Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 35/2014-T
Data da decisão: 2014-07-04  Selo  
Valor do pedido: € 19.931,60
Tema: IS – Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo – prédio em propriedade total com divisões susceptíveis de utilização independente
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 35/2014-T

Requerentes: A e B

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo – prédio em propriedade total com divisões susceptíveis de utilização independente

 

A Árbitra Mónica Respício Gonçalves, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 24 de Março de 2014 (despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 24 de Março de 2014), transmite o seguinte:

 

A)    Relatório

 

  1. Em 15 de Janeiro de 2014, as contribuintes A, NIF ... e B, NIF ..., doravante identificadas, respectivamente, por Primeira Requerente e Segunda Requerente e, ambas, por Requerentes, apresentaram pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT), em conjugação com os artigos 1.º, alínea a), 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

                                                                                                          

  1. No referido pedido de pronúncia arbitral, as Requerentes pretendem que o Tribunal Arbitral declare:

 

2.1.                   A inconstitucionalidade, ilegalidade e anulação, por violação do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), no artigo 67.º n.º 2 do Código do Imposto do Selo (CIS), dos artigos 2.º, 6.º, n.º 2 e 12.º n.º 3 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), e dos artigos 13.º, 18.º, 103.º n.º 2 e 104.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), dos seguintes actos de liquidação de Imposto do Selo, relativos a 2012, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, Requerida), em nome de cada uma das Requerentes: (i) os actos de liquidação emitidos em nome da Primeira Requerente, com os números 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ... e 2013 ..., totalizando € 9.965,80; (ii) os actos de liquidação emitidos em nome da Segunda Requerente, com os números 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ... e 2013 ..., totalizando, também, € 9.965,80;

 

2.2.            A condenação da Requerida na devolução do Imposto do Selo pago pela Primeira Requerente, no valor de € 2.006,70, acrescido de juros indemnizatórios, calculados dia a dia, à taxa de 4% ao ano, até ao efectivo reembolso de tais valores indevidamente cobrados;

 

2.3.            A condenação da Requerida na devolução do Imposto do Selo pago pela Segunda Requerente, no valor de € 9.965,80, acrescido de juros indemnizatórios, calculados dia a dia, à taxa de 4% ao ano, até ao efectivo reembolso de tais valores indevidamente cobrados;

e, a título subsidiário,

 

2.4.            A declaração de ilegalidade dos actos de liquidação supra indicados, por violação do disposto no artigo 6.º, alíneas c), d) e f), ponto ii), da Lei n.º 55-A/2012, e consequente anulação parcial dos mesmos actos, em função da aplicação da taxa de 0,8% à matéria colectável determinada pela Requerida, e devolução, às Requerentes, de quaisquer diferenças apuradas face aos montantes de imposto já pagos, acrescidas dos devidos juros indemnizatórios.

 

3.    O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 16 de Janeiro de 2014, pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD, tendo sido notificado à Requerida em 17 de Janeiro de 2014.

 

4.      As Requerentes não procederam à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos e as partes notificadas dessa designação em 3 de Março de 2014. O Tribunal foi constituído, nos termos do disposto no artigo 11.º, do RJAT, em 24 de Março de 2014.

 

5.      Em 02 de Maio de 2014, a Requerida apresentou a sua Resposta.

 

6.      Tendo as Partes sido notificadas do despacho arbitral que designou o dia para a realização da primeira reunião do tribunal arbitral, prevista no artigo 18º do RJAT, solicitou a Requerida que fosse dispensada a realização da referida reunião, por não existirem excepções ou prova adicional a ser requerida, para além da prova documental junta aos autos.

 

7.      Nesta medida, deu-se sem efeito a data para agendamento da referida reunião e foram notificadas as Requerentes para se pronunciarem sobre o pedido da Requerida.

 

8.      Tendo sido as Requerentes regularmente notificadas e tendo optado por não se pronunciarem no prazo estipulado, o tribunal decidiu pela dispensa da referida reunião.

 

9.      As Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

9.1.            As Requerentes são usufrutuárias de um prédio urbano, em propriedade vertical, constituído por 34 divisões com utilização independente, não obstante estarem indicadas na respectiva matriz como titulares da propriedade plena e de, nos termos de certidão do registo predial junta aos autos, o respectivo usufruto não se encontrar registado.

