Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 264/2014-T
Data da decisão: 2014-10-07  IRS  
Valor do pedido: € 197.837,89
Tema: IRS – Cláusula geral anti-abuso
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DECISÃO ARBITRAL

 

Processo n.º 264/2014-T

           

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Nina Aguiar e Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-05-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A, contribuinte fiscal n.º …, e B, contribuinte fiscal n.º …, ambos residentes no …, vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ("RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária, com a intervenção do colectivo de três árbitros, tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS n,º 2013 ..., de 12-12-2013, relativa ao ano de 2009, no valor de € 174.828,53 (cento e setenta e quatro mil, oitocentos e vinte e oito euros, cinquenta e três cêntimos), da liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 13-12-2013, respeitante ao período compreendido entre 31-05-2010 e ..., no valor de € 23.009,36 (vinte e três mil, nove euros, trinta e seis cêntimos), e do acerto de contas datado de 13-12-2013, referente ao ano de 2009, no montante global de € 197.837,89 (cento e noventa e sete mil, oitocentos e trinta e sete euros, oitenta e nove cêntimos), com a consequente anulação destas liquidações e com o consequente reembolso aos Requerentes do montante de imposto indevidamente pago de € 167.166,00 (cento e sessenta e sete mil, cento e sessenta e seis euros), acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde 18-12-2013 até ao integral reembolso desta quantia.

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

Os Requerentes optaram pela não designação de árbitro.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Dr. Jorge Lopes de Sousa, a Prof.ª Doutora Nina Aguiar e o Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

            As Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

            Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21-05-2014.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência dos pedidos e a sua absolvição.

            Em reunião de 15-07-2014, as Partes prescindiram da prova testemunhal e acordou-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

            Os Requerentes apresentaram as seguintes conclusões:

 

1) O artigo 63.º, n.º 4, da LGT, fixa um limite formal à actividade inspectiva — uma segunda inspecção externa — mas igualmente um limite substantivo à mesma — a reapreciação dos factos constantes da análise de inspecção externa;

2) Este limite substantivo impede que o objecto de um procedimento inspectivo externo já encerrado possa ser reanalisado pela AT, que passa a ficar vinculada à análise e conclusões constantes do procedimento de          inspecção externo;

3) A evidente identidade de objecto inspectivo entre as acções inspectivas n.º ... e n.º ... impede a validade procedimental desta última acção de inspecção, da qual resultou a aplicação da CGAA e subsequente liquidação adicional de IRS;

4) Não se vislumbra, no caso concreto, a existência de factos novos que permitam sustentar a regularidade da acção de inspecção n.º ... e a repetibilidade de inspecções;

5) A actuação da AT, ao elaborar o novo relatório de inspecção e praticar os actos subsequentes, ofende o direito dos Requerentes a não ver alterada a situação jurídica definida na sequência do primeiro relatório de inspecção;

6) A reanálise de elementos fornecidos e obtidos no âmbito da anterior acção de inspecção tributária, depois de o procedimento estar findo, implica violação dos artigos 36.º, n.ºs 2, 3 e 4, do RCPIT, e do 63º, n.º 4, da LGT, entendidos não só com o seu alcance procedimental, mas também do direito à segurança jurídica dos Requerentes:

7) A violação destas normas constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação do acto procedimental, nos termos do artigo 135.º, do CPA, aplicável por força do disposto na alínea c), do artigo 2.º, da LGT;

8) A anulação de tal acto de reapreciação e de reanálise dos elementos probatórios repercute-se nos consequentes actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, que têm como pressuposto aquela actuação ilegal, pois são actos nulos os "actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados', nos termos do disposto na alínea i), do n.º 2, do artigo 133º, do CPA;

9) Caso não seja este o entendimento do Tribunal Arbitral, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, sem conceder, sempre se dirá que não se encontram reunidos os pressupostos, de facto e de direito, de que depende a aplicação da CGAA, violando a AT, por errada interpretação e aplicação, o artigo 38.º, n.º 2, da LGT, e os artigos 10º, nºs 1, alínea b), e 2, alínea a), e 43.º, nº 4, alínea b), do CIRS;

10) A transformação das duas sociedades por quotas em sociedades anónimas e a subsequente venda das acções à sociedade gestora de participações sociais foram realizadas no âmbito de uma reorganização empresarial;

11) A transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas — e a venda de acções — tiveram o propósito de constituir uma relação societária de grupo:

12) Os actos e negócios realizados pelos Requerentes inserem-se numa estrutura de actos e negócios tendentes à expansão da sua actividade comercial, bem como à criação de um grupo de empresas, materializado através da constituição de uma sociedade gestora de participações sociais que dominará totalmente as sociedades entretanto transformadas;

13) O sujeito passivo pode organizar as suas operações de modo a reduzir a sua carga fiscal;

14) A aplicação da CGAA depende de quatro requisitos, também designados como elementos: resultado, meio, intelectual e normativo;

15) Se tomarmos como certa a premissa de que os Requerentes optaram pela transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas de que eram sócios e subsequente venda das acções em substituição da venda das quotas, é indiscutível que se verificaram vantagens fiscais (elemento resultado):

16) Paralelamente à pura e simples cessão das quotas das sociedades de que eram sócios, os Requerentes tinham igualmente à sua disposição a opção de permuta de partes sociais – regulada no artigo 9.º, n.º 8, do CIRS, em regime de neutralidade -, que é inteiramente desprovida de efeitos;

17) Perante, pelo menos, três alternativas, de efeitos económicos equivalentes, sendo duas delas não tributadas (transformação do tipo societário e venda das acções ou permuta neutra de participações sociais), não pode ser considerada fiscalmente motivada a opção dos Requerentes por uma das mais vantajosas – somente se o termo de comparação fosse a cessão das quotas (o que fica por demonstrar) – poderia equacionar-se qualquer espécie de motivação fiscal na opção pela transformação societária e ulterior venda das partes sociais (elemento intelectual);

18) Não questionando a AT a criação de uma sociedade gestora de participações sociais e o aporte à mesma das participações sociais detidas pelos Requerentes, apenas importa equacionar se a transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas pode ser considerada um "abuso de formas jurídicas";

19) O Suposto carácter artificioso dos actos de transformação dos tipos societários esbarra com a sua expressa consagração legal – artigo 43.º, n.º 4 (actual n.º 6) alínea b), do CIRS – enquanto meio privilegiado de obtenção da vantagem fiscal constante do artigo 10.º, n.º 2, alínea a), do CIRS, numa solução que remonta à versão inicial do EBF;

20) Apontando a lei o percurso a seguir para a obtenção da poupança fiscal, não pode tal caminho, uma vez empreendido pelo contribuinte, ser reputado de abusivo (elemento meio);

21) A generalidade da doutrina — acompanhada pela própria AT e pela jurisprudência arbitral do CAAD – defende a necessidade de demonstração de um elemento normativo para fundamentar a aplicação da CGAA;

22) Parte da doutrina considera até que a demonstração da rejeição pelo ordenamento fiscal dos resultados obtidos com uma dada estrutura de planeamento é pressuposto de aplicação da mesma;

23) O elemento normativo desempenha uma função essencial em qualquer cláusula geral anti-elisiva: a função de assegurar que os resultados da aplicação da CGAA são teleológica e sistematicamente considerados e coerentes;

24) Dificilmente seria considerada conforme à Constituição da República Portuguesa a interpretação daquela cláusula geral no sentido de que dispensa a demonstração do elemento normativo, atento o princípio da separação de poderes e o direito ao planeamento fiscal;

25) Não é admissível que possa competir ao intérprete vedar as zonas de planeamento fiscal manifesta e expressamente criadas pelo legislador fiscal, substituindo-se a este: um resultado conforme ao sistema fiscal não é condenável em face da CGAA;

26) O tratamento assistemático das mais-valias, com particular destaque para as mais-valias de participações sociais, não pode deixar de produzir efeitos na aplicação da CGAA;

27) O tratamento fiscal das mais-valias tem sido manifestamente casuístico, situação que não sofreu alterações significativas com a aprovação do CIRS;

28) Embora existindo uma norma única de incidência em mais-valias para a generalidade das participações sociais, o legislador optou deliberadamente por um tratamento de excepção e favor, excluindo de tributação as mais-valias decorrentes da alienação das partes sociais com a forma de acções;

29) Esta situação de manifesto privilégio das mais-valias de acções só cessou após vinte anos de quase contínua aplicação, e apenas por razões financeiras, em 2010;

30) Ao privilegiar as acções em detrimento das quotas – portanto, um benefício em atenção exclusiva à forma jurídica das participações sociais – o legislador fiscal está a induzir um comportamento de substituição por parte dos sujeitos passivos;

31) Essa indução de comportamento é especialmente evidente na redação do artigo 43º, n.º 4 (actual n.º 6), alínea b) do CIRS (artigo 35.º, da versão originária do EBF) – que, no caso de transformação societária de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, reporta a data da aquisição das acções à data das quotas que lhes deram origem;

32) Não se pode concluir que o sujeito passivo está em fraude à lei fiscal quando ele se comporta precisamente como o legislador fiscal pretendeu que ele se comportasse, transformando as sociedades por quotas em anónimas;

33) O resultado fiscalmente menos oneroso é admitido, tolerado e estimulado pela lei e/ou pelo sistema fiscal em geral, pelo que os actos e negócios jurídicos realizados pelos Requerentes não poderão ser condenáveis e enquadráveis na CGAA, por inexistência de fraude às normas em causa;

34) A doutrina identifica os casos de tratamentos de favor como casos em que a CGAA não é aplicável, atentos os resultados anti-sistemáticos que dai resultariam.

35) A jurisprudência fiscal arbitral tem-se unanimemente inclinado no sentido de que a CGAA não pode ser utilizada para ultrapassar ou arredar as opções claras do legislador em privilegiar o tratamento das acções face às quotas;

36) É a própria AT que denota algum “desconforto” quanto à aplicação da CGAA às situações de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas e subsequente venda de acções, quando não faz incluir tal estrutura de planeamento fiscal nas listas de estruturas reputadas de “planeamento fiscal abusivo ou agressivo” à luz do Decreto-Lei nº 29/2008, de 25 de Fevereiro;

37) O elemento normativo da CGAA encontra-se, por conseguinte, ausente da estrutura adoptada pelos Requerentes;

38) Não se verificam os pressupostos de facto e de direito de que depende a aplicação da CGAA;

39) A Requerida, AT, violou, por errada interpretação e aplicação, os artigos 38.º, n.º 2, da LGT, 10.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea a), e 43.º, n.º 4, alínea a), do CIRS;

40) O acto tributário enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 135.º, do CPA;

41) Em consequência, deverão ser anulados os actos de liquidação adicional de IRS e de liquidação de juros compensatórios (e da operação de acerto de contas) impugnados;

42) A AT deverá ser condenada a pagar aos Requerentes o montante de imposto indevidamente pago de € 167.166.00 (cento e sessenta e sete mil, cento e sessenta e seis euros), acrescido de juros indemnizatórios, contados desde 18/12/2013 até ao integral reembolso, nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º, da LGT, 61º, do CPPT, e 24.º, n.ºs, 1, alínea b), e 5, do RJAT.

