Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 265/2014-T
Data da decisão: 2015-06-05  IRC IMI  
Valor do pedido: € 7.489,36
Tema: IMI; EBF – Artigo 47º EBF;
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Decisão arbitral

 

I.                   RELATÓRIO

 

1. A…, S.A., com o NIF …, adiante identificada por Requerente, solicitou em 17 de Março de 2014, a constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 março, com vista:

a)      À declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto Municipal de Imóveis (“IMI”), correspondente aos anos de 2010, 2011 e 2012, constante das três notas de liquidação com os números 2010 …, 2011 … e 2012 …, a primeira recebida em 19 de Dezembro de 2013 e as duas restantes no mês de Janeiro de 2014, e com o valor global de € 5.551,11

b)      À consequente anulação destas liquidações;

 

2. As Liquidações contestadas têm por objecto a tributação, em sede de IMI, de uma fracção autónoma, individualizada pela letra “D”, que constitui o apartamento com o nº …, sito no R/C do bloco …, destinado a utilização turística, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na …, lote …, freguesia de … e que integra o empreendimento turístico denominado Aparthotel “B…”.

3. No pedido, a Requerente optou por não designar árbitro.

4. Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o ora signatário Árbitro Singular, desse facto notificando as partes.

5. O tribunal encontra-se regularmente constituído desde o dia 5 de Junho de 2014, para apreciar e decidir sobre o objecto do processo, conforme despacho proferido pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

6. Os fundamentos, de facto e de direito, que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são, em súmula, os seguintes:

6.1 A Requerente é dona e legitima possuidora uma fracção autónoma, individualizada pela letra “D”, que constitui o apartamento com o nº …, sito no R/C do bloco …, com arrecadação sita na Cave com o nº …, três lugares de estacionamento sitos na cave com os nºs … a … do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na …, lote …, freguesia de …, sendo a fracção destinada a utilização turística.

6.2 O prédio aqui identificado integra o empreendimento turístico denominado Aparthotel B…, e que tem um Valor Patrimonial Tributário (VPT) de € 466.480,00.

6.3 Por despacho do Secretário de Estado do Turismo com o nº …/2009, proferido em 6  de Novembro desse ano, foi atribuido a este empreendimento turistico, o estatuto de utilidade turística a título definitivo pelo prazo de 7 (sete) anos a contar de 30 de Julho de 2008 (data do alvará de utilização turística).

6.4 Na sequência de requerimento apresentado pela Requerente, o Director do Serviço de Finanças de … concedeu isenção de IMI pelo período de 7 (sete) anos, ao abrigo do previsto no artigo 47º do Estatuto dos Beneficios Fiscais (EBF).

6.5 A Requerente adquiriu a fracção acima identificada com o intuito de a explorar turisticamente, invocando que existem acordos entre ela e a sociedade C…, S.A. para esta última explorar turisticamente o imóvel.

6.6  Pelo que a Requerente não compreende as liquidações ora contestadas, considerando não existir fundamento legal para as mesmas.

6.7. A Requerente foi ainda notificada para o pagamento de uma coima pelo facto de não ter procedido à actualizaçao da matriz predial da referida fracção, actualização essa que, no entender da AT, era obrigatória porque o imóvel não se destinava a exploração turística.

6.8. Não concordando com este entendimento da AT a Requerente optou por pagar a referrida coima no valor de € 438,25.

6.9. A Requerente baseia o seu pedido nos seguintes fundamentos:

(i) O acto administrativo de atribuição do beneficio fiscal de isenção de IMI só seria revogável, nos termos do artigo 14º nº 4 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostasm ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido.

(ii) Assim sendo, não poderia a AT revogar o acto de concessão do benefício concedido;

(iii) Muito menos poderia a AT retirar a qualificação de utilidade turística concedida pelo Governo, pois não tem competência para tal;

(iv) O benefício fiscal também não se encontra extinto ao abrigo do previsto no artigo 21º do DL 423/83 porque a Requerente sempre manteve, através de acordos verbais feitos com a sociedade C…, S.A. a fracção afecta à exploração turística;

(v) Acresce que na própria escritura se estabeleceu que a fracção adquirida se destinou a utilização turística;

(vi) Para além disso, houve momentos em que houve interessados que manifestaram interese em reservar o apartamento o que demonsta que essa afectação se mantinha, independentemente de haver uma efectiva utilização do apartamento;

(vii) A não utilização do imóvel deve-se tão só à procura insuficiente resultante da situação de crise em que o país tem vivido nos últimos anos;

(viii) Esta interpretação do artigo 21º acima referido, viola, inclusive, a Constituição, pois fere direitos programáticos relacionados com a livre disposição dos bens e efectivação dos direitos económicos.

