Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 338/2014-T
Data da decisão: 2015-01-22  IRS  
Valor do pedido: € 42.873,78
Tema: IRS – tempestividade do pedido; tribuação de mais-valias mobiliárias; art. 43.º do CIRS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

A – RELATÓRIO

 

1.      A, contribuinte n. º … e B, contribuinte n. º …, residentes na ...Parede, vêm ao abrigo do disposto nos n. ºs 1 e 2 do artigo 10. º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n. º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1. º e 2. º da Portaria n. º 112-A/2011, de 22 de março, apresentar PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL, tendo em vista a anulação do ato de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n. º 2013 …, no valor de € 42.873,78, sendo € 1.489,78 referentes a juros compensatórios, valor que foi objeto de compensação no valor de € 18.622,14.

 

2.      Os Requerentes optaram por não designar árbitro, pelo que o Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação do árbitro Dr. José Rodrigo de Castro, que foi aceite pelas partes – Requerentes e Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.      O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 25-06-2014, para apreciar e decidir o objeto do presente processo arbitral, conforme consta da respetiva ata.

 

4.      As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

 

5.      O pedido é legítimo, o Tribunal é competente em razão da matéria e foi apresentado em 16 de abril de 2014 e aceite pelo Tribunal a 17.

 

6.      Quando da Reunião do artigo 18. º do RJAT, realizada no CAAD no dia 16-04-2014, foram ouvidas as partes sobre a tramitação processual e sobre eventuais exceções, que foram suscitadas, aliás constantes dos articulados de ambas as peças processuais, respetivamente, PI e Resposta, nos termos seguintes e que, portanto, urge decidir previamente, ainda que no âmbito do presente Relatório.

 

7.      Assim, pela Representante da Requerida foi dito:

 

a.       Que mantém o fundamento quanto à exceção invocada relativamente à extemporaneidade da petição de recurso, por entender que a retroatividade que os Requerentes invocam na liquidação de 12-12-2013, com o n. º 2013 …, deveria ter sido invocada na primeira liquidação efetuada em 19-07-2011, com o n. º 2011 ….

 

8.      Por sua vez, pelo Mandatário dos Requerentes foi referido que:

 

a.       Relativamente à exceção invocada na sua PI quanto à revogação ilegal da primeira reclamação que defere o pedido de aplicação da tributação a 50% das mais-valias apuradas, refere que tratando-se de pedido subsidiário e vindo a questão a ser suscitada, a mesma exceção perde o seu efeito útil.

 

9.      Posto o referido, importa o conhecimento dos factos constantes da p.i. Assim,

 

I – DA PETIÇÃO ARBITRAL

 

I.                   1 - DOS FACTOS

 

1.      Os Requerentes, supra identificados, apresentam a16-04-2014 ao Tribunal Arbitral, pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação do acto de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n. º 2013 … (cfr. Doc. n.º 1 anexo à PI), no valor de € 42.873,78, sendo € 1.489,78 referentes a juros compensatórios (cfr. Doc. n. º 2 anexo à PI), valor que foi objeto de compensação no valor de € 18.622,14 (cfr. Doc. n. º 3 anexo à PI), documentos cujo teor se pormenoriza:

 

Doc. n. º 1 

a.      ID.DOCUMENTO 2013 … NR. COMPENSAÇÃO 2013 …

b.      ID. FISCAL …

c.       DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS – DATA DA COMPENSAÇÃO 2013-12-11

d.      IRS – PER.2010-01-01 a 2010-12-31 –DATA MOVIMENTO 2013-12-11 – DATA VALOR 2013-12-11 – Estorno Liq. de 2010 – Liq. 2012 …– Montante +18.622,14 e Total D/C +€ 18.622,14

e.        IRS – PER.2010-01-01 a 2010-12-31 –DATA MOVIMENTO 2013-12-11 – DATA VALOR 2013-12-11 – Acerto Liq. de 2010 – Liq. 2013 … – Montante - € 41.384,58

f.        IRS – PER.2010-01-01 a 2010-12-31 –DATA MOVIMENTO 2013-12-11 – DATA VALOR 2013-12-11 – Juros Compensatórios – Liq. 2013 … – Montante – € 601,16.

g.      IRS – PER.2010-01-01 a 2010-12-31 –DATA MOVIMENTO 2013-12-11 – DATA VALOR 2013-12-11 – Juros Compensatórios por recebimento indevido– Liq. 2013 … – Montante – € 888,04 e Total D/C – € 42.873,78.

h.      DATA LIMITE DE PAGAMENTO: 20-01-2014 – SALDO APURADO: € 24.251,64

i.        AVISO/NOTIFICAÇÃO DE COBRANÇA

j.        Valor a pagar: € 24.251,64

k.       Data Limite de Pagamento: 20-01-2014

l.        IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO – 2013 …

Doc. n. º 2

a.      ID.DOCUMENTO 2012 …-  NR. COMPENSAÇÃO 2012 …

b.      ID. FISCAL …

c.       DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS – DATA DA COMPENSAÇÃO 2012-11-16

d.      IRS – PER.2010-01-01 a 2010-12-31 –DATA MOVIMENTO 2012-11-16 – DATA VALOR 2012-11-16 – Estorno Liq. de 2010 – Liq. 2012 … – Montante +42.088,38 e Total D/C +€ 42.088,38.

e.        IRS – PER.2010-01-01 a 2010-12-31 –DATA MOVIMENTO 2012-11-16 – DATA VALOR 2012-11-16 – Acerto Liq. de 2010 – Liq. 2012 … – Montante – € 18.622,14

f.        SADO A REEMBOLSAR: € 23.466,00.

g.      TRANSFERÊNCIA EFETUADA EM 21-11-2013, PARA O NIB …

Doc. n. º 3

a.      DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS

b.      N. º DA COMPENSAÇÃO: 2013 …

c.       DATA DA COMPENSAÇÃO: 2013-12-11

d.      JUROS COMPENSATÓRIOS POR RECEBIMENTO INDEVIDO:

e.       PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO - 2010-01-01 a 2010-12-31

f.        LIQUIDAÇÃO N. º 2013 …, IRS – LIQUIDAÇÃO DE JUROS: 2013 …

g.      VALOR BASE: € 22.762,44 – PERÍODO DE CÁLCULO: 2012-11-12 a 2013-11-11

h.      VALOR: € 888,04. TOTAL: € 888,04.

i.        JUROS COMPENSATÓRIOS POR RECEBIMENTO INDEVIDO:

j.        PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO - 2010-01-01 a 2010-12-31

k.       LIQUIDAÇÃO N. º 2013 …, IRS – LIQUIDAÇÃO DE JUROS: 2013 …

l.        VALOR BASE: € 22.762,44 – PERÍODO DE CÁLCULO: 2012-06-04 a 2012-01-30

m.    VALOR: € 601,16. TOTAL: € 601,16.

 

2.      Os Requerentes passam a descrever os factos que consideram relevantes para os autos, designadamente a venda de 60 ações que a Requerente B detinha na C, SA, no valor de € 240.000,00.

 

3.      Aquele valor de € 240.000,00 foi a parte que coube à B na venda global das ações da C, onde era acionista, pelo total de € 2.000.000,00, por contrato de compra e venda datado de 27-04-2010 à sociedade adquirente D, cfr. Doc. n. º 4.

 

4.      Que as referidas 60 ações haviam sido adquiridas por € 6.000,00, tendo ocorrido em dois momentos distintos, a saber:

 

a.       uma primeira quota no valor de € 3.000,00, cedida à Requerente B por E e mulher F, conforme Escritura de 26-02-2004, lavrada no 12. º Cartório Notarial de Lisboa, cfr. Doc. n. º 5;

b.       e a outra quota, também pelo preço de € 3.000,00 cedida por E, por Escritura de 20-9-2007, cfr. Doc. n. º 6.

 

5.      Posteriormente, em 3-3-2010, a sociedade transformou-se em anónima, tendo sido atribuídas à Requerente B 60 ações, em substituição das suas quotas, no valor de € 6.000,00, recebidas em troca das quotas que detinha e que haviam sido unificadas, cfr. Doc.n. º 7.

 

6.      Face à alienação das 60 ações em 27-4-2010, por € 240.000,00, os Requerentes, na sua Declaração mod. 3 e respetivo Anexo G (cfr. Anexo 8), declararam esta transmissão, mencionando os valores de alienação e de aquisição e as despesas e encargos suportados com esta, bem como um comissão paga e mencionando no Quadro 8-A que se tratava de alienação de partes sociais de micro e pequenas empresas, tendo sido identificada a sociedade emitente C com o NIPC  …, cujo ganho de mais-valias seria tributado apenas em 50%, nos termos do artigo 43. º, n. º 3 do Código do IRS (CIRS).

 

7.      A referida declaração, respeitante ao ano de 2010, entregue em 30-05-2011, que integrava também outros rendimentos do trabalho dependente, foi objeto de liquidação pela Administração Tributária – a 1.ª liquidação -, tendo os Requerentes sido notificados em 19-07-2011 do resultado da liquidação de IRS efetuada, com o n. º 2011 …, com IRS relativo a tributações autónomas no valor de € 22.862,45 e IRS a pagar no montante de € 18.622,14, cfr.doc. n. º 9, que foi pago em 27-09-2011, cfr.doc. n. º 10.

 

8.      Os Requerentes foram, entretanto, notificados para comprovar que se tratava de alienação de ações de micro e pequenas empresas – o que fizeram – mas não tendo os Serviços da AT aceitado a prova efetuada, com o fundamento na existência de uma divergência quanto ao n. º de trabalhadores da sociedade no final do ano de 2010, o que, segundo a AT, inviabilizava a aplicação do “benefício” de redução da tributação do ganho das mais-valias em 50%.

 

9.      Desse facto foram os Requerentes devidamente notificados, tendo resultado uma liquidação adicional de IRS, no valor de € 23.466,24, cfr. Doc. n. º 12, (Liquid. N. º 2012 …, no valor de € 41.484,58, acrescida de juros compensatórios de € 603,80, no total de € 42.088,38), que abatida do valor da liquidação n. º 2011 …, no valor de € 18.622,14, resultou a importância a pagar de € 23.466,24, de que os Requerentes foram notificados e pagaram, cfr. doc. n. º 13.

