Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 297/2014-T
Data da decisão: 2014-10-30  IRS  
Valor do pedido: € 153.057,36
Tema: IRS – Indemnização por celebração de acordo de revogação de contrato de trabalho
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Processo n.º 297/2014-T

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Maria Forte Vaz e Dr. Henrique Curado, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-04-2014, acordam no seguinte:

 

1.      Relatório

 

A…, NIF …, apresentou, em 27-03-2014, um pedido de constituição do tribunal arbitrai colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º d0 Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pede a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRS de 2010 n.º 2013 …, da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … e da respectiva da demonstração de acerto de contas, em que se apura um saldo a pagar de € 153.057,36, e pretende ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de indemnização pelos custos suportados ou a suportar pela Requerente com a prestação de garantia com vista à suspensão do processo executivo.

O pedido de constituição do tribunal arbitrai foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 31-03-2014 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02-04-2014.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 20-05-2014 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 02-04-2014.

Por despacho de 07-07-2014 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Em 21-07-2014 a requerente veio indicar uma testemunha, requerendo a sua inquirição, pedido deferido por despacho de 25-07-2014 do Tribunal Arbitral, em virtude do qual no dia 23-09-2014 se procedeu à inquirição de uma testemunha e se concedeu quinze dias para alegações escritas das partes.

 

A Requerente apresentou alegações com as seguintes conclusões:

 

A.     O presente estado do processo permite agora concluir que as liquidações de imposto e juros compensatórios são o culminar de um processo inspectivo que, curiosamente, não versou inicialmente sobre a ora Requerente, mas sim sobre a sua anterior entidade patronal - a empresa B....

B.     Ou seja, que na sequência de uma inspecção externa à referida empresa, a AT entendeu iniciar uma inspecção - agora interna - à ora Requerente (senhora Contribuinte).

C.     Os serviços de inspecção tributária propuseram uma correcção ao rendimento da Categoria A declarado pela Requerente em 2010, no sentido de que a indemnização por si recebida em virtude da celebração de acordo de revogação de contrato de trabalho celebrado em 2010 estaria sujeita à previsão da norma contida na alínea a) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, pelo que estaria sujeita na totalidade a imposto.

D.     Nos relatórios de inspecção — preliminar e versão final — os serviços de inspecção tributária procuram criar um cenário no qual a senhora Contribuinte era ainda gerente da empresa B... no momento da celebração do acordo de revogação de contrato de trabalho e que tal acordo era, nessa medida, um acordo de cessação de funções de gerente.

E.     Existem mesmo passagens — falsas e falaciosas — escritas nesses relatórios em que os serviços de inspecção referem que a senhora Contribuinte manteve-se como gerente até à celebração do acordo de revogação de contrato de trabalho e que assinou esse documento nessa qualidade.

F.      Em reacção a essas passagens a senhora Contribuinte - primeiro por carta datada de 6 de Setembro de 2013 (doc. n.º 12 junto ao requerimento inicial), depois, em 11 de Outubro do mesmo ano, no exercício de audição prévio à emissão do Relatório Final (doc. n.º 14 junto ao requerimento inicial) — não se cansou de esclarecer que tinha renunciado em 2009 à gerência da sociedade, pelo que não compreendia como podia a AT alegar que em 2010 ela ainda era gerente.

G.     E mais explicou que renunciou a essa gerência em virtude de um processo de esvaziamento das suas funções na empresa B..., razão mais do que suficiente para a renúncia pois não pretendia manter-se formalmente como gerente quando, na prática, não o era, mais a mais, perante uma «estruturação forçada pela sociedade-mãe que impunha redução de pessoal

H.    Aspecto este referido pela senhora Contribuinte na referida carta datada de 6 de Setembro de 2013 (doc. n.º 12 junto ao requerimento inicial) e que é desenvolvido no requerimento inicial juntando-se documentos que o provam (docs. n.ºs 5 e 6 juntos ao requerimento inicial) e que saiu reforçado de forma inabalável pelo depoimento da testemunha arrolada pela Requerente (que foi directora de recursos humanos precisamente na empresa B...).