 

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, analisada a matéria de facto de acordo com os elementos juntos ao processo arbitral tributário, e ponderados os valores jurídicos em confronto, deve o pedido de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios (e da operação de "acerto de contas"), relativos ao ano de 2009, ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, serem declarados ilegais os actos de liquidação cuja declaração de ilegalidade é requerida, com fundamento nas razões de facto e de direito supra apresentadas, designadamente por os mesmos actos enfermarem de vício de violação de lei, por ofensa de regras procedimentais e do direito à segurança jurídica dos Requerentes, e, ainda, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que não se encontram reunidos os pressupostos, de facto e de direito, de que depende a aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, e, igualmente, inexistirem os factos, objectivos e subjectivos, invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para a aplicação da mesma disposição antiabuso, com a consequente anulação de todos os actos praticados no âmbito do procedimento de inspecção tributário iniciado com a Ordem de Serviço n.º ... — do qual resultou a liquidação de IRS e juros compensatórios em resultado da aplicação da cláusula geral antiabuso -, o, uma vez que tal anulação repercutir-se-á nos consequentes actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, que têm como pressuposto aquele acto procedimental, a consequente anulação dos actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, com o reconhecimento do direito dos Requerentes ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios, em conformidade com o requerido e peticionado na pronúncia arbitral, com as demais consequências legais.

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

 

I. É claro que a estruturação jurídica da venda das participações sociais, querida pelos Requerentes, foi objecto de um planeamento, à medida, cujo propósito só se consegue justificar com a obtenção de uma vantagem fiscal, que de outra forma não seria de todo auferida.

II. Não vingando as apontadas justificações não fiscais para as operações, são estes actos jurídicos, resultantes unicamente da vontade do aqui Requerente, que permitem falar da verificação dos (imbricados) elemento meio e elemento intelectual.

III. Não está em causa a possível racionalidade económica da constituição do grupo societário – esta é absolutamente irrelevante para a questão a decidir nos presentes autos.

IV. Pois que é forçoso concluir – em face do quadro legal vigente – que a transformação é absolutamente desnecessária a esta possibilidade de conformação do grupo empresarial.

V. Deste modo, temos um encadeado de actos praticados que parece, à primeira vista, desnecessário, supérfluo, excessivo, e acima de tudo injustificado na sua vertente económica, que só adquire sentido quando se apreende perspectivado pelo propósito fiscal.

VI. Ademais, atenta a manifesta falta de prova passível de justificar a motivação comercial ou societária que esteve na génese da transformação das sociedades por quotas em anónima, é legítimo afirmar-se não poderem vingar as genéricas alegações efectuadas pelo Requerente nesse sentido.

VII. Tanto no que diz respeito às que integram o seu pedido de pronúncia arbitral, como as que haviam previamente integrado o seu direito de audição.

VIII. Era ao Requerente que cabia o ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, ónus esse que não foi cumprido.

IX. Como bem referido na jurisprudência do Tribunal Arbitral, proferida no processo n.º47/2013-T:

“No limite, o facto que suscita a suspeição, e bem, da AT face ao negócio é o (curto) espaço de tempo que medeia entre a alteração da forma e a venda. A este factor de suspeição alia-se a incapacidade de apresentar uma justificação económica que dissipe essa suspeita.” (negrito nosso).

X. Pois que a forma de sociedade anónima geralmente serve para captar investimento externo (potencialmente de muitos investidores, à partida desinteressados na gestão e centrados na obtenção de retorno financeiro para a sua participação, sob a forma de dividendo ou de mais valia gerada na posterior alienação), potenciando, portanto, a dispersão de capitais.

XI. No entanto, o ora Requerente transformou as sociedades por quotas em sociedades anónimas mantendo a totalidade da detenção, directa ou indirectamente, sobre o seu capital social, como, aliás, obrigava o contrato de franquia intuitu personae que conforma a exploração dos restaurantes X, objecto social exclusivo de todas as sociedades em causa.

XII. Pelo que a actuação do Requerente contradiz esta lógica inerente às formas utilizadas e não convencem as razões por si invocadas no sentido das transformações societárias.

XIII. Toda a engenharia fiscal descrita, de carácter inusitado, complexo e artificioso, se encontra desprovida de utilidade ou sentido imediato sob o ponto de vista económico, visando unicamente um fito: a exclusão de tributação das mais-valias obtidas pelo Requerente.

XIV. Quanto ao elemento resultado, este corresponde à vantagem fiscal, esta teve como objectivo a eliminação da tributação, em sede de IRS, no ano de 2009, fazendo com que retirassem o máximo benefício da estrutura utilizada.

XV. Para que a exclusão de tributação se apresentasse perfeita e insuspeita em termos do cumprimento das normas legais, procurou a Requerente, através do refinamento na estrutura dos actos sequenciais adoptados afastar quaisquer dúvidas que se pudessem levantar sobre a legalidade da mesma.

XVI. Se o Requerente tivesse escolhido o negócio economicamente equivalente ao ora em apreço, vendendo as quotas que detinha à SGPS, teria sido tributado em imposto sobre o rendimento pelas mais valias obtidas com essas vendas de quotas, sendo que o resultado económico seria idêntico ao da transformação das Lda. em sociedades anónimas, seguida de venda das acções à SGPS.

XVII. Pois, com a venda das quotas, a SGPS ficaria a deter, de igual modo, 100% do capital social das sociedades por quotas, simplesmente, teriam de pagar imposto, no valor de 167.166,00 €.

XVIII. Deste modo, só por causa da exclusão de tributação, o Requerente actuou como actuou, contrariamente ao espírito da lei.

XIX. Com o que vem sendo dito, fica igualmente demonstrado o elemento intelectual, o qual corresponde à motivação do contribuinte, caracterizando-se pela alteração de prioridades que o devem mover.

XXIII. No que se refere ao elemento normativo, entendido como a desconformidade do resultado obtido através do acto abusivo com a ratio legis, espírito ou propósito da lei e os princípios do sistema fiscal.

XXIV. É nesta desconformidade entre o fim visado pela norma e o concreto fim visado na utilização da norma (e da forma jurídica) pelo sujeito passivo, que reside o carácter antijurídico, ou censurável, ou, na linguagem mais disseminada, o elemento normativo.

XXV. Contrariando o entendimento do Requerente, as disposições dos artigos 10.º, n.º 2, al. a) e 43.º, nº4, al. a) e b) do CIRS não podem ser lidas de forma isolada, mas antes em conjugação com o artigo 38.º, n.º 2 da LGT, bem como com as normas da Constituição.

XXVI. Na génese da exclusão tributária esteve, como vimos acima, a ideia de estimular o investimento empresarial duradouro e efectivo, atribuindo um tratamento fiscal mais favorável às mais-valias não especulativas, ou seja beneficiando os «ganhos de capital de longo prazo», e por isso excluindo de tributação apenas os ganhos provenientes de títulos detidos por mais de 12 meses.

XXVII. Não se direccionando, de todo, para quem continua a gerir as sociedades anónimas como as anteriores sociedades por quotas, nomeadamente por a tanto estar, na prática, vinculado pelos contratos de franquia intuitu persona

XXVIII. Limitando-se a aproveitar a inépcia do legislador em prever todas as situações em que pode ocorrer o planeamento abusivo, como se verifica no caso sub judice.

XXIX. Devendo a intenção da própria lei que ser adequada aos princípios jurídicos enformadores do sistema fiscal, quer, constitucional, quer ordinário.

XXX. Visando o sistema fiscal nos termos do art.º 103.º n.º 1 da CRP “ a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”, a cláusula geral antiabuso (CGAA), surge como um meio de controlo e de reacção, determinante para assegurar a concretização destes objectivos.

XXXI. A aplicação da CGAA, desponta assim como uma válvula de segurança que permite que o comportamento dos contribuintes seja analisado de acordo com os requisitos subjacentes à sua aplicação.

XXXII. À sua luz, permite-se que os contribuintes escolham, ao abrigo da sua liberdade de opção, os negócios jurídicos menos onerosos, no entanto, o seu comportamento tem que ser apreciado à luz do princípio da justa distribuição dos encargos, de modo a combater os abusos e as condutas fraudulentas que justificaram a criação do instituto da CGAA.

XXXIII. Ao que acresce que o princípio da igualdade fiscal plasmado na Lei Fundamental – artigos 13º e 104º da CRP – proíbe a existência de privilégios na tributação, antes impõe que todos que tenham capacidade contributiva estejam obrigados ao pagamento de impostos, devendo a repartição da oneração fiscal pelos contribuintes basear-se num critério geral e homogéneo: a capacidade contributiva.

XXXIV. Só com estes pressupostos de igualdade e justiça em mente pode ser entendido e interpretado o quadro legal convocado à decisão do caso sub judice.

XXXV. Não visando a exclusão da tributação em causa, providenciar uma via de poupança fiscal.

XXXVI. Se as transformações foram levadas a efeito com finalidades exclusivamente fiscais, foram efectuadas em abuso de direito pois, movendo-se aparentemente dentro da lei, não servem o propósito extra fiscal pela lei visado, sendo manifesto que o legislador não excluiu de tributação as mais valias provenientes da alienação de acções para proporcionar a alguns poupança fiscal.

XXXVII. Conceder esta vantagem – benefício fiscal – simplesmente para proporcionar uma via de poupança fiscal, satisfazendo interesses particulares, individuais – para alguns somente, aqueles que soubessem criar as condições para a sua aplicação, artificiosamente – é, reitere-se, desconforme ao todo congruente do sistema jurídico tributário.

XXXVIII. E tal estaria em desconformidade gritante com os já referidos princípios constitucionais, bem como com o princípio da legalidade, previsto no nº 2 do artigo 103º da CRP, e, ainda com o princípio da indisponibilidade do crédito tributário, decorrente dos aludidos princípios da legalidade e igualdade.

XXXIX. Por todo o exposto não subsistem dúvidas que as ditas transformações societárias foram motivadas, principal ou somente pela exclusão de tributação prevista para a alienação de acções detidas há mais de 12 meses.

XL. É certo que os contribuintes podem e devem escolher, de entre os instrumentos jurídicos postos à sua disposição, aqueles que mais lhes convêm e que, naturalmente, não têm de escolher a opção fiscalmente mais onerosa, terão, no entanto, que provar, de modo claro e inequívoco, que a concreta opção societária ou a política empresarial escolhida teve como ponto de partida um verdadeiro e legítimo substrato económico, tendo que demonstrar que terá sido, primordialmente, esse exacto motivo económico que os impeliu a tomarem esta ou aquela opção empresarial, que, contas feitas, acabou por se revelar fiscalmente muito mais vantajosa.

XLI. Ora, conforme já aludido, os Requerentes não fizeram tal prova, quando lhes cabia o ónus probatório, nos termos do artigo 74.º da LGT.

XLII. Os direitos de liberdade de empresa e de iniciativa económica não são, pois, direitos absolutos e não podem, em momento algum, ser exercidos de forma abusiva, a fim de subverter o espírito das normas de tributação e de concessão dos benefícios fiscais, e, dessa maneira, atingir um resultado contrário ao Direito.

XLIII. Permitir a exclusão de tributação, obtida que foi artificiosamente e em abuso de direito e das formas jurídicas, significaria violar a lei fiscal, bem como os princípios constitucionais da legalidade, igualdade e da capacidade contributiva e, por inerência, as normas da CRP que os consagram.

XLIV. Tudo visto, o comportamento assumido pelo Requerente foi antijurídico, atentando contra o espírito das próprias normas que invocaram em seu benefício, merecendo a total reprovação normativo-sistemática quanto à vantagem que abusivamente obtiveram.