 

10.  Os Requerentes reagiram contra esta 2.ª liquidação corretiva e adicional através da apresentação de Reclamação Graciosa, alegando que as ações alienadas respeitavam a uma micro ou pequena empresa, devendo as mais-valias ser tributadas em 50% e pedindo anulação da liquidação, que pagaram e a devolução do IRS, acrescido de juros indemnizatórios, cfr. Doc. 14.

 

11.  A Reclamação, a que coube o n. º …, foi deferida por despacho de 23-10-2012 (cfr. Doc. n. º 15) tendo o IRS a mais pago, no valor de € 23.466,24 sido devolvido em 2012-03-15, sem pagamento de juros indemnizatórios, cfr. Doc. n. º 16.

 

12.  Daí que tenha levado os ora Requerentes a apresentarem nova Reclamação Graciosa, cfr. doc. n. º 17, para exigência dos juros indemnizatórios, que foi objeto de indeferimento, cfr. Doc. n. º 18.

 

13.   Não se conformando, os ora Requerentes apresentaram em 26-3-2014, Recurso Hierárquico, cfr. Doc. n. º 19., cuja resposta foi a de indeferimento do mesmo e ainda a de que a decisão de deferimento da 1.ª Reclamação Graciosa seria integralmente revogada, o que veio a suceder por despacho de 11-11-2014, cfr. Doc. n. º 21.

 

14.  De facto, este Recurso Hierárquico foi objeto de despacho de indeferimento da Diretora de Serviços do IRS, de 24-06-2013, fundamentado na Informação n. º … da Direção dos Serviços Jurídicos e do Contencioso, que entenderam que por falta de declaração do IAPMEI, (que a própria AT não conseguiu obter daquela entidade), não poderiam os Requerentes beneficiar do normativo previsto no artigo 43. º, 3 do CIRS.

 

15.  Mais foi proposto na referida Informação que, por se encontrar a decorrer o prazo de um ano, cfr. art. º 58. º da Lei 15/2001, de 22/02 (CPTA), deveria ser revogado o despacho de deferimento proferido em 23-10-2012, cfr. doc. n. º 14, pelo Chefe de Divisão (por subdelegação de competências) que havia sido proferido sobre a 1.ª reclamação graciosa n. º …. 

 

16.  O despacho de REVOGAÇÃO foi proferido em 11-11-2013, notificado aos ora Recorrentes pelo Ofício n. º …, de 13-11-2013, da Direção de Finanças de Lisboa.

 

17.  Em consequência, a AT emitiu uma 4.ª liquidação corretiva com o n. º 2013 …, de 11-12-2013, com IRS a pagar no montante de € 42.872,78, sendo € 1.489,78 referentes a juros compensatórios, sem concessão de qualquer redução na tributação autónoma do ganho de mais-valias pela alienação das ações em causa.

 

18.  Esta nova liquidação de IRS, cfr. Doc.s 1, 2 e 3, referentes ao ano de 2010, de que os Requerentes foram notificados para pagamento, até 20-01-2014, da quantia de € 24.251,64, correspondente à diferença entre o valor da liquidação total de IRS, deduzida do total inicial de € 18.622,14, entretanto pagos pelos Requerentes.

 

19.  E esclarecem os Requerentes que é esta nova, 4.ª e última liquidação corretiva de IRS, com o n. º 2013 …, de 11-12-2013 que vêm impugnar nos presentes autos, tendo em vista a anulação da mesma, notificada aos Recorrentes por Aviso de Notificação de cobrança, com Demonstração de Acerto de Contas relativa às 3.ª e 4.ª liquidações, com valor a pagar de € 24.251,64 e com data limite de pagamento em 20-01-2014 - pedido de pronúncia arbitral que foi aceite pelo CAAD no dia 17-04-2014.

 

 

I.                   2 - DOS FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

1.      Os Recorrentes apresentaram em 16-04-2014 pedido de constituição de tribunal arbitral tendo em vista a anulação da referida 4.ª liquidação corretiva n. º 2013 …, de 11-12-2013, por entenderem que à data em que ocorreu a transmissão das ações que detinham na Sociedade não estavam, em 27-4-2010, sujeitos a tributação, isto porque, alegam, que à referida data, as ações eram detidas há mais de 12 meses, pese embora o facto de a sociedade, inicialmente por quotas, se ter transformado em anónima apenas em Março de 2010, já que a antiguidade retroage à data da aquisição das quotas que deram origem às ações em causa.

 

2.      Segundo os Requerentes, “tal resulta, de forma inequívoca, da redação do artigo 43. º, n. º 4, alínea b) do CIRS...”, visto que a Requerente B havia adquirido as quotas que deram origem às ações alienadas em 26-2-2004 e em 20-09-2007.

 

3.      Encontrando-se, dessa forma, concluem os Requerentes, os ganhos de mais-valias obtidos excluídos de tributação e não colhendo o argumento, dizem, que tendo o citado o artigo 10. º, n. º 2 do CIRS sido revogado pela Lei 15/2010, de 26 de Julho, qualquer ganho de mais-valias obtido no ano fiscal de 2010 passou a estar sujeito a tributação, por tal representar uma inaceitável, por manifesta e claramente inconstitucional e ilegal, aplicação retroativa da lei fiscal e, consequentemente, a tributação retroativa de um determinado rendimento.

 

4.      E referem-no com base na melhor Jurisprudência e Doutrina que reconhece que na alienação de uma participação social, o facto gerador ocorre e esgota-se no momento da alienação dessa participação.

 

5.      E argumentam que assim é porque “não se trata de um acto tributário complexo, de formação contínua e sucessiva ao longo de um determinado período tributário, mas antes de um acto instantâneo, que termina no exato momento da realização da mais-valia, ou, por outras palavras, no momento da alienação da participação social”.

 

6.      E citam os Requerentes a Jurisprudência do Tribunal Constitucional plasmada nos seus Acórdãos n. ºs 128/2009, 85/2010 e 399/2010, que tem considerado que “esta proibição de retroatividade se refere apenas aos casos de retroatividade autêntica, ou seja, apenas àqueles em que o facto tributário que a nova lei vem regular, já tenha produzido todos os seus efeitos na vigência da lei antiga”.

 

7.      Ficando, pois, fora ”da sua aplicação as situações de retroatividade imprópria, isto é, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos já passados mas cujos efeitos ainda perduram na pendência da nova lei”.

 

8.      E remetem também para o que dispõe o art. º 12. º da LGT que transcrevem.

 

9.      Face ao exposto, realçam os Requerentes que se impõe analisar se, “na situação factual descrita, deve ser aplicada a previsão decorrente da alteração introduzida e este regime pela Lei 15/2010, ou se, pelo contrário, deve ainda ser aplicada a norma anteriormente em vigor e que foi revogada por esta Lei”.

 

10.  Para tal, referem, ser “essencial a análise, por um lado da natureza do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e, por outro e em concreto, a da tributação das mais-valias mobiliárias”.

 

11.  E sendo o entendimento expresso do TC que “O IRS é um imposto directo, que assenta em factos tributários de formação sucessiva, em que o facto tributário sujeito a imposto, com algumas excepções, apenas está completo no último dia do ano fiscal”.

 

12.  Referem, no entanto os Requerentes que “contudo, no caso das mais-valias, sendo o facto gerador do imposto a alienação onerosa de bens – móveis ou imóveis – não se está perante um facto tributário de formação sucessiva, mas antes perante um facto tributário instantâneo, que se esgota no preciso momento da sua realização…e efectivamente, nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais, o imposto incide sobre operações que se produzem e esgotam de forma instantânea, correspondendo a um facto gerador isolado no tempo, em que o momento determinado e decisivo para aplicação da lei é o da alienação dessas participações”.

 

13.  Aliás, realçam, “numa operação em tudo semelhante, por exemplo, à das tributações autónomas”.

 

14.  E os Requerentes citam ainda esse mesmo entendimento constante do Acórdão do STA, proferido em 4-12-2013, no âmbito do Processo n. º 01582/13, “onde se dispõe, para o caso das mais-valias obtidas com a alienação de participações sociais, que ‘…estamos perante um tributo de obrigação única incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo de a matéria colectável ser apurada anualmente’ ”.

 

15.  E referem também outra passagem do citado Acórdão, onde esta posição é claramente assumida e reforçada ao dispor-se que “O facto tributário que dá origem ao imposto esgota-se na realização da mais-valia”.

 

16.  E daí a questão da aplicação retroativa ou não da Lei n. º 15/2010, publicada em 26 de julho, com entrada em vigor no dia seguinte, que veio revogar a norma do artigo 10º, n. º 2 do CIRS, que excluía da tributação os ganhos obtidos com a alienação de ações detidas há mais de 12 meses, tendo ainda procedido à alteração da taxa especial a que estava sujeita a tributação destas mais-valias, passando-a de 10% para 20%.

 

17.  E isto porque tratando-se de mais-valias mobiliárias, o facto tributário ocorreu antes da entrada em vigor da citada Lei, mais concretamente, no caso em apreciação, no dia 27 de abril de 2010 e, portanto, tratando-se de factos de natureza instantânea e face ao Acórdão, uma aplicação retroativa da lei, envolvendo, em concreto, uma retroatividade autêntica.

 

18.  E os Requerentes citam ainda uma passagem do entendimento do TC (cfr. Acórdão n. º 310/2010), ao referir:“…o que releva, face aos princípios constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto.

 

19.  E citam também o que se dispõe no artigo 12. º da LGT que dispõe claramente que “se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”.

 

20.  Citam também os Requerentes que “foi já o entendimento do CAAD, na decisão proferida no âmbito do Processo 25/2011-T, que a nova lei (entenda-se, como tal, a Lei 15/2010) não é aplicável às mais-valias que tenham sido realizadas antes da sua entrada em vigor, uma vez que a haver essa tributação, se estaria a violar, de forma evidente, o disposto no já citado artigo 12. º, n. º 2 da LGT”.

 

21.  E pela sua relevância, os Requerentes transcrevem do referido Acórdão do CAAD as seguinte passagens: “18. Questão diversa é a de saber, se apesar de não ocorrerem tais violações, a liquidação respeitou as regras de aplicação da lei tributária no tempo, consignadas no art. º 12. º,n. º 2 da Lei Geral Tributária. A Lei Geral Tributária não é uma lei de valor reforçado, pelo que as suas regras cedem perante lei posterior em sentido contrário. Qualquer lei fiscal posterior pode estabelecer regime de aplicação da lei no tempo que se afaste do regime do referido art. º 12. º desta lei”.

