Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 271/2014-T
Data da decisão: 2014-10-17  IRC  
Valor do pedido: € 3.718,07
Tema: IRC – Dedutibilidade de perdas por imparidade, nos termos do n.º 2 do artigo 35.º e do artigo 37.º do CIRC
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Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 271/2014 – T

 

Autora / Requerente: BANCO A.., S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante ATA)

 

1. Relatório

Em 19-03-2014, BANCO A…, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do … sob o n.º …, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2014 …, e do ato de liquidação e juros compensatórios n.º 2014 …, relativas ao exercício de 2011.

A Requerente pede a anulação dos referidos atos de liquidação adicional e IRC e de juros compensatórios por entender que as perdas por imparidade constituídas ao abrigo de normais gerais e abstratas emanadas do Banco de Portugal são plenamente dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 35º e do artigo 37º do Código do IRC (CIRC), não sendo aplicável às Instituições de Crédito o disposto no n.º 3 do artigo 45º do CIRC. 

A Requerente alega que foi violado o princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real, consagrado no artigo 104º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) apresentou resposta, em 02-07-2014, defendendo a manutenção do ato tributário sindicado, pedindo a absolvição do pedido, alegando em suma que não é legítimo afastar a aplicação do artigo 45º n.º 3 do CIRC às perdas por imparidade do sector bancário face ao disposto nos artigos 35º n.º 2 e 37º do CIRC.

Foi designada como árbitro único, em 08-05-2014, Suzana Fernandes da Costa. Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 23-05-2014.

A reunião do tribunal arbitral decorreu no dia 19-09-2014 pelas 11:30 horas. No decurso da mesma, os representantes da Requerente da Requerida declararam prescindir da produção de alegações escritas. E foi designado o dia 10-10-2014 para o efeito de prolação da decisão arbitral.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março) e o pedido é tempestivo.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental e testemunhal produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.      A Requerente é uma instituição de crédito, sujeita à supervisão do Banco de Portugal, responsável pelo desenvolvimento da atividade de Banca de Investimento no seio do Grupo A….

2.       A Requerente foi objeto de uma inspeção tributária relativa ao exercício de 2011, que decorreu entre 29-07-2013 e 05-12-2013.

3.      E foi notificada, por ofício n.º … de 07-01-2014, do relatório final de inspeção tributária, no qual a ATA corrigiu a matéria coletável do ano de 2011, acrescendo-lhe o valor de 12.600 €.

4.      Na sequência da referida inspeção, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2014 …, no valor de 246.672,17 €, e da liquidação de juros compensatórios n.º 2014 … no valor de 64,07 € e da demonstração de acerto de contas n.º 2014 …, no valor de 3.718,07 €.

5.      A Requerente procedeu ao pagamento do imposto e dos respetivos juros compensatórios em 18-03-2014.

 

2.2. Factos que não se consideram provados:

 

Não ficou provado que a Requerente tenha prestado qualquer garantia bancária.

 

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental e produzida e nos factos admitidos por acordo das partes.

3. Matéria de direito:

A questão essencial a dirimir nos autos é a de saber se as perdas por imparidade relativas a partes de capital, constituídas ao abrigo de normas gerais e abstratas emanadas do Banco de Portugal são plenamente dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 35.º e do artigo 37.º ambos do Código do IRC, ou se só serão dedutíveis em 50% do seu valor, por foça do n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC.

 

Enquadramento normativo:

a)      Dependência parcial fiscalidade/contabilidade

No Código do IRC acolhe-se a relação de dependência parcial entre o lucro contabilístico e o lucro fiscal (Sobre este princípio ver Castro Tavares, 1999, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 396, 2009, p. 47 e Nina Aguiar: “Modelos normativos de relação entre lucro tributário e contabilidade comercial”, in Fiscalidade nº 13/14, Jan./Abril, 2003, pp. 39-49).

O n.º 1 do art.º 17.º CIRC dispõe que: “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”. A aceitação desta relação com a contabilidade depende do cumprimento do n.º 3 do mesmo artigo.