XLV. Motivo pelo qual se impôs – e impõe – a aplicação ao caso sub judice do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, resultando na correcção efectuada à matéria colectável dos ora Requerentes.

XLVI. Devendo, na sequência e em conformidade com o supra arguido, improceder totalmente os pedidos formulados.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente, por não provado, absolvendo-se a Entidade Requerida dos pedidos, como é de Direito e Justiça!

 

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            O processo não enferma de nulidades.

 

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      No seguimento da Ordem de Serviço OI..., datada de 04-02-2013, foi determinada a realização de uma acção de inspecção de controlo dos elementos declarados pelos Requerentes na declaração Modelo 3 de IRS, respeitante ao exercício de 2009, nomeadamente em relação às mais-valias obtidas com a alienação de acções representativas do capital das sociedades ““SOCIEDADE 1””, pelo montante de € 698.600,00, e “SOCIEDADE 2”, pelo montante de € 1.198.600,00 ao adquirente “SOCIEDADE 3 SGPS”;

b)      No âmbito dessa acção de inspecção foi enviado aos ora Requerentes o ofício n.º ..., de 06-02-2013, cuja cópia constitui o documento n.º 25 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

Solicita-se, em conformidade com o n.º 4 do art, 59º da Lei Gerai Tributária e artigos 28º e 48º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, a remessa a este Serviço, por escrito, à consideração do técnico acima mencionado ou, em alternativa, por via electrónica para ...,martins@at.gov.pt, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, dos elementos ou esclarecimentos a seguir indicados, fazendo menção dos dados constantes na N/ Referência:

1. Cópia dos comprovativos dos recebimentos relativos à alienação das ações das sociedades ““SOCIEDADE 1””, NIPC … e “SOCIEDADE 2” - NIPC …

Alerta-se para o facto de que a falta de envio das Informações solicitadas, dentro do prazo fixado, ser considerada contra-ordenação fiscal punível com coima, nos termos do art.º 117º do Regime Geral das Infracções Tributárias;

c)      Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, os Requerentes enviaram a carta cuja cópia consta do documento n.º 26 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Exmos. Srs.,

Em cumprimento do solicitado por Vexas, no Ofício em referência, vêm A, NIF … e mulher, B, NIF …, residentes no …, informar o seguinte:

1) Nos termos do número dois da cláusula primeira do contrato de compra e venda de acções celebrado em 29 de Dezembro de 2009 com a “SOCIEDADE 3 SGPS”, NIPC ..., cujas cópias ora se juntam, o pagamento do preço acordado e estipulado, é pago aos aqui declarantes na medida das disponibilidades de tesouraria daquela sociedade, sem oneração de juros.

2) Os pagamentos têm, assim, sido efectuados espontânea e periodicamente para a conta bancária dos aqui declarantes com o NIB 0032 0179 00204256952 46, tendo até ao momento recebido a quantia de 646.000,00€, não tendo os contribuintes qualquer documento comprovativo dos mesmos.

Sem outro assunto de momento, ficando ao vosso dispor para o que julgarem por bem solicitar.

 

d)     Em 06-02-2013, no âmbito do referido processo de inspecção, foi enviado pela Autoridade Tributária e Aduaneira à sociedade ... – SGPS, SA o ofício n.º ..., cuja cópia constitui o documento n.º 27 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Solicita-se, em conformidade com o n.º 4 do art. 53º da Lei Geral Tributária e artigos 28º a 48º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, a remessa a este Serviço, por escrito, à consideração do técnico acima mencionado ou, em alternativa, por via electrónica para ....martins@at.gov.pt, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, dos elementos ou esclarecimentos a seguir indicados, fazendo menção dos dados constantes na N/ Referência:

1. Cópia dos comprovativos de pagamentos relativos à aquisição das ações das sociedades “SOCIEDADE 1” - ... S.A., NIPC ... e “SOCIEDADE 2” -... S.A, NIPC ... .

2. Registos contabilísticos relativos à aquisição atrás mencionada bem como cópia dos documentos de suporte dos mesmos registos.

Alerta-se para o facto de que a falia de envio das informações solicitadas, dentro do prazo fixado, ser considerada contra-ordenação fiscal punível com coima, nos termos do artº 117º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

 

e)      Por carta de 13-02-2013, a sociedade “SOCIEDADE 3 SGPS” Investimentos – SGPS, SA respondeu ao ofício referido na alínea anterior, nos termos que constam do documento n.º 28 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Exmos. Srs.,

Em cumprimento do solicitado por Vexas, no Ofício em referência, vem a “Sociedade 3 SGPS”, sociedade com o número único de matrícula e de pessoa colectiva NIPC ..., com sede na Rua de ... nº ... Cascais, informar o seguinte;

1) Nos termos do número dois da cláusula primeira do contrato de compra e venda de acções celebrado em 29 de Dezembro de 2009, cujas cópias ora se juntam, o pagamento do preço acordado e estipulado, é pago aos vendedores na medida das disponibilidades de tesouraria desta sociedade, sem operação de juros.

2) Os pagamentos têm, assim, sido efectuados espontânea e periodicamente para a conta bancária dos vendedores conforme cópia dos documentos de suporte contabilístico que se juntam bem como dos respectivos registos, tal como solicitado.

Sem outro assunto de momento, ficando ao vosso dispor para o que julgarem por bem solicitar.

 

f)       Em face da análise dos elementos existentes nos Serviços, procedeu a Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., à determinação do valor das acções alienadas, nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto de Selo, concluindo que não havia correcções a efectuar em sede de IRS na esfera dos sujeitos passivos A e B, pelo que foi determinado, por despacho datado de 29-05-2013, o encerramento da acção inspectiva;

g)      Pelo ofício n.º 9383, datado de 30-05-2013, com referência à Ordem de Serviço OI..., os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro notificaram os ora Requerentes, nos termos que constam do documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais, que os Requerentes ficam notificados, «nos termos do artigo 62.º do RCPIT, que da ação de inspeção levada a cabo por este Serviço, ao abrigo da Ordem de Serviço acima referida, não resultam quaisquer atos tributários ou em matéria tributária que lhe sejam desfavoráveis»

h)      Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI..., de 26-08-2013, efectuou a Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro uma acção de inspecção interna, de âmbito parcial ao IRS do ano de 2009, iniciada a 27-08-2013 e concluída em 18-09-2013, no âmbito da qual foram analisados factos e actos jurídicos realizados pelos sujeitos passivos no ano de 2009, essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso de formas jurídicas à eliminação de IRS que seria devido em resultado de factos ou actos de idêntico fim económico, tendo concluído pela existência de fundamentos para a aplicação da disposição antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT;

i)        Consequentemente, foi desencadeado o procedimento previsto no art. 63º do CPPT, procedendo a Inspecção Tributária ao envio do projecto ao Senhor Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para que fosse autorizada a aplicação da cláusula geral antiabuso às operações analisadas e descritas nos projectos de relatório;

j)        No Relatório da Inspecção Tributária enviado ao Senhor Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais, o seguinte:

 

III.1. Descrição dos factos relevantes

Os sujeitos passivos alienaram, em 22-12-2009, as participações sociais detidas nas sociedades “Sociedade 2” – ..., SA, NIF: … (“Sociedade 2”) e “Sociedade 1” – ..., SA, NIF: … (“Sociedade 1”), a favor da “Sociedade 3 SGPS”, NIF: … (“SOCIEDADE 3 SGPS”, ou SGPS). O objecto social exclusivo das sociedades “Sociedade 2” e “Sociedade 1” é a exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia internacional" X" sob o regime de franchising, localizados na …, respectivamente.

A operação destes restaurantes foi obtida por cedência da posição contratual do franquiado: o sujeito passivo A, mediante autorização da Sistemas X Restaurantes (X Portugal), às sociedades “Sociedade 2” e “Sociedade 1”; sujeita a determinadas condições, nomeadamente a do sujeito passivo A deter 99% do capital social destas sociedades, a de ser o seu único gerente/administrador, a de permanecer pessoal e solidariamente responsável perante a X Portugal e terceiros pelo integral, incondicional e fiel cumprimento de todas as obrigações e convenções previstos no contrato de franquia.

As obrigações anteriores decorrem da qualidade "intuitu personae" do contrato de franquia celebrado assente na responsabilização pessoal dos contratantes.

Nos pontos seguintes apresentam-se os principais actos jurídicos realizados nas três sociedades, no ano de 2009:

 

III.1.1. “Sociedade 2” – ..., S.A.

A “Sociedade 2” foi constituída como sociedade por quotas em 14-09-1999, com um capital social de € 125.000,00 repartido pelos dois sócios, casados no regime de comunhão de adquiridos:

- Sujeito passivo A, com uma quota de € 123.750,00;

- Sujeito passivo B, com uma quota de € 1.250,00.

Em 16-12-2009, após divisão da quota de € 1.250.00, foram transmitidos para:

- C, NIF: … uma quota de € 100,00;

- “SOCIEDADE 3 SGPS” Investimentos – SGPS S A, NIF: … uma quota de € 100,00;

- D, NIF: …, uma quota de € 100,00.

Esta sociedade, em 16-12-2009, é transformada em sociedade anónima ficando o capital social na posse dos sócios:

- Sujeito passivo A, 123.750 acções nominativas no valor global de 6 123.750,00;

- Sujeito passivo B, 950 acções nominativas no valor global de € 950,00;

- C, 100 acções nominativas no valor global de € 100,00;

- “SOCIEDADE 3 SGPS”, 100 acções nominativas no valor global de € 100,00:

- D, 100 acções nominativas no valor global de € 100,00.

Em 22-12-2009, os sujeitos passivos vendem as suas acções nominativas à “SOCIEDADE 3 SGPS”;

- Sujeito passivo A, 123.750 acções nominativas pelo valor global de e 1.189.330,00;

- Sujeito passivo B, 950 acções nominativas pelo valor global de € 8.730,00.

 

III.1.2. “Sociedade 1”-..., S.A..

A “Sociedade 1” foi constituída como sociedade por quotas em 16-06-2006, com um capital social de € 100.000,00 repartido pelos dois sócios, casados no regime de comunhão de adquiridos:

- Sujeito passivo A, com uma quota de € 99.000,00;

 -Sujeito passivo B, com uma quota de € 1.000,00.

Em 16-12-2009, após divisão da quota de € 1.000.00, foram transmitidos para:

- C, NIF: … uma quota de € 100,00;

- “SOCIEDADE 3 SGPS” – SGPS S A, NIF: ... uma quota de € 100,00;

- D, NIF: ..., uma quota de € 100,00.

Esta sociedade, em 16-12-2009, é transformada em sociedade anónima ficando o capital social na posse de

- Sujeito passivo A, 99.000 acções nominativas no valor global de € 99.000,00;

- Sujeito passivo B, 700 acções nominativas no valor global de € 700,00.

- C, 100 acções nominativas no valor global de € 100,00;

- “SOCIEDADE 3 SGPS”, 100 acções nominativas no valor global de € 100,00;

- D, 100 acções nominativas no valor global de € 100,00.

Em 22-12-2009 os sujeitos passivos vendem as suas acções nominativas à “SOCIEDADE 3 SGPS”:

- Sujeito passivo A, 99.000 acções nominativas pelo valor global de € 693.700,00;

- Sujeito passivo B, 700 acções nominativas pelo valor global de € 4.900,00.

