Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 248/2014-T
Data da decisão: 2014-09-27  IUC  
Valor do pedido: € 27.912,27
Tema: Imposto Único de Circulação
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Decisão Arbitral

 

Requerente: A..., – , S.A..

 

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

I - RELATÓRIO

 

1. Em 10 de março de 2014, a sociedade A… , S.A., titular do NIPC …, com sede social na …, Paço de Arcos (doravante designada por “Requerente”) requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 12 de março de 2014, e notificado, em 14 de março de 2014, à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”).

 

3. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade e consequente anulação de um conjunto de atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 relativamente a um conjunto de veículos identificados  na Tabela junta como  Anexo I ao pedido de pronúncia arbitral, no valor total de € 27.912,27 (vinte sete mil novecentos e doze euros e vinte sete cêntimos) e o reembolso desse montante.

 

4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

 

5. As partes foram notificadas, em 30 de abril de 2014, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 16 de maio de 2014.

 

7. Em 18 de junho de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito através do  despacho de 18 de maio de 2014, apresentou a sua Resposta.

 

8. No dia 14 de julho de 2014, pelas 11h30m, nas instalações do CAAD realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo comparecido o Árbitro designado e os representantes da Requerente e da Requerida.

O representante da Requerente declarou pretender produzir alegações escritas. O representante da Requerida declarou não se opor às mesmas. Assim, o Tribunal Arbitral notificou de imediato a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 (dez) dias.

 

9. A Requerente e a Requerida apresentaram as alegações escritas respectivamente nos dias 9 e  17 de Setembro de 2014.

 

10. Dos presentes autos, apesar do respeito que o esforço argumentativo evidenciado pela Requerida merece e da existência das decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 150/2014-T e n.º 220/2014-T, juntas aos presentes autos pela Requerida, não resultam elementos que justifiquem a alteração da posição que subscrevi nas decisões arbitrais proferidas nos processo identificados no n.º anterior.

 

II – SANEAMENTO

 

11. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., n.º 2, e 6.º n.º 1 do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março.

O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.

Nestes termos, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

Considerada a identidade dos factos tributários e os fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos artigos 104.º do CPPT e 3.º do RJAT, à cumulação de pedidos verificada in casu.

 

III – MATÉRIA DE FACTO

 

12. Factos provados

 

Com base na prova documental junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A) A Requerente é uma instituição financeira de crédito que no âmbito da sua actividade procede à celebração de contratos de crédito de locação financeira e aluger de longa duração tendo por objecto veículos automóveis.

 

B) Devido ao fato referido na alínea anterior, a Requerente celebrou os contratos de aluger de longa duração respeitantes aos veículos cujo IUC está em discussão nos presentes autos.

 

C) A Requerente foi notificada de um conjunto de liquidações oficiosas de IUC respeitantes aos períodos de tributação de 2009, 2010, 2011 e 2012 relativas a um conjunto de veículos automóveis identificados na Tabela junta como Anexo I ao pedido de pronuncia arbitral e conforme as notas de liquidação constantes dos documentos n.ºs 1 a 436 anexos ao pedido de pronúncia arbitral e que se dão aqui por integralmente reproduzidas.

 

D) A Requerente juntou cópias dos respectivos contratos de locação financeira vigentes à data da ocorrência dos competentes factos geradores do imposto que constam do Anexo II junto ao pedido de pronúncia arbitral e que se dão aqui por integralmente reproduzidos.

 

E) À data dos factos tributários a Requerente continuava a figurar como proprietária dos referidos veículos na base de dados junto da Conservatória do Registo Automóvel.

 

13. Factos não provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

IV – MATÉRIA DE DIREITO

 

14. Em face da matéria constante dos presentes autos,  a questão central a apreciar consiste em saber se, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, vigorar um contrato de locação financeira o sujeito passivo do IUC, para efeitos do disposto no artigo 3º do CIUC, é o locatário ou a entidade locadora, proprietária do veículo, em nome da qual o registo do direito de  propriedade se encontra feito.

 

15. A matéria de facto está fixada (vd., supra n.º 12) e vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 14).

 

16. Nos presentes autos, verifica-se que existem contratos de locação financeira vigentes à data da ocorrência dos factos geradores do imposto quanto aos veículos automóveis relativamente aos quais impendeu o pagamento do IUC, conforme resulta dos documentos n.ºs 1 a 436 e dos Anexos I e II  anexos ao pedido de pronúncia arbitral.

 

17.  O Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, aprovado pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, com as alterações entretanto nele introduzidas, estabelece no artigo 1º a noção de locação financeira como sendo “(...) o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.”

 

Nos termos do artigo 9.º do diploma acima citado:

“1-São, nomeadamente, obrigações do locador: 

a)Adquirir ou mandar construir o bem a locar; 

b)Conceder o gozo do bem para os fins a que se destina; 

c)Vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato; 

2 - Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locador financeiro, em especial e para além do estabelecido no número anterior, os seguintes direitos: 

a)Defender a integridade do bem, nos termos gerais de direito;

b)Examinar o bem, sem prejuízo da actividade normal do locatário; 

c)Fazer suas, sem compensações, as peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem pelo locatário.”