Decorre do princípio supra enunciado que o legislador aceita as classificações e registos feitos de acordo com o direito contabilístico a não ser nos casos expressos em que o CIRC afaste ou derrogue a aplicação do normativo contabilístico.

A reforma contabilística de 2009 salvaguardou esta relação entre contabilidade e fiscalidade. O DL n.º 159/2009 de 13 de Julho introduziu as alterações ao CIRC necessárias para manter a relação de dependência parcial entre o lucro contabilístico e o lucro fiscal. Como se lê no respetivo preâmbulo:

“Considerando que a estrutura atual do Código do IRC se mostra, em geral, adequada ao acolhimento do novo referencial contabilístico, manteve-se a estreita ligação entre contabilidade e fiscalidade, que se afigura como um elemento essencial para a minimização dos custos de contexto que impendem sobre os agentes económicos, procedendo-se apenas às alterações necessárias à adaptação do Código do IRC às regras emergentes do novo enquadramento contabilístico, bem como à terminologia que dele decorre.

A manutenção do modelo de dependência parcial determina, desde logo, que, sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias, se verifica o acolhimento do tratamento contabilístico decorrente das novas normas”.

b)      Autonomia regulamentar do Banco de Portugal

A União Europeia veio permitir a adoção das Normas Internacionais de Contabilidade nos ordenamentos internos através do art.º 5.º do Regulamento (CE) nº 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho) no seu art.º 5.º (sobre a evolução do direito contabilístico português veja-se o nosso artigo “Novos rumos do Direito Contabilístico: confronto entre a Reforma Espanhola e o SNC português, inserido na obra coletiva: Jornadas de Contabilidade e Fiscalidade- Sistema de Normalização Contabilística”, ISCAP, Vida Económica, 2010).

O Decreto-lei n.º 35/2005 de 17 de Fevereiro, veio legitimar, no seu art. 13.º a regulação pelas entidades supervisoras das contas individuais das empresas sob a sua supervisão, abrindo caminho a tomadas de posição por via regulamentar desses organismos.

Como se lê no preâmbulo:

“No que concerne às empresas sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e do Instituto de Seguros de Portugal, entende-se que, dada a sua especificidade, deve ser conferida às respetivas autoridades de supervisão a competência para estabelecerem o âmbito de aplicação das NIC, em consonância, aliás, com a filosofia que tem vindo a ser seguida em matéria de emissão das normas contabilísticas aplicáveis a estas empresas.”

Por sua vez, em 2006 foi publicada a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2007 e fixou as regras para determinação do lucro tributável adaptadas à nova regulamentação contabilística aplicável ao sector bancário.

A autonomia regulamentar do Banco de Portugal não foi posta em causa com a entrada em vigor do SNC, e com o DL 158/2009 de 13 de Julho.

Segundo o art.º 5.º deste diploma:

“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 4.º, é da competência:

a) Do Banco de Portugal e do Instituto de Seguros de Portugal a definição do âmbito subjectivo de aplicação das normas internacionais de contabilidade, bem como a definição das normas contabilísticas aplicáveis às contas consolidadas, relativamente às entidades sujeitas à respectiva supervisão;

(…)

2 - O disposto no presente decreto-lei não prejudica a competência do Banco de Portugal e do Instituto de Seguros de Portugal para definir:

a) As normas contabilísticas aplicáveis às contas individuais das entidades sujeitas à respectiva supervisão;

b) Os requisitos prudenciais aplicáveis às entidades sujeitas à respectiva supervisão”

No exercício do seu poder de autorregulação o Banco de Portugal emite avisos, que obrigam as entidades sujeitas à sua supervisão.

Assim, as entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal estão obrigadas a aplicar as Normas de Contabilidade Ajustadas (NCA`s), as quais correspondem genericamente às Normas Internacionais de Contabilidade e de Relato Financeiro (IAS/IFRS) tal como adotadas pela União Europeia, na sequência do Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, com algumas exceções, salvaguardadas nos avisos do Banco de Portugal. (Veja-se a este propósito DURO TEIXEIRA, M. e ALMEIDA, A.: “O Impacto fiscal da adopção das Normas Internacionais de Contabilidade no sector financeiro”, O Direito do Balanço e as Normas Internacionais de Relato Financeiro, Coimbra Editora, Coimbra, 2007).