 

III.1.3. “Sociedade 3 SGPS”

A “SOCIEDADE 3 SGPS” foi constituída como sociedade anónima em 02-12-2009, com um capital social de € 125.000,00 (representativo de 125.000 acções nominativas) subscrito por cinco accionistas:

- Sujeito passivo A;

- Sujeito passivo B;

- C;

- D;

- E.

 

O sócio majoritário, o sujeito passivo A, detém 124.996 acções nominativas, no valor de € 124.996,00; os restantes sócios subscreveram e realizaram € 1,00, cada (valor representativo de uma acção nominativa). No contrato social, os sócios minoritários acordam constituir um usufruto a favor do sócio maioritário das suas acções.

O seu objecto social exclusivo é a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, especificamente das sociedades “Sociedade 2” e “Sociedade 1”.

No documento elaborado pelo sujeito passivo A, em Julho de 2009, a fim de obter o consentimento da X Portugal para transformação das duas sociedades por quotas em sociedades anónimas e a constituição de uma SGPS que detenha 100% do capital social destas duas sociedades, é assumido que o sujeito passivo deterá 99,996% do capital social da SGPS.

No mesmo documento é assumido pelo sujeito passivo a celebração de um acordo parassocial com uma cláusula de promessa de compra e venda dos sócios minoritários a seu favor.

 

III.2. Fundamentação para aplicação da disposição antiabuso

III.2.1. A disposição antiabuso

A Lei Geral Tributária no seu n.º 2 do art.º 38.º (transcrita abaixo) prescreve a ineficácia no âmbito tributário de negócios e/ou actos jurídicos praticados com evidente abuso de formas jurídicas que conduzam á eliminação total ou parcial, ou ao diferimento temporal de impostos que de outro modo seriam devidos.

2 – São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.

 

III.2.2 Aplicação da disposição antiabuso

III.2.2.1. Acto jurídico realizado e acto de idêntico fim económico – alínea a) n.º 3 do art.º 63.º do CPPT

Os sujeitos passivos, em 22-12-2009, alienam as participações sociais que possuíam nas sociedades “Sociedade 2” e “Sociedade 1” pelos valores de realização já indicados em II.3.1, III.1.1, e III.1.2.

Esta alienação onerosa foi declarada pelos sujeitos passivos no anexo G1 da declaração de rendimentos como mais-valia não tributada (ver II.3.1).

O anexo G1 destina-se a declarar as mais-valias não tributadas, nomeadamente aquelas que são excluídas de tributação em IRS, pelo n.º 2 do art.º 10.º do CIRS, obtidas nas alienações de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.

Os sujeitos passivos ao procederem, em 16-12-2009 – 6 dias antes da alienação —, à transformação das sociedades por quotas: “Sociedade 2” e “Sociedade 1”, em sociedades anónimas pretenderam ver-lhes reconhecido o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRS que define a data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedades por quotas em sociedade anónima a data de aquisição das quotas que lhe deram origem.

Caso não tivessem optado pela transformação do tipo societário e procedido simplesmente à alienação onerosa das quotas das sociedades “Sociedade 2” e “Sociedade 1”, as mais-valias obtidas seriam tributadas à taxa especial de 10% prevista no nº4 do art.º 72.º do CIRS.

 

III.2.2.2. Demonstração de que a celebração do acto jurídico foi essencial na eliminação de imposto devido – alínea b) n.º 3 do art.º 63º do CPPT.

No documento elaborado pelo sujeito passivo A, em Julho de 2009, a fim de obter o consentimento da X Portugal para a constituição de uma SGPS que detenha 100% do capital social da “Sociedade 2” e da “Sociedade 1” justificam a transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas pela:

– As sinergias financeiras dentro do grupo (SGPS);

– A obrigação da adopção de padrões contabilísticos e de revisão de contas, a que estão obrigadas as sociedades anónimas, que oferecem maior credibilidade e segurança a terceiros.

O diploma que regula as SGPS – Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro – não distingue as sociedades por quotas das sociedades anónimas quer no que respeita ao tipo de sociedade que as próprias SGPS podem adoptar, quer no que respeita às participações sociais que estas podem vir a adquirir ou a deter.

Pelo que as justificações apresentadas a fim de garantir a racionalização de recursos económicos e humanos e as sinergias financeiras, não havendo qualquer impedimento legal para a SGPS deter o capital social das duas sociedades por quotas, não são em si mesmas suficientes já que os mesmos fins seriam alcançáveis com a manutenção das sociedades por quotas.

No que respeita à justificação para a adopção de padrões contabilísticos e de revisão de contas mais exigentes, inerentes às obrigações legais das sociedades anónimas não é plausível, porque como administrador único destas sociedades os poderia mandar implementar, ainda que opcionalmente, nas sociedades por quotas.

Na apreciação dos factos convém ter presente que o sujeito passivo A, no âmbito dos contratos de franquia, com a qualidade "intuitu personae", celebrados com a X Portugal é por imposição

- O administrador único da SGPS, da “Sociedade 2” e da “Sociedade 1”;

- O sócio maioritário (99% no mínimo) na SGPS que por sua vez detém 100% do capital social da “Sociedade 2” e da “Sociedade 1”;

- Para todos os efeitos responsável solidário perante a X Portugal e terceiros, ainda que tenha cedido a posição contratual de franquiado à “Sociedade 2” e “Sociedade 1”.

Os condicionalismos anteriores decorrentes dos contratos de franquia celebrados entre o sujeito passivo A e a X Portugal impedem que as duas sociedades transformadas em sociedades anónimas, bem como a própria SGPS, possam usufruir em pleno das vantagens inerentes a este tipo societário, face às sociedades por quotas, como sejam a captação e a dispersão do capital.

Pelo que a justificação racional para a realização da transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas (acto jurídico realizado) terá que ser procurada na obtenção de vantagens fiscais, os sujeitos passivos ao realizarem este acto jurídico, com o pedido prévio de consentimento à X Portugal, procuram beneficiar da exclusão para acções detidas há mais de 12 meses, na leitura conjugada do n.º 2 do art.º 10 e da alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º, ambos do CIRS.

Ou seja, os sujeitos passivos com o acto de transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas procuram de forma premeditada e artificiosa – através de uma sequência de actos conducentes à transformação das sociedades “Sociedade 2” e “Sociedade 1” por quotas em sociedades anónimas antes da alienação -, e com abuso de formas jurídicas – a opção pela figura das sociedades anónimas em detrimento da manutenção das sociedades por quotas revela-se dispensável ao negócio e à própria forma jurídica das sociedades face aos condicionalismos dos contratos de franquia -, excluir as mais valias da tributação em IRS.

Exclusão que não aconteceria se, de forma mais simples (sem a transformação do tipo societário), alienassem as sociedades por quotas – um acto de idêntico fim económico – sujeitando-as a tributação em sede de IRS.

 

III.4. Proposta de correcção

Em face do exposto nos capítulos anteriores consideram-se ineficazes na esfera dos sujeitos passivos para efeitos de tributação em sede de IRS, a transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas propondo-se que a tributação incida sobre o acto de fim idêntico, ou seja a venda das participações sociais, sujeitas a tributação, enquanto quotas.

A sujeição a IRS do acto de idêntico fim económico resulta uma mais valia total de € 1.671.660,00, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS, com IRS devido no montante de € 167.165,00, pela aplicação da taxa especial de 10%, nos termos do n.º 4 do art.º 72.º do CIRS, conforme se demonstra nos quadros seguintes.

Nestes quadros apuram-se o valor da mais valia e do respectivo imposto por sujeito passivo e sociedade alienada.

 

 

 

 

k)      A transformação da “Sociedade 2” em sociedade anónima, foi precedida do «Relatório Justificativo da Transformação da Sociedade “Sociedade 2” em Sociedade Anónima» cuja cópia constitui o documento n-10 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais, o seguinte:

 

3. Motivos e objectivos da transformação

Impõe-se que a estrutura jurídico-societária se encontre adequada a fazer face às necessidades reais da empresa. O tipo societário por "quotas" encontra-se especialmente vocacionado para a organização de empresas de baixo volume de investimento, revelando pouca flexibilidade no que diz respeito às tomadas de decisão e à capacidade de resposta da sociedade a novas situações. Considero adequar-se melhor à realidade esperada para a Sociedade, a existência de uma estrutura societária do tipo sociedade anónima, em que o capital se encontra dividido em acções representadas por títulos, dando-lhe uma independência que lhe permita seguir as suas opções estratégicas de uma forma flexível, tanto em termos de capitais como em termos de objecto social.

A transformação tem ainda como objectivos o aumento do valor e eficiência da sociedade, através de uma estrutura societária habilitada a fazer face aos desafios de mercado.

 

l)        A transformação da “Sociedade 1” – ..., Lda. em sociedade anónima, foi precedida do "Relatório Justificativo da Transformação da Sociedade “Sociedade 1” em Sociedade Anónima" cuja cópia constitui o documento n.º 11 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido, de que consta, além do mais o seguinte:

 

3. Motivos e objectivos da transformação

Impõe-se que a estrutura jurídico-societária se encontre adequada a fazer face às necessidades reais da empresa. O tipo societário por "quotas" encontra-se especialmente vocacionado para a organização de empresas de baixo volume de investimento, revelando pouca flexibilidade no que diz respeito às tomadas de decisão e à capacidade de resposta da sociedade a novas situações. Considero adequar-se melhor à realidade esperada para a Sociedade, a existência de uma estrutura societária do tipo sociedade anónima, em que o capital se encontra dividido em acções representadas por títulos, dando-lhe uma independência que lhe permita seguir as suas opções estratégicas de uma forma flexível, tanto em termos de capitais como em termos de objecto social.

A transformação tem ainda como objectivos o aumento do valor e eficiência da sociedade, através de uma estrutura societária habilitada a fazer face aos desafios de mercado.

 

m)     Na sequência da apresentação do projecto de Relatório da Inspecção Tributária, os Requerentes exerceram o direito de audição, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, tendo a sua posição sido apreciada no Relatório da Inspecção Tributária, dizendo, além do mais, o seguinte:

No que respeita à alegação de que a aplicação da cláusula geral antiabuso não foi fundamentada de facto e de direito reiteramos que a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima apenas visou a obtenção de poupança fiscal. No âmbito dos contratos de franquia, com a qualidade "intuitu personae", celebrados entre o sujeito passivo e a X Portugal é por imposição destes:

- O administrador único da “SOCIEDADE 3 SGPS” SGPS, da “Sociedade 2” e da “Sociedade 1”;

- O sócio maioritário (99% no mínimo) na SGPS que por sua vez detém 100% do capital social da “Sociedade 2” e da “Sociedade 1”;

- Para todos os efeitos responsável solidário perante a X Portugal e terceiros, ainda que tenha cedido a posição contratual de franquiado à “Sociedade 2” e “Sociedade 1”.

Estes condicionalismos decorrentes dos contratos de franquia celebrados entre o sujeito passivo A e a X Portugal impedem que as duas sociedades transformadas em sociedades anónimas, bem como a própria SGPS, possam usufruir em pleno das vantagens inerentes a este tipo societário como sejam a captação e a dispersão do capital. Pelo que a vantagem de uma “posição negocial reforçada” perante fornecedores e em especial perante o franquiador não tem cabimento face às responsabilidades assumidas pelo sujeito passivo A nos contratos com a X Portugal.