I.       A tudo isto acresce que, conforme referido acima, a AT nos relatórios de inspecção invoca como norma supostamente habilitante de tributação o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, norma esta, todavia, apenas susceptível de aplicação a indemnizações atribuídas a gestor público, administrador ou gerente, tudo funções não exercidas pela senhora Contribuinte e que, nessa medida, nunca poderiam justificar a indemnização paga àquela em 2010.

J.      Ou seja, as liquidações adicionais de imposto e de juros compensatórios em crise, ao concretizarem a referida correcção proposta pelos serviços de inspecção assente na referida norma legal, encontram-se em clara violação de lei na medida em que assentam em erro, por inexistência, de pressupostos para sua tributação.

K.     Da mesma forma que tais liquidações, por não revelarem o itinerário motivador da AT — nomeadamente por não se compreender a razão pela qual se aplica uma norma dirigida às indemnizações atribuídas a gerentes a uma situação de uma contribuinte que recebeu uma indemnização por cessação de contrato de trabalho (doc. n.º 10 junto ao requerimento inicial) - se encontram em clara violação de lei, neste caso por vício de forma, tanto mais que os relatórios de inspecção tão pouco são claros sobre o que motivou verdadeiramente a referida correcção e respectivas liquidações adicionais.

L.      Já em sede de resposta ao requerimento inicial de arbitragem, a AT procurou (sem nunca se referir a nenhuma outra norma do Código do IRS...) outra via de justificar o injustificável - ou seja para tributar uma indemnização como tendo sido paga a um gerente quando essa indemnização não foi no caso paga a um gerente -, optando por arremessar a tese de que houve um plano urdido pela senhora Contribuinte para reduzir a tributação da sua indemnização.

M.   Tese, aliás, que também segue contra todos os factos provados ao longo dos presentes Autos posto que a senhora Contribuinte manteve contrato de trabalho dependente com a B... durante doze anos nos quais apenas durante cinco (menos de metade) anos exerceu também funções de gerência... ou seja, nada mais natural - e legal nos termos laborais! - do que receber uma indemnização pela revogação do contrato de trabalho.

N.    Tese também que constitui inequívoca e inadmissível fundamentação a posteriori, sem qualquer fundamento nem substrato (nunca se demonstrando sequer a intenção na obtenção de determinado resultado, nem o recurso a um meio artificial ou fraudulento) sendo, nessa medida, absolutamente irrelevante.

O.     Em suma, tudo se resume ao entendimento da AT segundo o qual onde o legislador se limita a referir «gestor», «administrador e «gerente» — e/r, alínea a) do n.º 4 do artigo 2º do Código do IRS - quereria igualmente dizer director, procurador ou aquele que pratique qualquer acto semelhante aos que são típicos dos gerentes.

P.      Entendimento esse absolutamente inovador (nunca os mandatários tinham visto tal coisa em quase quinze anos de advocacia) e ambíguo na medida em que, segundo esse entendimento, bastaria ser-se director ou procurador para poder ser considerado gerente nos termos da referida norma do Código do IRS.

Q.     Aliás, a conhecida extensão de efeitos de normas fiscais aos denominados gerentes de facto prevista no artigo 24.º, n.º 1, da LGT constitui uma total excepção à ao sistema legal tributário e comercial, e apenas é admissível numa matéria específica e fundamental para efeitos de cobrança como é responsabilidade tributária, nunca podendo tal extensão ser aplicável pata efeitos de incidência como pretende a AT com as liquidações em crise.

R.     Termos em que tal entendimento é atentatório do Principio da Segurança jurídica e põe em causa a determinabilidade exigida, em sede de incidência de impostos, pelo Princípio da Legalidade, conforme se demonstrou no requerimento inicial e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

S.      Com efeito, a norma em causa sujeita IRS a totalidade das importâncias recebidas e relacionadas com a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, não sendo susceptível de aplicação analógica, a qual é proibida de acordo com o n.º 4 do artigo 11.º da LGT.