 

22.  E mais: “…A questão é de saber se tal ocorreu no caso em apreço. E se a resposta for negativa, qual o regime de aplicação da lei no tempo a aplicar”.

 

23.  E continuam a citar passagens do mesmo Acórdão, que remete também para o que escreveu Sérgio Vasques: “O alcance principal da distinção entre impostos periódicos e impostos de obrigação única está na aplicação da lei no tempo e nas regras de caducidade e da prescrição…”

 

24.  E ainda “…Ora a aplicação com efeitos imediatos da lei que crie ou agrave um imposto possui relevo diverso conforme este revista natureza periódica ou de obrigação única (…) um agravamento com efeitos imediatos do IRS ou do IRC, produzido a meio do ano, se mostra em certa medida retroativo, visto que o imposto incide sobre o rendimento que se forma entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro, sendo o facto tributário de formação sucessiva. O artigo 12. º, n. º 2 da LGT dispõe por isso que (…) sugerindo assim um agravamento de IRS ou de IRC produzido a meio do ano só pode aplicar-se à parcela dos rendimentos que não tenha sido ainda gerada.”

 

25.  E o referido Acórdão cita também António Lima Guerreiro quando refere que “O facto tributário, quando duradouro, só se completa no termo do período de tributação. Mas esta natureza do facto tributário não prejudica que se possa fragmentar ou decompor, para efeitos de aplicação no tempo, das normas tributárias, à medida do seu desenvolvimento. Há aqui, então, lugar a uma verdadeira tributação ‘pro rata temporis´…”.

 

26.  “…Assim em caso de factos tributários de formação sucessiva como é o rendimento, aplica-se a lei antiga aos rendimentos gerados até à entrada em vigor da lei nova e a lei nova aos rendimentos posteriores (Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, pág. 91) ”.

 

27.  E cita também Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontros da Escrita Editora, 2012, pág. 130), onde referem que “O n. º 2 parece perfilhar a posição de A. Xavier quanto à retroatividade de 3. º grau (…)”.

 

28.  E ainda cita as objeções de Manuel Faustino, quando escreve, a este propósito, que (…) a aplicação das alterações legislativas ao IRS pro rata temporis, eventualmente defensável face ao n. º 2 do artigo 12. º da LGT é, para nós, uma questão que nem sequer se coloca, não apenas por impraticabilidade – o que já por si seria suficiente – mas substantivamente, porque a solução em causa não está contemplada, legislativamente, com a modalidade de salvaguarda do princípio, que consideramos pertinente, da progressividade anual do imposto, como decorrência do disposto no art. º 104. º. n. º 1, da CRP (Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano III, n. º 3, Outono, pág. 208) ”.

 

29.  Cita igualmente Manuel Henriques de Freitas Pereira, que refere também problemas de praticabilidade da solução pro rata temporis, e na mesma linha de Américo Brás Carlos.

 

30.  Finalmente, o referido Acórdão cita António Carlos Santos, que é favorável a uma solução pro rata temporis, achando que tem praticabilidade administrativa, informática e jurídica, cfr. Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano III, n. º 4, Inverno, pág. 300. E acaba por referir que “Tendo a nova lei entrado em vigor a 27 de Julho a mesma só poderá ter aplicação, por força do art. º 12. º, n. º 2 da LGT, relativamente às mais-valias obtidas a partir de tal data, e não antes. Reitera-se que, se a nova lei determinasse a sua vigência a partir do início do ano, deixaria de ter aplicação o art. º 12. º, n. º2, mas a lei nada dispôs nesse sentido”.

 

31.  E os Requerentes realçam que na sequência e como consequência de tão clara e decisiva argumentação, os Juizes concluem, no citado Acórdão, que “Assim a lei nova não é aplicável às mais-valias no caso em apreço”.

 

32.  E os Requerentes citam também a decisão proferida pelo CAAD, no âmbito do Processo 235/2013-T, que remete também para o art. º 12. º, n. º 2, que entendem dá a solução: “Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova sé se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”. 

 

33.  E, para além do mais, o Acórdão refere também que “A tese de que o facto gerador de imposto, nos impostos periódicos, apenas ocorre no último dia do ano, tem como consequência implícita a aceitação de um certo grau de retroatividade da lei fiscal (a chamada retroatividade imprópria ou de 3. º grau)”.

 

34.  E mais refere o Acórdão que “sabemos que tal grau de retroatividade é considerado constitucionalmente admissível pela nossa jurisprudência. Mas para que tal aplicação retroativa exista é necessário que exista um dictum legislativo que a tal obrigue”.

 

35.  E continua referindo que “Ora, tal não acontece no presente caso, pois que a regra constante do art. º 12. º, n. º 2, da LGT visa, precisamente, evitar situações de retroatividade da lei fiscal (ainda que ‘moderada’) sempre que o legislador não determine, especialmente o contrário”.

 

36.  E o Acórdão referindo-se à doutrina que questiona a praticabilidade do art. º 12. º, n. º 2 da LGT, afirma que “podemos aceitar que a norma possa, eventualmente, ser de afastar por violação do princípio da praticabilidade, que, quanto a nós tem dimensão constitucional”.

 

37.  E mais refere que “Porém, tais objeções não ocorrem no caso concreto:...”

 

38.  “…- apesar de a matéria coletável (mais-valias mobiliárias) a ser tributada em IRS corresponder ao saldo das mais e menos valias realizadas pelo sujeito passivo ao longo do ano, o certo é que, no caso concreto (do Acórdão citado) só houve uma única alienação em 2010; ou seja, o facto tributário, embora em abstrato de formação sucessiva, esgotou-se numa única transação”.

 

39.  “…- sendo as mais valias obtidas com a alienação de participações sociais sujeitas a uma tributação autónoma (…),nenhumas dificuldades se colocam relativamente às demais operações que a liquidação (entendido o termo em sentido amplo) do imposto implica, quando feita com observância do disposto no art. º 12. º, n. º 2, da LGT….”

 

40.  E os Requerentes vêm então realçar que também na situação em julgamento, “apenas se verificou um facto tributário potencialmente gerador de imposto – alienação, com ganho, de uma participação social – e tendo esse facto ocorrido a 27 de abril de 2010, indiscutivelmente, pois, antes da entrada em vigor da Lei n. º 15/2010 (27 de Julho), a posição da AT carece de todo e qualquer suporte legal, não sendo devido qualquer imposto sobre o ganho obtido pelo Requerentes”.

 

41.  Pelo que, dizem os requerentes que, “à semelhança dos citados Acórdãos, a liquidação impugnada deve ser integralmente anulada e os valores pagos pelos Requerentes devolvidos, acrescidos de juros indemnizatórios, … ou seja, a AT deverá devolver a quantia de € 18.622,14 liquidada em 27.09.2011, acrescida de juros indemnizatório, contados desde essa data…”

 

42.  “…E ainda a quantia de € 648,45 correspondentes aos juros que deveriam ter sido pagos aos Requerentes pelo pagamento indevido da quantia de €23.466,24 (paga em 15.03.2012), posteriormente devolvida em 2012, e calculados desde a data do pagamento e a data da devolução, acrescidos de juros contados desde esta última data e a data da prolação da decisão”.

 

I. 3 - Quanto ao PEDIDO SUBSIDIÁRIO – DA ANULAÇÃO PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IRS, referem os Requerentes o seguinte:

 

1.      Mesmo que, e sem concederem, não existam fundamentos para anulação da liquidação em causa, por aplicação integral das regras constantes da Lei n.º15/2010, sempre se verificaria, no caso em apreço, a possibilidade de os Requerentes beneficiarem da redução de 50% na tributação das mais-valias, ao abrigo do artigo 43. º, n. ºs 3 e 4 do CIRS.

 

2.      Ou seja, sempre podem demonstrar que relativamente à Sociedade estavam, à data da transmissão das suas ações, reunidos os requisitos para que esta fosse qualificada como uma micro ou pequena empresa.

 

3.      E isto porque os referidos n. ºs 3 e 4 do referido artigo 43. º, que transcrevem, remetem expressamente para o Anexo ao D.L. n. º 372/2007, mais concretamente para o seu artigo 2. º, a qualificação das empresas como micro ou pequenas empresas.

 

4.      E transcrevendo-o, referem, assim, como são qualificadas as empresas:

 

a.      “A categoria de micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.

b.      Na categoria de PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou de balanço total anual não excede 10 milhões de euros.

c.       Na categoria das PME, uma pequena empresa [1] é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total não excede 2 milhões de euros”.

 

5.      E os Requerentes recordam que na apreciação da 1.ª Reclamação deduzida, a própria AT considerou que a Sociedade reunia os requisitos para ser considerada pequena empresa, tendo-a, por isso, deferido.

 

6.      E que, posteriormente, quando da decisão do Recurso Hierárquico, são notificados pelo ofício da DF de Lisboa n. º …, de 31-07-2103, por carta registada com AR, de que foi negado provimento ao Recurso (cfr. doc. n. º 20 junto pelos Requerentes), tendo a entidade decisora – a Diretor de Serviços do IRS – proferido o seguinte Despacho:

 

Concordo, pelo que com base nos fundamentos expressos[2] será de proceder como se propõe no ponto 18. 2013-06-24, Por Subdelegação, a Diretora de Serviços de IRS, G”.

 

7.      De realçar que o Ponto 18. da Informação antes referida, em que se fundamentou a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, refere expressamente que:

 

“ Nestes termos, deve o recurso hierárquico ser devolvido à Direção de Finanças de Lisboa, a fim de ser revogado o despacho proferido pelo senhor chefe de divisão (por delegação de competência), com data de 2012-10-23, na reclamação graciosa n. º …, referente ao IRS/2010, ao abrigo do art. º 79. º da LGT, por aplicação subsidiária dos art. ºs 135. º e 141. º do CPA (cfr. art. º 2. º da LGT), e por se encontrar a decorrer o prazo de um ano, cfr. art. º 58. º da Lei n. º 15/202, de 22/02 (CPTA) ”.

 

8.      Mais referem os Requerentes que o fundamento do indeferimento do Recurso e da decisão de revogação da decisão de deferimento da Reclamação Graciosa têm a ver com a alegada falta de prova de que a Sociedade tinha, no momento da alienação das ações, menos de 50 empregados.

