral tem competência para conhecer da legalidade do ato tributário praticado no âmbito da execução de julgado, enquadrando-se tal competência nas disposições constantes dos artigos 2.º, n.º 1 alínea a), 5.º e 6.º do RJAT.

II – Verifica-se a caducidade do direito de liquidação se a notificação for efetuada ao contribuinte decorridos mais de quatro anos depois do termo do ano em que se verificou o ato tributário, conforme disposto no artigo 45.º n.ºs 1 e 4 da LGT;

III – Nos termos do disposto no artigo 175.º do CPTA, aplicável por força do artigo 146.º do CPPT, o poder de liquidar tributos pela Administração Tributária, no cumprimento de uma ação anulatória, deve ser exercido no prazo de 90 dias conferido para a execução espontânea da decisão anulatória, sob pena de extinção do poder que emana da decisão anulatória.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. RELATÓRIO

 

A... Lda.,  com o número único de registo e pessoa coletiva ..., com sede na..., ..., ...-... Cascais, doravante designada por “Requerente”, veio, nos termos da alínea a) do  n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2, do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, pedindo a declaração da ilegalidade do ato de liquidação de IRC n.º 2022..., referente ao ano de 1999, no montante de € 4.762, 64, incluindo juros compensatórios no valor de € 828,97.

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”),

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.

Em 21-10-2022, as partes foram notificadas da designação do árbitro não tendo arguido qualquer impedimento.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 9 de novembro de 2022.

Notificada para apresentar resposta no prazo de 30 dias, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, apresentou a Resposta a 15 de dezembro de 2022, defendendo-se por exceção, alegando a incompetência do Tribunal Arbitral, e por impugnação, concluindo pela procedência da exceção e pela absolvição da Requerida da instância, ou pela improcedência do pedido de pronuncia arbitral, por não provado, com a consequente absolvição da Requerida.

Nesse mesmo dia a AT juntou aos autos o processo administrativo.

Como a Requerida se defendeu por exceção o Tribunal notificou a Requerente, por despacho de 21 de dezembro de 2022 para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada.

Na resposta às exceções a Requerente manifestou-se pela sua improcedência.

Por despacho de 27 de janeiro de 2022, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas.

Ambas as Partes se mantiveram silentes.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

 

II.1  Posição da Requerente

 

Com referência ao ano de 1999, a Requerente foi objeto de uma ação de inspeção pelo Serviços de Inspeção Técnica (SIT), em virtude de não ter sido apresentada a declaração de IRC do aludido exercício, tendo os SIT procedido à fixação da matéria tributável com recurso à aplicação de métodos indiretos, e a AT efetuado uma liquidação oficiosa na qual apurou um lucro tributável de € 71.755,14.

Na ausência do pagamento do valor do IRC liquidado no prazo legal, foi emitida a respetiva certidão de dívida que deu origem ao processo de execução fiscal n.º ...2004... .

Não se conformando com a liquidação de IRC a Requerente impugnou judicialmente a liquidação originando o processo n.º .../04.7 .... 

No âmbito deste processo, foi proferido em 14 de janeiro de 2021 o Acórdão do TCA Sul que, na esteira do pedido formulado no processo de impugnação, decidiu o seguinte:

 

 

O Acórdão transitou em julgado em 17 de fevereiro de 2021, e em 06-06-2022 a Requerente foi notificada do ato de liquidação de IRC n.º 2022..., respeitante aos rendimentos do ano de 1999, no montante de € 4.762,64 (incluídos os juros compensatórios no valor de € 828,97).

Da notificação da liquidação constava:

Fundamentação

A liquidação efetuada corresponde à execução da decisão proferida no processo contencioso identificado, no âmbito do qual foi remetida a respetiva fundamentação.

Notificação

Fica notificado(a) da liquidação de IRC relativa ao ano a que respeitam os rendimentos acima identificados - conforme nota demonstrativa - resultante da execução da decisão proferida no processo de Impugnação judicial com o n.º ...2005... .”

 

A Requerente sustenta que, face ao provimento da ação judicial, a liquidação anterior foi totalmente anulada tratando-se este ato de liquidação de uma nova liquidação.

