Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 45/2014-T
Data da decisão: 2014-08-13  IUC  
Valor do pedido: € 374,94
Tema: IUC – Locação financeira
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 45/2014 – T

Tema: IUC – Locação financeira

 

 

Requerente: BANCO A, Sa

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

       I.             RELATÓRIO

 

1.      Em 22 de Janeiro de 2014, a sociedade Banco a, Sa, pessoa coletiva n.º …, doravante identificada por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT).

 

2.       No referido pedido de pronúncia arbitral a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade de 8 atos de liquidação adicional de Imposto Único de Circulação (IUC), no montante total de € 374,94, referentes aos anos de 2009 a 2012, seguidamente melhor identificados (cf. Anexo A, junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral):

 

                                                        i.            Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2009 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 19,01 a pagar, valor este pago em 31 de Outubro de 2013;

                                                      ii.            Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2010 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 32,16 a pagar, valor este pago em 31 de Outubro de 2013;

                                                    iii.            Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2011 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 32,67 a pagar, valor este pago em 29 de Outubro de 2013, na data limite de pagamento;

                                                    iv.            Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2009 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 33,81 a pagar, valor este pago em 29 de Outubro de 2013, na data limite de pagamento;

                                                      v.            Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2012 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 35,60 a pagar, valor este pago em 31 de Outubro de 2013;

                                                    vi.            Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2011 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 37,18 a pagar, valor este pago em 29 de Outubro de 2013, na data limite de pagamento;

                                                  vii.            Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2009 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 38,12 a pagar, valor este pago em 29 de Outubro de 2013, na data limite de pagamento;

                                                viii.            Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2011 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 146,39 a pagar, valor este pago em 29 de Outubro de 2013.

 

3.      A Requerente peticiona ainda o reembolso do montante pago - € 374,94 – e, bem assim o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

 

4.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 23 de Janeiro de 2014, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida), em 24 de Janeiro de 2014.

 

5.      A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitra do presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

6.      Em 30 de Maio de 2014, e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18.º, do RJAT foi realizada a primeira reunião do Tribunal Arbitral, tendo sido lavrada ata, que se encontra junta aos autos, da qual resulta, para além do mais, ter a Requerente junto aos autos os contratos de locação financeira relativos aos atos de liquidação impugnados.

 

7.      Em 19 de Junho de 2014, a Requerente apresentou as suas alegações.

 

8.      A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no entendimento que na data em que se tornaram exigíveis os IUCs em apreço, já não detinha a propriedade dos veículos em questão pelo que não era para todos os efeitos o sujeito passivo de imposto, acrescentando que durante a vigência dos respetivos contratos de locação financeira, enquanto entidade locadora também não era considerada sujeito passivo de IUC, dado que cabendo às locatárias o gozo exclusivo do veículo automóvel sobre o qual recai o contrato, cabe-lhes também a obrigação de pagar o imposto.

 

9.      Mais sustenta a Requerente que a falta de registo da transmissão operada entre a Requerente e os locatários não a torna inoponível perante a ATA, uma vez que o registo não é condição de validade do contrato de compra e venda nem condição de produção do efeito translativo do mesmo, acrescentando ainda que como a ATA não preenche o conceito de terceiros para efeitos de registo, uma vez que não adquire do mesmo transmitente direitos total ou parcialmente incompatíveis com os direitos do comprador, não pode escudar-se na ausência de registo da transmissão para exigir o pagamento do imposto devido ao anterior proprietário, seja este uma locadora ou qualquer outra entidade.

 

10.  Conclui a Requerente que não promovendo o proprietário o registo da propriedade do veículo a seu favor, se presume que a propriedade continua a pertencer ao devedor, mas que esta presunção pode ser afastada mediante prova em contrário, que poderá ser feita por qualquer meio (vg. por prova testemunhal ou documentos).

 

11.  Na sua Resposta, a Requerida, invocou, em síntese, que o legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 quem são os sujeitos passivos de IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários, considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados, ou seja, a Requerida entende não estar em causa uma presunção, porque o IUC passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.