Pelo que a justificação racional para a realização da transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas (acto jurídico realizado) encontra-se na obtenção de vantagens fiscais, os sujeitos passivos ao realizarem este acto jurídico, com o pedido prévio de consentimento à X Portugal, procuram beneficiar da exclusão de tributação de mais-valias para acções detidas há mais de 12 meses, prevista pela conjugação do n.º 2 do art.º 10 e na alínea b) do n.º do art.º 43.º, ambos do CIRS. A exposição apresentada pelos sujeitos passivos, num total 61 páginas, omitem por completo a qualidade "intutui personae" dos contratos celebrados entre o sujeito passivo A e a X Portugal realçando um conjunto de vantagens económicas que não têm em conta os condicionalismos dos contratos já referidos.

(...)

Em face do exposto mantêm-se as correcções propostas, propondo-se o envio do projecto ao Sr.º Director Geral desta Autoridade Tributária para que colha autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no n.º 2 do art.º 38º da LGT.

 

n)      Por despacho de 22-11-2013, o Senhor Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira autorizou a aplicação da cláusula geral antiabuso, manifestando concordância com o Relatório da Inspecção Tributária (fls. 10 do documento «PA1.pdf»;

o)      Na sequência das referidas correcções ao rendimento dos Requerentes formam praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira os seguintes actos:

– liquidação adicional de IRS n.º 2013 ..., de 12-12-2013, relativa ao ano de 2009, no valor de € 174.828,53 (cento e setenta e quatro mil, oitocentos e vinte e oito euros, cinquenta e três cêntimos);

– liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 13-12-2013, respeitante ao período compreendido entre 31-05-2010 e ..., no valor de € 23.009,36 (vinte e três mil, nove euros, trinta e seis cêntimos);

– acerto de contas datado de 13-12-2013, referente ao ano de 2009, no montante global de € 197.837,89 (cento e noventa e sete mil, oitocentos e trinta e sete euros, oitenta e nove cêntimos);

p)      Em 18-12-2013, os Requerentes efectuaram o pagamento da quantia de € 167.166,00 (cento e sessenta e sete mil, cento e sessenta e seis euros), correspondente ao capital da dívida de imposto liquidado, em conformidade com a cópia do Documento de Cobrança (e comprovativo do pagamento) junto com a petição inicial com o documento n.º 6, cujo teor se dá como reproduzido;

q)      OS Requerentes pagaram a quantia liquidada com dispensa do pagamento de juros compensatórios, no montante global de € 23.009,36 (vinte e três mil, nove euros, trinta e seis cêntimos), por erem feito o pagamento ao abrigo do regime excepcional de regularização de dívidas de natureza fiscal e à segurança social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro (artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro, e Documentos n.ºs 1, 2, 3 e 6, juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como reproduzidos);

r)       Em 15-03-2014, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

            Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

           

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos que constam do processo administrativo e juntos com a petição inicial.

 

3. Matéria de direito

 

            Em primeira linha, os Requerentes imputam aos actos impugnados violação do disposto no artigo 63.º, n.º 4, da LGT, que entendem fixar um limite formal à actividade inspectiva — uma segunda inspecção externa — mas igualmente um limite substantivo à mesma — a reapreciação dos factos constantes da análise de inspecção externa.

Subsidiariamente, os Requerentes defendem que não se encontram reunidos os pressupostos, de facto e de direito, de que depende a aplicação da CGAA, violando a Autoridade Tributária e Aduaneira, por errada interpretação e aplicação, o artigo 38.º, n.º 2, da LGT, e os artigos 10º, nºs 1, alínea b), e 2, alínea a), e 43.º, nº 4, alínea b), do CIRS.

A possibilidade de arguição de vícios do acto impugnado segundo uma relação de subsidiariedade está expressamente prevista nos artigos 101.º e 124.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

De harmonia com o disposto no artigo 554.º, n.º 1, do CPC, o pedido subsidiário só será tomado em consideração no caso de não proceder o pedido prioritário.

 

3.1. Questão da violação do princípio da legalidade e dos artigos 36.º, n.ºs 2, e 3 4, do RCPIT e 63.º, n.º 4, da LGT

 

3.1.1. Síntese da questão 

 

Como resulta da matéria de facto fixada, foi realizada uma inspecção tributária, no seguimento da Ordem de Serviço n.º OI..., tendo em vista controlo dos elementos declarados pelos Requerentes na declaração Modelo 3 de IRS, respeitante ao exercício de 2009, nomeadamente em relação às mais-valias obtidas com a alienação de acções representativas do capital das sociedades “SOCIEDADE 1”, pelo montante de € 698.600,00, e “SOCIEDADE 2”, pelo montante de € 1.198.600,00 ao adquirente o adquirente “SOCIEDADE 3 SGPS”.

No âmbito dessa acção de inspecção, foram pedidos esclarecimentos e documentos aos Requerentes. Estes prestaram os esclarecimentos e disseram que não tinham documentos, por os pagamentos terem sido efectuados directamente para uma sua conta bancária.

Ainda na mesma acção de inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira pediu à sociedade “SOCIEDADE 3 SGPS” Investimentos – SGPS, SA cópias dos comprovativos de pagamento relativos à aquisição das acções das sociedades “SOCIEDADE 1” e “SOCIEDADE 2”, e dos registos contabilísticos relativos à aquisição referida bem como cópia dos documentos de suporte dos mesmos registos.

A inspecção referida Ordem de Serviço n.º OI... foi declarada encerrada por despacho de 29-05-2013, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter entendido que não havia correcções a efectuar em sede de IRS na esfera dos sujeitos passivos A e B, despacho esse que foi notificado aos Requerentes.

Posteriormente, a Autoridade Tributária e Aduaneira realizou uma nova inspecção tributária, na sequência da Ordem de Serviço OI..., de 26-08-2013, em que veio a entender que é de aplicar a cláusula geral antiabuso à referida alienação das acções.

Os Requerentes entendem, em suma, que o acto de reanálise dos efeitos fiscais das transmissões de participações sociais referidas na matéria de facto fixada, efectuado no âmbito da segunda inspecção, ofende o princípio da legalidade, violando o artigo 36.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária ("RCPIT"), e do artigo 63.º, n.º 4, da LGT, entendidos não só com o seu alcance procedimental, mas também do direito dos Requerentes à segurança da situação jurídica definida na sequência do primeiro relatório de inspecção.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em suma, que a primeira inspecção tem natureza de inspecção interna e que não há obstáculo a que, na sequência de uma inspecção interna, se efectue nova inspecção também de natureza interna.

 

3.1.2. Conceitos de procedimento de inspecção interno e externo

 

O artigo 63.º, n.º 4, da LGT, na redacção da Lei n.º 37/2010, de 2 de Setembro, estabelece o seguinte:

 

4 – O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.

 

A razão de ser da limitação à prática de procedimentos externos que se estabelece neste n.º 4 do artigo 63.º da LGT está conexionada, por um lado, com os incómodos que da realização de uma inspecção externa resultam para os que pelos seus actos são afectados, como se infere da referência inicial aos «deveres de cooperação» com que a limitação está conexionada. E, por outro lado, como se conclui da não extensão da proibição de nova inspecção aos casos em que ela se baseia em «factos novos», a proibição tem subjacente, para além da comodidade dos sujeitos passivos dos tributos, a concomitante ponderação dos deveres de diligência que são exigíveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, admitindo-se que o sujeito passivo seja obrigado a suportar os incómodos de uma nova inspecção, nos caso em que, ao realizar a primeira, a Administração Tributária não tem possibilidade de tomar conhecimento de factos cujo conhecimento lhe advém posteriormente.

Isto é, admite-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira provoque incómodos aos sujeitos passivos apenas na medida do que é tolerável em termos de proporcionalidade (princípio a que alude o n.º 4 do artigo 63.º e cuja observância é globalmente imposta pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), não admitindo nova inspecção nos casos em que a Administração Tributária na primeira inspecção teve acesso a todos os factos relevantes para definir a sua posição sobre a situação tributária daqueles, o que tem justificação evidente, pois se a Administração Tributária não for suficientemente diligente no cumprimento dos seus deveres, não deve ser o inspeccionado a suportar os inconvenientes dessa falta de diligência.

É com esta perspectiva teleológica que têm de ser delimitados os conceitos de procedimento interno e externo que são fornecidos pelo artigo 13.º do RCPIT.

O critério de distinção entre procedimentos de inspecção internos e externos extrai-se do art. 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, em que se esclarece que o procedimento é interno «quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos» e é externo «quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso».

O critério de distinção entre procedimentos de inspecção internos e externos assenta, assim, na existência ou não de actos praticados fora dos serviços da Administração Tributária para obtenção dos elementos relevantes: se os actos se praticaram exclusivamente nesses serviços, está-se perante um procedimento interno; se algum ou alguns actos necessários para apurar os factos tributários foram praticados fora desses serviços, «total ou parcialmente», está-se perante um procedimento externo.

No entanto, as definições de procedimento de inspecção interno e procedimento externo fornecidas por este artigo 13.º, não permitem, no seu teor literal, qualificar todos os tipos de procedimentos possíveis, pois não são abrangidos os procedimentos em que os actos praticados não se reduzem a «análise formal e de coerência dos documentos», nem são realizados total ou parcialmente em instalações ou dependências ou locais exteriores aos serviços da Administração Tributária.

Porém, numa perspectiva teleológica, que tenha em mente a razão da limitação que consta do artigo 63.º, n.º 4, terá de concluir-se, em sintonia com definição de «procedimento interno», que todas as inspecções que não se limitam a «análise formal e de coerência dos documentos», realizada sem imposição de qualquer dever ao contribuinte, serão de qualificar como externas, para efeitos do artigo 63.º, n.º 4.

A esta luz, o primeiro procedimento de inspecção referido na matéria de facto fixada, realizado com base na Ordem de Serviço OI..., tem de ser qualificado como externo, pois ele não se limitou a «análise formal e de coerência dos documentos», tendo sido praticados actos externos de recolha de informações, junto dos sujeitos passivos e de um terceiro.

À face do referido critério de distinção entre procedimento de inspecção interno e externo, o segundo procedimento terá natureza de interno, pois não houve prática de qualquer acto exterior aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, havendo apenas reanálise dos elementos recolhidos durante o procedimento de inspecção externo.

 

3.1.3. O procedimento de inspecção efectuado na sequência da Ordem de Serviço OI...

 

O n.º 4 do artigo 63.º da LGT, no seu teor literal, não proíbe que se realize um procedimento de inspecção interno, depois de findo um procedimento de inspecção externo.

No entanto, os Requerentes defendem que a abertura de um novo procedimento, com base nos elementos de prova recolhidos no procedimento de inspecção externo, consubstancia uma reabertura do procedimento de inspecção relativo ao ano de 2009, não sendo permitida pelos artigos 36.º e 53.º do RCPIT, que estabelecem as regras da continuidade e limitação da duração do procedimento de inspecção.

O artigo 36.º, n.º 2, do RCPIT estabelece que «o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início». A regra é reafirmada no art. 53.º do mesmo diploma, em que se estabelece que «a prática dos actos de inspecção é contínua, só podendo suspender-se em caso de prioridades excepcionais e inadiáveis da administração tributária reconhecidas em despacho fundamentado do dirigente do serviço», mas sem prejuízo dos prazos legais de conclusão do procedimento previstos naquele diploma (n.ºs 2 e 3 deste artigo 53.º.).