 

9.2.            O Valor Patrimonial Tributário (VPT) de cada uma das referidas divisões com utilização independente, individualmente consideradas, é inferior a
€ 1.000.000,00 (um milhão de euros), embora a soma dos VPT de todas as divisões com utilização independente e afectação habitacional ultrapasse o valor indicado de € 1.000.000,00.

 

9.3.            Para efeitos de IIMI, cada uma das divisões com utilização independente foi avaliada individualmente, em 27 de Março de 2013, tendo por base os Modelos 1 de IMI apresentados em 31 de Dezembro de 2012.

 

9.4.            O prédio urbano em causa não se encontra constituído em propriedade horizontal.

 

9.5.            Assim, as Requerentes alegam que os actos de liquidação de IS em causa são ilegais, na medida em que, tratando-se de um prédio com estas características, a sujeição a IS é determinada, não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um dos andares ou divisões em causa.

 

9.6.            A sujeição a IS dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da TGIS, pelo n.º 4 da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro e que entrou em vigor no dia 30 de Outubro de 2012.

 

9.7.            Do artigo 6.º da referida Lei, resulta que o facto tributário se considera verificado a 31 de Outubro de 2012, e            que o VPT a utilizar na liquidação do imposto é aquele que resulta das regras do CIMI, por referência ao ano de 2011.

 

9.8.            Acresce que, nos termos daquela norma, a tributação prevista na verba 28 da TGIS, por referência ao ano de 2012, é efectuada à taxa de 0,5% sobre o VPT, desde que igual ou superior a € 1.000.000,00, de prédios urbanos com afectação habitacional.

 

9.9.            Na ausência da definição do conceito de “prédios com afectação habitacional” na referida Lei n.º 55-A/2012, as Requerentes entendem que terá de recorrer-se ao conceito de prédio urbano, previsto no artigo 2.º do CIMI, atenta a remissão legal constante do artigo 67.º do CIS.

 

9.10.        Mais sustentam as Requerentes que, para o legislador, o que releva para o efeito de determinar o destino de um prédio é a “utilização normal” desse prédio (cfr. artigo 6.º do CIMI), ou seja, o fim a que se destina, não relevando a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, não se prevendo nenhuma referência ou distinção entre uns e outros.

 

9.11.        Pelo que entendem as Requerentes que a Requerida não pode considerar como valor de referência para o efeito da incidência do IS o valor total do prédio, em virtude do disposto no CIMI, que deverá aplicar-se subsidiariamente nestas matérias, atenta a remissão do artigo 67.º do CIS.

 

9.12.        Concluindo as Requerentes que o critério adoptado pela Requerida, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às divisões com utilização independente, com o argumento de que o prédio não se encontra constituído em propriedade horizontal, não tem sustentação legal, violando o disposto no CIMI, para onde remete a parte final da própria verba 28 da TGIS.

 

9.13.        Motivo pelo qual, alegam as Requerentes, a adopção do critério sustentado pela Requerida viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem como o princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

 

9.14.        Ora, no caso concreto, o prédio em causa encontra-se constituído em propriedade vertical, contendo 26 andares e divisões com utilização independente destinadas a habitação, não tendo sido atribuído a nenhum deles um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, pelo que deve concluir-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência de IS, previsto na verba 28 da TGIS.

 

9.15.        Sustentam, ainda, as Requerentes que esta é a interpretação que melhor se coaduna com a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, e em obediência ao artigo 9.º do Código Civil, na medida em que a intenção do legislador era a de introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional, resultando este mesmo entendimento da análise da discussão da Proposta de Lei n.º 96/XII, na Assembleia da República.

 

9.16.        Alegam as Requerentes, com base na análise da referida discussão, que a fundamentação da medida em causa assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, expressão esta que as Requerentes consideram elucidativa de que a incidência deste IS recai sobre um prédio ou uma fracção autónoma (em sentido jurídico).

 

9.17.        Sustentam, ainda, as Requerentes que a Requerida admite que aquele é o critério aplicável, já que o valor de incidência em cada liquidação emitida é o correspondente ao VPT de cada uma das divisões com utilização independente destinadas à habitação, sendo a liquidação individualizada sobre a parte do prédio correspondente a cada uma dessas divisões.

 

9.18.        Assim, entendem as Requerentes que se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, o legislador estabeleceu claramente o critério que tem de ser único e inequívoco para a definição da regra de incidência do novo imposto.