 

c)      As normas do CIRC sobre perdas por imparidade

O artigo 23.º determina que:

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

h) Perdas por imparidade; 

Quanto às perdas por imparidade, o regime-regra previsto no artigo 23.º do CIRC é complementado pelo disposto no artigo 35.º e, especialmente para as empresas do sector bancário, também pelo artigo 37.º do CIRC.

O artigo 35º n.º 2 do CIRC, na recção que vigorava em 2011, dispunha o seguinte:

“2 - Podem também ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade e outras correções de valor contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, quando constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Banco de Portugal, de caráter genérico e abstrato, pelas entidades sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da União Europeia, destinadas à cobertura de risco específico de crédito e de risco-país e para menos-valias de títulos e de outras aplicações.”

 

Ou seja: o artigo 35.º do CIRC, que regula, em concreto, a disciplina a que obedece a dedutibilidade fiscal das perdas por imparidade, estabelece no n.º 1 um regime comum, aplicável à generalidade dos sujeitos passivos de IRC – em que não consta a possibilidade de deduzir qualquer perda por imparidade em títulos de capital que eventualmente detenha em carteira – e no n.º 2 que, reconhecendo as particularidades da actividade bancária, consagra um regime especial admitindo a dedutibilidade para efeitos fiscais das “perdas por imparidade, quando constituídas obrigatoriamente, por força das normas emanadas do Banco de Portugal, de carácter genérico e abstracto (…) para menos-valias de títulos e de outras aplicações”.

Por sua vez, determinava o 37.º do CIRC que:

 “1 - O montante anual acumulado das perdas por imparidade e outras correções de valor para risco específico de crédito e para risco -país a que se refere o nº 2 do artigo 35º não pode ultrapassar o que corresponder à aplicação dos limites mínimos obrigatórios por força dos avisos e instruções emanados da entidade de supervisão.

2 - As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas no número anterior só são aceites quando relativas a créditos resultantes da atividade normal, não abrangendo os créditos excluídos pelas normas emanadas da entidade de supervisão e ainda os seguintes: (…)

4 - Os montantes anuais acumulados das perdas por imparidade e outras correções de valor, referidas no nº 2 do artigo 35º, não devem ultrapassar os valores mínimos que resultem da aplicação das normas emanadas da entidade de supervisão”

A norma do art.º 45.º, 3 CIRC cuja discussão se suscita nos autos, e que correspondia ao artigo 42.º, n.º 3, foi aditada ao Código do IRC pela Lei do Orçamento de Estado para 2003, Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro. 

Originalmente esta norma tinha a seguinte redação:

“3. A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”

Esta norma viria a ser alterada pela Lei do Orçamento de Estado para 2006 (Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro), tendo sido alargado o seu âmbito, passando a prever também a não dedutibilidade de 50% de “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares”.

Subsequentemente, o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho adaptou o Código do IRC ao Sistema de Normalização Contabilística e passou a distinguir entre perdas por imparidade e provisões na determinação do lucro tributável, quando anteriormente tudo era genericamente reconduzido ao conceito de provisão.

 

Da interpretação da norma do art.º 45.º, 3 CIRC

No direito fiscal a interpretação das normas consta do art.º 11.º, da Lei Geral Tributária. Segundo os n.º s 1 e 2 desta norma:

“1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”.

A interpretação fiscal deve ter em conta os elementos gramatical, sistemático, histórico e teleológico.