T.      A esta luz, a interpretação da alínea a) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS no sentido de que, para além de «gestores, administradores e gerentes», esta norma se aplicaria também a «procuradores» ou «directores» é ilegal por violação do n.º 4 do artigo 11.º da LGT e inconstitucional por violação do Princípio da Legalidade ínsito no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

U.     Ora, sendo ilegal a liquidação de imposto em crise, igualmente ilegal será a liquidação dos respectivos juros compensatórios.

V.     Mas acresce ainda que a liquidação de juros compensatórios é também ilegal por vícios próprios do acto, nomeadamente por não respeitar o dever de adequada fundamentação que recaí sobre a generalidade dos actos tributários (incluindo a liquidação de juros), e uma vez que a interpretação dada pela Requerente às relevantes disposições do Código do IRS - alíneas a) e b) do n.0 4 do artigo 2.º - está em completa harmonia com o disposto naquelas normas, e é uma posição a todos os títulos razoável e alicerçada em factos comprovados por documentos e sólidos argumentos jurídicos.

 

Em face da prova produzida e das alegações ora apresentadas, deverá a presente acção arbitrai ser julgada procedente, devendo-se, em consequência e em face das normas legais supra citadas, anular a liquidação de imposto e de juros compensatórios em crise, por vício de forma e vício de violação de lei ordinária e constitucional, tudo nos termos supra mencionados e nos demais de direito que V. Exas. entendam conveniente, com as devidas consequências legais.

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira contra-alegou, dizendo o seguinte:

 

1. Dá-se, aqui, por reproduzido tudo quanto se deduziu em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral.

2. Dizendo ainda, por referência ao depoimento prestado, que:

a) pese embora a tentativa de demonstração da A. de que a renúncia ao cargo de gerência corresponde a uma situação de facto, que não apenas de direito,

b) o certo é que, voltando alegadamente a ser uma mera trabalhadora da empresa, o que não se concede, a A. manteve a mesma remuneração que auferia anteriormente à renúncia, ou seja, na empresa, um gerente aufere, na tese da A., a mesma remuneração que um trabalhador – o que não se tem por possível;

c) Mais, a renúncia forma à gerência, ocorre em momento muito posterior à venda da participação social que a requerente detinha na empresa (vide minutos 00:27:20), facto que a testemunha, reconhecendo, não explica; E,

d) Prosseguindo, também afirma que o alegado motivo para a renúncia – grande tensão vivida na empresa – ocorre já depois da renúncia. O que, manifestamente, concorre para provar que a renúncia formal à gerência visou preparar o abandono da empresa, sem a carga de tributação da indemnização decorrente do exercício das funções de gerência.

e) Acresce, que, confrontada com a questão sobre se a rescisão de contratos seria, ou não, um acto de mero expediente, a testemunha acaba por confessar que tal rescisão abrangia uma negociação, designadamente quanto aos termos do acordo, o que não constitui um acto de mera gestão.

3. Donde se conclui, com os fundamentos constantes do processo inspectivo, e como sustentado na resposta ao pedido, que a requerente, manteve a continuidade das funções que exercia antes da renúncia formal à gerência.

4. É que, ao contrário do que a A. alega, a procuração atribui-lhe poderes latíssimos, que lhe conferem o comando dos destinos da sociedade, podendo, com esses poderes prosseguir em absoluto o objecto social, da B....

5. De resto, em ostensiva violação do nº 5 do art. 252º do CSC.

6. Sendo certo que, ao contrário do que alega, o nº 6 do mesmo artigo, não consente à gerência a faculdade de nomear mandatários ou procuradores da sociedade, de forma irrestrita, como, aliás expressamente consagrado no nº 5 do preceito “os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo”.