 

9.19.        Motivo pelo qual as Requerentes concluem que a existência de um prédio em propriedade horizontal ou vertical não pode, por si só, ser indicador da capacidade contributiva, devendo uns e outros receber o mesmo tratamento fiscal, em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.

 

9.20.        Pelo que, as Requerentes entendem que é ilegal e inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade em matéria fiscal, previstos nos artigos 13.º, 104.º n.º 1 e 18.º da CRP, considerar, como valor de referência para a incidência do IS, o valor correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, já que o legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente e, se o prédio em causa se encontrasse em propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções autónomas seria sujeita a IS.

 

9.21.        Acresce que resulta do artigo 12.º n.º 3 do CIMI que, para efeitos da inscrição na matriz predial, o que releva é a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes, motivo pelo qual a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, não impondo uma nova avaliação.

 

9.22.        Assim, sustentam as Requerentes que a verdade material é que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva, e não a mera realidade jurídico-formal do prédio, constituindo a discriminação operada pela Requerida uma discriminação arbitrária e ilegal, na medida em que a lei não impõe a constituição da propriedade horizontal.

 

9.23.        Concluindo as Requerentes que a Requerida não pode distinguir onde o legislador não o fez, sob pena de violação da coerência do sistema fiscal, do princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º n.º 2 da CRP, dos princípios da justiça, da igualdade e proporcionalidade fiscal, previstos nos artigos 13.º, 104.º n.º 1 e 18.º da CRP e, bem assim, do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

 

9.24.        De resto, caso a Requerida pretendesse aplicar o IS previsto na verba 28 da TGIS ao caso em apreço, com base numa interpretação analógica, também essa aplicação seria também ilegal, por violação do artigo 11.º n.º 4 da LGT.      

 

9.25.        Concluem, assim, as Requerentes que os actos de liquidação de IS em apreço deverão ser declarados inconstitucionais e ilegais, sendo consequentemente, anulados, por violação no disposto na verba 28.1 da TGIS, no artigo 67.º n.º 2 do CIS, nos artigos 2.º, 6.º n.º 2 e 12.º n.º 3 do CIMI, e nos artigos 13.º, 18.º, 103.º n.º 2 e 104.º, n.º 1 da CRP, cfr, decisão arbitral proferida no processo n.º 50/2013, na medida em que enfermam de vício de erro de facto e de direito nos pressupostos do facto tributário, vício de violação de lei e vício de inexistência do facto tributário, que as Requerentes invocam.

 

9.26.        Sem conceder, as Requerentes sustentam, ainda, que os actos de liquidação de IS em causa são ilegais, por vício de violação do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alíneas d) e f), ponto ii) da Lei n.º 55-A/2012, por errada aplicação da taxa à matéria colectável, na medida em que, tendo os referidos actos de liquidação sido praticados, pela Requerida, em 17 de Julho de 2013, deveria a Requerida ter aplicado a taxa de 0,8% prevista nas disposições transitórias aplicáveis e não a taxa de 1%.

 

9.27.        Por fim, atento o pagamento do imposto, parcial no que respeita à Primeira Requerente e total, no que respeita à Segunda Requerente, as Requerentes peticionam a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios considerados devidos.

 

  1. Na sua Resposta, a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

10.1.        O VPT dos andares ou partes com afectação habitacional, integrantes do prédio em propriedade total ou vertical em causa, soma € 1.993.160,00, tendo sido sobre este valor que a Requerida liquidou, nos termos do artigo 6.º n.º 1 alínea f) subalínea i) o IS da verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, à taxa de1%.

 

10.2.        Sustenta a Requerida que a situação do prédio de que as ora Requerentes alegam ser usufrutuárias se subsume literalmente na previsão da verba 28 da TGIS.

 

10.3.        Com efeito, a Requerida entende que resulta do artigo 2.º do CIMI que apenas as fracções autónomas de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal são consideradas como prédios, pelo que conclui que as Requeridas não são usufrutuárias de 32 fracções autónomas, mas sim de um único prédio.

 

10.4.        Alega a Requerida que a propriedade horizontal é um regime jurídico específico da propriedade, previsto no artigo 1414.º e seguintes do Código Civil, pelo que seria abusivo e ilegal aplicar este regime, por analogia, ao regime da propriedade total, como pretendem as Requerentes (no entendimento da Requerida).

 

10.5.        Considera a Requerida que os regimes em causa (o da propriedade total e o da propriedade horizontal) são regimes de direito civil, importados para o direito tributário nos termos do artigo 2.º do CIMI, mas mantendo o significado que têm no direito civil conforme resulta do artigo 11.º n.º 2 da LGT.