Defende ainda a Requerente:

  1. Esta liquidação enferma de nulidade por violação dos artigos 100.º da LGT, 176.º n.º 1 alínea i) do CPA e 205.ºda CRP, podendo ser invocado em processo de impugnação autónomo;
  2. Existir a violação de caso julgado;
  3. A caducidade do direito a liquidar o imposto, porque a AT não emitiu a liquidação dentro do prazo de execução espontânea do julgado, ao abrigo do artigo 175.º do CPTA, tendo o seu poder de liquidar ficado sujeito às regras gerais previstas no artigo 45.º da LGT.

 

II.2 Posição da Requerida

 

A Requerida invocou a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do que considera ser uma liquidação corretiva, realizada em cumprimento de uma decisão judicial que determinou a procedência de um pedido de anulação da liquidação do IRC de 1999.

Acrescenta a AT que da leitura da parte expositiva do acórdão pode concluir-se que ficou assente ter havido um excesso de quantificação do lucro tributável, reconhecendo-se os erros de cálculo ali apontados pela Requerente, por isso, feita uma interpretação hábil da decisão do TCA Sul defende que este Tribunal não determinou a anulação do ato de liquidação ali em análise, mas antes a sua ilegalidade parcial circunscrita ao excesso de quantificação tributável assente em erros de cálculo de duas frações, razão pela qual não se pode inferir que o TCA Sul concluiu pela ilegalidade da liquidação na sua totalidade mas antes pela sua ilegalidade parcial, inexistindo quanto à liquidação corretiva qualquer ilegalidade.

Para efeitos de concretização do acórdão a AT inseriu um Documento de Correção que originou a liquidação corretiva sob escrutínio, tendo anulado € 27.858,67, na nota de cobrança da liquidação então impugnada. Consequentemente anulou parcialmente a certidão de dívida que esteve na origem do processo executivo, permanecendo em dívida o montante de € 4.762,64.

  1. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de capacidade e personalidade jurídica (artigo 4.º e 10.º n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

A Autoridade Tributária, suscitou a incompetência material do tribunal arbitral, cujo conhecimento prévio se impõe (artigos 13.º do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c) do CPPT e no artigo 29.º, n.º 1 alínea c) do RJAT).

Sustenta a AT que a liquidação impugnada foi emitida em execução do acórdão proferido no processo judicial n.º .../04.7 ... e, por conseguinte, os tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD não têm competência para o seu conhecimento.

Já a Requerente defende que tal entendimento da AT assenta no juízo, desacertado, de que a liquidação impugnada consubstancia uma liquidação corretiva, quando na verdade estamos perante uma nova liquidação.

***

Esta matéria, da competência dos tribunais arbitrais em execução de decisão anulatória, tem sido objeto de inúmeras decisões arbitrais[1], encontrando-se atualmente consolidada da nossa ordem jurídica, razão pela qual se seguirão de muito perto tais decisões.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que estabelece o seguinte:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b)(…);”

 

O artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT atribui aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.

Por seu turno, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, vinculou a Administração Tributária estadual (atualmente, a Autoridade Tributária e Aduaneira) “à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”, com algumas exceções que não se verificam neste caso.

No caso em apreço, está-se perante a impugnação de uma liquidação de IRC, que é um tributo administrado pela Autoridade Tributária e Aduaneira e que manifestamente se insere nas competências atribuídas pelo RJAT e por aquela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Ademais, não existe qualquer disposição legal que afaste a competência dos tribunais arbitrais quanto a atos de liquidação que a Autoridade Tributária e Aduaneira considere (com razão ou sem ela) que são emitidos em execução de julgado[2].

Como referido na decisão proferida no processo n.º 329/2022-T “(… mesmo que os actos de liquidação sejam praticados em execução de julgado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo foi-se consolidando no sentido de que, se no âmbito da execução de julgado é praticado um novo acto que, para além dar execução à decisão exequenda, contém um conteúdo inovador, sobre o qual não proferiu decisão o julgado exequendo, os vícios de que possa enfermar o acto nesta parte inovatória não podiam ser apreciados no processo de execução, tendo a sua impugnação de ser efectuada em processo impugnatório autónomo. ( …  )”.[3]

Além disso, na senda do acórdão do aludido acórdão do STA, assim como do decidido nos processos n.ºs 130/2019-T; 406/2020-T, 227/2021-T; 329/2022-T, (i) não é vedado aos interessados requerer autonomamente a anulação de um ato administrativo, praticado a título de execução de julgado, (ii) inexiste qualquer disposição legal que afaste a competência dos tribunais arbitrais quanto a atos de liquidação que a AT considere emitidos em execução de julgado.