Aquele prazo do procedimento de inspecção «poderá ser ampliado» por mais dois períodos de três meses, nas circunstâncias descritas no n.º 3 daquele artigo 36.º.

Mas, como o próprio termo indica, a ampliação não prejudica a regra da continuidade, tendo aquela de ser decidida antes de o procedimento terminar. A ampliação tem de ser uma «prorrogação» e não uma reabertura ou renovação de um procedimento já terminado. Aliás, o n.º 4 do mesmo artigo, em que se estabelece que «a prorrogação da acção de inspecção é notificada à entidade inspeccionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento», confirma que é este o sentido daquela possibilidade de ampliação.

A análise dos elementos recolhidos durante a acção de inspecção externa integra-se no âmbito do procedimento de inspecção, pois ele tem de culminar com um relatório em que têm de ser identificados e sistematizados os factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária, inclusivamente a «descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas» [artigo 62.º, n.º s 2 e 3 alínea i), do RCPIT, relativo à «conclusão do procedimento de inspecção»].

Esse relatório é o momento procedimental adequado para apreciar todos os elementos probatórios apurados, inclusivamente os fornecidos pelo sujeito passivo no exercício de direito de audição que procedimentalmente o precede.

Assim, a referida actuação da Administração Tributária implica violação do preceituado no artigo 36.º, n.ºs 2, 3 e 4, do RCPIT, que estabelecem a regra da continuidade da inspecção e estabelecem rigorosamente prazos para conclusão do procedimento e sua prorrogação e estabelecem taxativamente as circunstâncias em que esta pode ocorrer.

Com efeito, estas normas não podem deixar de considerar-se como tendo natureza imperativa, pois só assim assumem alguma utilidade.

Na verdade, a admissibilidade da realização de um novo procedimento interno, depois de concluído o procedimento externo, reconduzir-se-ia a que, ao arrepio de tal natureza imperativa daquelas normas, a observância de tais prazos e condições de prorrogação fosse meramente facultativa, pois a Administração Tributária sempre estaria a tempo de, depois de estar concluído o procedimento e de tais prazos terem transcorrido, proceder à análise que deveria ter feito e não fez antes da conclusão do procedimento e nos prazos previstos na lei, realizando um novo procedimento cujo único objectivo é completar a análise dos factos recolhidos na inspecção que não foi adequada e tempestivamente levada a cabo no momento da elaboração do relatório.

Conclui-se, assim, que, embora o artigo 63.º, n.º 4, da LGT apenas aluda a proibição de um segundo procedimento externo, as referidas normas do RCPIT impõem que não possa haver uma nova inspecção nem reabertura da anterior nem elaboração de um novo relatório depois de concluído o procedimento.

Isto é, conjugando o artigo 63.º, n.º 4, da LGT com as normas do artigo 36.º, n.ºs 2 e 3, do RCPIT, em que se estabelece que «o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início» e apenas pode ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas circunstâncias aí taxativamente indicadas (sem prejuízo da suspensão nos caso previstos), conclui-se que os efeitos daquela proibição de, sem «factos novos», se realizar novo procedimento de inspecção externo respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, são amplificados, pois da globalidade deste regime legal resulta uma garantia para o contribuinte de que não pode ser alterada a definição jurídica da sua situação efectuada na sequência da conclusão do procedimento de inspecção externo, com base em factos que foram apurados pela Administração Tributária durante a inspecção.

Este regime é imposto também por razões de segurança jurídica, como se entendeu no acórdão de 29-06-2012, proferido no processo arbitral do n.º 14/2012-T do CAAD.

 

3.1.4. Aplicação destas regras ao caso em apreço

 

No caso em apreço, porém, não se verifica uma situação em que tenham sido valorados apenas os elementos recolhidos na primeira inspecção.

Na verdade, com se vê pelo processo administrativo, foram juntos ao processo novos documentos, designadamente relativos aos contratos de franquia e de cessão da posição contratual em contratos de franquia e às razões da transformação de sociedades que não se demonstrou que estivessem em poder da Autoridade Tributária e Aduaneira quando elaborou o relatório do procedimento aberto na sequência da Ordem de Serviço OI....

Por isso, baseando-se as correcções efectuadas na sequência do procedimento aberto com a Ordem de Serviço OI...o em factos que não eram do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira no momento em que foi elaborado o relatório da primeira inspecção, não se pode considerar demonstrada violação dos referidos artigos 63.º, n.º 4, da LGT e 36.º do RCPIT.

Improcede, assim, o primeiro vício invocado pelos Requerentes, pelo que se passará a apreciar o que é invocado subsidiariamente.

 

4. Questão da violação dos pressupostos da aplicação da cláusula geral antiabuso.

 

O artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária estabelece uma cláusula geral antiabuso, nos termos da qual «são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas»

No caso em apreço, a Administração Tributária decidiu a aplicação da cláusula geral antiabuso considerando que os negócios jurídicos de transformação das sociedades por quotas “SOCIEDADE 1” e “SOCIEDADE 2” em sociedades anónimas devem ser desconsideradas para efeitos de tributação em IRS, por os Requerentes terem visado com essa transformação beneficiar da não tributação das mais-valias que, ao tempo, era aplicável à transmissão de acções de sociedades comerciais, mas não à transmissão de quotas.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que os Requerentes:

– ao procederem, em 16-12-2009 – 6 dias antes da alienação das participações socais, à transformação das sociedades por quotas “Sociedade 2” e “Sociedade 1” em sociedades anónimas,

– pretenderam ver-lhes reconhecido o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRS que define como data de aquisição de acções resultante da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima a data de aquisição das quotas que lhe deram origem;

– caso não tivessem optado pela transformação do tipo societário e procedido simplesmente à alienação onerosa das quotas das sociedades “Sociedade 2” e “Sociedade 1”, as mais-valias obtidas seriam tributadas à taxa especial de 10% prevista no nº4 do art.º 72.º do CIRS;

– os condicionalismos decorrentes dos contratos de franquia celebrados entre o Requerente A e a X Portugal impedem que as duas sociedades transformadas em sociedades anónimas, bem como a própria SGPS, possam usufruir em pleno das vantagens inerentes a este tipo societário, face às sociedades por quotas, como sejam a captação e a dispersão do capital;

– pelo que a justificação racional para a realização da transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas (acto jurídico realizado) terá que ser procurada na obtenção das vantagens fiscais referidas;

– ou seja, os sujeitos passivos com o acto de transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas procuram de forma premeditada e artificiosa – através de uma sequência de actos conducentes à transformação das sociedades “Sociedade 2” e “Sociedade 1” por quotas em sociedades anónimas antes da alienação -, e com abuso de formas jurídicas – a opção pela figura das sociedades anónimas em detrimento da manutenção das sociedades por quotas revela-se dispensável ao negócio e à própria forma jurídica das sociedades face aos condicionalismos dos contratos de franquia -, excluir as mais-valias da tributação em IRS;

– exclusão que não aconteceria se, de forma mais simples (sem a transformação do tipo societário), alienassem as sociedades por quotas – um acto de idêntico fim económico – sujeitando-as a tributação em sede de IRS.

 

 

4.1. Planeamento fiscal legítimo e ilegítimo

 

Nas definições elaboradas por Saldanha Sanches ( [1] ): o planeamento fiscal legítimo «consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais»; enquanto o planeamento fiscal ilegítimo «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo».

Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo actua contra legem, extra legem e intra legem.

Quando este actua contra legem, a sua actuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe directamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal ( [2] ) passível, inclusive, de ser objecto de censura contra-ordenacional ou criminal.

A actuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar directamente. Este adopta «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal» ( [3] ). Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detectar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema» ( [4] ). Este tipo de actuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta Saldanha Sanches, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal» ( [5] ).

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a actuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a actuação não se enquadre na supra referida actuação extra legem ( [6] ).

Sub judice, sucintamente, os Requerentes contestam que configure planeamento fiscal abusivo a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, por entenderem que não há abuso de formas jurídicas e que o legislador optou deliberadamente por um tratamento de excepção e favor das mais-valias provenientes de alienação de participações sociais em sociedades anónimas, excluindo-as de tributação, e que o resultado fiscalmente menos oneroso é admitido, tolerado e estimulado pela lei e/ou pelo sistema fiscal em geral, pelo que os actos e negócios jurídicos realizados pelos Requerentes não poderão ser condenáveis e enquadráveis na CGAA, por inexistência de fraude às normas em causa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que aquele comportamento constitui um planeamento fiscal abusivo, na medida em que, através daquela transformação em sociedade anónima, que considera desnecessária e fiscalmente motivada, e subsequente venda de acções (em vez de quotas), os Requerentes evitam a tributação de mais-valias em sede de IRS.

Assim sendo, a questão colocada a este tribunal, na sequência do procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso — um dos mecanismos legais a que o legislador recorre para dar resposta aos comportamentos de planeamento fiscal abusivo —, reside em saber se a actuação do sujeito passivo se situa intra ou extra legem, ou seja, se o planeamento fiscal que adoptou é legítimo ou ilegítimo, se é não abusivo ou abusivo.

 

4.2. Elementos da cláusula geral antiabuso

 

Sob a epígrafe «Ineficácia de actos e negócios jurídicos», dispõe o artigo 38.º, n.º 2 da LGT em relação à denominada cláusula geral antiabuso (CGAA) no direito tributário.

A letra plasmada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, passou a ser a seguinte:

«São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas».

 

Esta norma é complementada pelo extenso artigo 63.º do CPPT, que contém um conjunto disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições antiabuso.

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a desconstruir a letra da norma apontando cinco elementos nela patentes. Correspondendo um dos elementos à estatuição da norma, os restantes quatro afiguram-se requisitos cumulativos que permitem aferir – como se de um teste se tratasse – quanto à verificação de uma actividade caracterizável como um planeamento fiscal abusivo ( [7] ).

Estes elementos, em torno dos quais ambas as partes aliás constroem a sua argumentação, consistem:

– no elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida – acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal ( [8] );

– no elemento resultado, que tem a ver com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos actos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente ( [9] );

– no elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objectivamente, se o contribuinte «pretende um acto, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam» ( [10] );

– no elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela» ( [11] );

– e, por fim, no elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).

 

Apesar desta desconstrução, a análise dos elementos não pode ser estanque, pois, como realça Courinha, «a fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro», pelo que estes «não deixarão com frequência [...] de auxiliar-se mutuamente» ([12]).

 

4.3. Análise da situação

 

 

4.3.1. Elemento resultado

 

 

Comparando de uma forma isolada e objectiva os negócios jurídicos da transformação da sociedade em sociedade anónima e a subsequente venda das acções (actos ou negócios jurídicos realizados) e da eventual manutenção da sociedade como sociedade por quotas e a subsequente venda das quotas (actos ou negócios jurídicos equivalentes ou de idêntico fim económico), é inequívoco que a primeira situação beneficiava de um regime legal de tributação mais vantajoso do que a segunda, pois, enquanto a primeira não é objecto de tributação, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, a segunda é considerada uma mais-valia, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, rendimento tributado a uma taxa de 10%, nos termos do artigo 72.º, n.º 4, do CIRS, na redacção do Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de Novembro.

Verifica-se, por isso, este elemento resultado, pois os Requerentes obtiveram uma vantagem fiscal com a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima.