 

10.6.        Acresce que, conforme defende a Requerida, o artigo 10.º do Código Civil, para onde remete o artigo 11.º n.º 1 da LGT, só deixa aplicar a analogia nos casos de lacunas da lei, o que não sucede no caso em apreço na lei fiscal, já que a verba em causa remete para o CIMI, o qual determina que, no regime de propriedade horizontal, as fracções constituem prédios, de onde a Requerida conclui que, não estando o prédio em causa submetido a este regime, as fracções são susceptíveis, juridicamente, de utilização independente, sem que haja partes comuns.

 

10.7.        Não aceitando, por isso, a Requerida que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal.

 

10.8.        Acresce que, segundo a Requerida, o prédio em causa, estando constituído em propriedade total, é fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, materialidade à qual a lei fiscal atribui relevância, avaliando cada uma dessas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º n.º 3 do CIMI, sendo cada andar ou parte susceptível de utilização independente considerado separadamente na inscrição matricial, embora integrando a mesma matriz, sendo a liquidação do IMI feita tendo em conta o VPT de cada parte.

 

10.9.        Alega a Requerida que a regra prevista no artigo 12.º n.º 3 do CIMI não é inédita, na medida em que tem correspondência com o artigo 232º regra 1.ª do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola.

 

10.10.    Acrescenta a Requerida que a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por várias divisões não é afectada pelo facto de todas ou parte dessas divisões serem susceptíveis de utilização económica independente, não sendo as partes ou divisões em causa juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal.

 

10.11.    Sustenta a Requerida que, sem prejuízo do regime de compropriedade, a titularidade dessas partes ou divisões não pode ser atribuída a mais de um proprietário, embora a doutrina admita que cada uma das partes do prédio pode ser objecto de arrendamento ou de qualquer outro tipo de utilização pelo titular, o que deverá ficar expresso na matriz predial.

 

10.12.    Entende a Requerida que o facto de o IMI ter sido apurado em função do VPT de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta a aplicação da verba 28.1 da TGIS, já que o facto determinante da aplicação desta verba é o VPT total do prédio e não, separadamente, de cada uma das suas parcelas.

 

10.13.    Interpretação diferente violaria, na opinião da Requerida, a letra e o espírito da verba 28.1 da TGIS e, bem assim, o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto, previsto no artigo 103 n.º 2 da CRP.

 

10.14.    A Requerida não entende, ainda, como a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade tributária, como alegam as Requerentes, na medida em que estão em causa regimes jurídicos distintos e o legislador pode - sustenta a Requerida – submeter a enquadramento jurídico-tributário distinto e discriminatório os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, beneficiando o instituto mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada arbitrária, já que pode ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.

 

10.15.    Alega, ainda, a Requerida que a inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição na matriz do prédio, na sua totalidade, devendo concluir-se que das normas procedimentais de avaliação, inscrição matricial e liquidação das partes susceptíveis de utilização independente não decorre a equiparação do prédio em propriedade total ao prédio em propriedade horizontal, não devendo ser acolhida, nesta sede, a teoria interpretativa da prevalência da substância económica dos factos tributários em detrimento da sua forma jurídica.

 

10.16.    Deste modo, conclui a Requerida, com base na conjugação dos artigos 1.º, 2.º, 4.º e 6.º do CIMI, que o facto tributário do IS previsto na verba 28.1 da TGS é o VPT total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o compõem, ainda que susceptíveis de utilização independente.

 

10.17.    Sustenta, também, a Requerida, que não é viável a violação do regime transitório, previsto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, por referência ao ano de 2012, no que respeita aos actos de liquidação em causa, já que não é esse regime transitório que está a ser aplicado, mas sim o regime geral de tributação para o ano de 2012, de onde resulta a taxa aplicada nos actos de liquidação de IS em causa, de 1%.   

 

10.18.    Como efeito, a Requerida sustenta que os actos de liquidação em causa foram emitidos apenas em Julho de 2013, pelo facto de o prédio ter sido objecto de avaliação, não tendo o respectivo VPT sido determinado a tempo de se estabelecerem três períodos de pagamento, assim se estabelecendo que o pagamento deveria ocorrer no último desses períodos, isto é, no mês de Novembro, não tendo o atraso na liquidação causado nenhum prejuízo às Requerentes.

