Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 270/2014-T
Data da decisão: 2014-09-22  IUC  
Valor do pedido: € 1.721,00
Tema: IUC – Incidência subjetiva
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DECISÃO ARBITRAL

 

REQUERENTE: A

 

REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA

 

I – RELATÓRIO

A. – PARTES

 

     A, a seguir designado por Requerente, contribuinte nº ..., residente na …, veio requerer em 18 de Março de 2014 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito nos art. 2º, nº 1, alínea a) do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária -RJAT) e nos arts. 1º, alínea a) e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.

 

B. – CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL

 

1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerente e à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20/03/2014, tendo o Presidente do respectivo Conselho Deontológico designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do RJAT, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.

 

 

2. Em 08/05/2014, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11º, nº 1, alínea b) do RJAT, nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

 

3. Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 26/05/2014, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11º do Decreto – Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.

 

                                           

C. – PRETENSÃO

 

     O Requerente pretende que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade e a consequente anulação da liquidação do Imposto Único de Circulação e respectivos juros compensatórios, respeitante ao veículo de matrícula ...-...-... e referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, no valor global de 1.721,00 euros, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, e, em consequência

     Determine a restituição do imposto que foi pago pelo Requerente, acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa máxima legal até integral e efectivo pagamento.

 

D. – TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

 

     Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 26/05/2014, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:

     - Em 29/05/2014 – Foi notificada a Requerida para, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentar resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional, e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, por via electrónica.

 

     - Em 30/06/2014 –A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral, remeteu despacho de designação dos juristas representantes da Requerida e inseriu na “Plataforma” on line do CAAD o processo administrativo, tendo sido, de tudo, notificada a Requerente.

 

      - Em 30/06/2014 – A Requerida do processo veio requerer ao Tribunal a dispensa da reunião a que alude o art. 18º do RJAT e a dispensa da produção de alegações, com fundamento na ausência de excepções, na inexistência de testemunhas a inquirir e de considerar que a questão em causa parece ser exclusivamente de direito.

 

     - Em 06/07/2014 – Foi notificado às Partes, o despacho do Tribunal Arbitral determinando a junção aos autos do requerimento da AT de 30/06/2014 e a notificação do Requerente.

 

     - Em 16/07/2014 – O Tribunal designou o dia 10/09/2014 para a reunião prevista no art. 18º do RJAT, o que foi notificado às Partes.

 

     - Em 10/09/2014 – Realizou-se a reunião prevista no art. 18º do RJAT, de que resultou, o seguinte:

 

           - As Partes, ouvidas para o efeito, declararam não invocar qualquer excepção

              susceptível de ser apreciada e decidida antes do conhecimento do pedido.

 

           - Quanto às alegações, as Partes declararam prescindir da sua produção.

 

           - O Tribunal marcou a data da prolação da decisão para 22/09/2014

     - Em 22/09/2014 – Prolação da decisão.

 

E. – PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS

 

     A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, o Requerente, alegou, em síntese, o seguinte:

     - O Requerente foi proprietário do veículo pesado, matrícula ...-...-... até ao ano de 2004.

 

     - Em 2004, o Requerente entregou este veículo à Sociedade B, no âmbito de uma dação em pagamento.

 

     - Essa dação em pagamento veio a ser reconhecida por Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de …, no âmbito do Processo nº …, datada de …: “a propriedade do veículo pesado de marca ..., com a matrícula ...-...-... foi transferida para a Autora, a Sociedade B

 

     - Nos anos 2009, 2010, 2011 e 2012, anos a que reportam as liquidações sob sindicância, o Requerente já não era proprietário do veículo.

 

     - Entretanto, no dia 31 de Maio de 2013, o Requerente foi notificado para se pronunciar, em sede de audição prévia, da liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respeitante ao veículo de matrícula ...-...-....

 

     - Por não se conformar com o referido projecto de liquidação oficiosa, o Requerente apresentou, em 21 de Junho de 2013, um requerimento ao abrigo do seu direito de audição, nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária, nos termos do qual alegou, em suma, que tendo a propriedade do citado veículo sido transferida em 2004, a responsabilidade pelo pagamento do IUC referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 terá, forçosamente, que ser imputada à B

 

     - Não obstante o alegado, o Requerente foi notificado pelo Ofício nº ..., datado de 09/07/2013 da manutenção do acto de liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respeitante ao veículo de matrícula ...-...-..., porquanto “Por consulta aos elementos informáticos disponíveis neste Serviço de Finanças, verifica-se que o veículo com a matrícula supra indicada, encontra-se registada em seu nome, desde 1993/02/15. Não existe qualquer averbamento de cancelamento desta matrícula (…). Por isso, o imposto é devido pelo proprietário que se encontrar registado na data de aniversário da matrícula do veículo.”