Nos presentes autos, a Requerente pugna pela ilegalidade e consequente anulação da liquidação n.º 2022..., e respetivo acerto de contas, efetuada pela AT na execução da decisão proferida no âmbito do processo judicial n.º .../04.7 ..., que julgando totalmente procedente o recurso, revogou a sentença recorrida e julgou procedente a impugnação judicial, na qual foi impugnada a liquidação 2003... e peticionado que, julgada procedente, fosse anulado o ato impugnado com fundamento na sua ilegalidade.

É, pois, incontroverso, que o pedido principal em ambas as ações é diferente. O presente pedido em nada contende com o pedido do processo de impugnação cujos termos correram nos Tribunais judiciais, sendo evidente que o pedido principal nos presentes autos arbitrais é de declaração da ilegalidade de uma liquidação diversa da que foi objeto daquele processo, a qual foi integralmente anulada. Além disso, os vícios apontados à liquidação ora impugnada são vícios próprios do ato impugnado.

 

Ora, o Tribunal Arbitral tem competência para conhecer da ilegalidade da liquidação, seja ela praticada a título de execução de julgado, ou não, enquadrando-se tal competência nas disposições contantes dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

Atento o exposto, não ocorre a incompetência deste Tribunal Arbitral, pelo que improcede a exceção invocada pela Autoridade Tributária.

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronuncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa

 

            DO MÉRITO

IV.1 MATÉRIA DE FACTO

IV.1.1 Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção reportado ao exercício de 1999, que correu em cumprimento da Ordem de Serviço ..., em virtude de a Requerente não ter apresentado a declaração de IRC.(cfr. PA)
  2. Os Serviços de Inspeção procederam à fixação da matéria coletável com recurso a aplicação de métodos indiretos, tendo apurado um lucro tributável no valor de € 71.755,14. (cfr. PA)
  3. O apuramento do lucro tributável deu origem à liquidação oficiosa n.º 2003 ... que a Requerente impugnou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal no âmbito do Processo n.º .../94.7 .... (Acordo das Partes e PA)
  4. Atendendo que a liquidação não foi paga dentro do prazo de pagamento voluntário, foi emitida a respetiva certidão de dívida (...2004....), que deu origem ao processo de execução fiscal (PEF) n.º ...2004...(cfr. PA)
  5. Discordando da liquidação a Requerente intentou uma ação de impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, cujos termos correram sob o processo com o n.º …/04.7..., concluindo pela procedência da impugnação e, em consequência, pela anulação do ato tributário impugnado com fundamento na sua ilegalidade.( cfr. Doc. n.º 4 e certidão junta aos autos)
  6. Em 13 de fevereiro de 2007, foi proferida Sentença no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, na qual foi determinado a improcedência do pedido. (cfr. certidão junta aos autos)
  7. Não concordando com a Sentença, a requerente interpôs recurso e, em 14 de janeiro de 2021, foi proferido Acórdão no Tribunal Central Administrativo Sul que concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e julgou procedente a impugnação judicial.(cfr. certidão junta aos autos)
  8. O acórdão do TCA Sul transitou em julgado no dia 17-02-2021. (acordo das partes).
  9. No seguimento da decisão do TCA Sul acima mencionada a AT alterou o lucro tributável considerando os seguintes valores:
  1. Exclusão do proveito da fração GDM (alienado em 2000);
  2. Alteração do proveito das frações GDI e HBL considerando como proveito o valor das escrituras;
  3. Mantendo-se os demais proveitos considerados pelos SIT.