 

9.      De realçar que a Informação de suporte à decisão anteriormente citada, refere ainda o seguinte:

 

Ponto 11. É que a certificação deste tipo de empresas decorre sobre um procedimento próprio com requisitos específicos, o qual é controlado integralmente pelo IAPMEI. Daí que a competência para a certificação do estatuto de PME tenha sido atribuída unicamente ao IAPMEI, conforme previsto no art. º 4.º do Decreto-Lei n. º 372/2007, de 6 de Novembro”.

(…)

 

10.  Ora, os Requerentes contestam este entendimento da AT de que o “benefício fiscal do art. º 43. º do CIRS depende, obrigatoriamente, da exibição de uma certidão emitida pelo IAPMEI, isto é, dependia da prévia certificação deste Instituto”.

 

11.   E contestam-no com o fundamento de que ele “não tem acolhimento no quadro legal aplicável, mais concretamente o citado artigo 43. º, n. ºs 3 e 4 do CIRS…o qual, como vimos, e esse facto é essencial, remete, em exclusivo e apenas, para o Anexo ao Decreto-Lei n. º 372/2007”.

 

12.  Daí que considerem os Requerentes que “o legislador fiscal não pretendeu, para aplicação do referido regime, exigir qualquer requisito formal para a atribuição dos referidos benefícios fiscais, mas tão só a verificação dos requisitos substanciais constantes do Anexo ao DL 372/2007”.

 

13.  E mais referem que “até porque seria estranho, no mínimo, que, como se considera na decisão proferida no âmbito do Processo n. º 43/2013-T do CAAD, … ‘fosse exigível aos sujeitos passivos a obtenção de um documento que não está na sua disponibilidade obter’…”

 

14.  E porque esta exigência seria contrária à regra de admissibilidade de todos os meios de prova, quer no procedimento administrativo quer no processo judicial nos arts. º 50. º e 115. º do CPPT, não pode, referem os Requerentes, a prova por si produzida deixar de ser considerada para efeitos do preenchimento dos requisitos legalmente exigíveis para poder beneficiar da redução em 50% do ganho obtido com a alienação das ações.

 

15.  E os Requerentes relembram os fundamentos que levaram a própria AT a deferir a reclamação graciosa, face aos elementos solicitados ao Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, que referem a existência de 22 funcionários em Março e 20 em Abril e à consulta à Declaração Anual IES, donde consta um volume de vendas inferior a 10 milhões de euros em 2009 e o mesmo se verificando em relação a 2010.

 

16.  Assim, tendo a própria AT conferido e confirmado que estavam preenchidos os requisitos de atribuição “do benefício fiscal previsto no art. º 43. º do CIRS e não sendo, como se viu, exigível a apresentação da certidão do IAPMEI, deveriam os Requerentes poder beneficiar dessa redução da sua matéria colectável”.

 

17.  E a concluir, os Requerentes entendem que a não se considerar a anulação total da liquidação, deveria, subsidiariamente, ser a liquidação ser reduzida em 50% do ganho obtido com a alienação das ações em causa.

 

18.  E, em consequência, “ser paga aos Requerentes a quantia de € 648,45, correspondente aos juros devidos aos Requerentes pelo pagamento indevido da quantia de € 23.466,24, paga em 15-03-2012, posteriormente devolvida em 21-11-2012, juros esses calculados entre a data do pagamento e a data da devolução deste valor, acrescidos de juros contados desde esta última data e a data da decisão no presente processo”.   

   

I. 4 - DA NULIDADE DO ACTO DE REVOGAÇÃO

 

1.      Consideram os Requerentes que deve ser suscitada, também a título subsidiário, a nulidade do acto de revogação de deferimento da reclamação graciosa inicialmente deduzida.

 

2.      E isto porque o “despacho de deferimento da 1.ª reclamação graciosa em causa foi datado de 23 de Outubro de 2012, cfr. artigo 14. º desta petição e doc. n,º 13 nela referido”...

 

3.      E o “despacho de revogação deste deferimento, cfr. art. º 17. º desta petição e doc. n. º 16, que veio considerar esse deferimento como ilegal, foi datado de 11 de Novembro de 2013, ou seja, decorrido mais de um ano após o primeiro acto de deferimento”.

 

4.      E realçam que “mais concretamente, decorridos um ano e 20 dias”.

 

5.      E os Requerentes transcrevem o disposto no artigo 58. º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA):

 

“Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de:

                                                              i.      Um ano, se promovida pelo Ministério Público;

                                                            ii.      Três meses, nos restantes casos”.

 

6.      E mais referem o disposto no artigo 141. º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que prevê:

 

1 – Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida”.

 

7.      E concluem que, da conjugação destes dois preceitos resulta claro que o acto de revogação de um acto considerado inválido deve ser produzido ou emitido no prazo de um ano contado da produção desse acto – o que no caso não se verificou.

 

8.      E que, em consequência, o acto de liquidação do acto de revogação do deferimento da reclamação graciosa deduzida pelos Reclamantes é igualmente nulo e, portanto, não podendo produzir quaisquer efeitos.

 

9.      E os Requerentes terminam por requerer o seguinte:

 

1. º - Que seja dado provimento ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral;

 

  2. º - Que seja anulado integralmente o acto de liquidação do IRS n. º 2013 …, no valor de € 42.873,78, sendo € 1.489,78 referentes a juros compensatórios, valor que foi objecto de compensação no valor de € 18.622, 14 e devolvido este montante aos Requerentes, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios da forma peticionada nos artigos 71. º e 72. º da presente impugnação;

 

 3. º - Subsidiariamente e por mero dever de patrocínio, que seja anulado parcialmente o acto de liquidação referido no pedido anterior, nos termos referidos nos artigos 73. º a 96. º da presente petição e paga aos Requerentes a quantia de € 648,45 correspondente aos juros que deveriam ter sido pagos aos Requerentes pelo pagamento indevido da quantia de € 23.466,24 (paga em 15-03-2012), posteriormente devolvida em 21-11-2012, e calculados desde a data do pagamento e a data da devolução, acrescidos de juros contados desde esta última data e a data da prolação da decisão;

 

 4. º - Subsidiariamente aos anteriores pedidos e também por mero dever de patrocínio, que seja declarado nulo o acto de revogação do deferimento da primeira reclamação graciosa deduzida pelos Requerentes, nos termos referidos nos artigos 97. º a 107. º desta petição e anulados todos os actos praticados posteriormente pela AT e devolvida aos Requerentes a quantia de € 648,45 correspondentes aos juros que deveriam ter sido pagos aos Requerentes pelo pagamento indevido da quantia de € 23.466, 24 (paga em 15-03-2012), posteriormente devolvida em 21-11-2012, e calculados desde a data do pagamento e a data da devolução, acrescidos de juros contados desde esta última data e a data da prolação da decisão.

 

 5. º - Deverá ainda a AT ser condenada a indemnizar os Requerentes pelos encargos decorrentes da garantia bancária prestada para suspender o processo de execução fiscal n. º … (cfr. doc. que se anexa com o n. º 22) e que corre os seus termos junto do Serviço de Finanças de Cascais-2 e ainda do pagamento das custas processuais”.   

 

II – DA RESPOSTA DA REQUERIDA

 

            A Requerida AT apresentou a sua RESPOSTA, que passa a sintetizar-se:

     

1.      Diz a AT que os Requerentes vêm intentar a presente ação arbitral, pedindo que seja declarada a ilegalidade da liquidação n. º 2013 …, de 11-12-2013, respeitante ao ano de 2010 (a 4. º liquidação corretiva)[3], invocando os seguintes fundamentos:

 

                                i.            A não tributação das mais-valias decorrentes da alienação das participações sociais, porquanto à data da venda (27/4/2010) tais mais-valias não estavam sujeitas a tributação em sede de IRS, ao abrigo do disposto no artigo 10. º, n. º 2, alínea a) do CIRS, ou se assim se não entender,

                              ii.            A tributação das mais-valias em 50%, porquanto, e conforme estipulado no artigo 43. º, n. ºs 3 e 4 do CIRS, as participações sociais em causa respeitam a pequena e micro empresa,

                            iii.            Com a consequente nulidade do acto de revogação do acto de deferimento da reclamação graciosa n. º …, por ter decorrido mais de um ano após o primeiro acto de deferimento”.

 

2.       Dizem os Requerentes, segundo a AT, que “em causa está a tributação de mais-valias resultantes da alienação de 60 ações de que a Recorrente B era titular no capital social da sociedade “C, S.A.”.

 

3.      De seguida, volta a referir a AT, que os Recorrentes descrevem os factos mais relevantes até chegarem à 4.ª liquidação corretiva que é objeto da presente ação arbitral, com o n. º 2013 …, de 11-12-2013, respeitante ao ano de 2010, a que correspondeu – segundo os Recorrentes – “o imposto relativo a tributações autónomas de € 45.624,98”.

 

4.      Esses factos mais relevantes coincidem com os já descritos na Parte II pelos Requerentes.

 

 

II. 1 – DA REVOGAÇÃO PARCIAL DO ACTO DE LIQUIDAÇAO N. º 2013 …

 

5.      A AT realça, a propósito da revogação parcial do acto de liquidação n. º 2013 …, que “dentro do prazo a que se refere o n. º 1 do art. º 13. º do RJAT, em fase procedimental e não processual, a requerida procedeu à revogação da mencionada liquidação, no tocante à tributação do ‘imposto relativo a tributações autónomas’, por ter entendido que a revogação do despacho de deferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa n. º …, operada na sequência do recurso hierárquico interposto pelos recorrentes, era ilegal, o que, na prática se traduz numa decisão de tributação das mais-valias em 50% - em conformidade, aliás, com a declaração Modelo 3 de IRS apresentada voluntariamente, e em tempo, pelos recorrentes”.

 

6.      E mais refere que “assim sendo, fica sem efeito útil o pedido de pronúncia arbitral nos segmentos indicados em (ii) e (iii) ou seja, no que concerne ao pedido de tributação das mais-valias em 50%, por aplicação do regime previsto no art. º 43. º, n. ºs 3 e 4 do CIRS (cfr. art. ºs 63. º a 107. º da p.i.)”.