(ix) Além disso, no entender da Requerente o benefício fiscal não pode cessar automaticamente, devendo a AT indicar expressamente o momento em que ocorreu essa “revogação”

(x) Tendo mudado os proprietários da sociedade a quem cabe explorar o empreendimento, refere a Requerente que decorrem actualmente conversações entre ela e os novos representantes desta sociedade de modo a manter o contrato de cessão de exloração turística.

6.10. Desta forma devem as liquidações ser anuladas, incluindo ainda a Requerente, no seu pedido, a devolução da coima paga e ainda o reembolso dos custos suportados com a garantia bancária prestada para suspensão do processo de execução.

7. Na sua resposta, a AT, depois de enunciar e referir quais os factos apresentados pela Requerente, bem como os fundamentos apresentados para solicitar a anulação das liquidações, contestou os pedidos efectuados pela Requerente na sua petição inicial, nos termos e com os seguintes fundamentos:

7.1. Começa por contestar que a justiça arbitral se possa pronunciar sobre as coimas aplicadas pela AT e também sobre o reembolso das custas suportadas pela Requerente, na medida em que, nos termos dos artigo 2º nº 1 do RJAT e 2º da Portaria 112-A/2011 só podem ser do conhecimento da justiça arbitral a legalidade das liquidações (neste caso, de IMI) e o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

7.2. Efectivamente, considera a AT que o meio adequado para determinar a legalidade da coima é a impugnação judicial nos termos previstos nos artigos 80º e seguintes do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), enquanto que a questão do reembolso das custas suportadas pela Requerente com a garantia bancária prestada deve ser apreciada em sede de execução de sentença.

7.3. A AT considera que as liquidações contestadas foram correctamente efectuadas, sustentando a sua posição, basicamente, no seguinte argumentário:

(i) A Requerente devia ter emitido um titulo juridico (com os termos em que essa exploração devesse ser efectuada) que habilitasse a entidade exploradora à exploração turistica da sua fracção (unidade de alojamento), facto que nunca se chegou a verificar.

(ii) Acresce que a B…, em 13 de Março de 2009, requereu junto da Câmara Municipal de … a afectação desta fracção a habitação, o que demonstra uma evidente incompatibilidade com a sua afectação a exploração turística.

(iii) Este destino – afectação turística – não consta, inclusive da escritura de compra e venda da fracção, ao contrário do que susenta a Requerente.

(iv) Nos registos contabilisticos da B… não existe qualquer evidência que demonstre que a fracção auutónoma propriedade da Requerente tenha, alguma vez, sido utilizada para fins turisticos.

(v) Não pode colher o argumento de que essa falta de utilização se deve à crise financeira.

(vi) Dos estatutos da Requerente (artigo 3º nº 1) resulta que a sociedade não tem por objecto a exploração turistica, mas sim a compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, a consultadoria e gestão imobiliária, a realização de investimentos imobiliários, a gestão, exploração, administração e arrendamento de imóveis e a comercialização de equipamentos informáticos.

(vii) O facto de a fracção autónoma não ter sido objecto de exploração turístca, resulta tão só de não ter sido aberta à exploração.

(viii) O facto de a Requerente ter pretendido arrendar a fracção autónoma não pode ter, no entender da AT, qualquer relevo para efeitos de sucesso da sua pretensão.

(ix) Concluem os representantes da AT que as liquidações objecto de contestação não violam, ainda que indirectamente, o artigo 14º nº 4 do EBF, na medida em que os beneficios fiscais resultantes da atribuição de utilidade turística cessam automaticamente (cf. artigo 21º do DL 423/83), independentemente da sua revogação, sendo suficiente, para tal, que a fracção seja subtraida à exploração turística.

(x) É esmagadora a prova de inexistência dos pressupostos da isenção de IMI, mas, considera a AT, que em caso de duvida, seria sempre da Requerente o ónus da sua demosntração, nos termos dos artigos 74º nº 1 da LGT e 342º, nº 1, do Código Civil.

7.4. Por tudo o exposto, considera a AT que os pedidos formulados pela Requerente devem ser julgados improcedentes e, consequentemente, mantidas as liquidações objecto de contestação.

8. Na sequência de requerimentos apresentados pelas Partes, foi emitido pelo Tribunal, em 16 de Setembro de 2014, um despacho em que se dispensava a reunião prevista no artigo 18º do RJAT e se notificava as Partes para apresentarem, por escrito, de forma sucessiva e começando pela Requerente, as suas alegações, o que foi feito, dentro dos prazos fixados.