Seguindo de perto a argumentação constante dos pareceres juntos aos autos pela Requerente, emitidos pelo Professor Sérgio Vasques pelo Dr. Fernando Castro Silva, começaremos por analisar os elementos da interpretação. 

a)      Elemento sistemático

Quanto ao elemento sistemático entendemos que existindo normas expressas que se aplicam às empresas do sector bancário, estas revestem a natureza de norma especial e não se aplicará a norma do art.º 45.º, 3 CIRC. Com efeito o legislador consagra a estas perdas por imparidade constituídas ao abrigo de normas obrigatórias emanadas do Banco de Portugal, um regime especial, no número 2 do artigo 35.º do Código do IRC, salvaguardando especialmente a sua dedutibilidade até aos limites mínimos estabelecidos pela entidade de supervisão. Veja-se que reconhecimento das referidas imparidades constituídas nos termos do Aviso n.º 3/95, não é ilimitado: no artigo 37.º do Código do IRC estabelecem-se limitações específicas no que concerne à concreta dedutibilidade das perdas por imparidade e outras correções de valor contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores constituídas pelas entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal.

Concordamos com a Requerente quando afirma que “ao estabelecer a dedutibilidade das perdas por imparidade constituídas ao abrigo de normas emitidas pela entidade de supervisão, o legislador reconhece, no fundo, que a contabilização das perdas por imparidade é essencial à revelação da situação económica das instituições financeiras e, como tal, não distorce o interesse fiscal tutelado”.

A reforma contabilística de 2009 respeitou o princípio da autorregulação contabilística do sector bancário, por um lado, e o princípio da dependência parcial entre o resultado contabilístico e o resultado fiscal. Teve ainda em conta a estabilidade e solidez do sistema financeiro, salvaguardada no artigo 101.º da Constituição da República Portuguesa

b)      Elemento histórico

A expressão perdas por imparidade”, apenas surgiu com as alterações terminológicas operadas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

Parafraseando parte da resposta da Autoridade Tributária.

“o artigo 45.º do CIRC, sob a epígrafe “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”, elenca uma série de gastos que, embora, contabilizados no período de tributação, não são reconhecidos como encargos fiscalmente dedutíveis, ou cuja dedutibilidade é limitada, mesmo quando se comprove que “sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”; assim, e uma vez que consagra “um regime oposto ao regime-regra”, constitui o artigo 45.º do CIRC uma norma excepcional, em relação ao supra referido artigo 23.º do CIRC.

Mais concretamente, o n.º 3 do art. 45.º prevê uma restrição quanto à dedutibilidade das perdas relativas a partes de capital, as quais concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor, estando aqui incluídas quer “a diferença negativa entre as mais e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de partes de capital”, quer “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares”.

O n.º 3 do art.º 45.º foi introduzido no CIRC com a Lei do Orçamento de Estado para 2003, aplicando-se às menos-valias efectivas resultantes da transmissão onerosa de partes de capital fazendo parte, segundo o Relatório da Proposta do Orçamento que o introduziu, de um conjunto de medidas com o objectivo de facto de combate à evasão fiscal, face à quebra de receita de IRC, das grandes empresas, com intenção de alargamento da base tributável e de introdução de medidas de moralização e de neutralidade do imposto.

Entre essas medidas, conforme se constata na página 34 do Relatório do Ministério da Finanças para o Orçamento de Estado de 2003, constava a medida que limita a dedução da diferença negativa entre as mais e as menos valias realizadas relativas à transmissão de partes de capital em 50%.

Posteriormente, com a Lei do Orçamento de Estado para 2006, foi alargado o seu escopo, passando a abranger também componentes negativas relativas a partes de capital e outras rubricas do capital próprio (“outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital…”).

A LOE 2006 não introduziu nenhuma alteração nem ao art.º 35.º nem ao art.º 37.º do CIRC.

 

c)      Elemento teleológico

Quanto ao elemento teleológico, a norma, quer na sua redação primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se face à motivação expressa pelo legislador, por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à consolidação orçamental das contas públicas.

Se o alargamento do escopo do número 3 do artigo 45.º foi determinado pela intenção de repressão de práticas abusivas, o que está em causa é perceber se as perdas por imparidade se enquadram nos fins visados pelo alargamento da referida norma.