B)    Saneador

 

  1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

C)    Objecto da Pronúncia Arbitral

 

  1. Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões, nos termos atrás descritos:

 

14.1.        É ilegal o entendimento segundo o qual a verba 28.1 da TGIS deve ser interpretada como prevendo, no seu âmbito, os prédios em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, que se caracterizem pelo facto de, a nenhuma dessas partes ou divisões, ter sido atribuído um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, embora a soma dos VPT relativos a cada parte ou divisão individualmente considerada ser igual ou superior ao mesmo valor de € 1.000.000,00?

14.2.        É inconstitucional o entendimento segundo o qual a verba 28.1 da TGIS deve ser interpretada como prevendo, no seu âmbito, os prédios em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, que se caracterizem pelo facto de, a nenhuma dessas partes ou divisões, ter sido atribuído um VPT igual ou superior a
€ 1.000.000,00, embora a soma dos VPT relativos a cada parte ou divisão individualmente considerada ser igual ou superior ao mesmo valor de
€ 1.000.000,00?

14.3.        A título subsidiário, e sem conceder, é ilegal o entendimento segundo o qual a taxa a aplicar ao IS liquidado por referência ao ano de 2012, ao abrigo do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, é de 1%, em detrimento das taxas previstas no regime transitório consagrado nesta disposição legal?

14.4.        Estão, no caso concreto, verificados os pressupostos de que a Lei faz depender o direito de cada uma das Requerentes a juros indemnizatórios?

 

D)    Matéria de facto

 

D.1 – Factos provados

 

  1. Consideram-se como provados os seguintes factos com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:

 

15.1.        As Requerentes são sujeitos passivos de IMI do prédio sito na ..., nº 2, 2-A, 2-B, 2-C e 2-D, tornejando para a ..., nº9, 9-A, 9-B, 9-C e 9-D, em ..., inscrito na respectiva Matriz Predial Urbana sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de ... (cfr. Documento 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

 

15.2.        O prédio urbano foi objecto de avaliação geral, tendo cada uma das suas partes ou divisões susceptíveis de utilização independente sido individualmente objecto de avaliação, separadamente, constando o respectivo VPT, individualmente considerado, da caderneta predial urbana do prédio (cfr. Documento 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

 

15.3.        Das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que integram o prédio urbano em causa, encontram-se afectas a habitação as seguintes (cfr. Documento 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral):

·         RCD/9, com um VPT de € 39.810,00;

·         RCE/9, com um VPT de € 39.810,00;

·         1D/2, com um VPT de € 82.030,00;

·         1D/9, com um VPT de € 78.830,00;

·         1E/2, com um VPT de € 81.330,00;

·         1E/9, com um VPT de € 82.030,00;

·         2D/2, com um VPT de € 82.030,00;

·         2D/9, com um VPT de € 78.830,00;

·         2E/2, com um VPT de € 81.330,00;

·         2E/9, com um VPT de € 82.030,00;

·         3D/2, com um VPT de € 82.030,00;

·         3D/9, com um VPT de € 78.830,00;

·         3E/2, com um VPT de € 81.330,00;

·         3E/9, com um VPT de € 82.030,00;

·         4D/2, com um VPT de € 82.030,00;

·         4D/9, com um VPT de € 78.830,00;

·         4E/2, com um VPT de € 81.330,00;

·         4E/9, com um VPT de € 82.030,00;

·         5D/2, com um VPT de € 82.030,00;

·         5D/9, com um VPT de € 78.830,00;

·         5E/2, com um VPT de €81.330,00;

·         5E/9, com um VPT de € 82.030,00;

·         6D/2, com um VPT de € 73.750,00;

·         6D/9, com um VPT de € 72.470,00;

·         6E/2, com um VPT de € 73.750,00;

·         6E/9, com um VPT de € 72.470,00.

 

15.4.        O valor total decorrente da soma das referidas partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, afectas a habitação, corresponde a
€ 1.993.160,00 (cfr. Documentos 2 e 3 juntos ao pedido de pronúncia arbitral).

