Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 344/2014-T
Data da decisão: 2014-12-19  IMT  
Valor do pedido: € 26.073,84
Tema: IMT - isenção de IMT previsto no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, utilidade turística
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Processo n.º 344/2014-T

 

            I – Relatório

 

            1.1. A..., Investimentos Imobiliários, S.A., NIPC …, com sede na … (doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada do acto de liquidação adicional de IMT, no valor de €26.073,84, referente à fracção AI do prédio urbano ... da freguesia de Quarteira (adquirida à sociedade B..., Investimentos Imobiliários, S.A., em 2005), apresentou, a 18/4/2014, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º e ss. do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em conjugação com a al. a) do art. 99.º e al. d) do n.º 1 do art. 102.º, ambos do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a "anulação do [referido] acto e com todas as demais consequências legais".

 

            1.2. Em 27/6/2014 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo, em 1/7/2014. A AT apresentou a sua resposta em 15/9/2014, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da requerente.

 

            1.4. Por despacho de 23/11/2014, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, als. c) e e), e art. 19.º, n.º 1, do RJAT, ser dispensável, por se considerar desnecessária, a realização de diligência de prova solicitada pela requerente, assim como a reunião do art. 18.º do RJAT, e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 19/12/2014 para a prolação da decisão arbitral.

           

            1.5. Por despacho datado de 2/12/2014, o Tribunal reiterou o entendimento constante do despacho de 23/11/2014. Em requerimento de 28/11/2014, a requerente pediu, também, a junção aos autos da prova testemunhal produzida em dois processos arbitrais (n.os 102/2014-T e 110/2014-T) e relativa a duas das testemunhas inicialmente arroladas pela ora requerente, e das decisões arbitrais proferidas nos processos n.os 122/2014-T e 301/2014-T. Por despacho, o Tribunal ordenou a referida e solicitada junção.

            1.6. Atendendo ao art. 19.º do RJAT, e em nome dos princípios de livre apreciação de prova e autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e, ainda, considerando que o contraditório e a igualdade das partes foram plenamente assegurados, e que, além do mais, o que se pretende, em sede arbitral, é a obtenção em prazo razoável de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, considera-se (e considerou-se) desnecessária a produção de alegações escritas e demais prova solicitada pela ora requerente, não se justificando, por essa razão, a prorrogação do prazo da decisão estabelecido no art. 21.º do RJAT.  

 

            1.7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Fundamentação: A Matéria de Facto

 