 

12.  A Requerida entende, ainda, que a posição veiculada pela Requerente é violadora do princípio da confiança e da segurança jurídica, na medida em que desvaloriza a realidade registal em detrimento de uma realidade informal, insuscetível de controlo mínimo pela ATA e, bem assim, violadora do princípio da eficiência do sistema tributário na medida em que ao ignorar a realidade registal, gera para a ATA e para o Estado Português, custos administrativos adicionais e entorpecimento dos seus serviços e, finalmente, violadora do princípio da proporcionalidade na medida em que a Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda da sua capacidade contributiva (vg. registo automóvel) sem que os tenha exercido em devido tempo.

 

13.  Mais sustenta a Requerida que, mesmo que assim não se entendesse, a Requerente ao apresentar apenas as facturas de venda de cada um dos veículos não fez prova da transmissão da propriedade desses mesmo veículos.

 

 

 

 

 

    II.              SANEADOR

 

14.  O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

15.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

16.  Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

 III.            OBJECTO DA PRONÚNCIA ARBITRAL

 

17.  Vêm colocadas ao Tribunal as seguintes questões a apreciar e a decidir:

                                i.            determinar se a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC admite que a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado na Conservatória pode demonstrar, através dos meios de prova admitidos em direito, que não obstante tal facto, não é proprietário do veículo no período a que o imposto respeita e afastar assim a obrigação de pagamento do imposto que sobre ela recai;

                              ii.            se a fatura de venda do veículo é documento bastante para provar a transmissão.

 

MATÉRIA DE FACTO

 

 Factos provados

18.  A Requerente é uma instituição de crédito cuja actividade abrange a celebração de contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis (cf. contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor juntos na reunião arbitral).

 

19.  A Requerente celebrou os seguintes contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor:

 

                                           i.            n.º …, com a B, com referência ao veículo com a matrícula …, em 7 de Setembro de 2006 (cf. contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor junto na reunião arbitral);

                                         ii.            n.º …, com C, SA, com referência ao veículo com a matrícula …, em 28 de Dezembro de 2005 (cf. contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor junto na reunião arbitral);

                                       iii.            n.º …, com d com referência ao veículo com a matrícula …, em 6 de Junho de 2007 (cf. contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor junto na reunião arbitral);

                                       iv.            n.º …, com E, com referência ao veículo com a matrícula …, em 18 de Julho de 2005 (cf. contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor junto na reunião arbitral);

                                         v.            n.º …, com a sociedade F, Lda, com referência ao veículo com a matrícula …, em 13 de Dezembro de 2006 (cf. contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor junto na reunião arbitral);

                                       vi.            n.º …, com G, com referência ao veículo com a matrícula …, em 2 de Abril de 2007 (cf. contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor junto na reunião arbitral);

                                     vii.            n.º …, com a sociedade H, Sa, com referência ao veículo com a matrícula …, em 11 de Agosto de 2000 (cf. contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor junto na reunião arbitral);

                                   viii.            n.º …, com I, com referência ao veículo com a matrícula …, em 2 de Agosto de 2007 (cf. contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor junto na reunião arbitral).

 

20.  A Requerente emitiu as seguintes Fatura/Recibos com referência aos seguintes contratos:

                                           i.            n.º …- Fatura/Recibo n.º …, emitida em 21 de Agosto de 2009, em nome de B com referência ao veículo com a matrícula … (Mês da matrícula: Setembro - cf. fatura junta com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral);

                                         ii.            n.º …– Fatura/Recibo n.º … emitida em 1 de Fevereiro de 2010, em nome de C, SA, com referência ao veículo com a matrícula … (Mês da matrícula: Dezembro - cf. fatura junta com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral);

                                       iii.            n.º …- Fatura/Recibo n.º …, emitida em 24 de Janeiro de 2011, em nome de D com referência ao veículo com a matrícula … (Mês da matrícula: Junho - cf. fatura junta com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral);

                                       iv.            n.º …- Fatura/Recibo n.º …, emitida em 9 de Abril de 2009, em nome de E com referência ao veículo com a matrícula … (Mês da matrícula: Julho - cf. fatura junta com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral);

                                         v.            Fatura/Recibo n.º …, emitida em 26 de Outubro de 2012, em nome de J, Lda com referência ao veículo com a matrícula … (Mês da matrícula: Dezembro - cf. fatura junta com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral);

                                       vi.            n.º …- Fatura/Recibo n.º …, emitida em 1 de Fevereiro de 2011, em nome de G, com referência ao veículo com a matrícula … (Mês da matrícula: Março - cf. fatura junta com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral);

                                     vii.            Fatura/Recibo n.º …, emitida em 29 de Maio de 2009, em nome da sociedade K, Lda com referência ao veículo com a matrícula … (Mês da matrícula: Agosto - cf. fatura junta com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral);

                                   viii.            n.º …- Fatura/Recibo n.º …, emitida em 24 de Novembro de 2011, em nome de L (Herdeiros de I), com referência ao veículo com a matrícula … (Mês da matrícula: Julho - cf. fatura junta com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral).