9. Nas suas alegações, a Requerente contestou, da seguinte forma, todos os argumentos invocados pela AT na sua resposta:

9.1. No que se refere ao pedido de reembolso dos custos suportados com a garantia bancária, sustenta a Requerente que, nos termos do artigo 171º do CPPT, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 29º do RJAT, sendo a legalidade da dívida discutida no âmbito do Tribunal Arbitral, deve ser, na mesma sede, pedida a indemnização pelos custos suportados com a garantia bancária.

9.2. Também contesta a Requerente o entendimento da AT de que o regime aplicável é o do DL 167/97 de 4 de Julho, em face do disposto no artigo 76º do DL 288/2009 de 14 de Setembro, o qual veio alterar e republicar o DL 39/2008 de 7 de Março.

9.3. Neste sentido, considera a Requerente que, em face do disposto no nº 2 do citado artigo 76º do DL 288/2009, cabe às entidades promotoras dos empreendimentos turisticos optar entre a aplicação do regime previsto neste novo diploma ou então pelo regime que estava em vigor à data de início do procedimento (de licenciamento, entenda-se).

9.4. Ora, não havendo qualquer manfestação expressa da Requerente no sentido de optar pela aplicação do regime anterior ao do DL 288/2009, deve considerar-se que o regime aplicável é o deste novo diploma, daí decorrendo que cabe à entidade exploradora, e não à Requerente, obter o título juridico que a habilite a explorar todas as fracções do empreendimento turístico.

9.5. Entende ainda a Requerente que a única consequência jurdica para a não obtenção desses títulos é de natureza contra ordenacional.

9.6. Ademais, considera a Requerente, nestas alegações, que o facto de o contrato ter sido celebrado verbalmente não pode pôr em causa a sua validade ou existência juridica, pois, havendo uma lacuna deve prevalecer o regime do artigo 219º do Código Civil que estipula a liberdade de forma.

9.5. A Requerente termina as suas alegações, defendendo (i) que a AT não tem competência para revogar o benefício fiscal e ainda menos a atribuição de utilidade turística ao empreendimento, e que (ii) ao presente caso não será aplicável o previsto no artigo 21º do DL 423/83 de 5 de Dezembro porque, conforme a prova carreada para os autos, a fracção sua propriedade não foi subtraida à exploração unitária do empreendimento.

10. Por seu lado, nas suas alegações a AT, manteve todo o argumentário anteriormente invocado, e já descrito supra, sendo, porém, de salientar, todavia, o seguinte:

10.1. Para a Requerida, é indiferente qual o diploma aplicável ao empreendimento turistico onde se situa a fracção adquirida pela Requerente, uma vez que o artigo 76º nº 1 do DL 39/2008 reproduz o artigo 45º nº 4 do DL 167/97.

10.2. Assim sendo, para a Requerida, em resultado de ambos os diplomas, o elemento fundamental para a aplicação ou manutenção do benefício fiscal é a existência de um título jurídico onde se estabeleçam os termos em que deve ser efectuada a exploração turística das unidades de alojamento, a definição da participação dos proprietários nos resultados da exploração da unidade de alojamento e a definição das condições em que o proprietário pode proceder à sua utilização.

10.3. Ora, entende a Requerida que a Requerente nunca emitiu tal titulo juridico e que não pode entender-se como titulo juridico um mero acordo verbal, sem qualquer forma documental.

10.4. Devem também relevar, no entendimento da AT, dois factos, a saber:

(i) Em Março de 2009, a C… S.A. requereu, junto da Câmara Municipal de … a afectação da fracção a fins habitacionais em vez de a fins turísticos;

(ii) A Técnica Oficial de Contas da C… S.A. declarou que não existem na contabilidade da sociedade quaisquer registos contabilisticos que provem que a fracção propriedade da Requerente tenha alguma vez sido utilizada para fins turísticos, donde se extrai a conclusão que essa utilização jamais se verificou.

10.5. Assim sendo, o facto de a fracção autónoma em causa não ter sido objecto de exploração turística deve-se apenas a nunca ter sido afecta à exploração turística através da necessária obrigação de emissão do referido título juridico.

10.6. Desta forma, não está em causa a revogação retroactiva de um benefício fiscal, mas sim a sua cessação pelo facto de o imóvel ter sido subtraído à exploração turística.