 

15.5.        A Primeira Requerente foi notificada dos actos de liquidação de IS, emitidos ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, identificados nos documentos de cobrança nº 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., no valor total de € 9.965,80, sendo, em todos os casos, aplicada uma taxa de 1% sobre o VPT da parte ou divisão em causa e estando indicada como data de liquidação o dia 17 de Julho de 2013, e, bem assim, como prazo de pagamento o mês de Novembro de 2013 (cfr. Documento 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

 

15.6.        A Segunda Requerente foi notificada dos actos de liquidação de IS, emitidos ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, identificados nos documentos de cobrança nº 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., no valor total de € 9.965,80, sendo, em todos os casos, aplicada uma taxa de 1% sobre o VPT da parte ou divisão em causa e estando indicada como data de liquidação o dia 17 de Julho de 2013, e, bem assim, como prazo de pagamento o mês de Novembro de 2013 (cfr. Documento 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

 

15.7.        A Primeira Requerente promoveu o pagamento parcial do IS decorrente dos actos de liquidação em causa, no valor de € 2.006,70, tendo, assim, pago o IS devido por referência aos actos de liquidação identificados nos documentos de cobrança 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ..., 2013 ... (cfr Documento 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral). 

 

15.8.        A Segunda Requerente promoveu o pagamento total do IS decorrente de todos os actos de liquidação de que foi notificada, no valor de € 9.965,80 (cfr. Documento 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental referida, junta aos autos e, no processo administrativo apenso.

 

  1. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

 

E)    Do Direito

 

(i)     Da eventual (i)legalidade do entendimento segundo o qual a verba 28.1 da TGIS deve ser interpretada como prevendo, no seu âmbito, os prédios em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, que se caracterizem pelo facto de, a nenhuma dessas partes ou divisões, ter sido atribuído um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, embora a soma dos VPT relativos a cada parte ou divisão individualmente considerada ser igual ou superior ao mesmo valor de € 1.000.000,00:

 

  1. Como vimos, a questão principal objecto da presente decisão versa sobre a interpretação da verba 28.1 da TGIS, designadamente sobre a questão de saber se a regra de incidência aí prevista é aplicável a prédios com afectação habitacional, em propriedade total, com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, e que se caracterizem pelo facto de nenhuma dessas divisões ter um VPT superior a € 1.000.000,00, nos casos em que a soma dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão individualmente considerada seja igual ou superior ao referido valor.

 

  1. A verba 28 foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, passando aí a dispor-se que integram o campo de incidência do imposto "28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1. - Por prédio com afectação habitacional - 1 %;".

 

  1. Nos termos das disposições transitórias previstas na Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, para aplicação da referida regra de incidência ainda no ano de 2012, estabeleceu-se que: (i) o facto tributário se considerou verificado em 31 de Outubro de 2012, (ii) a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria efectuar a liquidação do imposto devido até ao final do mês de Novembro desse ano, (iii) os sujeitos passivos deveriam efectuar o pagamento do imposto liquidado nesses termos até ao dia 29 de Dezembro de 2012 e, bem assim, (iv) a taxa aplicável nesse ano era de 0,5% para prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI e de 0,8% para prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do CIMI.

 

  1. Da análise do elemento literal da verba 28.1 da TGIS conclui-se que o facto tributário relevante para efeito da aplicação da regra de incidência em causa incide sobre o direito de propriedade, usufruto ou direito de superfície cujo objecto corresponda a (i) prédios urbanos; (ii) com afectação habitacional; de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00; devendo esse valor patrimonial tributário ser o utilizado para efeito de IMI.

 

  1. Nestes termos, a intenção do legislador foi a de criar um imposto cuja incidência é aferida pelo destino económico do prédio urbano e pelo VPT utilizado para efeito de IMI, sendo a liquidação promovida em termos idênticos à deste imposto.

 

  1. Acresce que a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro aditou, também, o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, nos termos do qual estabeleceu que "Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI".

 

  1. Assim, no que concerne à questão concreta objecto da presente decisão, importa atender ao artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, nos termos do qual “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”.

 

25.  Acresce que, nos termos do artigo 119.º n.º 1 do CIMI, “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.”.

26.  Atento o contexto legislativo enunciado e estando em causa a interpretação do conceito de “prédio”, cabe indagar, antes de mais, sobre a existência de uma definição legal do referido conceito.

 

27.  A este respeito, deverá atender-se ao conceito de prédio expressamente previsto no artigo 2.º do CIMI e que o legislador manda aqui aplicar subsidiariamente, como vimos, através da remissão constante do artigo 67.º n.º 2 do CIS.