 

II.  2 – DA INTEMPESTIVIDADE DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

 

7.      Quanto à “intempestividade do pedido de pronúncia arbitral” refere a AT que “na sequência da revogação parcial do acto de liquidação n. º 2013 …, o pedido de pronúncia arbitral fica assim circunscrito ao pedido de não tributação das mais-valias, ao abrigo do art. º 10. º, n. º 2 do CIRS”.

 

8.      E mais referem que “este segmento de pronúncia arbitral nunca foi colocado em sede graciosa, ou seja, a questão controvertida ora suscitada não foi vertida na liquidação n. º 2013 …, nem em qualquer das liquidações a montante destas”.

 

9.      Esclarece a AT que “o acto de liquidação impugnado, expurgado da parte revogada e, por maioria de razão, a consequente liquidação, confirma, em tudo o mais, o que resultou do primeiro acto de liquidação. A liquidação n. º 2013 … e as liquidações a montante desta, não constituem actos tributários inovadores”.

 

10.  E concluem que “se os recorrentes pretendem colocar à apreciação do tribunal arbitral as mais-valias decorrentes da alienação das ações não estar sujeita a tributação, devem fazê-lo reportando-se ao primeiro acto de liquidação, decorrente da declaração de rendimentos apresentada em 30-05-2011, ou seja, ao acto de liquidação n. º 2011 …”.

 

11.  E em abono da sua tese, a AT remete para o acórdão do STA de 18-02-2010, proferido no Proc. º 01195/09 (JusNet728/2010), que refere: “O que nesta [sentença da 1.ª Instância] se diz, citando até jurisprudência nesse sentido, é que a «a revogação parcial da liquidação operada pela AF no âmbito do disposto no art. º 130. º do CPPT, no processo de impugnação judicial, não determina a realização de um novo acto de liquidação susceptível de outra impugnação judicial autónoma. O acto de liquidação é por natureza divisível, podendo ser anulado apenas na parte eivada de erro ou ilegalidade. Donde que, sendo igualmente admissível a revogação parcial de uma liquidação e a substituição do montante da mesma pelo novo montante não se traduz na revogação da liquidação e sua substituição por outra: a liquidação continua a ser a mesma, se bem que corrigida ou expurgada da parte revogada…»”

 

12.   E a AT prossegue a citação do mesmo Acórdão:

 

“…ou seja, o que se extrai do discurso jurídico da sentença recorrida não é que a liquidação efectuada em 2001, em resultado da anulação parcial da primeira liquidação inicial efectuada em 1999 por virtude do deferimento parcial da reclamação graciosa, não produza quaisquer efeitos jurídico-tributários inovadores, mas apenas que esta segunda liquidação não tem autonomia em relação à liquidação inicial, sendo antes uma liquidação correctiva que se traduz na anulação parcial da primeira, expurgando esta dos vícios que a afectavam. Na verdade, a liquidação correctiva opera a sanação por reforma da liquidação inicial, retroagindo os seus efeitos à data do acto reformado (artigo 137. º, n. º 4 do CPA (JusNet 100/1991).Como referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim, no seu Código de procedimento Administrativo comentado, a pág. 663 «em vez de se revogar o acto que está ferido de ilegalidade, ele é depurado das suas imperfeições iniciais e mantido (total ou parcialmente) na ordem jurídica, técnica que deve ser considerada como manifestação do princípio do aproveitamento do acto administrativo» (sublinhados nossos)”.

13.  E a AT faz a síntese da sua argumentação nos termos seguintes:

 

                                i.            Como se lê na fundamentação do acto de revogação parcial da liquidação n. º 2013 …, “se o acto tributário incorporar matéria que não foi apreciada na reclamação por que não contestada aquando da 1.ª liquidação, também na liquidação correctiva não pode ser objecto de correção”.

 

14.  Mais refere a AT que “O acto de liquidação n. º 2013 …, e, aliás, a liquidação que lhe sucederá, por revogação parcial daquela, não tem a virtualidade de incorporar a matéria controvertida nestes autos, porque a mesma nunca foi suscitada pelos recorrentes. E o mesmo acontece com as liquidações a montante daquela liquidação”.

 

15.  E que “a impugnação com fundamento na não tributação das mais-valias, por aplicação da disciplina prevenida no art. º 10. º, n. º 2 do CIRS, tem de se reportar, portanto, à primeira liquidação n. º 2011 …”.

 

16.  E conclui a AT que, assim sendo, e considerando que “nos termos da alínea a) do n. º 1 do art. º 10. º do RJAT, o pedido de constituição do tribunal arbitral é apresentado no «prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n. ºs 1 e 2 do artigo 102. º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, quanto aos actos susceptíves de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico» …”.

 

17.  E …”Resultando da conjugação do disposto na alínra a) do n. º 1 do art. º 10. º do RJAT com o disposto na alínea a) do n. º 1 do RJAT com o disposto na alínea a) do n. º 1 do art. º 102. º do CPPT que, no caso dos autos, esse prazo de 90 dias é contado a partir do …a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte

 

18.  E mais conclui que  “o pagamento voluntário da liquidação n. º 2011 … expirou no dia 30/09/2011…pelo que precludiu há muito o direito de pedir a pronúncia arbitral”.

 

II. 3 – EXCEÇÃO DILATÓRIA

 

19.   E a AT mais refere que “a intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral, constitui uma excepção dilatória, que implica a absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira e a extinção da instância [artigo 278. º, n. º 1, alínea e), do CPC], o que se requer”.

 

II. 4 – IMPUGNANDO

 

20.   E a concluir e sem conceder, a AT mais refere que:

 

21.  “A título prévio, e por razões que se prendem com a falta de objecto, operada pela revogação parcial, comunicada ao CAAD, antes da constituição deste Tribunal, não irá ser objecto de impugnação a matéria que consta dos art. ºs 73. º a 107. º da p.i.”

 

22.  Os recorrentes sustentam o pedido de exclusão de tributação das mais-valias no regime consagrado no art. º 10. º, n. º 2 do CIRS, revogado pela Lei n. º 15/2010, de 26/7, defendendo que o mesmo lhes é aplicável porque ainda estava vigente à data da alienação das participações sociais (27/4/2010)”.

 

23.  “O que interessa, portanto, apurar é qual a lei que deve regulamentar a alienação das aludidas acções e, portanto, qual o consequente regime de tributação que é aplicável aos ganhos, já que a Lei n. º 15/2010 não integra nenhuma norma transitória”.

 

24.  E a AT passa a fazer a seguinte fundamentação da sua defesa:

 

25.  O novo regime legal, criado pela Lei n. º 15/2010, procedeu à revogação da anterior exclusão de tributação aplicável às mais-valias provenientes da alienação de acções detidas durante mais de 12 meses (assim como de obrigações e outros títulos de dívida), estabelecendo a sua tributação, mediante a aplicação de uma taxa de 20%, do saldo positivo entre as referidas mais e menos-valias, desde que o mesmo se revelasse superior a 500 €”.

 

26.  Sucede [que] a nova lei, apesar de entrar em vigor em Julho de 2010, vai ter reflexos durante todo o período de tributação, ou seja, durante todo o ano de 2010, já que a tributação vai incidir sobre o saldo entre as mais-valias e as menos-valias geradas no período de tributação, e esse saldo reporta-se ao último dia do período de tributação (isto é, 31/12/2010)”.

 

27.  “Com efeito, o facto gerador da tributação não ocorre no momento da alienação das acções, uma vez que nesse momento ainda não é possível aferir se o eventual ganho imediato irá ser sujeito a tributação, já que o facto da alienação se revela, afinal, potencial e fica condicionado à existência de saldo positivo entre todas as mais-valias e menos-valias geradas no período da tributação”.

 

28.  “A realidade sujeita a tributação no final do ano fiscal de 2010 não é apenas a mais-valia realizada individualmente na operação singular aqui em causa, mas o saldo positivo verificado, no final do ano fiscal, entre as mais-valias e as menos-valias geradas durante todo esse ano, ou seja, suportada na natureza de formação sucessiva do facto tributário, o qual só no final do ano se completa”.

 

29.  E a AT termina por remeter para a Jurisprudência constante do Acórdão n. º 399/2010 do Tribunal Constitucional, “segundo a qual não ocorrerá retroatividade da lei fiscal, ao determinar a tributação autónoma da alienação de ações detidas há mais de 12 meses realizada entre 1 de janeiro de 2010 e 26 de Julho de 2010, nem qualquer violação do princípio da segurança jurídica”.

 

30.  E, por isso, a AT impugna, em particular, o aduzido no art. º 59. º e segs. da p.i., alegando que:

 

                                i.            O acto impugnado não enferma, pois, de qualquer vício que ponha em causa a sua legalidade;

                              ii.            E, portanto, não havendo vício invalidante, não existe fundamento para o pagamento de juros indemnizatórios,

 

31.  Termos em que:

 

                                i.            A Requerida deve ser absolvida da instância, por estar verificada a exceção dilatória da intempestividade do pedido de pronúncia, ou se assim se não entender, e sem conceder,

                              ii.            Ser declarada a total improcedência do pedido, por falta de apoio legal.

 

 

III – DAS ALEGAÇÕES DOS REQUERENTES

 

1.     Alegam os Requerentes que face à revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n. º …, de que resultou uma nova liquidação, a questão central que cabe apreciar, face à exceção invocada pela AT, é a de saber se a liquidação impugnada pelos Requerentes, é ou não, uma nova liquidação.

 

2.     Os Requerentes entendem que sim, que se está perante uma nova liquidação, com um novo número 2013 …, com um novo fundamento, qual seja o da não aplicação aos Requerentes de qualquer benefício fiscal, mais concretamente o da redução da matéria coletável, previsto no artigo 43. º, n. º 3 do CIRS, com um novo valor de € 42.873,78, que “de forma a evitar que houvesse uma duplicação da coleta, erro ainda mais grosseiro do que aquele que a Requerida vem sustentar na sua contestação e com um novo número, considerou o imposto já pago pelos Requerentes (€ 18.622,14)”.

 

3.     Mais referem os Requerentes que “a produção e notificação de uma nova liquidação, é, pois, um acto tributário inovador e, consequentemente, confere aos Requerentes o direito, inaliável e imprescindível, de questionar a sua fundamentação, ou seja, de impugnar por violação de lei”.