 

     - Esgotando os meios administrativos ao seu alcance, o Requerente, em 4 de Novembro de 2013, apresentou Reclamação Graciosa da decisão de manutenção da liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012.

 

     - O Requerente, embora não se tenha conformado com as liquidações adicionais de imposto, e sem prescindir do direito que lhe assistia de reclamar/impugnar os actos tributários que reputa ilegais, procedeu ao pagamento das liquidações de imposto referentes ao exercício de 2009, 2010, 2011 e 2012 em 5 de Novembro de 2013, ao abrigo do princípio solve et repete.

 

     - O Requerente fez esse pagamento ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 151-A/2013, de 31 de Outubro e em vigor até 31 de Dezembro de 2013 – o qual abrangia a dívida tributária em apreço, nos termos do artigo 1º do citado Decreto-Lei nº 151-A/2013 – e, em consequência, regularizou o pagamento do imposto alegadamente devido.

 

     - Por não se conformar com o indeferimento da Reclamação, o Requerente veio apresentar o presente Pedido de Pronúncia Arbitral

 

     - Para fundamentar a sua pretensão alega o Requerente que o artigo 1º, nº 1 do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis (diversas vezes alterado, a última das quais por via da Lei nº 39/2008, de 11/08), estabelece que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.”

 

     - E que, por seu turno, importa ter em conta que o artigo 7º do Código do Registo Predial, aplicável supletivamente ao registo de automóveis, por força do artigo 29º do Código do Registo Automóvel, dispõe que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”

 

     - Ora, dispõe o nº 1 do artigo 3º do Código do Imposto Único de Circulação que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”, ou seja, o que consta na Conservatória do Registo Automóvel.

 

     - Assim sendo, o artigo 3º do CIUC consagra uma presunção legal, ou seja, uma ilação que a lei retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349º do Código Civil).

 

     - Presunção, essa, que, na sua opinião, é ilidível.

 

     - Pois, o artigo 73º da Lei Geral Tributária determina que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.

 

     - Por outro lado, a liberdade de conformação do legislador está limitada por princípios fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa, de que, com relevância para o presente caso, avulta o princípio da igualdade, o qual, no plano tributário, traduz-se na generalidade e abstração da norma que cria os elementos essenciais do tributo, de acordo com a capacidade contributiva de cada um.

 

     - Alega que, o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, mas presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova.

 

     - Pelo que a função legalmente reservada ao registo é a de publicitar a situação jurídica dos bens (in casu, dos veículos), permitindo presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo.

 

     - O registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

 

     - E, constatando-se que à data em que o IUC era exigível (28/02/2009 e anos sucessivos) o Requerente já tinha transferido a propriedade do veículo, verifica-se que o mesmo não poderia ser responsabilizado pelo pagamento do imposto em falta,

 

     - Ainda que o averbamento do registo posterior de propriedade adquirida por dação em pagamento ainda não estivesse concretizado a favor do novo proprietário (in casu, a B).

 

     - Esta é, aliás, na óptica do Requerente, a única interpretação possível à luz do princípio da legalidade, na vertente do princípio a verdade material, a que alude o artigo 103º da Constituição da República Portuguesa.

 

     - Assim, pelas razões expostas, de facto e de direito, deverá a liquidação oficiosa de Imposto Único de Circulação e respectivos juros compensatórios, referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respeitante ao veículo de matrícula ...-...-..., no valor global de € 1.721,00, ser anulada, por ilegal, nos termos do artigo 99º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e em consequência, ser ordenado o reembolso do referido montante (€ 1.721,00) ao Requerente.

 

     - E, caso a interpretação efectuada pela Administração Tributária seja considerada ilegal e venha a ser anulada a liquidação em apreço, deverá o Requerente ser ressarcido pelo período de tempo em que se viu privado da quantia indevidamente cobrada.