 

28.  Assim, prédio será “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”.

 

29.  Ora, conforme reconhece a doutrina, o conceito fiscal de prédio afasta-se do conceito civilista de prédio, ao contrário do que sustenta a Requerida, sendo que, “Para efeitos fiscais, o n.º 1 deste artigo [2.º do CIMI] prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico.” (J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário, o Imposto do Selo, Anotados e Comentados, Engifisco, 1.ª edição, 2005, pág. 101).

 

30.  Assim, “o elemento físico vem definido pela referência a “toda a fracção de território”, abrangendo águas, plantações e construções de qualquer natureza nela incorporadas ou assentes com carácter de permanência. No plano jurídico, é atribuída relevância à patrimonialidade. O bem, no sentido físico, deve ser passível de integração no património de uma pessoa singular ou colectiva. (…) O requisito do valor económico encontra-se, naturalmente, associado ao requisito da patrimonialidade, decorrendo daí a susceptibilidade de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades para o seu titular.” (Op.Cit.). 

 

31.  Também neste sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, quando refere que “Assim, e como bem apontou o Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção) nos Acórdãos proferidos nos Recursos 1109/11 e 1004/11, em 30 de Maio de 2012 e em 27 de Junho de 2012, respectivamente, “De acordo com o art. 2º do CIMI o conceito de prédio assenta em três elementos: um elemento de natureza física (fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência), um elemento de natureza jurídica (exigência de que a coisa - móvel ou imóvel - faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva) e um elemento de natureza económica (exigência de que a coisa tenha valor económico em circunstâncias normais).Trata-se de um conceito de prédio que diverge, quer do conceito de prédio constante do nº 3 do art. 8º do CIRS, (No entanto, para Rui Duarte Morais («Sobre o IRS», 2ª edição, Almedina, 2008, p. 116) o CIRS não define o que é prédio, pelo que, numa interpretação sistemática, entendemos dever socorrer-nos da noção contida no CIMI. Isto porque «Na realidade, o nº 3 do art. 8º do CIRS apresenta as definições de prédio rústico, urbano e misto, para efeitos deste imposto. Além de tais noções, por demasiado simplistas, não procederem a uma delimitação rigorosa destes conceitos (cfr. os art. 3º a 6º do CIMI), existem realidades prediais não inseríveis em qualquer uma destas categorias (será o caso de prédios que não tenham como componente física uma fracção de solo). quer do constante do nº 2 do art. 204º do CCivil. (Neste âmbito, cfr. Nuno Sá Gomes, «Os Conceitos Fiscais de Prédio», in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 54 (e também publicado na Ciência e Técnica Fiscal nºs. 101 e 102 – Maio e Junho de 1967), estudo que embora reportando à evolução legislativa que culminou no antigo Código da Contribuição Predial, mantém alguma actualidade.)”.

 

32.  Ora, no caso concreto, parece-nos que todos os três requisitos mencionados se verificam, na medida em que as partes ou divisões susceptíveis de utilização independente objecto dos actos de liquidação em causa têm correspondência física com a realidade, integram o património de duas pessoas singulares (as Requerentes) e possuem um valor económico que, quanto mais não seja, decorre do VPT que lhes foi atribuído mediante a avaliação geral que a Requerida efectuou.

33.  Assim, parece-nos que as partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, preenchendo todos os requisitos para que possam qualificar como um “prédio”, em termos económicos, físicos e de patrimonialidade, deverão ser consideradas autonomamente para efeitos da incidência da verba 28.1 da TGIS.

 

34.  Acresce que aderimos ao entendimento expresso na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 50/2013-T, quando aí se refere que “Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. O que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.”.

 

35.  Como efeito, na regra de incidência constante da verba 28.1 da TGIS, o legislador não entendeu relevante distinguir entre os prédios em propriedade horizontal e os prédios em propriedade vertical.

 

36.  E isto porque o que releva, em última análise, é o destino económico do imóvel, como decorre, também, do artigo 6.º do CIMI, em face dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 103.º n.º 1 e 104.º n.º 3 da CRP.

 

37.  Não podendo, pois, deixar de se atender à autonomia das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que integram o prédio urbano em causa, para o efeito da aplicação da verba 28.1 da TGIS, até porque o próprio legislador manda atender, em caso de dúvida, à realidade económica dos factos, no artigo 11.º n.º 3 da LGT, estipulando, sobre as regras de interpretação das normas tributárias, que “Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.”.

 

38.  Com efeito, não se vê como, no caso em apreço, se poderá afastar esta regra interpretativa, como sustenta a Requerida.