 

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2.      Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)     No cumprimento da ordem de serviço n.º 0I2013… datada de 19-07-2013, foi efectuada a inspecção interna parcial de IRS à Requerente;

b)     A acção efectuada respeita ao ano de 2010, tem por código de actividade -…, e caracteriza-se como uma acção interna parcial de IRS.

c)      Em 2009, a Requerente exercia as funções de gerente da sociedade B... -Sociedade de Cosmética, Lda., com o NIF … (doravante “B..., Lda.”);

d)     Em 17-12-2009, a Requerente renunciou à gerência da sociedade, com efeitos a 31-12-2009;

e)     À data da renúncia, a sociedade obrigava-se com a assinatura de dois gerentes ou a de um gerente e de um procurador;

f)       Em 13-01-2010 foi outorgada uma procuração, junta aos autos, que confere à Requerente poderes para obrigar a sociedade em conjunto com outros dois procuradores, mas nunca estes últimos conjuntamente sem a intervenção da Requerente;

g)     Na Certidão Permanente da B... Lda., refere-se o seguinte: "forma de obrigar/Órgãos Sociais: Para obrigar a sociedade em juízo ou fora dele, são necessárias e suficientes as assinaturas de (i) dois gerentes, (ii) um gerente e um mandatário designado ou (iii) um ou mais mandatários designados nos termos das respetivas procurações. Para atas de mero expediente bastará a assinatura de qualquer dos gerentes. "

h)     Os documentos que a Autoridade Tributária e Aduaneira encontrou que obrigavam a B..., Lda perante terceiros, relativos ao período entre 01-07-2009 e 30-06-2010, foram assinados pela Requerente, nomeadamente, meios de pagamento e ordens de pagamento bancárias, acordos de rescisão de contrato de trabalho celebrados entre a B..., Lda., e trabalhadores;

i)       Em 04-02-2010 a autora passou a estar enquadrada na segurança social, como trabalhadora por conta de outrem, mantendo a categoria de directora geral;

j)       Após a renúncia às funções de gerente e até à cessação de funções a Requerente continuou a receber a remuneração que auferia como gerente, que era de € 10.000,00 mensais;

k)     Em 04-03-2010, a Requerente celebrou com a referida sociedade um acordo de cessação de contrato de trabalho, do qual resultou a cessação da relação laboral da Requerente naquela empresa, mediante o pagamento a título de indemnização de € 296.100,00 e uma compensação pecuniária pelo pacto de não concorrência no valor de € 140.000,00, no total de € 436.100,00;

l)       A B..., Lda., apenas considerou ser tributável uma parte da indemnização paga à gerente, de € 20.322,05, não tendo no entanto efectuado quaisquer retenções na fonte sobre o valor da indemnização, sendo aquele valor declarado na declaração mod. 3 da Requerente relativa ao ano de 2010;

m)  A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a indemnização no valor de € 296.100,00 é rendimento de trabalho dependente, não existindo qualquer exclusão que a isente de tributação, pelo que efectuou uma correcção à matéria tributável da Requerente no valor de € 275.777,95 (diferença entre o valor de € 296.100,00 e o valor declarado € 20.322,05);

n)     Notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de efectuar esta correcção, a Requerente pronunciou-se dizendo, além do mais, o seguinte:

Em Agosto de 2004, os anteriores sócios venderam as suas quotas à sócia C... Luxembourg, SARL, a qual vendeu a A... uma quota de 2% e lhe pediu para ser gerente dado que a maioria dos gerentes por si nomeados não eram residentes em Portugal;

As motivações que a levaram a pedir a renúncia à gerência;

Que renunciou à gerência da B..., Lda., por carta de dia 17-12-2009, com efeitos a 31 de Dezembro de 2009, facto registado na Certidão da Conservatória do Registo Comercial;

Em 13 de Janeiro de 2010, vendeu a sua quota 2% na B..., Lda., por imposição contratual;