 

     - Dispõe, nesse sentido, o artigo 43º da Lei Geral Tributária que são devidos juros indemnizatórios ao sujeito passivo quando se determine, em acção em que se discuta a ilegalidade do tributo, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária superior ao devido.

 

     - Assim, a dar-se provimento à pretensão do Requerente, nos termos do referido preceito legal, são devidos juros indemnizatórios, a calcular desde a data do pagamento do imposto (05/11/2013) até efectivo e integral pagamento, juros esses que deverão ser calculados nos termos do disposto no artigo 43º da Lei Geral Tributária, sobre a quantia efectivamente paga pelo Requerente.

 

     - Com efeito, tendo, em sua opinião, a Administração Tributária aplicado erroneamente as normas referentes à titularidade do veículo para efeito da responsabilidade do pagamento do imposto único da circulação, verifica-se que a liquidação em causa apenas ocorreu pela má interpretação da lei efectuada pela Administração Tributária e não por outra razão – logo, por “erro” a esta imputável.

 

     - Pelo que, para além da quantia acima referida (€ 1.721,00) referente a imposto indevidamente liquidado, o Requerente deverá ainda ser ressarcido através de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento indevido do imposto (05/11/2013) até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, nos termos dos artigos 35º, nº 10, 43º, nº 4 da Lei Geral Tributária, 559º do Código Civil e da Portaria nº 291/03, de 8 de Abril.

 

     - Deverão, igualmente, acrescer os juros vincendos, contados desde a data do Pedido de Pronúncia Arbitral até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa máxima legal em vigor.

 

 

       

F. – RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS

 

     A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, na qual, em síntese, alegou o seguinte:

     - Confirma os actos tributários de liquidação do IUC, referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 e relativos ao veículo com o número de matrícula ...-...-..., consubstanciados nas liquidações oficiosas identificadas nos documentos de cobrança  e no valor de 1.721,00 euros.

 

     - E, que o Requerente apresentou Reclamação Graciosa, em 04/11/2013, por não se conformar com as liquidações em apreço, que foi indeferida por despacho de 16/12/2013 do Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1 e que esse indeferimento constitui o objecto mediato do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

     - Admite que, do ponto de vista das regras do direito civil e do direito predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real

 

     - Impugna a alegada ilegitimidade do Requerente como sujeito passivo do IUC, pelo facto do veículo ter sido entregue, depois de 2004, em dação em pagamento à Sociedade B, e da norma de incidência subjectiva inscrita no nº 1 do artigo 3º do CIUC admitir que a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado possa demonstrar que não é a proprietária do mesmo no período a que o imposto respeita e afaste assim a obrigação que sobre esta recai, porquanto, no seu entender:

 

    - O que se encontra em causa são os actos tributários que consubstanciaram liquidação de IUC, relativo aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, sendo que, estabelece o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

    - O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

     - E que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como bem poderia ter feito.

   

     - O normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do n.º 1 do artigo 3.º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente, consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros.

 

     - Indicando, a título meramente exemplificativo, os artigos 2.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), 2.º, 3.º e 4.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e 4.º, 17.º, 18.º e 20.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

 

    - Conclui, afirmando que a interpretação feita pelo Requerente de que o legislador consagrou no artigo 3º, nº 1 do CIUC, uma presunção como o Requerente refere nos artigos 74º a 81º, seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem.

 

     - Alega, ainda, que o elemento sistemático de interpretação da lei demonstra que a solução propugnada pelo Requerente é intolerável, não encontrando, o entendimento por esta sufragado, qualquer apoio na lei, porquanto tal resulta não apenas do aludido n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, mas também de outras normas consagradas no referido Código.

 

     - Nestes termos, e no mesmo sentido, estabelece o artigo 6.º do CIUC, sob a epígrafe “Facto Gerador e Exigibilidade”, no seu n.º 1, que:

“O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.”

 

     - Da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (sem prejuízo, da permanência de um veículo em território Nacional por período superior a 183 dias, previsto no nº 2 do artigo 6º) geram o nascimento da obrigação de imposto.

 

     - Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que “o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.º”, ou seja, o momento a partir do qual se constitui a obrigação de imposto apresenta uma relação direta com a emissão do certificado de matrícula, no qual devem constar os factos sujeitos a registo.

 

     - E, que, no mesmo sentido, milita a solução legislativa adoptada pelo legislador fiscal no n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, ao fazer coincidir as equiparações aí consagradas com as situações em que o registo automóvel obriga ao respectivo registo.