 

21.  A Requerente foi notificada de 8 atos de liquidação adicional de Imposto Único de Circulação (IUC), no montante total de € 374,94, referentes aos anos de 2009 a 2012, seguidamente melhor identificados (cf. Anexo A, junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral):

i)                    Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2009 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 19,01 a pagar, valor este pago em 31 de Outubro de 2013;

ii)                  Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2010 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 32,16 a pagar, valor este pago em 31 de Outubro de 2013;

iii)                Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º 2011 …, referente ao ano de 2011 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 32,67 a pagar, valor este pago em 29 de Outubro de 2013, na data limite de pagamento;

iv)                Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2009 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 33,81 a pagar, valor este pago em 29 de Outubro de 2013, na data limite de pagamento;

v)                  Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2012 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 35,60 a pagar, valor este pago em 31 de Outubro de 2013;

vi)                Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2011 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 37,18 a pagar, valor este pago em 29 de Outubro de 2013, na data limite de pagamento;

vii)              Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2009 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 38,12 a pagar, valor este pago em 29 de Outubro de 2013, na data limite de pagamento;

viii)            Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2011 e à viatura com a matrícula …, da qual resulta o valor de € 146,39 a pagar, valor este pago em 29 de Outubro de 2013.

 

22.  A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada.

 

 Factos não provados

 

23.   A Requerente indica no pedido de pronúncia arbitral que o veículo com a matrícula … (Mês da matrícula: Julho) foi transmitido em 24 de Maio de 2011, o que não resultou demonstrado.

 

 IV.            DO DIREITO

 

24.  Conforme avançado a primeira questão que no presente processo importa esclarecer prende-se em determinar se a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC admite que a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado na Conservatória pode demonstrar, através dos meios de prova admitidos em direito, que não obstante tal facto, não é proprietário do veículo no período a que o imposto respeita e afastar assim a obrigação de imposto que sobre ela recai.

 

25.  Determina o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC que “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”.

 

26.  De acordo com esta disposição legal são, assim, sujeitos passivos de imposto os proprietários dos veículos.

 

27.  Efectivamente, nos termos do Código do IUC, o imposto é devido pelo proprietário do veículo até ao cancelamento da matrícula ou registo em virtude de abate efectuado nos termos da lei (cf. artigo 4.º, n.º 3 do Código do IUC), sendo tributada a propriedade dos veículos, independentemente do respetivo uso ou fruição.

 

28.  Para efeitos de concretização da incidência subjectiva consideram-se como proprietários as pessoas singulares ou colectivas, em nome das quais os veículos se encontrem registados.

 

29.  Neste contexto, a ATA liquida o imposto de acordo com os elementos que constituem a base de dados do IUC, cuja actualização é efetuada com base nos elementos fornecidos pela IRN – I.P. e pelo IMTT.

 

30.  O artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC consagra assim uma presunção legal de acordo com a qual a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo é considerada como sujeito passivo de imposto.

 

31.  A utilização da expressão “considerando-se”, em vez da expressão “presumindo-se” não afasta esta conclusão.

 