Em 13-01-2010, foi outorgada uma procuração pela B..., Lda., a 3 funcionários, para actos de mero expediente, não lhe possibilitando enquanto procuradora praticar qualquer acto sozinha e refere sem poder de gestão na filial;

Em 04-02-2010, passou a estar enquadrada na Segurança Social como trabalhadora por conta de outrem, com a actividade de Directora Geral;

o)     A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve a correcção referida por entender, em suma, o seguinte:

«Sobre as funções exercidas por A..., na B..., Lda, no decurso do procedimento inspetivo ao exercício de 2009, que compreendeu análise de documentos que comprovam e suportam fatos ocorridos entre 01/07/2009 e 30106/2010, constatámos que: - Os documentos por nós observados que obrigavam a empresa perante terceiros foram durante todo aquele exercício assinados por A.... Nomeadamente, meios de pagamento e ordens de pagamento bancárias, acordos de rescisão de contrato de trabalho celebrados entre a B..., Lda" e trabalhadores.

O sujeito passivo estava habilitado a representar e obrigar a sociedade B..., Lda, mediante procuração outorgada em 13/01/2010, data que coincide com a data de renúncia de D…, A partir desta data 13/01/2010 os gerentes de direito da B..., Lda são todos não residentes.

Ora conforme clarificado por A..., na carta que nos foi remetida com entrada n.º 082 828 em 09/09/2013 (vd, anexo 5 -ponto 2), os motivos que levaram a C... Luxembourg SARL a lhe venderem a quota e a pedirem em Agosto de 2004, para ser gerente, foi "dado que a maioria dos gerentes por si nomeados não eram residentes em Portugal"

A capacidade de A... para obrigar a sociedade encontra-se equiparada à de um gerente, veja-se a inscrição 6, de 22/01/2010 na Certidão Permanente da B..., Lda" onde publicita "forma de obrigar/Órgãos Sociais:” Para obrigar a sociedade em juízo ou fora dele, são necessárias e suficientes as assinaturas de (i) dois gerentes, (ii) um gerente e um mandatário designado ou (iii) um ou mais mandatários designados nos termos das respetivas procurações, Para atas de mero expediente bastará a assinatura de qualquer dos gerentes."

Atente-se nos poderes conferidos a A..., pela procuração de 13/01/2010, diferentes dos conferidos aos restantes procuradores, uma vez que esta prevê que qualquer situação que obrigue a sociedade B..., Lda, por um procurador, apenas pode ocorrer com o conhecimento e subscrição de A....

Veja-se a procuração de 13/01/2010, em anexo 10, que constitui procuradores:

- A…;

- E…;

- F...;

Sendo a sociedade obrigada "conjuntamente por A… com qualquer um dos outros procuradores, mas nunca estes últimos conjuntamente sem a intervenção da procuradora A... "

Finalmente com referência à ultima alegação formulada pelo sujeito passivo Refere que não é gerente pois "Existem documentos que fazem fé pública - da conservatória do registo comercial - que atestam que eu deixei de ser gerente... como é possível passar por cima desses documentos públicos?", cabe esclarecer que tal não foi por nós invocado, a este respeito concluímos que:

- Até 31/12/2009, A..., foi gerente de direito e de facto da B..., Lda., a partir daquela data até 30/09/2010, continuou a representar e a obrigar a sociedade, foi gerente de facto.

- Em anexo 7, documentamos que após 31/12/2009, A..., levou a cabo a execução do plano de reestruturação da B..., Lda, outorgando pela B..., Lda, os acordos de rescisão que foram celebrados com os trabalhadores.