 

     - Tal posição, está ainda patente na circunstância de o Registo Automóvel a que a Administração Tributária tem ou pode ter acesso, e o certificado no qual devem constar os actos sujeitos a registo, cuja exibição poderá ser exigida pela mesma Administração ao interessado, conterem todos os elementos destinados à determinação do Sujeito Passivo, sem necessidade de acesso aos contratos de natureza particular que conferem tais Direitos, enunciados pelo CIUC como constitutivos da Situação Jurídica de Sujeito Passivo deste Imposto.

 

     - A Administração Tributária, tendo em conta a actual configuração do Sistema Jurídico, não terá que proceder à liquidação do Imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos.

 

     - A não actualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.º do Regulamento do Registo de Automóveis, será imputável na esfera jurídica do Sujeito Passivo do IUC e não na do Estado, enquanto sujeito activo deste Imposto.

 

     - O aceitar-se a tese do Requerente, poria em causa, o prazo de caducidade do imposto, também, inequivocamente, a segurança e certeza jurídicas, assim como, o poder/dever da AT de liquidar impostos.

 

     - Por último, alega que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pelo Requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efetivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que o que o legislador fiscal pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel.

 

     - Em seu entender, o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Isto é, o Imposto Único de Circulação passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.

 

     - Acrescendo que de, acordo com o nº 1 do artigo 6º do CIUC, o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade e registo do veículo, tal como atestado pela matrícula ou registo em território nacional.

 

     - A exigibilidade do imposto considera-se verificada no primeiro dia do período de tributação referido no artigo 4º, nº 2 do CIUC, isto é correspondendo “ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários relativamente aos veículos das categorias A, B, C, D e E, sendo devido pelo proprietário em nome do qual os mesmos se encontrem registados, quer no IMT, quer na Conservatória do Registo Automóvel, à altura do cumprimento da obrigação fiscal, determinado no nº 2 do artigo 4º do CIUC.

 

     - Pelo que, estando a propriedade do veículo com a matrícula ...-...-... registada a favor do Requerente, em situação activa, de acordo com os artigos 1º a 6º do CIUC, encontravam-se reunidos todos os elementos de incidência objectiva, subjectiva e temporal, facto gerador do imposto e exigibilidade para a liquidação do IUC dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, do referido veículo na esfera jurídica do Requerente.

 

     - Resultando, assim, claro que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei.

 

     - Alega, ainda, que a interpretação veiculada pelo Requerente se mostra contrária à Constituição.

 

     - Pois, o sempre propalado princípio da capacidade contributiva não é o único nem o principal princípio fundamental que enforma o sistema fiscal.

 

     - Ao lado deste princípio encontramos outros com a mesma dignidade constitucional, como sejam o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.

 

     - Impondo-se por isso que na tarefa interpretativa do artigo 3.º do CIUC o princípio da capacidade contributiva seja articulado, ou se se preferir temperado, com aqueloutros princípios.

 

     - A interpretação proposta pelo Requerente, uma interpretação que no fundo desvaloriza a realidade registal em detrimento de uma “realidade informal” e insusceptível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária.

 

     - Paralelamente, a interpretação dada pelo Requerente é ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer o Requerente quer a Requerida fazem parte.

     - A posição defendida pelo Requerente é um entendimento que está nas antípodas daquele princípio e da própria reforma da tributação automóvel na medida em que, ao pretender desconsiderar a realidade registal, uma realidade que constitui a pedra angular na qual assenta todo o edifício do IUC, gera para a Requerida, e em última instância para o Estado Português, custos administrativos adicionais, entorpecimento do desempenho dos seus serviços, ausência de controlo do tributo e inutilidade dos sistemas de informação registal.

 

     - Finalmente, a argumentação veiculada pelo Requerente representa uma violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que o desconsidera totalmente no confronto com o princípio da capacidade contributiva, quando na realidade o Requerente dispõe dos mecanismos legais necessários e adequados à salvaguarda daquela sua capacidade (v.g., o registo automóvel), sem que, contudo, os tenha exercitado em devido tempo.

 

     - Acrescendo, para mais, que a conduta do Requerente foi, a vários títulos, omissiva pois, podendo e devendo tê-lo feito, nem diligenciou no sentido de determinar a apreensão do veículo, nem se dirigiu às competentes autoridades solicitando o cancelamento da matrícula do veículo, de que se considera indevido proprietário, nem muito menos, solicitou o cancelamento do registo da propriedade em seu nome.