            2.1. Vem a requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) "a correcta interpretação do n.º 1 do art. 20.º do [...] Decreto-Lei n.º 423/83 dita que se incluam no seu âmbito as transmissões efectuadas para os adquirentes das fracções, beneficiando estes do mesmo estatuto que o legislador quis conferir ao promotor imobiliário"; b) "[o referido art. 20.º não] exige que seja o próprio adquirente a praticar ou promover todos os actos (materiais e jurídicos) de instalação do empreendimento de utilidade pública/fracção que adquiriu, mas, tão só, que destine o imóvel que adquiriu a essa instalação, pelo que os actos necessários ao processo de instalação do empreendimento podem estar a ser realizados por outra entidade"; c) "apesar do RJIEFET não apresentar a noção ou a definição do conceito de "instalação", verifica-se que ele próprio distingue duas fases bem distintas: a fase da instalação [e a da] exploração e funcionamento [o que significa que] [...] a instalação só termina quando está concluído não só o procedimento relativo ao licenciamento e autorização para a realização de operações urbanísticas relativas à construção como, também, o procedimento destinado a permitir ou viabilizar o funcionamento do empreendimento, tornando-o apto à realização da exploração turística"; d) "no caso de empreendimentos turísticos em propriedade plural, [tal] pressupõe não só a construção e licenciamento das unidades de alojamento que integram o conjunto imobiliário e o estabelecimento como unidade organizacional, nomeadamente a obtenção da respectiva Licença de Utilização Turística, como, também, que essas unidades de alojamento estejam em condições de operarem como tal - ou de nelas serem prestados os serviços obrigatórios da categoria atribuída ao empreendimento"; e) "porque [a] comercialização [de cada uma das unidades de alojamento do empreendimento turístico] é gradual, o estabelecimento vai sendo instalado à medida que cada uma das unidades de alojamento vai sendo vendida, o que se coaduna com a norma contida no n.º 8 do art. 30.º do RJIEFET, que prevê precisamente a possibilidade da instalação faseada dos empreendimentos turísticos"; f) "a aquisição [da] fracção autónoma pela Requerente [destinou-se] [...] a «habitação no âmbito de serviços de exploração turística», pelo que não se pode afirmar que a aquisição dessa fracção se destinou à habitação da Requerente"; g) "a aquisição [da] fracção [destinou-se] a permitir a continuidade do processo de instalação [do] empreendimento de utilidade turística, concorrendo para que ele pudesse passar, progressivamente, à fase de funcionamento e exploração, com a abertura gradual ao público das suas unidades funcionais de alojamento até à sua completa e total instalação [pelo que a] aquisição [ora em causa] goza da isenção objectiva prevista no citado artigo 20.º, porque teve por destino a instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística"; h) "por todo o exposto, a primeira aquisição de cada fracção autónoma, enquanto unidade de alojamento do empreendimento turístico C... integra[-se] ainda no processo de instalação deste empreendimento, reunindo as condições legais para beneficiar da redução de imposto de selo prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, dada a utilidade turística reconhecida a este empreendimento pelo Senhor Secretário de Estado do Turismo e que abrange todas as unidades que o compõem"; i) "o referido artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 existe como complemento [ao art. 39.º-A] do CIMSISSD, sendo o seu âmbito, por maioria de razão, extensível aos adquirentes das fracções que, por essa via, participassem na instalação do empreendimento e, assim, no fomento da actividade turística"; j) "a coerência sistemática impõe que se releve como parâmetro de interpretação o facto de existir uma isenção em sede de [...] IMI [contida no art. 47.º, n.º 1, do EBF] para os proprietários de prédios integrados em empreendimento a que tenha sido atribuída a utilidade turística"; l) "na medida em que os adquirentes se apresentaram como promotores - e dinamizadores da actividade turística - , estão os mesmos claramente abrangidos pelo âmbito do benefício fiscal concedido pelo artigo 20.º do citado Decreto-Lei n.º 423/83"; m) "a AT empreendeu uma actuação manifestamente contrária aos [...] princípios [de certeza e segurança jurídica a que está adstrita], pondo em causa os direitos adquiridos da Requerente e os princípios de boa-fé e transparência que devem nortear a sua actuação"; n) "no caso em apreço estavam plenamente reunidos todos os requisitos formais e substanciais para a concessão do benefício, pelo que, nestes termos, o acto de liquidação que o revoga é, de per si, ilegal [não podendo proceder] ainda, nos termos expostos, a revogação da concessão do benefício fiscal, nos termos do [...] artigo 141.º do CPA."    

 

            2.2. Conclui a ora requerente que, "por ser manifesta a violação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do [...] Decreto-Lei n.º 423/83, a liquidação reclamada é ilegal e deve ser anulada", pelo que se requer a "anulação do mesmo e com todas as demais consequências legais".  