Ora entendemos que não foi intenção do legislador limitar a possibilidade de dedução de perdas por imparidade já limitadas nos termos da lei pelas regras de autorregulação do Banco de Portugal.

Concordamos com a Requerente quando afirma que “apenas se podem reprimir comportamentos que estão na disponibilidade do contribuinte, o que manifestamente não será o caso do registo de perdas por imparidade constituídas obrigatoriamente por força de normas do Banco de Portugal”.

Conforme se reconheceu na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 108/2013-T, a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no actual artigo 45.º/3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigo 23.º e 24.º.

As perdas por imparidade registadas de acordo com as regras do Banco de Portugal não decorrem da vontade do sujeito passivo mas antes das normas regulamentares imperativas emitidas pelo Banco de Portugal. Assim e como se decidiu no processo 108/2013-T, “cessam, manifestamente, de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valometria é objectivamente fixada.”

Se, por um lado, quando a norma do art.º 45.º CIRC foi alargada para outras perdas havia também a intenção de aumentar as receitas e proceder à consolidação orçamental, não nos parece, pelos dados fornecidos no relatório, que fosse intenção do legislador pôr em causa a auto-regulação contabilística do sector bancário nem a relação de dependência parcial do resultado fiscal face ao contabilístico nesse sector.  

d)     Elemento literal

Relativamente ao elemento literal, enfatizado pela ATA na sua resposta, reiteramos o entendimento constante da decisão do CAAD no processo n.º 108/2013-T:  a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no actual artigo 45.º/3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente”.  

Assim, não concordamos com a ATA quando afirma que “o legislador, ao referir-se a “outras perdas relativas a partes de capital”, não as tipificou, deixando assim, intencionalmente, uma “porta aberta” para que aqui se subsumissem todas as perdas, incluindo, por consequência, as perdas por imparidade de constituição obrigatória face às normas emanadas pela entidade supervisora da actividade bancária”.

A norma em apreço deve ter, a nosso ver, uma interpretação restritiva, nos termos explicitados supra.

Conclusão:

Tendo em conta os elementos sistemático, histórico e teleológico entende-se que não devem considerar-se incluídas no n.º 3 do art.º 45.º do CIRC as perdas por imparidade relativas a partes de capital, constituídas ao abrigo de normas gerais e abstratas emanadas do Banco de Portugal.

Da suposta violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real

A Requerente alega que estará a ser violado o princípio da tributação pelo lucro real. O Tribunal Constitucional (no Acórdão n.º 85/2010, de 3 de Março de 2010 (Processo n.º 653/09) e o STA (proc. 204/09 de 20/05/2009) já se pronunciaram sobre a constitucionalidade do referido artigo, e entendemos, em consonância com a jurisprudência, que o referido princípio não estará a ser violado.

Do pedido de pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida

A Requerente, concerteza por lapso, pede a condenação da ATA no pagamento de indemnização por prestação de garantia bancária indevida, nos termos do artigo 53º n.º 1 da Lei Geral Tributária.

No entanto não consta da matéria de facto provada nem dos documentos juntos aos autos, que a Requerente tenha prestado qualquer garantia bancária e por período superior a três anos. Aliás, consta da matéria de facto provada que a Requerente procedeu ao pagamento do imposto e dos respetivos juros compensatórios.

Pelo que tem que improceder o pedido de pagamento de indemnização por prestação de garantia bancária indevida.

 

Dos juros indemnizatórios

Enfermando de ilegalidade a liquidação adicional de IRC n.º2014 … no valor de 246.672,17 €, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento até ao integral reembolso por parte da ATA, nos termos do artigo 43º da LGT e 61º n.º 2 do CPPT.

 

4. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

- julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2014 …, e do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2014 …, relativas ao exercício de 2011.

- julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente, o valor do imposto pago e dos respetivos juros compensatórios, no valor total de 3.718,07 €, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.

- julgar improcedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização por prestação de garantia bancária indevida.

 

5.    Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 3.718,07 €.

 

 

6.    Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 17 de outubro de 2014.

 

 

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular,

 

Suzana Fernandes da Costa