 

     - Quanto ao pagamento das custas arbitrais, alega que, não tendo o Requerente o cuidado da actualização do registo automóvel, como aliás podia e competia [artigo 5º/1-a) do Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, e artigo 118º/4 do Código da Estrada], e não tendo mandado oportunamente cancelar a matrícula do veículo ou solicitado a sua apreensão, forçoso é concluir que o Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível, levando inexoravelmente a Requerida a limitar-se a dar cumprimento às obrigações legais a que está adstrita e, paralelamente, a seguir a informação registal que lhe foi fornecida por quem de direito.

 

       - Assim sendo, e dado que foi o Requerente que deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, deverá ser este condenado no pagamento das custas arbitrais deste processo, nos termos do art. 527º, nº 1 do CPC.

 

 

G. – QUESTÕES A DECIDIR

 

     Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:

 

     1 – Questão Principal – Interpretação do nº 1 do art. 3º CIUC, de forma a ser determinado se a norma de incidência subjectiva nela inscrita, consagra, ou não, uma presunção legal de incidência tributária, susceptível de ilição, isto é, admite, ou não, que o contribuinte, em nome do qual se encontre o veículo registado na Conservatória do Registo Automóvel, possa demonstrar, através de meios de prova em Direito permitidos, que não é, no período a que o imposto respeita, o seu proprietário, afastando, assim, a presunção de sujeito subjectivo do imposto que sobre ele recai.

 

     2 – Juros indemnizatórios – Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do art. 43º da LGT, no caso de serem anuladas as liquidações e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga.

 

 

H. – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

     1. O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).

 

     2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.

 

     3. Considerada a identidade do facto tributado, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal admite a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos actos tributários que são objecto deste processo, uma vez que estão cumpridos os requisitos estabelecidos no art. 3º, nº 1 do RJAT.

 

     4. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

I. – MATÉRIA DE FACTO

I. 1 – FACTOS PROVADOS

     Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:

      1 - O Requerente foi proprietário do veículo pesado, de marca ..., com a matrícula ...-...-... até ao ano de 2004.

 

      2 – Em 2004, o Requerente entregou o referido veículo à Sociedade B, no âmbito de uma dação em pagamento.

 

      3 – Esta dação em pagamento veio a ser reconhecida por Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de …, no âmbito do Processo nº …, datada de ….

 

      4 – O Requerente transmitiu para a referida Sociedade B, a propriedade do veículo em questão em data anterior às datas a que se reportam as liquidações oficiosas de Imposto Único de Circulação, referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012

 

      5 – No dia 31 de Maio de 2013, o Requerente foi notificado para se pronunciar, em sede de audição prévia, da liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respeitante ao veículo de matrícula ...-...-....

 

      6 – Nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, anos a que reportam estas liquidações o Requerente já não era o proprietário do veículo.

 

      7 –Nas datas destas liquidações do IUC, o averbamento do registo da propriedade do referido veículo ...-...-..., adquirida por dação em pagamento, a favor do novo proprietário B, ainda não estava efectuado.

 

      8 – O Requerente apresentou, em 21 de Junho de 2013, um requerimento ao abrigo do seu direito de audição, face ao disposto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, nos termos do qual alegou, em suma, que tendo a propriedade do citado veículo sido transferida em 2004, a responsabilidade pelo pagamento do IUC referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 teria que ser imputada à B     

 

      9 – O Requerente foi notificado através do Ofício nº ..., datado de 09/07/2013, da manutenção do acto de liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respeitante ao veículo de matrícula ...-...-..., porquanto “Por consulta aos elementos informáticos disponíveis neste Serviço de Finanças, verifica-se que o veículo com a matrícula supra indicada, encontra-se registada em seu nome, desde 1993/02/15. Não existe qualquer averbamento de cancelamento desta matrícula (…). Por isso, o imposto é devido pelo proprietário que se encontrar registado na data de aniversário da matrícula do veículo.”

 

      10 – O Requerente, em 4 de Novembro de 2013, apresentou Reclamação Graciosa da decisão de manutenção da liquidação oficiosa de IUC referente aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, relativamente ao referido veículo.

 

      11 - O Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de imposto referentes ao exercício de 2009, 2010, 2011 e 2012 em 5 de Novembro de 2013, ao abrigo do princípio solve et repete.  