(confissão e PA)

  1. Fê-lo mediante a inserção de um documento de correção que originou a liquidação n.º 2022..., anulando € 27.858,67 na nota de cobrança da liquidação impugnada. (confissão e PA)
  2. A AT anulou parcialmente a certidão de dívida ...2004..., anulando a quantia exequenda em € 27.858,67, prosseguindo a execução os seus termos para a cobrança coerciva do imposto liquidado. (acordo das partes, docs. n.ºs 9 e 10 e PA)
  3. Em 6 de junho de 2022 foi a Requerente notificada da liquidação de IRC n.º 2022..., respeitante aos rendimentos de 1999 no valor de € 4.762,64 incluídos juros compensatórios no montante de €829,97.(cfr. Docs. 1 a 3 e PA)
  4. A fundamentação da liquidação aqui discutida é a que consta da nota de liquidação, que refere o seguinte:

Fundamentação

A liquidação efetuada corresponde à execução da decisão proferida no processo contencioso identificado, no âmbito do qual foi remetida a respetiva fundamentação.

Notificação

Fica notificado(a) da liquidação de IRC relativa ao ano a que respeitam os rendimentos acima identificados - conforme nota demonstrativa - resultante da execução da decisão proferida no processo de Impugnação judicial com o n.º ...2005... .”(Cfr. Docs 1 a 3)

  1. Não foi concedido prazo de pagamento voluntário à Requerente da quantia apurada em execução de julgado.(Cfr. Docs 1 a 3 e PA)
  2. A Requerente não pagou o valor titulado na nota de liquidação.(confissão)
  3. Em 31 de agosto de 2022 foi apresentado o presente PPA.

 

IV.2. Factos Não Provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3 Motivação da Matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, al. e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

IV.2 MATÉRIA DE DIREITO

 

A Requerente imputa os seguintes vícios ao ato de liquidação de IRC n.º 2022..., e juros compensatórios, referente ao exercício de 1999:

  1. Violação de caso julgado;
  2. Caducidade do direito de liquidação.

IV.2.2 Ordem do conhecimento dos vícios

 

O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento dos vícios em processo de impugnação judicial, as quais são subsidiariamente aplicáveis aos processos arbitrais tributários, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

            No caso de vícios geradores de anulabilidade, da conjugação das alíneas a) e b) do n.º 2 daquele artigo 124.º resulta que se deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos (salvo as exceções previstas, que não se verificam no caso em presença).

 

            Invocado que está o vício de caducidade do direito à liquidação, cuja procedência inviabiliza a renovação do ato, afigura-se ser o conhecimento prioritário deste que garante a mais eficaz tutela do interesse da Requerente.

 

IV.2.3. Da caducidade do direito de liquidação

A Requerente defende que o direito de liquidar o imposto - IRC referente ao exercício de 1999 – estava caducado à data da liquidação sob análise.

Desde logo porque não pode ser aproveitado qualquer efeito da liquidação anterior, uma vez que estamos perante uma liquidação nova e autónoma e, por conseguinte, à data da liquidação impugnada já tinha decorrido há muito o prazo de caducidade de 4 anos para liquidação do IRC, contado a partir do termo do ano em que se verificou o ato tributário, previsto no artigo 45.º n.ºs 1 e 4 da LGT.

Ainda que assim não se entendesse, a AT não respeitou o prazo de 90 dias úteis de execução do julgado (artigo 175.º n.º 1 do CPTA e artigo 87.º alínea d) do CPA ex vi artigo 2.º do CPPT).

A decisão que anulou, na integra, a liquidação de IRC, reportada ao ano de 1999, transitou em julgado no dia 17-02-2021. A liquidação sob escrutínio, referente ao mesmo imposto e exercício, foi efetuada em 25-05-2022 e notificada à Requerente em 06-06-2023.

No sentido da verificação da caducidade do direito de liquidar IRC por ter decorrido o prazo de caducidade de 4 anos previsto no artigo 101.º do CIRC, avoca-se a decisão proferida no processo n.º 227/2021-T, onde se pode ler:

“O artigo 101.º do CIRC estabelece que «a liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária».

O artigo 45º da LGT determina que «[o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro» (nº 1). No caso dos impostos periódicos, como é o caso do IRC, o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (nº 4).