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) que, "a aquisição efectuada pela Requerente, já em momento posterior ao da licença de utilização e, por conseguinte, depois da fase de instalação do empreendimento turístico, destina-se à exploração comercial"; b) que "a argumentação da recorrida no sentido de que o benefício consagrado no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 tem em vista a exploração turística e que os beneficiários são os adquirentes das fracções ou unidades de alojamento, não tem o mínimo de cabimento nem na letra nem na razão de ser do preceito [porque o] benefício só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades"; c) que "ainda que se considerasse que a aquisição em causa ocorrera ainda durante a fase de construção/instalação do empreendimento, [...] seria forçoso considerar, como o faz o [Ac. citado: Acórdão do STA de 23/1/2013], que “eventuais vendas das unidades de alojamento realizadas ainda durante a fase de construção/instalação do empreendimento já fazem parte da exploração do mesmo"; d) que, "sobre o aduzido nos art. 12.º a 17.º da PI, importa referir que apenas a AT tinha competência para se pronunciar sobre o enquadramento jurídico-tributário da operação controvertida e de se vincular a esse entendimento e simultaneamente gerar no Requerente uma expectativa legítima juridicamente protegida quanto a esse entendimento, no âmbito de uma informação vinculativa que o Requerente não pediu, [pelo que, não tendo] pedido à AT que, ao abrigo do art. 68.º da Lei Geral Tributária (LGT) se pronunciasse [...] não pode agora invocar o entendimento que o Notário ou o Conservador [...] fizeram da norma"; e) que, "sobre o aduzido nos art. 18.º a art. 40.º da PI, é o próprio Requerente que reconhece que a aquisição da referida fracção se destinou, justamente, à exploração comercial, mais referindo que cedeu à D... – ..., S.A., o direito exclusivo de exploração da fracção através de um “contrato de exploração turística [pelo que decorre do entendimento exposto que] a AT discorda em absoluto que a Requerente tenha actuado como promotora do empreendimento”; f) que, quanto à "interpretação sistemática pugnada pela Requerente nos art. 117.º a 124.º da PI falece de qualquer sustentação legal uma vez que o IMI e o IMT são impostos que visam tributar realidades distintas"; g) que, "sobre o aduzido nos art. 121.º a 128.º da PI, não consta provado nos autos que a Requerente através da aquisição da aludida fracção tenha impulsionado o empreendimento e contribuído como garante da sua concretização, tanto mais que a aquisição da aludida fracção veio a ocorrer em momento posterior ao da concessão da licença de utilização turística n.º … de 30/09/2005, pela CM Loulé"; h) que, "sobre a alegada violação dos princípios da segurança e certeza jurídicas, ou da existência de uma qualquer injustiça grave, a tese propugnada pelo Requerente carece de qualquer sustentação legal"; i) que "o benefício fiscal de isenção de IMT previsto no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 é um benefício de natureza automática, de decorre directa e imediatamente da lei, ou seja, opera por efeito da lei sem carecer da prática de qualquer acto administrativo, seja ela um acto expresso ou tácito".

 

            Em síntese, a AT sustenta que "a presente acção [deve] ser julgada improcedente, absolvendo a entidade Requerida do pedido, com as demais consequências legais."

 

            2.4. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A requerente é uma sociedade que tem por objecto a "compra para revenda de imóveis, negócios de compra e venda de imóveis, construção de imóveis, promoção imobiliária, gestão de imóveis próprios e prestação de serviços de administração imobiliária" (vd. doc. 4 apenso aos autos).

 

            ii) No âmbito da sua actividade, a requerente adquiriu, em 27/12/2005, a fracção "AI" do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Quarteira sob o n.º ..., destinado a Serviços, integrado no empreendimento turístico "C...", sito na ….

 

            iii) O imóvel foi adquirido à empresa "B... - Investimentos Imobiliários, S.A.", por escritura pública de compra e venda.

 

            iv) No âmbito da acção inspectiva efectuada ao abrigo da OI2013…, a requerente foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projecto de relatório. A requerente exerceu esse direito e a IT manteve o seu entendimento, convolando o projecto de relatório em definitivo. As correcções sancionadas pela IT originaram a liquidação de IMT controvertida.