 

      12 – E, efectuou-o, aderindo ao Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, aprovado pelo Decreto-Lei nº 151-A/2013, de 31 de Outubro e em vigor até 31 de Dezembro de 2013, pagando o imposto alegadamente devido (no montante total de € 1.721,00), sendo dispensada ope legis do pagamento dos juros compensatórios.

 

      13 – A Administração Tributária, indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada em 4 de Novembro de 2013.

 

      14 - Em 18 de Março de 2014, o Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

 

I. 2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

     Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

 

I. 3 – FACTOS NÃO PROVADOS

 

     Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

 

 

J. – MATÉRIA DE DIREITO

 

     Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

 

     No Pedido de Pronúncia Arbitral, o Requerente alega que não era proprietário do veículo sub judice à data em que ocorreram os factos tributários que originaram as liquidações de IUC, e, consequentemente, não era sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

     A Requerida Autoridade Tributária assume uma posição oposta relativamente a esta questão da incidência subjectiva do IUC, defendendo que, nos termos do art. 3º, nº 1 do CIUC, é sujeito passivo do IUC a pessoa em nome da qual o veículo se encontre registado na Conservatória do Registo Automóvel, facto este que ocorria com o Requerente, no período em causa.

    

     O art. 3º, nº 1 do CIUC dispõe relativamente a esta matéria controvertida, o seguinte:

 

     “Art. 3º - Incidência subjectiva

               1. São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados

------------------------------------------------------------------------------------------“

 

     Das posições assumidas pelas Partes no presente processo, resulta claro que no fundo a questão se resume a saber se a norma de incidência subjectiva acima transcrita, constante do nº 1 do art. 3º do CIUC, estabelece uma presunção legal, susceptível de ilisão, como pretende o Requerente ou, expressa e intencionalmente, considera as pessoas em nome de quem os veículos estão registados como proprietários para efeito de incidência subjectiva do IUC, como entende a Requerida.

 

     As orientações arrogadas pelo Requerente e pela Requerida quanto a esta matéria e a sua fundamentação estão expostas em síntese, ou com parcial transcrição, em E. e F. do Relatório desta Decisão.

 

     Cumpre, então, decidir:

 

     Um ponto preliminar para se apreciar a questão do valor jurídico do registo automóvel.

 

     O nº 1 do art. 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, que disciplina o registo de veículos automóveis, dispõe que o registo de veículos “tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos… tendo em vista a segurança do comércio jurídico”.

 

     Por seu lado, estabelece o art. 7º do Código do Registo Predial, aplicável ao registo automóvel por força do disposto no art. 29º do referido Decreto-Lei nº 54/75, que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo define”.

 

     Verifica-se, assim, que o registo definitivo é tão-só uma presunção da existência do direito, que admite prova em contrário, constituindo, portanto, presunção ilidível, conforme, aliás, tem sido reconhecido na jurisprudência.

 

     Dado que não existe neste Código qualquer disposição que exija o registo como condição de validade dos contratos, conclui-se que, para se adquirir a qualidade de proprietário de um veículo, basta figurar como comprador num contrato de compra e venda, ou tal resultar de título similar.

 

      Relativamente ao teor da norma em apreço – art. 3º, nº 1 do CIUC -, há que dizer que, conforme reconhecido unanimemente e se encontra consagrado no art. 11º da LGT, as leis fiscais devem ser interpretadas de acordo com os princípios gerais de interpretação, avultando, assim, para o efeito, o preceito fundamental de interpretação que é o art. 9º do Código Civil, o qual fornece as regras e os elementos para a interpretação das normas.

 

      Significa isto que se devem utilizar os instrumentos tradicionais de hermenêutica jurídica, com vista a ser determinado o pensamento legislativo, de acordo com o disposto no art. 9º do Código Civil.

 

      Nesta conformidade, comecemos a interpretação do art. 3º, nº 1 do CIUC, pelo elemento literal, aquele em que se visa detectar o pensamento legislativo que se encontra objectivado na norma, para se verificar se a mesma contempla uma presunção, ou se determina, em definitivo, que o sujeito passivo do imposto é o proprietário que figura no registo.

 

      A questão que se coloca é saber se a expressão “considerando-se” utilizada pelo legislador no CIUC, em vez da expressão “presumindo-se”, que era a que constava nos diplomas que antecederam o CIUC, terá retirado a natureza de presunção ao dispositivo legal em apreço.