 

4.     Alegam os Requerentes que “até porque suscita questões que nunca foram objeto de apreciação em qualquer dos procedimentos anteriores e listados, quer no requerimento inicialmente apresentado, quer na própria resposta da AT a este requerimento inicial, como sejam, por exemplo, a inconstitucionalidade da aplicação retroativa de uma norma tributária”.

 

5.     E esclarecerem os Requerentes que se trata “da questão da tributação de um ganho por uma norma que não estava em vigor à data da ocorrência dos factos”.

 

6.     E mais entendem que “esta questão suscitada pela nova liquidação emitida pela AT pode e deve ser apreciada pelo Tribunal, sob pena de se verem negados, aos sujeitos passivos Requerentes os mais elementares direitos de defesa e se consolidar, na ordem jurídica, um acto manifestamente ilegal e violador do princípio da irretroactividade das leis fiscais”.

 

7.     E realçam que “se atentarmos os factos, verificamos que o acto tributário de liquidação objecto de impugnação, nasce de uma nova e distinta apreciação dos factos tributários pela AT”.

 

8.     E os Requerentes fazem questão de realçar que foi na sequência da apreciação de um Recurso Hierárquico – RH, que apresentaram, reclamando o direito ao pagamento de juros indemnizatórios que a AT vem suscitar “ex-novo” a questão de ser devido imposto pela totalidade do ganho das mais-valias obtido, já depois de a mesma AT se ter pronunciado sobre essa matéria do “benefício” do art. º 43. º do CIRS.

 

9.     Realçam os Requerentes que se a AT tivesse limitado, como devia, a sua resposta ao pedido então formulado no RH, então esta questão não seria certamente suscitada.

 

10. E mais referem que assim não aconteceu e que “a AT optou por reapreciar toda a situação de facto para concluir que era devido imposto sobre a totalidade do ganho”.

 

11. E que, em consequência, “a AT criou um facto tributário novo que deu origem ao acto tributário de liquidação de IRS, objecto de impugnação”.

 

12. E que, portanto, de forma “ indiscutível e inquestionável se trata de um novo acto de liquidação, distinto dos diversos actos já praticados pela AT no decurso de todo o procedimento tributário que o antecede”. 

 

13. E esclarece que a AT “ao levantar uma questão que não era objecto de apreciaçãoestá a criar factos tributários novos que levam, indiscutível e impreterivelmente a um novo acto tributário, consubstanciado na liquidação de IRS objecto da presente impugnação”.

 

14. E os Requerentes vêm rebater os argumentos da Requerida constantes da contestação ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, quando refere que o acto de liquidação n. º 2013 … foi objecto de revogação parcial e que, em resultado dessa revogação, apenas uma questão passou a ser objeto de análise.

 

15. E os Requerentes alegam que não foi isso que aconteceu.

 

16. E esclarecem que a questão do pagamento não estava em causa, até porque os Requerentes não contestaram a liquidação de IRS sobre 50% do ganho obtido, tendo-se limitado a pedir o pagamento dos juros compensatórios[4] por pagamento indevido de IRS.

 

17. E mais referem os Requerentes que a AT “ao modificar, voluntária e autonomamente, a matéria em discussão e, revogando o acto de deferimento de uma reclamação graciosa que já estava decidida e não era, repita-se, objecto de recurso hierárquico, a própria AT vem, com este procedimento, criar, de forma clara, um novo acto de liquidação, autónomo de todos os outros deste procedimento tributário, abrindo, dessa forma, uma nova via de discussão e de contestação aos Requerentes”.

 

18. E mais referem que “ora, em contradição com este entendimento, vem depois a AT dizer que a única matéria que ficou por decidir de um acto de liquidação, não pode ser objecto de discussão por este Tribunal, na medida em que a questão devia ter sido suscitada anteriormente”.

 

19. E mais referem os Requerentes que “esta é a questão principal e sobre ela não pode o Tribunal acolher o entendimento sufragado pela AT na excepção invocada na sua contestação de que o acto de liquidação impugnado não é um acto autónomo e susceptível de impugnação porque não foi objecto de reclamação graciosa inicialmente deduzida pelos Requerentes”.

 

20. E mais referem que a propósito desta questão, que realçam não ser aquela que deve centrar o Tribunal, “tem sido entendimento pacífico da Jurisprudência e da Doutrina que o objecto e os fundamentos da impugnação de uma liquidação, ou de qualquer outro acto tributário, susceptível de ser impugnado, podem ir além do objecto do procedimento de reclamação graciosa desse mesmo acto tributário”.

 

21. E concluem que “o objecto de impugnação judicial não pode ficar circunscrito às questões suscitadas, em sede de reclamação graciosa, ainda que se refiram ao mesmo acto tributário”.

 

22. Embora, esclarecem os Requerentes que “no caso em análise, não se trata do mesmo acto tributário, mas sim de um acto tributário inovador e totalmente autónoma de todos os outros actos de liquidação (diversos e todos diferentes) praticados pela AT no âmbito de todo ao procedimento administrativo”.

 

23. Pelo que, concluem os Requerentes que “não pode, assim, colher o argumento em que a Requerida sustenta a sua defesa por exceção de que a impugnação deduzida pelos Requerentes é intempestiva”.

 

24.  E, por isso, alegam os Requerentes que “deve o Tribunal apreciar a questão controvertida que lhe é submetida, mais concretamente a de saber se os ganhos obtidos pelos Requerentes na alienação de ações, em que o acto de alienação ocorreu antes da entrada em vigor da Lei n. º 15/2010, de 26 de Julho, estão ou não sujeitos a imposto (Categoria G do IRS)”.

 

25. E a concluir remetem os Requerentes, neste particular, para os argumentos deduzidos no requerimento de pedido de constituição do Tribunal Arbitral, mantendo tudo o que ali é exposto, terminando com uma síntese de conclusões de todo o exposto nas suas Alegações.

 

IV – DO SANEAMENTO

 

1.      O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 25-06-2014, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, conforme consta da respetiva ata.

 

2.      As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

 

3.      O pedido é legítimo, o Tribunal é competente em razão da matéria e foi apresentado em 16 de abril de 2014 e aceite pelo Tribunal a 17.

 

4.      Foram apresentadas pelas partes questões prévias ou prejudiciais que serão objeto de apreciação e decisão prévia pelo Tribunal.

 

V – DOS FACTOS ESSENCIAIS DADOS COMO PROVADOS

 

1.      Os Requerentes procederam à venda de 60 ações que a Requerente B detinha na C, SA, por € 240.000,00, por contrato datado de 27-04-2010, sendo aquele o valor correspondente à parte que lhe coube no preço de venda da totalidade das ações pelo valor de € 2.000.000,00, à sociedade adquirente D.

 

2.      Que as referidas 60 ações haviam sido adquiridas por € 6.000,00, tendo ocorrido em dois momentos distintos, a saber:

 

a.       uma primeira quota no valor de € 3.000,00,  cedida à Requerente B por E e mulher F, conforme Escritura de 26-02-2004, lavrada no .... º Cartório Notarial de Lisboa.

b.       e a outra quota, também pelo preço de € 3.000,00 cedida por E, por Escritura de 20-9-2007.

 

3.      Posteriormente, em 3-3-2010, a sociedade transformou-se em anónima, tendo sido atribuídas à Requerente B 60 ações no valor de € 6.000,00, em troca das quotas que detinha e que haviam sido unificadas.

 

4.      Face à alienação das 60 ações, na referida data de 27-4-2010, por € 240.000,00, os Requerentes, na sua Declaração mod. 3 e respetivo Anexo G (Quadro 8), mencionaram esta transmissão, bem como os valores de alienação e de aquisição e as despesas e encargos suportados com esta, bem como um comissão paga, e no Quadro 8-A, que se tratava de alienação de partes sociais de micro e pequenas empresas, tendo sido identificada a sociedade emitente das ações com o NIPC  …, cujo ganho de mais-valias foi tributado apenas em 50%, nos termos do artigo 43. º, n. º 3 do Código do IRS (CIRS).

 

5.      A referida declaração, respeitante ao ano de 2010, entregue em 30-05-2011, que integrava também outros rendimentos do trabalho dependente, foi objeto de liquidação pela AT – a 1.ª liquidação -, tendo os Requerentes sido notificados em 19-07-2011 do resultado da liquidação de IRS n. º 2011 …, com imposto relativo a tributações autónomas no valor de € 22.862,45 e IRS a pagar no montante de € 18.622,14, cfr.doc. n. º 9, que foi pago em 27-09-2011, cfr.doc. n. º 10.

 

6.      Os Requerentes foram notificados para comprovar que se tratava de alienação de ações de micro e pequenas empresas – o que fizeram – mas não tendo os Serviços da AT aceitado a prova efetuada, com o fundamento na existência de uma divergência quanto ao n. º de trabalhadores da sociedade no final do ano de 2010, o que inviabilizou a aplicação do benefício de redução das mais-valias em 50%.

 

7.      Desse facto foram devidamente notificados, tendo resultado uma liquidação adicional de IRS, no valor de € 23.466,24, cfr. Doc. n. º 12, (Liquid. N. º 2012 …, no valor de € € 41.484,58, acrescida de juros compensatórios de € 603,80, no total de € 42.088,38), que abatida do valor da liquidação n. º 2011 …, no valor de € 18.622,14, resultou a importância a pagar de € 23.466,24, de que os Requerentes foram notificados e pagaram em 21-11-2012, cfr. doc. n. º 13.

 

8.      Os Requerentes reagiram contra esta 2.ª liquidação corretiva e adicional através da apresentação de Reclamação Graciosa, alegando que as ações alienadas respeitavam a uma micro ou pequena empresa, devendo as mais-valias ser tributadas em 50% e pedindo anulação da liquidação, que pagaram, e a devolução do IRS, acrescido de juros indemnizatórios, cfr. Doc. 14.

 

9.      A Reclamação, a que coube o n. º …,  foi deferida por despacho de 23-10-2012 (cfr. Doc. n. º 15) tendo o IRS a mais pago, no valor de € 23.466,24 sido devolvido em 2012-03-15, sem pagamento de juros indemnizatórios, cfr. Doc. n. º16.

 

10.  Os Requerentes apresentarem, então, nova Reclamação Graciosa, cfr. doc. n. º 17,  para exigência dos juros indemnizatórios, que foi objeto de indeferimento, cfr. Doc. n. º 18.