 

39.  Na verdade, em termos de substância económica, não existe qualquer diferença entre um edifício em propriedade horizontal e um edifício em propriedade vertical ou total constituído por partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, justificando-se, portanto, em termos de regras de incidência – e, em particular, da regra constante da verba 28.1 da TGIS – o tratamento igual destas duas situações.

 

40.  Não se trata, pois, de aplicar o mesmo tratamento a realidades distintas, com base na analogia, como sustenta a Requerida, mas de aplicar a realidades substancialmente e economicamente idênticas o mesmo tratamento fiscal.

 

41.  Também o legislador fiscal determina esse tratamento igualitário, no artigo 119.º do CIMI, quando estabelece que o imposto deverá ser liquidado individualmente sobre cada parte ou divisão susceptível de utilização independente, tendo em consideração o VPT de cada parte ou divisão susceptível de utilização independente, individualmente considerada.

 

42.  De onde resulta que o VPT que deve ser considerado na aplicação da verba 28.1 da TGIS é o que decorre da letra e ratio dos artigos 2.º, 6.º n.º 1 alínea a), 12.º e 119.º CIMI.

 

43.  Acresce, ainda, que o CIMI não só não distingue entre prédios urbanos com afectação habitacional sob a forma de propriedade horizontal e prédios urbanos com afectação habitacional sob a forma de propriedade total ou vertical, como considera ambos os prédios em causa no artigo 6.º n.º 2 do CIMI, sob a designação de “prédios urbanos habitacionais”, com regras de inscrição matricial únicas.

 

44.  Nesta medida, deverá aplicar-se indistintamente, a uns e outros tipos de prédios urbanos habitacionais – os constituídos em propriedade horizontal e os que se encontram em propriedade total ou vertical – a regra constante da verba 28.1 da TGIS, devendo, assim, esta incidir sobre o VPT atribuído pela Requerida, através de avaliação geral, a cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente.

 

45.  Tanto assim é, que a Requerida emitiu, no caso objecto dos presentes autos, tantos actos de liquidação quantas as partes ou divisões susceptíveis de utilização independente afectas a habitação.

 

46.  Em face do que se deixa exposto, e atento o facto de que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, objecto dos actos de liquidação impugnados, tem um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, como ficou demonstrado nos presentes autos, conclui-se pela procedência do pedido das Requerentes, considerando-se ilegais os actos de liquidação impugnados, por erro sobre os pressupostos de facto e direito e violação do artigo 1.º n.º 1 do Código do Imposto do Selo e da verba 28.1 da TGIS, devendo os referidos actos ser anulados.

 

47.  Atenta a ilegalidade dos actos de liquidação objecto da presente decisão, escusa-se o tribunal a analisar as questões relativas à eventual inconstitucionalidade da aplicação da norma em causa e, bem assim, o pedido subsidiário apresentado pelas Requerentes, por manifesta inutilidade.

 

(ii)               Do direito das Requerentes a juros indemnizatórios:

 

48.   As Requerentes pedem o reembolso dos valores pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º, da Lei Geral Tributária.

 

49.  O artigo 43.º, da Lei Geral Tributária determina que o contribuinte terá direito a ser ressarcido através de juros indemnizatórios sempre que o pagamento indevido de imposto seja imputável a erro dos serviços.

 

50.  Conforme esclarece a doutrina, O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro ter por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou). ” (Campos, Diogo Leite de; Rodrigues, Benjamim Silva, Sousa, Jorge Lopes de, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.º Ed. 2012 Encontro da Escrita, ..., pág. 342).

 

51.  Ora, no caso em apreço, os actos de liquidação de Imposto do Selo são ilegais, na medida em que foram praticados com erro de facto e de direito e ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, sendo que tal erro é inteira e exclusivamente imputável aos Serviços.

 

52.  Em face do exposto, decide-se pela procedência do pedido de condenação da Requerida no pagamento, às Requerentes, de juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

 

Decisão

 

  1. Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido formulado e consequentemente:

53.1.        Declarar a ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, anulando-os, com as devidas consequências legais;

53.2.        Condenar a Requerida ao reembolso da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios; e,

53.3.        Condenar a Requerida no pagamento das custas.

 

*

  1. Fixa-se o valor da acção em € 19.931,60 (dezanove mil novecentos e trinta e um euros e sessenta cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

  1. Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4, do RJAT e 4.º, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Julho de 2014

A Árbitra

 

 

Mónica Respício Gonçalves