32.  Como melhor desenvolvido na Decisão Arbitral proferida no Processo nº 14/2013-T “Examinando o ordenamento jurídico português, encontramos imensas normas que consagram presunções utilizando o verbo considerar, muitas das quais empregues no gerúndio (“considerando” ou mesmo “considerando-se”). São disso exemplos as normas a seguir enumeradas: No Código Civil, entre outras, os artigos 314º, 369º nº 2, 374º nº1, 376º nº 2, 1629º. No Código da Propriedade Industrial, referimos a título de exemplo, o artigo 98º onde também o termo “considerando” é usado num contexto presuntivo. Também no ordenamento jurídico tributário se pode encontrar o verbo “considerar”, nomeadamente o termo “considera-se” com um sentido presuntivo. Como explicam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na anotação nº 3 ao artigo 73º da LGT “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, revelada pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real” (sublinhado nosso), dando de seguida alguns exemplos de normas em que é utilizado o verbo “considerar” como no nº 2 do artigo 21º do CIRC acontece, ao estabelecer que “para efeitos de determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado não podendo ser inferior ao que resultar da aplicação das regras de determinação do valor tributável previstas no Código do Imposto do Selo”. (sublinhados nossos). (…).Tendo em conta que o sistema jurídico deve formar um todo coerente, os exemplos acima referidos, acompanhados da doutrina e jurisprudência indicadas, por apelo ao elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos), autorizam a conclusão que não é só quando é usado o verbo “presumir” que estamos perante uma presunção, mas também o uso de outros termos ou expressões podem servir de base a presunções, nomeadamente o termo “considera-se”, mostrando-se desta forma cumprida a condição estabelecida no nº 2 do artigo 9º do CC, o qual exige que o pensamento legislativo tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” (in www.caad.pt).

 

33.  Como também apontado na citada Decisão arbitral, a ratio legis do IUC aponta no sentido de serem tributados os efectivos proprietários ou os utilizadores dos veículos, como os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade (cf. artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Código do IUC).

 

34.  Com efeito o IUC procura onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária, conforme expresso no seu artigo 1.º.

 

35.  Não se vislumbra que a tributação de anteriores proprietários possa contribuir para este objectivo, que só será cumprido se a tributação visar o efetivo proprietário ou utilizador.

 

36.  Acresce que, o registo não tem no nosso ordenamento jurídico eficácia constitutiva, tendo antes uma função meramente declarativa (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo n.º 00A217, de 20-06-2000 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo n.º 087725, de 13-02-1996, in www.dgsi.pt).

 

37.  O “registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Mas, como bem afirma a recorrente, esta presunção registral é ilidível – embora não por contraprova, mas sim através da prova do contrário – pois o registo, ainda que definitivo, constitui mera presunção juris tantum.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no Processo n.º 07B4528, de 29-01-2008, in www.dgsi.pt), o que significa que também a natureza do registo no nosso ordenamento não afasta a conclusão a que se chegou de estarmos perante no caso vertente perante uma presunção.

 

38.  Finalmente, não cabendo a ATA no conceito de terceiro para efeitos de registo, “uma vez que não adquire do mesmo transmitente direitos total ou parcialmente incompatíveis com os direitos do comprador, conclui-se tranquilamente que aquela não pode escudar-se na ausência do registo da transmissão para exigir o pagamento do imposto devido ao anterior proprietário, seja este uma locadora ou qualquer outra entidade” (cf. Parecer do Professor Doutor Agostinho Cardoso Guedes, junto aos autos).

 

39.  Ora, consagrando o artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC uma presunção, esta presunção é uma presunção ilidível por contender com uma norma de incidência (subjectiva) do imposto.

 

40.  Com efeito, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, uma vez que o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis.

 

41.  A “proibição de presunções inilidíveis que emana do art. 73.º da LGT limita-se às normas de incidência tributária, mas abrangendo tanto as de incidência subjectiva como as de incidência objectiva ou real. São normas de incidência, em sentido lato, as que “definem o plano de incidência ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação. Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais” (cf. SOUSA, Jorge Lopes de - Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6ª edição, 2011, vol. I, pág. 586).

 

42.   Assim, consagrando o artigo 3º, nº 1 do CIUC uma presunção, ilidível, a entidade que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, por essa razão foi considerada pela ATA como sujeito passivo do imposto, pode apresentar elementos de prova visando demonstrar que o titular da propriedade é outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.

 

I – Dos actos de liquidação identificados nas alíneas i) a vii), do ponto 2 do relatório

 

43.  O IUC é de periodicidade anual, sendo devido por inteiro em cada ano a que respeita, correspondendo o período de tributação ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E (cf. artigo 4.º, n.º 1 e 2 do Código do IUC).

 

44.  No caso vertente, a Requerente alienou os veículos em questão em datas anteriores às dos meses das matrículas, nos anos a que respeitam as liquidações em apreço, conforme Faturas/Recibo juntas com o pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

45.  O artigo 29.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA, na sua actual redacção, determina a obrigação de emissão de fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços.