 

II.                FUNDAMENTAÇÃO

 

II.1 MATÉRIA DE FACTO

1.                  A Requerente é dona e legitima possuidora uma fracção autónoma, individualizada pela letra “D”, que constitui o apartamento com o nº …, sito no R/C do bloco …, com arrecadação sita na Cave com o nº …, três lugares de estacionamento sitos na cave com os nºs … a … do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na …, lote …, freguesia de ….

2.                  Relativamente a esta fracção, a AT emitiu três notas de liquidação com os números 2010 …, 2011 … e 2012 …, a primeira recebida em 19 de Dezembro de 2013 e as duas restantes no mês de Janeiro de 2014, e com o valor global de € 5.551,11.

3.                  As liquidações contestadas têm por objecto a tributação da fracção acima identificada, em sede de IMI, por a AT ter considerado que não estavam reunidos os pressupostos de atribuição da isenção de IMI previstos no artigo 47º do EBF (“Prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuida utilidade turística”).

4.                  Por despacho do Secretário de Estado do Turismo com o nº …/2009, proferido em 6  de Novembro, foi atribuido a este empreendimento turistico, o estatuto de utilidade turística a título definitivo pelo prazo de 7 (sete) anos a contar de 30 de Julho de 2008 (data do alvará de utilização turística).

5.                  A Requerente não procedeu ao pagamento do imposto liquidado, tendo prestado garantia bancária para suspender os correspondentes processos de execução fiscal.

6.                  Por requerimento interposto em 13.03.2009 junto da Câmara Municipal de …, a sociedade C…, S.A. solicitou a emissão de licenças de habitação para um conjunto de fracções integrada no empreendimento turísitica de que era, na época proprietária, incluindo para a fracção “D”, que veio a ser adquirida pela Requerente.

7.                  Por não ter requerido a alteração da inscrição matricial da identificada fracção autónoma foi instaurado à Requerente um processo de contra ordenação, tendo sido fixada uma coima no valor de € 438,25, que a Requerente pagou.

8.                  Em 17 de Março de 2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IMI, a anulação dessa liquidação, a condenação da AT em devolver a coima e os custos suportados com a garantia bancária.

9.                  O Tribunal Arbitral ficou constituído no dia 5 de Junho de 2014.

 

A decisão da matéria dos factos provados baseou-se nos documentos juntos ao processo e na oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a factos invocados pela Requerente, bem como no relatório de inspecção que fundamentou as liquidações contestadas.

Há factos não provados com relevo para a decisão da causa, especialmente o de não ter sido feita prova que exista um título jurídico onde se estabeleçam os termos em que deve ser efectuada a exploração turística das unidades de alojamento, a definição da participação dos proprietários nos resultados da exploração da unidade de alojamento e a definição das condições em que o proprietário pode proceder à sua utilização.

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II.2 QUESTÕES A APRECIAR

A questão de fundo e principal a ser apreciada pelo Tribunal, tem que ver com a verificação dos pressupostos que, nos termos da lei, estão fixados para a atribuição e manutenção do benefício fiscal previsto no artigo 47º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

As liquidações contestadas pela Requerente foram emitidas porque a AT considerou que a fracção por ela adquirida tinha sido subtraída à exploração turística, e, como tal, o benefício fiscal previsto no artigo 47º do EBF tinha, nos termos do artigo 21º do DL 423/83, cessado automaticamente.

A questão principal prende-se, pois, no entendimento do Tribunal em saber se a fracção adquirida pela Requerente foi subtraída à exploração turística ou melhor, se alguma vez teve tal afectação.

A verificação desta prova é essencial para se determinar se é aplicável o previsto no artigo 21º do DL 423/83 e, consequentemente se o benefício fiscal previsto no artigo 47º do EBF deve cessar automaticamente, independentemente de um acto revogatório expresso da AT nesse sentido.

Da prova produzida nos autos pelas Partes, é entendimento do Tribunal que a afectação da fracção “D” adquirida pela Requerente, à exploração turística, nunca se verificou.