 

11.   Não se conformando, os ora Requerentes apresentaram em 26-3-2014 Recurso Hierárquico, cfr. Doc. n. º 19., cuja resposta que obtiveram foi a de indeferimento do mesmo e ainda que a decisão de deferimento da 1.ª Reclamação Graciosa seria integralmente revogada, o que veio a suceder por despacho de 11-11-2014, cfr. Doc. n. º 21.

 

12.  Este Recurso Hierárquico foi objeto de despacho de indeferimento da Diretora de Serviços do IRS, de 24-06-2013, fundamentado na Informação n. º … da Direção dos Serviços Jurídicos e do Contencioso, que entenderam que por falta de declaração do IAPMEI, (que a própria AT não conseguiu obter), não poderiam os Requerentes beneficiar do normativo previsto no artigo 43. º, n. º 3 do CIRS.

 

13.  Consta da referida Informação que, por se encontrar a decorrer o prazo de um ano, cfr. art. º 58. º da Lei 15/2001, de 22/02 (CPTA), deveria ser revogado o despacho de deferimento proferido em 23-10-2012, cfr. doc. n. º 14, pelo Chefe de Divisão (por subdelegação de competências) sobre a 1.ª reclamação graciosa n. º …. 

 

14.  O despacho de REVOGAÇÃO foi proferido em 11-11-2013, notificado aos ora Recorrentes pelo Ofício n. º …, de 13-11-2013, da Direção de Finanças de Lisboa.

 

15.  Em consequência, a AT emitiu uma 4.ª liquidação corretiva com o n. º 2013 …, de 11-12-2013, com IRS a pagar no montante de € 42.873,78, sendo € 1.489,78 referentes a juros compensatórios, sem concessão de qualquer redução na tributação do ganho de mais-valias pela alienação das ações em causa.

 

16.  Esta nova liquidação de IRS, cfr. Doc.s 1, 2 e 3, referentes ao ano de 2010, de que os Requerentes foram notificados para pagamento até 20-01-2014, da quantia de € 24.251,64, correspondente à diferença entre o valor da liquidação total de IRS, deduzida do total inicial de € 18.622,14, entretanto pagos pelos Requerentes.

 

17.  Em consequência, a AT emitiu uma 4.ª liquidação corretiva com o n. º 2013 …, de 11-12-2013, com IRS a pagar no montante de € 42.873,78, sendo € 1.489,78 referentes a juros compensatórios, sem concessão de qualquer redução na tributação do ganho de mais-valias pela alienação da ações em causa.

 

18.  E é esta nova, 4.ª e última liquidação corretiva de IRS, com o n. º 2013 …, de 11-12-2013 que é objeto de impugnação.

 

19.  A AT reconheceu, já no decurso do processo arbitral, mas dentro do prazo a que se refere o n. º 1 do artigo 13. º do RJAT que o DESPACHO DE REVOGAÇÃO do deferimento da 1.ª Reclamação ocorreu para além do prazo de um ano, em violação do previsto no artigo 55. º da Lei n. º 15/2012, de 22 de Fevereiro (CPTA) e que, portanto, não deveria ter emitido a 4.ª liquidação corretiva n. º 2013 …, de 11-12-2013, devendo antes ter subsistido na esfera jurídica dos Requerentes a 3.ª liquidação n. º 2012 …, efetuada em consequência do deferimento da 1.ª Reclamação dos ora Requerentes.

 

20.  Que a AT procedeu à revogação da mencionada liquidação de IRS n. º 2013 …, em consequência da ilegal revogação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa.

 

21.  Que desta revogação somente foi requerido ao CAAD que fosse dado conhecimento aos Requerentes após a apresentação por estes da petição arbitral, ainda que dentro do prazo a que se refere o n. º 1 do artigo 13. º do RJAT, cfr. artigo 15. da Resposta da AT. 

 

V. 1 – DA FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles e em todos os elementos trazidos ao processo pelas Partes, não questionados.

 

Nestes termos, o Tribunal fundou a sua convicção em tudo quanto consta do processo.

 

V. 2 – FACTOS NÃO PROVADOS

 

Não ficou provado pela AT, numa primeira fase, que a sociedade emitente das ações não era uma micro ou pequena, com o fundamento na existência de uma divergência quanto ao n. º de trabalhadores da sociedade no final do ano de 2010, o que inviabilizou a aplicação do benefício de redução das mais-valias em 50% e à emissão de uma 2.ª liquidação corretiva e adicional. No entanto, quando da apreciação da reclamação graciosa essa questão veio a cair a favor dos Requerentes.

 

A AT também não conseguiu obter certificado do IAPMEI para tentar provar qual a qualificação da sociedade em causa.

 

VI – DAS QUESTÕES PRÉVIAS OU EXCEÇÕES DILATÓRIAS

 

As questões prévias ou exceções dilatórias invocadas pelas partes são as seguintes:

 

VI. 1 – PELOS REQUERENTES

 

26.    DA NULIDADE DO ACTO DE REVOGAÇÃO DO DEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

 

Tal como foi reconhecido pela AT nos artigos 15. e 16. da sua Resposta, “a Requerida procedeu à revogação da 4.ª liquidação de IRS n. º 2013 …, no tocante à tributação do imposto relativo a tributações autónomas, por ter entendido que a revogação do despacho de deferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa n. º …, operada na sequência do recurso hierárquico interposto pelos recorrentes, era ilegal”.

 

Nestes termos, esta exceção invocada tem fundamento legal, o que determinou a anulação da 4.ª liquidação, a impugnada arbitralmente, já no decurso do presente processo, mas dentro do prazo a que se refere o n. º 1 do artigo 13. º do RJAT.

 

Os Requerentes só em 4 de Junho de 2014 foram notificados pelo CAAD, de que a AT iria proceder à revogação da referida 4.ª liquidação e de que, por tal facto, ficaria sem efeito útil o pedido de pronúncia arbitral, mas os Requerentes mantiveram-no, por o seu objeto ir para além da tributação de apenas 50% dos ganhos de mais-valias com a alienação das ações em causa.

 

VI. 2 – PELA REQUERIDA

 

1.      DA INTEMPESTIVIDADE DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

2.      DA EXCEÇÃO DILATÓRIA CONSEQUENTE DA INTEMPESTIVIDADE DA PETIÇÃO ARBITRAL

 

Quanto à primeira das exceções invocadas pela Requerida, esta entende que tendo a AT procedido à revogação da (4.ª) liquidação de IRS n. º 2013 …, a petição arbitral passou a ficar circunscrita apenas ao pedido de não tributação das mais-valias, ao abrigo do artigo 10. º, n. º 2 do CIRS, já que com a revogação da referida liquidação e com a anulação do despacho de revogação do deferimento da reclamação graciosa, tudo se reconduzia à 1.ª liquidação, que contemplava a tributação de apenas 50% do ganho resultante da alienação das mais-valias das ações em causa.

 

Somente que, face ao referido pela AT, e a ser objeto da petição arbitral a não tributação total do referido ganho, então a petição arbitral, diz a AT, é extemporânea, por dever reportar-se à 1.ª liquidação de IRS n. º 2011 …, efetuada em consequência dos elementos constantes da declaração periódica de rendimentos modelo 3, do ano de 2010, e notificada aos Requerentes em 19-07-2011, com data limite de pagamento em 30-09-2011, que os Requerentes pagaram em 27-09-2011.

 

E que assim sendo, entende a AT que a petição arbitral é intempestiva, por ter sido apresentada para além do prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n. º 1 do artigo 10. º do RJAT, conjugado com o disposto na alínea a) do n. º 1 do art. º 102. º do CPPT.

 

E no entender da AT o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral expirou em 30-09-2011.

 

E a AT fundamenta a sua conclusão pelo facto de a Jurisprudência, que citou, entender que o acto de liquidação é uno e que todos os que se lhe seguiram são meramente corretivos.

 

Sem pôr em causa, em tese, este entendimento, facto é que com o indeferimento do Recurso Hierárquico dos Requerentes, em que se solicitava tão somente o pagamento de juros indemnizatórios e que levou, de seguida, à revogação do despacho de deferimento da Reclamação Graciosa dos Requerentes, nasceu uma nova liquidação, como que tudo tendo começado de novo, tanto assim é que a AT já nem poderia fazê-lo, por se mostrar ultrapassado o prazo legal para revogação do deferimento da reclamação.

 

Como, aliás, ainda que o pudesse fazer, ficaria impedido de tal, se já tivesse ocorrido a caducidade da liquidação, face ao artigo 45. º da LGT.

 

Relativamente, portanto, à 4.ª liquidação de IRS, nascida em consequência da revogação do deferimento da reclamação graciosa, estende este Tribunal, que se trata de um novo ato tributário.    

 

Assim, apreciando, entende este Tribunal que os Requerentes não reagiram efetivamente contra a 1.ª liquidação de IRS n. º 2011 …, efetuada em consequência dos elementos constantes da declaração periódica de rendimentos modelo 3, do ano de 2010, e notificada aos Requerentes em 19-07-2011, para pagamento até 30-09-2011, em que lhe foi concedida a não tributação de 50% do ganho resultante da alienação da ações em causa, ao abrigo do artigo 43. º n. º 3 do CIRS.

 

Não reagiram, como poderiam tê-lo feito, se assim entendessem, para efeitos de não tributação na totalidade do ganho das mais-valias resultante da alienação das ações ocorrida em 27-04-2010, data em que ainda se encontrava em vigor a norma de exclusão do art. º 10. º, n. º 2 e alínea a) do CIRS, por a Requerente as possuir as ações há mais de 12 meses.

 

Aliás, os Requerentes poderiam ter apresentado, inclusivamente, o Anexo G1 à Declaração de Rendimentos do ano de 2010, em vez da apresentação do Anexo G, como fizeram, o que produziria, naquele caso do Anexo G1, o efeito da não tributação integral dos referidos ganhos de mais-valias, tal como pretendem agora com o pedido de pronúncia arbitral.

 

Os Requerentes entenderam, no entanto, apresentar a declaração mod. 3 com Anexo G, onde mencionaram no Quadro 8-A, que as ações alienadas respeitavam a uma micro ou pequena sociedade para, deste modo e ao abrigo do artigo 43,º, n. º 3 do CIRS, serem tributados apenas em 50% dos ganhos de mais-valias já referidos.