- A cessação das funções de gerente, não terminaram em 31/12/2009, mas em 30/09/2010, como surge expressamente acordado entre a B... e A..., no "Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho", entre estas celebrado;

p)     Na sequência da correcção à matéria tributável da Requerente no valor de 275.777,95, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRS de 2010 n.º 2013 …, datada de 22-11-2013, com base na demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … e na respectiva da demonstração de acerto de contas, em que se apura um saldo a pagar de € 153.057,36, em que está incluída a quantia de € 13.336,63 de juros compensatórios, com data limite de pagamento de 24-01-2014;

q)     A Requerente começou a trabalhar na B..., Lda., e, 1998 e passou a exercer as funções de gerente desde 2004 (depoimento da testemunha H...);

r)      Aquela empresa em 2009 estava inserida no grupo C... COMPANIES, de natureza multinacional, com actividade em 146 países, normalmente através de filiais (depoimento da testemunha H...);

s)      A partir da crise com o Banco LEHMAN BROTHERS a C... decidiu recrutar um novo CEO, o italiano G…, que entrou especificamente para dentro da companhia para fazer uma restruturação de toda a organização a nível mundial (depoimento da testemunha H...);

t)       Por volta de Setembro de 2009, começou a reestruturação, tendo sido anunciado que a estrutura portuguesa iria fazer um cluster com a estrutura espanhola, que se traduzia em que as duas filiais ibéricas iriam juntar forças e trabalhar como se fossem uma só filial (depoimento da testemunha H...);

u)     A nova estrutura implicou a diminuição de trabalhadores, havendo um objectivo de poupança de 2,4 milhões de euros (depoimento da testemunha H...);

v)     Desde que houve a entrada do novo CEO, as funções de gerência em Portugal começaram a ser muito esvaziadas (depoimento da testemunha H...);

w)    A C... criou uma sede europeia em Paris e era nessa sede que eram tomadas as decisões, a nível dos objectivos de vendas e investimentos (depoimento da testemunha H...);

x)     A partir de Novembro, chegou ao conhecimento da Requerente e da testemunha que a pretendida poupança de 2,4 milhões de euros deveria ser gerada apenas por Portugal, o que criou mal-estar e um sentimento de insatisfação com a própria reestruturação (depoimento da testemunha H...);

y)      As indicações de sobre a reestruturação traduziam-se em cortar várias funções, como as do Director de Marketing, as do departamento financeiro e as do departamento logística e progressivamente eram pedidos mais sacrifícios (depoimento da testemunha H...);

z)      A Requerente era muito conceituada internacionalmente dentro da empresa (depoimento da testemunha H...);

aa) A Requerente embora discordasse da reestruturação continuou a trabalhar na empresa (depoimento da testemunha H...);

bb) A partir de finais de 2009, quando a Requerente renunciou à gerência, esta passou a ser exercida, de facto, por um espanhol, chamado I..., que estava em Paris, sendo todas as decisões tomadas em Paris e que em Portugal eram implementadas (depoimento da testemunha H...);

cc)  Em Portugal, a partir de finais de 2009 passou a existir apenas uma gerência formal (depoimento da testemunha H...);

dd)A partir de Janeiro de 2010, passou a existir gerente apenas em Paris (depoimento da testemunha H...);

ee) A Requerente, embora continuasse a trabalhar depois de se ter iniciado a reestruturação, considerava injustos os cortes de pessoal em Portugal e expôs por escrito a sua opinião à gerência da B... Lda., na sequência do que esta reagiu, enviando a Portugal o seu Vice-Presidente dos recursos humanos para a Europa, o que culminou com o acordo de cessação do contrato da Requerente (depoimento da testemunha H...);

ff)    Em 27-03-2014, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a Requerente, entre 01-0-1-2010 e 30-09-2010, exercesse, de facto, funções de gerente da B... Lda.

 

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto baseia-se, em geral, no Relatório da Inspecção Tributária e, nos pontos indicados, no depoimento da testemunha F....

Esta testemunha teve intervenção directa no processo de restruturação referido na matéria de facto e aparentou depor com isenção.

 

3.      Matéria de direito

 

A Requerente imputa vários vícios ao acto de liquidação de IRS e juros compensatórios cuja anulação pede.

O artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, estabelece uma ordem de conhecimento de vícios, que pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Nos termos da alínea b) do n.º 2 do referido artigo 124.º, sendo imputados ao acto vícios de forma e vícios de violação de lei substantiva, deve começar-se por apreciar o vício de erro sobre os pressupostos de facto, pois a eventual anulação que nele se baseie proporciona à Requerente estável e eficaz tutela dos seus interesses.

 

3.1. Vícios relativos à qualificação da indemnização por cessação do contrato

 

A tese subjacente à correcção efectuada à matéria tributável da Requerente é a de que se está perante um «esquema construído nos últimos meses de 2009 e início de 2010» visando afastar a tributação que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu incidir cobre indemnizações resultantes da cessação de funções de gerente, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS.

O fundamento da posição da Autoridade Tributária e Aduaneira consiste nos factos:

– em 13-01-2010, foi outorgada uma procuração que confere à Requerente poderes para obrigar a sociedade em conjunto com outros dois procuradores, mas nunca estes últimos conjuntamente sem a intervenção da Requerente;

– os documentos que a Autoridade Tributária e Aduaneira encontrou que obrigavam a B..., Lda perante terceiros, relativos ao período entre 01-07-2009 e 30-06-2010, foram  assinados pela Requerente, nomeadamente, meios de pagamento e ordens de pagamento bancárias, acordos de rescisão de contrato de trabalho celebrados entre a B..., Lda., e trabalhadores (página 7 do Relatório da Inspecção Tributária).

 

No entanto, como se refere no Relatório da Inspecção Tributária na Certidão Permanente da B..., Lda., refere-se como forma de obrigar «Para obrigar a sociedade em juízo ou fora dele, são necessárias e suficientes as assinaturas de (i) dois gerentes, (ii) um gerente e um mandatário designado ou (iii) um ou mais mandatários designados nos termos das respetivas procurações. Para atos de mero expediente bastará a assinatura de qualquer dos gerentes. "

Por aqui se vê que, para obrigar a sociedade não era necessário ter a qualidade de gerente, pois previa-se a possibilidade de a sociedade se obrigar através de mandatários, mesmo um apenas, designado nos termos das respectivas procurações.

Por isso, o facto de a Requerente ter assinado documentos obrigando a sociedade não implica que a Requerente estivesse a exercer a gerência de facto, pois a qualidade de procuradora permitia-lhe praticá-los.

Por outro lado, a prova produzida na inquirição, foi no sentido de não haver qualquer «esquema construído nos últimos meses de 2009 e início de 2010» para camuflar exercício de funções de gerência em 2010, tendo a Requerente efectivamente deixado de exercer as funções de gerente no que elas tem mais característico que é a possibilidade de formular opções de gestão da sociedade. Na verdade, como resulta do depoimento da única testemunha apresentada, a gestão da sociedade, no ano de 2010, era feita do estrangeiro.

Nem se percebe, neste contexto factual, a invocação do artigo 252.º, n.ºs 5 e 6 do Código das Sociedades Comerciais, em que se estabelece que «os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo», mas isso «não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa».

Na verdade, estas normas só corroboram a tese da Requerente, já que não há dúvida de que esta renunciou à gerência com efeitos a partir de 31-12-2009 e, à face destes normas, a pessoa que passou a exercer a gerência (o espanhol I...) não se podia fazer representar no exercício do cargo pela Requerente, só podendo nomeá-la mandatária ou procuradora. Portanto, a Requerente não exerceu as funções de gerente de direito nem como procuradora, pois a lei não permite o exercício de funções desta forma.

No que concerne a ter sido mantida depois da renúncia a remuneração anterior, tal não implica que as funções fossem as mesmas, significando apenas que passou a exercer funções remuneradas da mesma forma, seja qual for a razão, que não foi apurada, mas pode ser mesmo obrigação contratual ou acordo das partes interessadas. Designadamente, neste contexto, não pode deixar de ter-se em mente que se está perante o exercício de funções especiais, com remuneração invulgarmente alta (€ 10.000 mensais), certamente justificada por competências excepcionais na área em causa, e que a preocupação da protecção dos interesses da empresa após a cessação de funções até justificaram uma indemnização por cessação de funções invulgarmente alta (€ 436.100,00). Esta indemnização, em que parte se refere a um pacto de não concorrência, revela que a empresa teria preocupações mais importantes em relação à cessação das funções de gerente pela Requerente do que baixar-lhe a remuneração, pois, substancialmente, até lhe pagou a inactividade posterior ao exercício de funções, na área a que a empresa se dedica.