 

      A nosso ver, a resposta tem necessariamente de ser negativa, uma vez que da análise do nosso ordenamento jurídico se retira de forma clara que as duas expressões têm sido utilizadas pelo legislador com sentido equivalente, seja ao nível de presunções ilidíveis, seja no quadro das presunções inilidíveis, pelo que nada habilita a extrair a conclusão pretendida pela Autoridade Tributária por uma mera razão semântica.

 

      Na verdade, assim acontece em variadas normas legais que consagram presunções utilizando o verbo considerar, de que se indicam, meramente a título de exemplo, as seguintes:

      No âmbito do direito civil - o nº 3 do art. 243º do Código Civil, quando estabelece que “considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, quando a este haja lugar”;

       também no âmbito do direito da propriedade industrial o mesmo se passa, quando o art. 59º, nº 1 do Código da Propriedade Industrial dispõe que “As invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa, consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho”;

       e, também, no âmbito do direito tributário, quando os nºs 3 e 4 do art. 89-A da LGT dispõem que incumbe ao contribuinte o ónus da prova que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que, não sendo feita essa prova, presume-se (“considera-se” na letra da Lei) que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta no nº 4 do referido artigo;

        

      Esta conclusão de haver total equivalência de significados entre as duas expressões, que o legislador utiliza indiferentemente, satisfaz a condição estabelecida no art. 9º, nº 2 do Código Civil, uma vez que se encontra assegurado o mínimo de correspondência verbal para efeitos da determinação do pensamento legislativo.

 

      Importa, de seguida, submeter a norma em apreço aos demais elementos de interpretação lógica, designadamente, o elemento histórico, o racional ou teleológico e o de ordem sistemática.

 

      Através da análise do elemento histórico, extrai-se a conclusão que, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 59/72, de 30 de Dezembro, o primeiro a regular esta matéria, até ao Decreto-Lei nº 116/94, de 3 de Maio, o último a anteceder o CIUC, foi consagrada a presunção dos sujeitos passivos do IUC serem as pessoas em nome das quais os veículos se encontravam matriculados à data da sua liquidação.

 

      Verifica-se, portanto, que a lei fiscal teve, desde sempre, o objectivo de tributar o verdadeiro e efectivo proprietário e utilizador do veículo, afigurando-se indiferente a utilização de uma ou outra expressão que, como vimos, têm na nossa ordem jurídica um sentido coincidente.

 

      O mesmo se diga quando nos socorremos dos elementos de interpretação de natureza racional ou teleológica.

 

      Com efeito, o actual e novo quadro da tributação automóvel consagra princípios que visam sujeitar os proprietários dos veículos a suportarem os prejuízos por danos viários e ambientais causados por estes, como se alcança do teor do art. 1º do CIUC.

 

      Ora a consideração destes princípios, designadamente, o princípio da equivalência, que merecem tutela constitucional e consagração no direito comunitário, e são também reconhecidos em outros ramos do ordenamento jurídico, determina que os aludidos custos sejam suportados pelos reais proprietários, os causadores dos referidos danos, o que afasta, de todo, uma interpretação que visasse impedir os presumíveis proprietários de fazer prova de que já não o são por a propriedade estar na esfera jurídica de outrem.

 

      Esta interpretação tem assento no disposto no nº 1, do art. 9º do Código Civil, que preceitua que a busca do pensamento legislativo deverá ter sobretudo em conta “a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

 

      Assim, também, da interpretação efectuada à luz dos elementos de natureza racional e teleológica, atento aquilo que a racionalidade do sistema garante e os fins visados pelo novo CIUC, resulta claro que o nº 1 do art. 3º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.

 

      Em face do exposto, importa concluir que a ratio legis do imposto aponta no sentido de serem tributados os efectivos proprietários-utilizadores dos veículos pelo que a expressão “considerando-se” está usada no normativo em apreço num sentido semelhante a “presumindo-se”, razão pela qual dúvidas não há que está consagrada uma presunção legal.

 

      Ora, estabelece o art. 73º da LGT que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis”.

 

      Assim sendo, consagrando o art. 3º, nº 1 do CIUC uma presunção juris tantum, portanto, ilidível, a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, por essa razão foi considerada pela Autoridade Tributária como sujeito passivo do imposto, pode apresentar elementos de prova visando demonstrar que o titular da propriedade é outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.