 

A posição jurídica do locatário está definida no artigo 10.º do mesmo diploma, da seguinte forma:

“1 - São, nomeadamente, obrigações do locatário:

a) Pagar as rendas;

b) Pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum;

c) Facultar ao locador o exame do bem locado;

d) Não aplicar o bem a fim diverso daquele a que ele se destina ou movê-lo para local diferente do contratualmente previsto, salvo autorização do locador;

e) Assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente; 
f) Realizar as reparações, urgentes ou necessárias, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública; 

g) Não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial do bem por meio da cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador a autorizar;

h) Comunicar ao locador, dentro de 15 dias, a cedência do gozo do bem, quando permitida ou autorizada nos termos da alínea anterior; 

i) Avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios no bem ou saiba que o ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ele, desde que o facto seja ignorado pelo locador; 

j) Efectuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados; 

k) Restituir o bem locado, findo o contrato, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes a uma utilização normal, quando não opte pela sua aquisição. 

2 - Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locatário financeiro, em especial, os seguintes direitos: 

a) Usar e fruir o bem locado;

b) Defender a integridade do bem e o seu gozo, nos termos do seu direito;

c) Usar das acções possessórias, mesmo contra o locador;

d) Onerar, total ou parcialmente, o seu direito, mediante autorização expressa do locador; 

e) Exercer, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos; 

f) Adquirir o bem locado, findo o contrato, pelo preço estipulado.”

 

18. Atendendo ao exposto no n.º anterior concluímos que na vigência de um contrato de locação financeira, o locador continua proprietário do bem, mas é o locatário que tem o gozo exclusivo do bem locado.

 

19. O artigo 3.º do CIUC afirma o seguinte:

“Artigo 3.º

Incidência Subjetiva

           

 1- São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

 2- São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.

 

De acordo com o nº. 2 do artigo 3.º do CIUC o locatário financeiro é equiparado a proprietário.  Considerando que o locatário tem o gozo exclusivo do automóvel, a ratio legis do CIUC impõe  que, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC,  seja o locatário o responsável pelo pagamento do imposto, porque é ele que tem o potencial de utilização do veículo.

 

20. O entendimento constante do n.º anterior é reforçado pelo fato do artigo 19º do CIUC determinar que as entidades que procedam, designadamente, à locação financeira de veículos ficarem obrigadas a fornecer à AT, a identidade fiscal dos utilizadores dos veículos locados para efeitos do disposto no artigo 3º do CIUC. Além disso, o artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho que aprovou o CIUC determina que se a receita gerada pelo IUC for incidente sobre veículos objecto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, deve ser afecta ao município de residência do respectivo utilizador.

21. Se na data da ocorrência do facto gerador do imposto vigorar um contrato de locação financeira que tem como objecto um veiculo automóvel, o sujeito passivo do imposto não é o locador mas sim, de acordo com o nº 2 do artigo 3º do CIUC, o locatário, o que faz todo o sentido, dado ser este que tem o gozo do veículo, independentemente do registo do direito de propriedade permanecer em nome do locador.

22. Os meios de prova apresentados pela Requerente, constituídos por cópias contratos de locação financeira vigentes (vd. alínea D) do n.º 12.) gozam de presunção de veracidade que lhes é conferida nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT. Assim, estes documentos  afiguram-se idóneos e com força bastante para ilidir a presunção em que se suportam aquelas liquidações. Aliás a Requerida não arguiu fatos que, se enquadrem nas alíneas do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, e afastem a presunção de veracidade relativamente aos referidos documentos.

 

23. Em consequência do exposto, as liquidações objeto do presente processo arbitral devem ser anuladas.

 

24. A Requerida na resposta considera que, antevendo a hipótese de a pretensão do Requerente ser julgada procedente, não deve ser condenada em custas, porque não deu azo ao litígio.

O artigo 527.º (Regra geral em matéria de custas) do Código de Processo Civil (CPC) dispõe o seguinte:

“1 — A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

2 — Entende -se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

3 — No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende -se às custas.”

 

O Tribunal Arbitral, nos termos do atrás exposto, julgou o pedido do Requerente procedente e, por isso, de acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a responsabilidade pelo pagamento da taxa arbitral é inequivocamente da Requerida.

 

V – DECISÃO

De harmonia com o exposto, decide-se:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente anular as liquidações de IUC, a que se referem os documentos de cobrança anexos ao pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente.

b)      Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo.

 

 

Fixa-se o valor do processo em € 27.912,27 (vinte sete mil novecentos e doze euros e vinte sete cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se a taxa de arbitragem em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a pagar integralmente pelo Requerente, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa,  27 de setembro de 2014

 

O árbitro

 

Olívio Mota Amador