Este entendimento do Tribunal baseia-se no seguinte:

a)      No requerimento apresentado pela entidade proprietária da fracção (antes da alienação da Requerente) junto da Câmara Municipal de … e referido no relatório de inspecção que fundamentou as liquidações objecto de contestação, foi pedida a afectação da fracção “D” a habitação.

b)      A Técnica Oficial de Contas da C…, S.A., nas declarações que proferiu no âmbito da acção de inspecção (e que vêm anexas a este), referiu que não existem na contabilidade da empresa quaisquer registos que demonstrem que esta fracção esteve alguma vez afecta à exploração turística;

c)      Na fracção “D”, tal como em outras fracções do mesmo empreendimento turístico, verifica-se um consumo continuado de água, o que indicia uma ocupação normal e regular da fracção;

d)     Nenhum destes factos foi contrariado pela Requerente, quer no seu requerimento inicial em que pediu a constituição do Tribunal Arbitral, quer nas suas alegações escritas;

e)      Não foi apresentado o título jurídico, que quer o DL 167/97, quer o  diploma que o veio substituir, o DL 288/2009, impõem, e que habilite a sociedade exploradora do empreendimento a explorar, turisticamente, a fracção cuja propriedade não lhe pertence, ou seja, no caso em apreço, a fracção propriedade da Requerente.

f)       Não pode colher o argumento invocado pela Requerente da liberdade de forma, para se entender que é suficiente ter havido um acordo verbal entre ela e a entidade que procedia à exploração turística, para se considerar que essa possibilidade – existência de um título jurídico e afectação à exploração turística – se verifica.

g)      Ao utilizar a expressão “título jurídico” e ao obrigar a um determinado conteúdo mínimo – a definição dos termos em que deve ser efectuada a exploração turística das unidades de alojamento, a definição da participação dos proprietários nos resultados da exploração da unidade de alojamento e a definição das condições em que o proprietário pode proceder à sua utilização – o legislador pretendeu, de uma forma clara e inequivoca, que a produção deste título obedecesse a determinados requisitos, neste caso, que fosse adoptada a forma escrita.

h)      A troca de correspondência, muito reduzida e incipiente, não é, por si só, prova suficiente que a fracção propriedade da Requerente, estava afeta à exploração turística.

i)        Da mesma forma, considera o Tribunal que a crise económica não pode ser fundamento para que nunca, desde a data da sua aquisição, tenha havido utilização turística desta fracção.

O artigo 21º nº 1 do DL 423/83 de 5 de Dezembro, que regula o regime jurídico da utilidade turística dispõe que “Os benefícios fiscais resultantes da atribuição da utilidade turística cessam automaticamente, independentemente da sua revogação, relativamente a todo e qualquer elemento componente ou integrante do empreendimento, incluindo os prédios e fracções autónomas a que se refere o nº 1 do artigo 20º, que sejam subtraídos à sua exploração unitária.” (sublinhado nosso).

Decorrendo da prova efectuada pela AT (e, no essencial, não contrariada e/ou questionada pela Requerente), especialmente no relatório de inspecção (e respectivos anexos) que fundamentou as liquidações ora contestadas, que a fracção, mais que subtraída à exploração turística, nunca foi afecta à mesma, considera o Tribunal que estão verificados os requisitos que devem fazer cessar, de forma automática, o benefício fiscal previsto no artigo 47º do EBF, não carecendo, pois, esta cessação de um acto revogatório expresso de quem atribuiu esse benefício.

Em função e como consequência do entendimento do Tribunal quanto à questão principal em apreciação, mais concretamente da legalidade dos actos de liquidação, cai por terra, nos termos do artigo 53º da Lei Geral Tributária (LGT), o pedido de devolução dos custos suportados pela Requerente com a prestação da garantia.

Por fim, quanto ao pedido de apreciação da coima paga pela Requerente, também neste caso, entende o Tribunal que não é em sede de arbitragem tributária que esta questão deve ser apreciada, uma vez que as competências da justiça fiscal arbitral estão circunscritas àquelas que vêm expressamente previstas no RJAT, mais concretamente no seu artigo 2º nº 1, e também no artigo 2º da Portaria 112-A/2011, donde resulta que o âmbito de apreciação e julgamento da justiça arbitral se limita à legalidade das liquidações.

É, assim, incompetente este Tribunal para apreciar esta questão.

 

III. DECISÃO

Em face do exposto e pelos motivos invocados, decide-se:

 

Julgar improcedentes os pedidos formulados pela Requerente de (i) anulação das liquidações contestadas, (ii) de apreciação e de reembolso da coima paga e (iii) das custas suportadas com a garantia bancária prestada para suspender os processos de execução fiscal.

 

IV. VALOR DO PROCESSO

 De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária atribui-se ao processo o valor de € 7.489,36 (doze mil trezentos e noventa e cinco euros e trinta e novecêntimos)

 

V. CUSTAS

De acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o o montante das custas é fixado em € 612,00 (novecentos e dezoito euros).

 

Notifique-se.

Lisboa, 5 de Junho de 2015.

O Juiz Singular

 (João Marques Pinto)