Por isso, o facto de não ter baixado a remuneração não pode considerar-se um indício de que a Requerente tenha continuado a exercer as mesmas funções, apos a renúncia.

Por outro lado, como pertinentemente nota a Requerente no artigo 127.º do pedido de pronúncia arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira não accionou o procedimento especial de aplicação da cláusula geral antiabuso, previsto no artigo 63.º do CPPT, e seria a aplicação dessa cláusula, que consta do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, a única via admissível para tornar ineficaz, para efeitos fiscais, o acto de renúncia à gerência. Não tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira feito uso desse procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso, o acto de renúncia produz o efeito que a lei lhe atribui de extinção da qualidade de gerente (artigo 256.º do Código das Sociedades Comerciais). 

Nestas condições, tem de se concluir que a Requerente não exerceu as funções de gerente no ano de 2010, pelo que a correcção efectuada, ao assentar no pressuposto de que ocorreu tal exercício pela Requerente no ano de 2010, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação [artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

3.2. Vício de conhecimento prejudicado

 

Concluindo-se pela anulação da liquidação de IRS e juros compensatórios com estes fundamentos fica prejudicado, por ser inútil, a apreciação do vício de falta de fundamentação que a Requerente imputa ao acto

 

4. Pedido de indemnização pelos custos em que o Requerente incorrer com a prestação de garantias para suster execução fiscal

 

O Requerente formula, no final do pedido de pronúncia arbitral e das alegações, pedido indemnização pelos custos em que o Requerente incorrer com a prestação de garantias para suster execução fiscal.

Não se provou que tivesse sido instaurada execução fiscal para cobrança da quantia liquidada nem que o Requerente tivesse prestado qualquer garantia. 

O processo arbitral é meio adequado para o reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada, pois é aplicável subsidiariamente o artigo 171.º do CPPT, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1,alínea c), do RJAT.

Porém, o que se estabelece naquele artigo 171.º é que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

Por isso, só quando a garantia é «prestada» é que poderá ser requerido o direito à indemnização, podendo essa prestação ocorrer na própria pendência do processo, situação em que constituirá facto superveniente, invocável nos termos do n.º 2 do artigo 171.º do CPPT.

Aliás, é essa a solução que se compagina com o papel dos tribunais, como serviço de justiça, pois a sua função é resolver litígios concretos existentes e não meramente hipotéticos ou abstractos. Por isso, se for pedido o reconhecimento do direito a indemnização antes da prestação da garantia, o pedido deverá improceder, sem prejuízo de poder ser formulado esse pedido na pendência do processo, se a prestação da garantia entretanto ocorrer, pois, neste caso, estar-se-á perante um fundamento superveniente, invocável no prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do art. 171.º do CPPT.

Assim, não sendo alegado e provado que foi prestada garantia, tem de ser julgado improcedente o pedido de reconhecimento do direito a indemnização, sem prejuízo de esse direito poder vir a ser reconhecido inclusivamente em execução de julgado, caso tal prestação ocorra.

 

5. Decisão

 

 

            De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)    Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto ao pedido de anulação da liquidação adicional de IRS de 2010 e juros compensatórios n.º 2013 …, datada de 22-11-2013, em que se apura um saldo a pagar de € 153.057,36;

B)    Anular a referida liquidação;

C)    Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é pedida a indemnização por garantia, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido nesta parte.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 153.057,36.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.120,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30-10-2014

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Maria Forte Vaz)

 

 

 

 

(Henrique Curado)