 

      Analisados os elementos carreados para o processo pelo Requerente, extrai-se a conclusão que este não era proprietário do veículo a que respeitam as liquidações em apreço, por, entretanto, já ter transferido a propriedade do mesmo, nos termos da lei civil.

 

      Estes elementos, constituídos pela dação em pagamento do veículo ...-...-..., efectuada em 2004, a favor da Sociedade B, e reconhecida por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Ourique, no âmbito do Processo nº 71/05.3TBORQ, datada de 25/07/2008, gozam da presunção de veracidade que lhes é conferida pelo art.º 75º, nº 1 da LGT, tendo, assim, idoneidade e força bastante para ilidir a presunção que suportou as liquidações efectuadas.

 

      Esta transmissão de propriedade é oponível à Requerida Autoridade Tributária, porquanto, embora os factos sujeitos a registo só produzam efeitos contra terceiros quando registados, face ao disposto no art. 5º, nº 1 do Código do Registo Predial, a Autoridade Tributária não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que não se encontra na situação prevista no nº 2 do referido art. 5º do CRP, isto é, não adquiriu de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

 

      Nestas circunstâncias, as mencionadas liquidações devem ser anuladas e, consequentemente restituído ao Requerente pela Autoridade Tributária o imposto que indevidamente lhe foi cobrado.

 

      Quanto aos juros indemnizatórios, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, o qual expressamente determina no seu nº 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a administração tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias, para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu nº 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo

Tributário”.

 

      Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29º, nº 1, alínea a) do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

 

      Por seu lado, o art. 43º, nº 1 da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

      Nesta conformidade, coloca-se a questão de, face ao teor do disposto no art. 3º, nº 1 do CIUC, se poder considerar ter havido, ou não, um erro imputável aos serviços na situação vertente.

 

      Analisada a situação, verifica-se que a Autoridade Tributária ao liquidar a IUC nos termos em que o fez, deu cumprimento ao ditame legal estabelecido na referida norma, uma vez que esta atribui a qualidade de proprietário, para os referidos efeitos, ao contribuinte em nome do qual se encontra registado o veículo na Conservatória do Registo Automóvel, sem necessidade de efectuar qualquer prova.

 

      Só após o reconhecimento por este Tribunal que o dispositivo em apreço tem a natureza de presunção legal juris tantum, é que o Requerente está em condições de ilidir a referida presunção, o que veio a fazer e a provar nestes autos, deixando a partir de agora de ser sujeito passivo da obrigação tributária em análise e, em consequência, dever ser reembolsado do imposto pago.

 

      Razão pela qual se conclui pela inexistência de erro imputável aos serviços, pois a Autoridade Tributária tem o direito de liquidar o imposto na forma em que o fez, apesar da norma em apreço estabelecer uma presunção legal, uma vez que lhe não cabe indagar e demonstrar quem é o proprietário, cabendo-lhe, por força do dispositivo legal em causa, liquidar e exigir o IUC a quem, ao tempo, conste no registo como proprietário.

 

      Quanto à responsabilidade pelas custas arbitrais, alega a Requerida que não é responsável pelo seu pagamento, dado que efectuou as liquidações do imposto com os elementos de que dispunha, não podendo ser responsabilizada por o que apelida de “falta de zelo” do Requerente, uma vez que este não actualizou o registo automóvel, não tendo mandado, oportunamente, cancelar a matrícula do veículo, ou solicitado a sua apreensão.

 

      Não pode proceder, porém, este argumento, porquanto a lei é taxativa na imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas à parte que for condenada, face ao disposto nos nºs 1 e 2, do art. 527º do Código do Processo Civil, aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT.

 

      Assim sendo, a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais é da Requerida. 

 

 

L. – DECISÃO

 

 

     Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

 

     a) Julgar procedente, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IUC respeitante aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, relativamente ao veículo de matrícula ...-...-..., e, em consequência

 

     b) Anular os actos tributários de liquidação correspondentes.

 

     c) Julgar improcedente o pedido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor do Requerente.

 

     d) Condenar a Autoridade Tributária a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nº 2 do CPC, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

 

     Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315º, nº 2) e 97º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 1.721,00 euros.

 

     Custas: De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 306,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de Setembro de 2014

 

O Árbitro

 

 

José Nunes Barata

 

 

(Redacção pela ortografia antiga)