 

            v) Sobre o imóvel supra descrito, foi publicado, em DR, o Aviso n.º …/2007, da Direcção Geral do Turismo, que refere que, por despacho do Sr. Secretário de Estado de 7/5/2007, foi confirmada a utilidade turística atribuída a título prévio ao empreendimento turístico denominado "C...", "valendo pelo prazo de sete anos, contado a partir da data da emissão da licença de utilização turística pela Câmara Municipal de Loulé em 30 de Setembro de 2005".

 

            vi) Verifica-se, assim, que, à data da aquisição da fracção acima identificada, a licença de utilização turística já tinha sido emitida.           

 

            vii) A fracção da requerente é uma das unidades de alojamento individualizadas e autónomas que integram o empreendimento turístico "C...". Através de contrato com a "D... - , S.A." (vd. doc. 5 apenso aos autos), a requerente abdicou deliberadamente da livre fruição do seu imóvel adquirido em benefício da exploração turística e comercial do mesmo.

 

            2.5. Consideram-se não provados os seguintes factos:

 

            i) A actuação da requerente como co-financiadora do empreendimento turístico "C...".

           

            III – Fundamentação: A Matéria de Direito

 

            No caso ora em análise, a questão de direito controvertida essencial é a de saber se "a isenção de que a Requerente beneficiou na aquisição da [...] fracção à sociedade B..., Investimentos Imobiliários, S.A., em 2005, ao abrigo do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro [...] foi reconhecida indevidamente pelo notário", i.e., por outras palavras, saber se, no presente caso, a requerente foi co-financiadora (e se o empreendimento já estava instalado no momento da aquisição da fracção). 

 

            Vejamos, então.

 

            Por ser em tudo idêntica à questão que foi apreciada e decidida pelo STA, no recente Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, de 23/1, mostra-se necessário, ab initio, atender ao que o mesmo dispõe, fazendo, para tal, uma referência aos pontos principais do seu sumário.

 

            Assim, notem-se os seguintes pontos:

           

            "II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º ss).

            III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.

            IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

            V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.

            VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

            VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).

            VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.

            IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.

            X – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.°/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.°/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante."

 

            Note-se, ainda, que este entendimento foi confirmado, sucessiva e consistentemente, pelo STA, em processos idênticos, como foi o caso, por exemplo, dos seguintes Acórdãos: Acórdãos de 23/1/2013, processos n.º 969/12, 1001/12 e 1005/12; Acórdãos de 30/1/2013, processos n.º 971/12, 972/12, 999/12, 1003/12 e 1193/12; Acórdãos de 6/2/2013, processos n.º 1000/12 e 1168/12; Acórdãos de 17/4/2013, processos n.º 1023/12, 1070/12 e 1002/12; Acórdão de 30/4/2013, processo n.º 973/12; Acórdão de 11/9/2013, processo n.º 1049/13; Acórdão de 9/10/2013, processo n.º 1040/13; e Acórdão de 17/9/2014, processo n.º 1228/13.

 

            Perante tão clara e inequívoca jurisprudência formada a respeito de casos similares ao aqui em consideração - e concordando-se com a mencionada jurisprudência -, mostra-se muito relevante a avaliação do presente caso à luz da mesma.

 

            Nesses termos, observa-se que não assiste razão à requerente:

 

            a) Quando alega que "a correcta interpretação do n.º 1 do art. 20.º do [...] Decreto-Lei n.º 423/83 dita que se incluam no seu âmbito as transmissões efectuadas para os adquirentes das fracções, beneficiando estes do mesmo estatuto que o legislador quis conferir ao promotor imobiliário" - porque, como explicita o Acórdão acima citado, a mera "aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento" não é visada pela norma em causa.

 

            b) Quando alega que "[o referido art. 20.º não] exige que seja o próprio adquirente a praticar ou promover todos os actos (materiais e jurídicos) de instalação do empreendimento de utilidade pública/fracção que adquiriu, mas, tão só, que destine o imóvel que adquiriu a essa instalação, pelo que os actos necessários ao processo de instalação do empreendimento podem estar a ser realizados por outra entidade" - porque, como decorre do Acórdão citado, "quem adquire as fracções não se torna [ipso facto] um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor". A este respeito, convém notar que decorre da leitura dos autos que a ora requerente não foi co-financiadora do empreendimento.