Por seu turno, o artigo 8º do CIRC estipula no seu nº 9 que o «facto gerador do imposto se considera verificado no último dia do período de tributação. Partindo do princípio de que as liquidações em crise se reportam ao período de 1 de Julho de 2015 a 30 de Junho de 2016, e no pressuposto de que o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, o prazo de caducidade no caso em apreço terá de se contar a partir de 1 de Janeiro de 2017. Assim sendo, e uma vez que a liquidação apenas foi notificada à Requerente, por via electrónica, em 6 de Janeiro de 2021, sempre assistiria razão à Requerente quando invoca a caducidade do direito de liquidação.”

In casu, tratando-se de uma liquidação de IRC reportado ao ano de 1999, o prazo de caducidade conta-se a partir de janeiro de 2000 e, assim sendo, uma vez que a liquidação foi notificada à Requerente no ano de 2022, já tinha decorrido, há muito, o prazo de caducidade do direito de liquidação[4].

Ainda que se entendesse tratar-se de uma liquidação corretiva, tal como defendido pela AT, é hoje jurisprudencialmente assente que o poder de liquidar tributos pela AT, no cumprimento de ação de impugnação procedente que ordena a anulação da liquidação, deve ser exercido no prazo de 90 dias conferido para a execução espontânea da decisão anulatória, nos termos do artigo 175.º n.ºs 2 e 3 do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 146.º do CPPT[5].

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa, “Se a AT não executar espontaneamente a decisão anulatória, praticando um novo ato de liquidação no prazo de execução espontânea, extinguir-se-á o poder de aquela praticar um novo ato que emana da decisão anulatória, pelo que a prática de novos atos só será possível se puder basear-se ainda no poder originário que é concedido à Administração Tributária para praticar atos de liquidação (…) se não tiver transcorrido já a totalidade do prazo de caducidade do direito à liquidação.”[6]

 

Vejamos:

 

O ano do imposto em questão reporta-se a 1999, a decisão do TCA Sul transitou em julgado no dia 17-02-2021, existindo acordo das partes quanto a este tema, tendo a AT notificado a Requerente da liquidação no dia 06-06-2022, há muito decorrido o prazo de 4 anos de caducidade (quer do artigo 45º da LGT quer do artigo 101.º do CIRC).

Contando os 90 dias úteis a partir de 18-02-2021 o prazo para a execução espontânea do julgado terminou em 30-06-2021, pelo que, também neste enquadramento, ocorreu a caducidade do direito à liquidação do imposto.

A caducidade do direito de liquidação, constitui vício de violação de lei, e justifica a anulação da liquidação n.º 2022..., aqui impugnada, procedendo o pedido da Requerente.

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

 

Face à solução que se chega, no plano do direito constituído, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que são imputados à liquidação de IRC.

Neste sentido aponta o artigo 124.º do CPPT ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupondo que julgado procedente um vício cuja procedência assegure maior estabilidade ou eficaz tutela dos interesses dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios apontados pela Requerente à liquidação.

 

  1. Decisão

 

Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide-se, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:

  1. Julgar improcedente a exceção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de IRC n.º 2022 ... referente ao ano de 1999, no montante total de € 4.762,64, incluindo juros compensatórios no valor de € 828,97.
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. Valor do processo:

 

Fixa-se em € 4.762,64 (quatro mil setecentos e sessenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos) nos termos do disposto nos artigos 315.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT bem assim como do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. Custas:

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 27 de abril de 2023

                                                           O Árbitro Singular

                                                          

                                                           (Cristina Coisinha)

 



[1] Decisões proferidas nos processos 130/2019-T; 406/2020-T, 227/2021-T; 329/2022-T.

[2] Vide processo n.º 130/2019-T

[3] Acórdãos do STA de 17-10-1996, Proc. n.º 44542; de 19-01-1997 no Proc. n.º 27517; de 07-07-2005 Proc. n.º 30230; 24-04-2019 no Proc. 01956/18.2 BEBRG

[4] Vide Acórdãos STA Proc. 0113/07 de 09-05-2007; Proc. n.º 0114/11 de 08-10-2014 e Proc. 42/20.0BEBJA de 23-03-2022

[5] Decisões proferidas nos processos n.ºs 494/2016-T e 329/2022T;

[6]  Jorge Lopes de Sousa in Guia da Arbitragem Tributária, Coordenação de Nuno Villa Lobos e Mónica Brito Veira, Almedina Editora, 2013, pags 216-220.