 

46.  A expressão “fatura ou documento equivalente” anteriormente utilizada no Código do IVA foi substituída pelo termo “fatura”.

 

47.  Conforme resulta do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto, que veio introduzir alterações nas regras de faturação em matéria de IVA “Evidencia -se ainda que os sujeitos passivos não podem emitir e entregar documentos de natureza diferente da fatura para titular a transmissão de bens ou prestação de serviços aos respetivos adquirentes ou destinatários, sob pena de aplicação das penalidades legalmente previstas”.

 

48.  Após estas alterações, apenas a “Fatura” ou “Fatura-recibo” e a “Fatura simplificada” cumprem a obrigação de faturação, na medida em que contenham os requisitos do n.º 5, do artigo 36.º ou do n.º 2 do artigo 40.º, respetivamente, ambos do Código do IVA, conforme reconhecido pela ATA no Ofício Circulado n.º 30141/2013, de 4 de Janeiro de 2013, sendo que anteriormente era pacificamente aceite a figura da “Fatura-recibo”.

 

49.  Por sua vez, de acordo com a alínea f), do n.º 5, do artigo 36.º do Código do IVA deve necessariamente constar da fatura a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, se essa data não coincidir com a da emissão da factura, ou seja, não constando da fatura essa menção presume-se que os bens foram colocados à disposição do adquirente na data da emissão da fatura.

 

50.  No caso vertente, em que está em causa a emissão de Fatura/Recibo esta comprova a transmissão do bem e o respetivo pagamento (cf. artigos 476.º do Código Comercial e 123.º, n.º 2, alínea a) do Código do IRC).

 

51.  Acresce que, a Requerente beneficia da presunção de veracidade das operações inscritas na sua contabilidade e nos respectivos documentos de suporte.

 

52.  Com efeito, resulta expressamente do n.º 1, do artigo 75.º da Lei Geral Tributária que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

 

53.  Neste contexto, cabia então à ATA trazer elementos de prova ao processo que permitissem abalar esta presunção e, não o tendo feito (na medida em que se limita a afirmar não ser a fatura documento idóneo para comprovar a venda dos veículos), os documentos juntos pela Requerente, mais concretamente as Faturas/Recibo fazem prova da transmissão dos veículos em causa.

 

54.  E, tendo essas transmissões ocorrido em datas anteriores às dos meses das matrículas, nos anos a que respeitam as liquidações em apreço, a Requerente não era já sujeito passivo de imposto com referência às liquidações em questão, cuja anulação, consequentemente, se determina.

 

II – Do acto de liquidação identificado na alínea viii) do ponto 2 do Relatório

 

55.  À Demonstração de liquidação de IUC e de JC n.º …, referente ao ano de 2011 e à viatura com a matrícula … (do mês de Julho) da qual resulta o valor de € 146,39 a pagar, corresponde a Fatura/Recibo n.º … .

 

56.  Da referida Fatura/Recibo n.º …, emitida em 24 de Novembro de 2011, resulta, ainda, ter a mesma data de vencimento em 24 de Maio de 2011.

 

57.  Sendo a data de vencimento no mês de Maio e a data de emissão em Novembro, ambas do ano de 2011, e sendo a viatura com a matrícula …, do mês de Julho, não resulta inequivocamente demonstrado que a transmissão do veículo se tenha operado em data anterior ao mês da matrícula, motivo pelo qual, quanto a este último ato de liquidação não se determina a respetiva anulação, sendo, consequentemente, quanto a este ato o pedido da Requerente improcedente.

 

    V.            DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos atos de liquidação de IUC contestados, melhor identificados nas alíneas i) a vii), do ponto 2 do Relatório, condenando-se a Entidade Requerida ao reembolso do montante pago - € 228,55 - e, bem assim no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, com referência ao montante anulado.

Mais julga-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante.

Fixa-se o valor do processo em € 374,94 (trezentos e setenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

Fixam-se as custas em € 306, a cargo da Requerente (2/5) e da Requerida (3/5), no montante de € 122,4 e € 183,6, respectivamente, na proporção do decaimento, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

Lisboa, 13 de Agosto de 2014

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pela árbitra signatária].

 

A Árbitra

 

(Ana Moutinho Nascimento)