              

            c) Quando alega que, "no caso de empreendimentos turísticos em propriedade plural, [tal] pressupõe não só a construção e licenciamento das unidades de alojamento que integram o conjunto imobiliário e o estabelecimento como unidade organizacional, nomeadamente a obtenção da respectiva Licença de Utilização Turística, como, também, que essas unidades de alojamento estejam em condições de operarem como tal - ou de nelas serem prestados os serviços obrigatórios da categoria atribuída ao empreendimento" - porque, como decorre, de forma explícita, da leitura do aresto acima citado, não se tratando da "aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim [d]a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83."

 

            d) Quando alega que "a aquisição [da] fracção [se destinou] a permitir a continuidade do processo de instalação [do] empreendimento de utilidade turística, concorrendo para que ele pudesse passar, progressivamente, à fase de funcionamento e exploração, com a abertura gradual ao público das suas unidades funcionais de alojamento até à sua completa e total instalação" - porque, como decorre do que se disse, e está suficientemente fundamentado no aresto citado, a aquisição da fracção (e o mesmo se diga quanto à celebração de contrato com a "D... - ..., S.A.") insere-se no âmbito da exploração do empreendimento (note-se, a este respeito, que tal verificar-se-ia ainda que a referida aquisição tivesse decorrido durante a fase de construção/instalação do mesmo, algo que, como decorre dos autos e dos factos considerados provados, não sucedeu, tendo decorrido posteriormente).

 

            Em face do exposto, verifica-se que a AT agiu em estrita observância dos comandos legais aplicáveis, não tendo ferido pela sua actuação, e ao contrário do que alega a requerente, os princípios de certeza e segurança jurídica a que está adstrita.

 

            A este respeito, cabe também mencionar o que disse o Acórdão do STA de 5/2/2014, processo n.º 1917/13, quanto a idênticas invocações de violação dos princípios de certeza e confiança jurídicas: "O mesmo se dirá quanto à protecção da certeza e confiança. Só haveria violação se, por hipótese, tivessem sido criadas expectativas posteriormente retiradas, o que [...] não é o caso. A interpretação deste STA é no sentido claro de que só nos casos referidos existe isenção, pelo que, situações alheias não cabem na mesma isenção."

 

            A este respeito, no sentido de não haver violação de preceitos constitucionais relativos a estes (e a outros) princípios, ver, entre outros, os seguintes Acórdãos do STA: de 18/6/2014, processo n.º 1527/13; de 12/2/2014, processo n.º 972/13; de 26/2/2014, processo n.º 860/13; de 26/2/2013, processo n.º 876/13; de 23/4/2014, processo n.º 286/14; e de 9/4/2014, processo n.º 859/13.

            Por último, cabe assinalar que, não sendo os adquirentes, por esse facto, tidos como financiadores ou promotores - e tendo a aquisição da fracção ora em causa ocorrido, inclusive, após a emissão da licença de utilização turística -, a isenção apenas poderia ser justificada, à luz da mencionada jurisprudência, pela participação da ora requerente como co-financiadora do empreendimento - condição esta que, como decorre dos autos, não logrou demonstrar com base em factos diversos dos implicados na mera aquisição e exploração comercial da fracção ora em causa.

 

***

 

            IV – Decisão

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado, e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

           

Fixa-se o valor do processo em €26.073,84 (vinte e seis mil e setenta e três euros e oitenta e quatro cêntimos), nos termos do artigo 32.º do CPTA e do artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerente, no montante de €1530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dado que o presente pedido foi julgado improcedente, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de Dezembro de 2014.

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

     

(Miguel Patrício)

 

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.