 

 

4.3.2. Elemento normativo

 

O legislador não é particularmente exigente no que toca à fundamentação deste aspecto atinente à reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, no entanto, a doutrina tem vindo a considerar que este é fundamental na distinção entre planeamento legítimo e ilegítimo.

Na pena de Saldanha Sanches, é «necess[ário] encontrar, no ordenamento jurídico-tributário e como condição sine qua non de aplicação da cláusula antiabuso, os sinais inequívocos de uma intenção de tributar [...], primeiro, porque a evitação fiscal abusiva não pode confundir-se com a permanente tentativa do contribuinte para reduzir a sua tributação ou para ponderar cuidadosamente – planeamento fiscal não abusivo – as consequências da lei fiscal na sua actividade empresarial ou pessoal [...], segundo, porque nesse esforço permanente para reduzir a carga fiscal podemos encontrar o aproveitamento pelo contribuinte do que podemos qualificar como omissões deliberadas – justas, ou não, é uma outra coisa – do legislador fiscal e, se isso aconteceu, não pode atribuir-se ao aplicador da lei a tarefa que cabe primariamente ao legislador» ( [13] ). Com efeito, sublinha, deve ser possível extrair-se uma «intenção inequívoca de tributação» ( [14] ), pelo que não basta haver uma lacuna ou uma disposição menos clara.

Este Autor dá, inclusive, como exemplo de «lacuna consciente de tributação» a situação que aqui é objecto de aplicação da cláusula geral antiabuso (a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima e a subsequente venda das acções), sublinhando que «se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais-valias das alienações das quotas, deixa por tributar as mais-valias das acções ou as tributava com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por acções mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusivamente fiscais» ( [15] ).

Efectivamente, «mesmo que a transformação [fosse] motivada por razões exclusivamente fiscais», é o legislador que opta, expressamente, por tributar a venda das quotas e por não tributar a venda das acções naquele contexto, conforme decorre dos artigos supra citados.

E fê-lo deliberada e insistentemente, pois trata-se de uma norma várias vezes revista e ponderada.

Na verdade, na redacção inicial do CIRS, previa-se já a tributação em IRS das mais-valias obtidas com a «alienação onerosa de partes sociais» [artigo 10.º, n.º 1, alínea b), na redacção do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro], mas excluíam-se as mais-valias provenientes da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 24 meses» [artigo 10.º, n.º 2, alínea c)], limite temporal este que tinha como objectivo evidente afastar a exclusão da tributação relativamente a mais-valias que, no conceito então vigente, eram consideradas especulativas.

Esta regulamentação era completada com a que constava do EBF, na redacção inicial, dada pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, em que se estabelecia o seguinte:

 

Artigo 35.º (EBF)

Transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas

Para efeitos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, da alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS e do artigo 34.º deste Estatuto, considera-se que a data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas é a data da aquisição das quotas que lhes deram origem.

 

Esta norma, que tinha em vista o regime transitório, era completada com uma norma idêntica de aplicação permanente, que constava do artigo 18.º, n.º 5, alínea a), do EBF.

Estas duas normas evidenciam a enorme dimensão da preocupação legislativa em incentivar a transformação de sociedades por quotas em anónimas, que vai ao ponto de afastar a tributação em sede de mais-valias mesmo em situações em que o sujeito passivo detém as novas acções resultantes da transformação por um período muito curto, inclusivamente em situações em que a venda das novas acções é feita imediatamente a seguir à transformação, pois é precisamente a situações de detenção das novas acções por curtíssimo prazo que se aplicam as normas referidas. Isto evidencia que, ponderando os valores conflituantes nesta situação, se entendeu legislativamente prescindir da tributação em sede de mais-valias, independentemente de a vantagem fiscal concedida esse fosse o único objectivo da transformação, pois se considera de superior interesse público o resultado económico alcançado, da posterior existência de uma sociedade por acções.

Com a Lei n.º 30-B/92, de 28 de Dezembro, esta alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º passou a excluir da tributação as «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», aumentando, assim, o âmbito da não tributação da alienação de acções, ou, doutra perspectiva, a restrição do conceito de mais-valias especulativas.

A Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, reafirmou a vigência deste regime, eliminando a alínea c) do n.º 2 do artigo 10.º, mas transpondo a sua redacção para a nova alínea b).

A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, eliminou a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções, mas limitou a exclusão às acções adquiridas após a sua entrada em vigor, mantendo expressamente o regime anterior para as acções adquiridas antes dessa data (artigo 4.º, n.º 5, do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000).

Este novo regime não chegou a ser aplicado, pois a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, estabeleceu, no n.º 9 do seu artigo 147.º, que nos anos de 2001 e 2002 seria aplicável regime anterior à Lei n.º 30-G/2000 e, depois, o Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, reintroduziu o regime de não tributação das mais-valias derivadas da alienação de «acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses», ao dar uma nova redacção à alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS.

Esta redacção manteve-se até à sua revogação pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

É, assim, manifesto, que houve uma opção legislativa deliberada, mantida com variações desde a redacção inicial do CIRS, no sentido da não tributação de algumas das mais-valias provenientes da alienação de acções, opção essa, como a da fixação de uma taxa liberatória reduzida, é justificada pela existência de uma «política de desenvolvimento do mercado financeiro», expressamente reconhecida no 5.º parágrafo do ponto 12 do Relatório do CIRS.

A «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 1/IX, que veio a dar origem à Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, que concedeu ao Governo a autorização legislativa necessária para aprovar o Decreto-Lei n.º 228/2002 é elucidativa no sentido de se ter reconhecido que a não tributação das mais-valias não especulativas provenientes da alienação de acções era preferível à sua tributação dizendo-se:

 

Com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, que tornou indispensável a revisão do Código de IRS operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, foi alargado o âmbito de incidência a todas as mais-valias de valores mobiliários e eliminou-se a taxa liberatória de 10%.

Na sequência desta alteração as mais-valias de valores mobiliários são simultaneamente englobadas e sujeitas às taxas gerais progressivas, que se situam entre 12% e 40%.

Acresce que, de acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 30-G/2000, o referido regime de tributação das mais-valias só é aplicável aos valores mobiliários adquiridos após 1 de Janeiro de 2001, mantendo-se o anterior regime de tributação para as mais-valias quanto aos adquiridos antes dessa data.

Aquele regime tributário foi contudo alterado, transitoriamente, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2002), a qual veio estabelecer uma isenção da tributação das mais-valias relativamente a rendimentos inferiores a 2500 Euros, fazendo-se, no entanto, o englobamento, apenas, para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos.

Considerando que o impacto desta reforma fiscal no mercado de capitais foi altamente prejudicial para os investidores, configurando-se como um desincentivo ao investimento, com todas as inerentes consequências negativas para o desenvolvimento de uma política de recuperação económica, urge revogar o regime de tributação das mais-valias aprovado pela Lei n.º 30-G/2000 e, posteriormente, acolhido pelo Decreto-Lei n.º 198/2001 e, em consequência, retomar o regime de aplicação da taxa liberatória de 10%, bem como da exclusão de tributação das mais-valias de valores imobiliários detidos pelo seu titular durante mais de 12 meses, tributando-se apenas as mais-valias especulativas.

 

O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de Outubro, que reintroduziu a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular há mais de 12 meses é também elucidativo sobre a existência desta intenção legislativa ao dizer:

O regime de tributação dos rendimentos de mais-valias derivados da alienação onerosa de valores mobiliários, aquando da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, foi significativamente alterado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.

Os traços mais salientes do quadro então instituído consistiram na abolição da exclusão tributária de que beneficiavam as mais-valias provenientes da alienação de obrigações e de outros títulos de dívida e da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, passando a incidir uma tributação generalizada sobre estes rendimentos, atenuada por uma isenção de base para os saldos positivos inferiores a determinado montante e pela consideração dos saldos positivos ou negativos em percentagem variável em função do período de detenção dos títulos pelo alienante.

Por força do estabelecimento, pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, de um regime transitório de tributação aplicável a estes rendimentos nos anos 2001 e 2002, o regime emergente da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, não chegou a ser aplicado.

O presente decreto-lei vem dar execução à autorização concedida ao Governo pela Lei n.º 16-B/2002, de 31 de Maio, no sentido da reposição, no Código do IRS, das linhas essenciais do regime de tributação destes rendimentos

 

Do ponto de vista sistemático, acresce a preferência manifestada pelo legislador pela adopção do modelo de organização societária da sociedade anónima, cuja adopção desde a redacção inicial do CIRS pretendeu fomentar e é patente no Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, que reformou um vasto conjunto de leis relacionadas com as sociedades comerciais, com especial atenção para a simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais (artigo 1.º, n.º 1) e para as sociedades anónimas (artigo 1.º, n.º 2: «o presente decreto-lei visa ainda actualizar a legislação societária nacional, adoptando designadamente medidas para actualizar e flexibilizar os modelos de governo das sociedades anónimas»).

Explanando as razões de política económica subjacentes à reforma, o legislador afirma, no preâmbulo daquele Decreto-Lei:

 

Assim, as linhas de fundo da reforma realizada por este decreto-lei prendem-se com as seguintes ideias. De um lado, a preocupação de promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com modelos organizativos avançados. A presente revisão do Código das Sociedades Comerciais assenta no pressuposto de que o afinamento das práticas de governo das sociedades serve de modo directo a competitividade das empresas nacionais. Esse é o primeiro objectivo de fundo que este decreto-lei visa prosseguir, em prol de uma maior transparência e eficiência das sociedades anónimas portuguesas. Ao encetar este caminho, Portugal colocar-se-á a par dos sistemas jurídicos europeus mais avançados no plano do direito das sociedades, salientando-se o Reino Unido, a Alemanha e a Itália como países que têm identicamente orientado reformas legislativas com base nestes pressupostos. […] Importa ainda apontar o atendimento das especificidades das pequenas sociedades anónimas como preocupação que esteve subjacente à preparação deste decreto-lei”.

 

Neste contexto, detecta-se uma opção legislativa deliberada no sentido de afastar a tributação das mais-valias não especulativas, como incentivo à criação de sociedades anónimas, formas de organização mais avançada, que proporciona tendencialmente gestão mais profissionalizada e eficiente, com benefícios para a economia em geral e, reflexamente, para o próprio interesse da tributação de rendimentos empresariais.

Por outro lado, é de notar que a afirmação do interesse público em não tributar as mais-valias não especulativas derivadas da detenção de acções foi, conscientemente, considerado superior ao da arrecadação das receitas que a tributação podia gerar e que esta afirmação foi efectuada já depois da Lei Geral Tributária ter previsto a cláusula geral antiabuso, no seu artigo 38.º, n.º 2.

Sendo assim, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira, num Estado de Direito, assente na soberania popular, no princípio da separação de poderes e no primado da Lei (artigos 2.º e 3.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa), deixar de acatar os juízos de valor legislativamente formulados, não podendo sobrepor os seus próprios juízos sobre a gestão de interesses públicos à ponderação de valores conflituantes efectuada legislativamente, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa.

Isto é, mais concretamente, tendo o legislador expressamente considerado o interesse público da criação de sociedades anónimas superior ao interesse na tributação de mais-valias não especulativas e materializado a sua preferência num incentivo à criação de sociedades anónimas, criando para os detentores do seu capital um regime fiscal privilegiado em relação aos detentores do capital de sociedades por quotas, não pode, por via da aplicação da cláusula geral antiabuso, ser inviabilizado, por via administrativa, esse objectivo legislativo, aplicando àqueles que deram satisfação àquele interesse público através da criação de sociedades anónimas o regime que lhes seria aplicável se o não tivessem satisfeito.

Ou, doutra perspectiva, talvez mais clarificadora, não se poderá, em regra, numa situação de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónima, entender que o acto foi essencial ou principalmente dirigido à satisfação de interesse fiscal dos intervenientes (como exige o n.º 2 do artigo 38.º da LGT para ser accionada a cláusula geral antiabuso), pois esse acto, objectiva e forçosamente, com vontade do sujeito passivo ou sem ela, dirige-se sempre à satisfação do interesse público do incremento da criação de sociedades anónimas, interesse este que, na óptica legislativa, é sempre o essencial ou principal a atender nessa situação, para efeitos de tributação.

Por isso, em situações deste tipo, de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas, o abuso de formas jurídicas indispensável para viabilizar a aplicação da cláusula geral antiabuso e a existência de uma intenção contrária ao desígnio legislativo só são perscrutáveis em situações em que não possa considerar-se satisfeito aquele interesse público da criação de sociedades anónimas, como, por exemplo, poderá suceder em situações em que a criação da sociedade anónima não é seguida da sua manutenção como realidade económica por um período de tempo apreciável.

No caso em apreço, é inequívoco que não se verifica uma situação desse tipo e, por isso, foi satisfeito com a operação de transformação das sociedades por quotas em sociedades por acções o interesse que, na perspectiva legislativa, é o principal a atender, superior ao da própria tributação.

Por outro lado, não se vislumbra nesta actuação dos Requerentes, em perfeita sintonia com o desígnio legislativo que se visou atingir com criação de um regime mais favorável de tributação dos detentores de acções, o uso de qualquer meio artificioso ou fraudulento ou abuso de formas jurídicas (como exige a aplicação da cláusula geral antiabuso) já que a transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas está expressamente prevista na lei como um meio normal de criação de sociedades deste tipo (artigos 1.º, n. 2, e 130.º do Código das Sociedades Comerciais), inclusivamente no âmbito da tributação do rendimento [artigo 43.º, n.º 6, alínea b), do CIRS]. O que, decerto, constituiria artifício ou fraude legislativa, incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, seria incentivar legislativamente os sujeitos passivos de IRS à criação de sociedades anónimas, através do anúncio da atribuição de uma vantagem fiscal e, uma vez satisfeito o interesse público que se visava com tal incentivo, não lhes reconhecer o direito à vantagem prometida.

Consequentemente, não se verifica uma situação enquadrável no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, desde logo por não existir um acto que possa considerar-se dirigido essencial ou primacialmente à obtenção de vantagens fiscais (pois ele foi dirigido também à criação de uma sociedade anónima por se pretender que ela funcionasse com as características e potencialidades que lhe são inerentes), mas também por não ter sido utilizado qualquer meio artificioso ou fraudulento para obtenção de vantagens fiscais.

Esta interpretação não é desconforme com a Constituição, designadamente com o princípio da capacidade contributiva, da igualdade, da legalidade e da neutralidade fiscal.

A eventual violação desses princípios apenas poderá emergir da própria diferença de tratamento legal entre a venda de quotas e a venda de acções e não da interpretação que ora se efectua, sobre a não verificação de uma situação de aplicação da cláusula geral antiabuso. Por outro lado, aqueles princípios não representam valores absolutos, não havendo obstáculo constitucional a que eles sejam limitados para prossecução de outros valores constitucionalmente protegidos, como sucede, nomeadamente, com a generalidade das situações em que são concedidos benefícios fiscais. No caso, essa diferença de tratamento, conforme supra se expôs, resulta de um longo e reiterado caminho percorrido pelo legislador, que tem evidenciado a vontade de não tributar essas situações e de privilegiar e promover a adopção de «modelos de governo das sociedades anónimas». Enquadra-se num quadro legislativo que não se limita à dinamização do mercado bolsista, pois a criação de sociedades anónimas, que são uma forma mais avançada de organização das sociedades comerciais e potenciadora de maior concentração de capital e maior eficiência económica, alinha-se com a primeira das incumbências prioritárias do Estado arroladas no artigo 81.º da CRP, que é a promoção do aumento do bem-estar económico e qualidade de vida das pessoas, que pressupõe a criação de riqueza e a adopção de formas de organização das empresas que a potenciem.

Conclui-se, assim, que, mesmo que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima tenha sido motivada por razões exclusivamente fiscais, não se estará perante um acto condenável face ao ordenamento jurídico tributário, uma vez que o próprio legislador fiscal optou por tributar em sede de IRS os ganhos decorrentes da venda de quotas e por não tributar em sede daquele imposto os ganhos resultantes da venda de acções.

Uma situação destas, em que o legislador resistiu longamente a eliminar tal regime mantendo uma «lacuna consciente de tributação», não se mostra susceptível de aplicação da cláusula geral antiabuso, em situações em que foi atingido o fim legislativamente visado de criação de sociedades anónimas, designadamente, como sucede no caso em apreço, em que as sociedades anónimas criadas subsistem como realidades económicas com as características próprias e potencialidades diferentes das que teria a manutenção das sociedades por quotas. Neste contexto, há que notar que, apesar de os contratos de franquia terem como pressuposto a gestão pelo Requerente A, não há qualquer obstáculo a que as sociedades anónimas criadas subsistam para além dos contratos e possam exercer, a prazo, actividades não incluídas no seu âmbito.

Refira-se anda, como indício legislativo de que estas situações de transformação de sociedades por quotas em anónimas não foram previstas como potencialmente geradoras de situações de planeamento fiscal abusivo, o facto de o Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de Agosto, que visou especificamente prevenir o controlo de situações desse tipo, não lhes fazer qualquer alusão, designadamente não estabelecendo deveres de comunicação, informação e esclarecimento à administração tributária sobre essas transformações.

E não cabe ao aplicador da lei substituir-se às opções de tributar ou não tributar certas realidades formuladas pelo legislador fiscal.

 

3.3.5. Conclusão

 

 

Não se tendo demonstrado a verificação cumulativa de todos os requisitos exigidos para aplicação da cláusula geral antiabuso, não há lugar à aplicação da estatuição do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, conducente à ineficácia dos negócios jurídicos no âmbito tributário, contrariamente ao que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira

Consequentemente, é ilegal o acto de liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida, que tem como pressupostos a verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso, por violação do preceituado no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Por isso, tem de ser julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos que tiveram subjacente a correcção efectuada com invocação da cláusula geral antiabuso, designadamente a liquidação adicional de IRS n.º 2013 ..., de 12-12-2013, relativa ao ano de 2009, no valor de € 174.828,53, a liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 13-12-2013, respeitante ao período compreendido entre 31-05-2010 e ..., no valor de € 23.009,36, e o acerto de contas datado de 13-12-2013, referente ao ano de 2009, no montante global de € 197.837,89 (cento e noventa e sete mil, oitocentos e trinta e sete euros, oitenta e nove cêntimos), com a consequente anulação destas liquidações por enfermarem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

 

Os Requerentes formulam pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como resulta da alínea p) da matéria de facto fixada, em 18-12-2013, os Requerentes efectuaram o pagamento da quantia de € 167.166,00 (cento e sessenta e sete mil, cento e sessenta e seis euros), correspondente ao capital da dívida de imposto liquidado

Nos termos do artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação de IRS e juros compensatórios, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correcção que foi considerada ilegal.

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade dos actos de liquidação de IRS e juros compensatórios é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

Consequentemente, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagaram indevidamente.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo aos Requerentes a quantia de € 167.166,00, que pagaram e calcular os respectivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (18-12-2013), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 197.837,89.

 

6. Decisão

 

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar improcedente pedido de pronúncia arbitral na parte em que é pedida a declaração de ilegalidade por ofensa de regras procedimentais e do direito à segurança jurídica; e na parte em que são formulados pedidos de anulação com esses fundamentos;

b)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é pedida a declaração de ilegalidade com fundamento em violação do artigo 38.º, n.º- 2, da LGT;

c)      Anular, com fundamento na violação do artigo 38.º, n.º 2, da LGT:

– a liquidação adicional de IRS n.º 2013 ..., de 12-12-2013, relativa ao ano de 2009, no valor de € 174.828,53 (cento e setenta e quatro mil, oitocentos e vinte e oito euros, cinquenta e três cêntimos);

– a liquidação de juros compensatórios n.º 2013 ..., de 13-12-2013, respeitante ao período compreendido entre 31-05-2010 e ..., no valor de € 23.009,36 (vinte e três mil, nove euros, trinta e seis cêntimos);

– o acerto de contas datado de 13-12-2013, referente ao ano de 2009, no montante global de € 197.837,89 (cento e noventa e sete mil, oitocentos e trinta e sete euros, oitenta e nove cêntimos);

d)     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é pedida a restituição da quantia de € 167.166,00 e condena a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar para seu pagamento aos Requerentes;

e)      Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los aos Requerentes, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), calculados desde a data do pagamento (18-12-2013), até à do processamento da nota de crédito, em que forem incluídos.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 07-10-2014

 

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Nina Aguiar)

 

 

 

 

(Jorge Bacelar Gouveia)



[1]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 21.

[2]              Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[3]              Cfr. Jónatas Machado e Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 340-341.

[4]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 181.

[5]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., pp. 21-23; ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[6]              Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral antiabuso, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 49-50, que afirma, a este respeito: «a consagração da cláusula geral antiabuso implica [...] que a partir da sua introdução está claramente delimitado aquilo que o sujeito passivo pode e não pode fazer. As habilidades fiscais, a destreza fiscal deixam de ser possíveis (as operações artificiosas e fraudulentas que têm como fim principal ou exclusivo a obtenção de uma poupança fiscal mediante a fraude à lei) e o sujeito passivo passa a ter o seu comportamento julgado de acordo com este critério. [...] a evolução da lei é clara no sentido de proporcionar fundamento legal para o planeamento fiscal, desde que seja praticado sem o abuso de formas jurídicas, sem negócios jurídicos artificiosos e fraudulentos mas limitando-se a escolher a via que se encontra aberta e que lhe permite realizar economias fiscais». Cfr., também, Marques, Paulo, Elogio do Imposto, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 360-364.

[7]              Ou seja, a uma «actuação planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lícito, geradora de uma vantagem fiscal não admitida pelo ordenamento tributário» (cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula Geral Antiabuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, Coimbra, 2009, pp.15-17 e 163-165; bem como Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15-02-2011, proc. n.º 04255/10, conclusões XIII e XIV).

[8]              Como decorre da seguinte parte do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos».

[9]              Tal decorre do seguinte segmento do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios». Decorre ainda do artigo 63.º, n.º 3, alíneas a) e b) do CPPT, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que exigem que a Administração Tributária inclua na sua fundamentação, respectivamente, «a descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam» e «a demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais».

[10]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 180.

[11]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 211.

[12]             Cfr. Courinha, Gustavo Lopes, Cláusula..., p. 165. Identicamente, Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 170, que aponta uma «relação de conexão e interdependência em relação aos requisitos exigidos pela lei».

[13]             Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 180.

[14]             Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., pp. 180-181.

[15]             Cfr. Saldanha Sanches, J.L., Os Limites..., p. 182.