 

Talvez tudo tivesse assim ficado resolvido definitivamente, do ponto de vista fiscal, já que os Requerentes entenderam não reagir por qualquer meio, gracioso ou judicial contra esta 1.ª liquidação.

 

E se assim não aconteceu só pode culpar-se a AT por ter procedido da forma como procedeu, procedendo a liquidações sucessivas, revogando ilegalmente decisões sobre reclamações e recursos hierárquicos, etc.

 

E foi assim que em 30-01-2012 foi emitida aos Recorrentes uma 2.ª liquidação de IRS com o n. º 2012 …, por os serviços da AT terem desconsiderado a qualificação da sociedade emitente das ações alienadas como micro ou pequena empresa e, portanto, com tributação do ganho de mais-valias a 100%, sem aplicação, portanto, do disposto no artigo 43. º, n. º 3 do CIRS.

 

A esta liquidação reagiram os Recorrentes por meio de Reclamação Graciosa, tendo como objeto, exclusivamente, reclamar da tributação do ganho em causa em apenas 50%. Reclamação essa que obteve deferimento total.

 

Depois seguiu-se-lhe um Recurso Hierárquico, tendo como objeto o pagamento de juros indemnizatórios, que foi indeferido e que levou também à revogação do deferimento da Reclamação Graciosa.

 

E, em consequência de todo esse desenrolar de ações e liquidações sucessivas, já devidamente pormenorizadas nos autos e que culminou com uma 4.ª liquidação de IRS com o n. º 2013 …, que tributa de novo o ganho das mais-valias das ações alienadas a 100%, em termos idênticos ao da 2.ª liquidação atrás referida.

 

Ora os Recorrentes, que não reagiram inicialmente contra a não tributação integral do ganho resultante da alienação das mais-valias em causa, porque assim entenderam ou porque eventualmente não pretendiam fazê-lo ou nem saberiam que poderiam tê-lo feito, vêm, então, apresentar o presente recurso arbitral, mas tendo agora como objeto principal a não tributação total do ganho das mais-valias em causa.

 

Daí ter-se concluído atrás que se não tivesse havido a 2.ª e 4.ª liquidações, por parte da AT, por desconsideração da qualificação da sociedade emitente das ações alienadas, como micro ou pequena empresa, tudo teria ficado definitivamente resolvido, porquanto à data da 2.ª liquidação já se mostravam precludidos todos os prazos para os Recorrentes reagirem com o objeto constante p.i. arbitral.

 

Aliás, a ser-lhes cerceado o direito de impugnação arbitral contra a 4.ª liquidação de IRS, estariam em causa o disposto no artigo 95. º da LGT, já que esta liquidação não pode deixar de ser considerado um acto lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos.

 

A questão, portanto, consiste apenas em saber se pelo facto de não ter havido qualquer reação contra a 1.ª liquidação de IRS, e ainda o facto de anteriormente à petição arbitral o objeto do litígio ter sido sempre o da questão da tributação de 50% ou 100% do ganho das mais-valias das ações alienadas, por aplicação ou não do disposto no art. º 43. º, n. º 3 do CIRS, ficará vedado aos Recorrentes invocar, agora, em sede arbitral, a não tributação integral das referidas mais-valias, face ao disposto no art. º 10. º, n. º 2, alínea a) do CIRS, ainda em vigor à data da alienação das referidas ações.

 

E o Tribunal refere que a questão de se tratar de uma só liquidação ou mais do que uma, autónomas, já foi antes apreciado pelo Tribunal, no sentido de que a 4.ª liquidação é uma nova liquidação, aliás uma liquidação consequente das anteriores e que as anula, atentas as circunstâncias em que ocorreu e que a ser como defende a AT, volta a realçar-se, ficariam cerceados os legítimos direitos dos Requerentes de reagir contra um acto lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos, com violação do já referido artigo 95. º da LGT.

 

Retomando, então, a questão de o pedido de pronúncia arbitral poder ir além do objeto da reclamação graciosa, começa por realçar-se que as ações em causa foram alienadas em 27-04-2010 e a norma do artigo 10. º, n. º 2 do CIRS apenas foi revogada pela Lei n. º 15/2010, de 26/6, com entrada em vigor em 27/6, sem que dela conste qualquer disposição transitória.

 

Por todo o exposto, entende este Tribunal, que não se verifica qualquer intempestividade do Recurso Arbitral, tão simplesmente porque os Recorrentes tinham obrigatoriamente que reagir agora contra a última liquidação que lhes foi notificada – a 4.ª liquidação de IRS n. º 2013 … -, a única que estava em causa contestar ou não e, fizeram-no, de forma arbitral, dentro do prazo previsto nos n. ºs 1 e 2 do artigo 10. º do RJAT, conjugado com o disposto na alínea a) do n. º 1 do art. º 102. º do CPPT e, portanto, com tempestividade.

 

E nem sequer se pode invocar aqui e agora o facto de esta 4.ª liquidação de IRS ter sido revogada posteriormente à apresentação da petição arbitral, ainda que dentro do prazo a que se refere o n. º 1 do artigo 13. º do RJAT, porquanto se os Requerentes não tivessem apresentado o Recurso Arbitral na data de 16-04-2014, deixariam extinguir o prazo de Recurso, já que só em 4-06-2014 foram notificados pelo CAAD de que a AT iria proceder à revogação da referida 4.ª liquidação.

 

Assim, nesta parte, não pode ter acolhimento legal esta primeira exceção invocada pela AT, improcedendo, portanto, por não existir qualquer intempestividade na apresentação do Recurso Arbitral em 16-04-2014 e aceite pelo CAAD a 17-04-2014, contra a 4.ª liquidação de IRS, de que os Requerentes foram notificados para pagamento do IRS devido, até 20-01-2014 e, portanto, dentro do prazo de 3 meses contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário, nos termos conjugados do artigo 10. º, n. º 1, alínea a) do RJAT, com o n. º 1, alínea a) do artigo 102. º do CPPT.

 

A segunda questão prévia ou exceção dilatória invocada é consequente da alegada intempestividade, que urge apreciar.

 

O fundamento invocado pela AT, que pretende, no fundo, abranger ambas as exceções, já que a segunda é consequência da primeira, tem a ver com o facto de os Recorrentes, anteriormente à petição arbitral não terem posto em crise as liquidações efetuadas com o fundamento de não ser devida qualquer tributação do ganho das mais-valias das ações alienadas, tendo colocado sempre a questão da tributação em apenas 50% do ganho das mais-valias obtidas com a alienação das ações, ao abrigo do artigo 43. º, n. º 3 do CIRS.

 

A não tributação integral de tal ganho só veio, portanto, a ser colocada em sede arbitral.

 

A questão, portanto, tem a ver com a possibilidade legal ou não de o objeto da petição arbitral ter de ser, por um lado, coincidente com o das reclamações graciosas anteriormente apresentadas sobre a tributação do ganho em causa, já que nestes meios graciosos utilizados tal objeto jamais foi invocado e, por outro, porque a questionar a liquidação em causa – a 4.ª – com fundamento na não tributação integral do ganho, então os Reclamantes teriam tido a obrigação de fazê-lo logo na 1.ª liquidação que lhes foi efetuada.

 

Situação que, face aos sucessivos factos ocorridos, seria iníqua e violadora dos legítimos direitos dos Requerentes.

 

Recorde-se que o Recurso Arbitral apresentado contra o resultado da 4.ª liquidação de IRS n. º 2013 …, efetuada pela AT, que desconsiderou a aplicação do disposto no artigo 43. º, n. º 3 do CIRS, por considerar que as ações alienadas em causa não foram emitidas por micro ou pequena empresa, extravasou esta questão e foi mais radical no seu objeto, ao requerer a não tributação integral do ganho de mais-valias obtido com a alienação das referidas ações.

 

Poderão os Requerentes proceder assim?

 

De relevar, desde logo, que os Recorrentes foram notificados da referida 4.ª liquidação de IRS n. º 2013 … para pagamento do IRS adicionalmente devido.

 

Por outro lado, nos termos do artigo 95. º da Lei Geral Tributária, “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei”.

 

E no n. º 2, alínea a) é ainda referido que:

2. Podem ser lesivos, nomeadamente:

a)      A liquidação de tributos, considerando-se também como tal para efeitos da presente lei, os actos de auto-liquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta;

b)     

c)      ....

d)      O indeferimento, expresso ou tácito e total ou parcial, de reclamações, recursos ou pedidos de revisão ou reforma da liauidação;

e)     

f)        O indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais sempre que a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo;

...”

 

Ora, ao Tribunal Arbitral cumpre conhecer do pedido de pronúncia arbitral apresentado, da legitimidade do Requerente, do prazo da sua apresentação e do objeto e requisitos, para efeitos de verificação do disposto nos n. ºs 1, alínea a) do artigo 10. º do RJAT – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n. º 10/2011, dos artigos 99. º, n. ºs 1 e 2 do artigo 102. º e 108. º do CPPT – Código de Procedimento e do Processo Tributário e dos artigos 1. º e 2. º da Portaria n. º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

E relativamente à legitimidade dos Requerentes e ao seu direito de impugnação ou recurso do acto tributário de que foram notificados, ou seja, da 4.ª liquidação de IRS, parece não restarem dúvidas de que nada haverá a referir.

 

A invocada exceção dilatória consequente da intempestividade da petição arbitral, com o fundamento de que esta 4.ª liquidação não constitui ato inovador em relação à primeira liquidação não tem acolhimento por parte deste Tribunal, até porque, assim sendo, também o prazo de apresentação da reclamação graciosa da 2.ª liquidação de IRS, que teve os mesmos efeitos que esta 4.ª liquidação, estaria precludido e a mesma foi considerada atempada e até foi deferida integralmente.

 

E até poderemos considerar que as liquidações efetuadas foram sucedâneas umas das outras, com origem na primeira, mas facto é que quer a 2.ª liquidação, quer a 4.ª, que foi objeto do presente recurso arbitral não deixam de constituir, em si mesmo, atos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos Recorrentes, nos referidos termos do art. º 95. º da LGT e, portanto, atacáveis individualmente. 

 

Termos em que este Tribunal considera improcedentes as exceções invocadas pela Requerida, com os fundamentos antes expressos.

 

 

VII – DO DIREITO

O pedido principal de pronúncia arbitral tem, pois, a ver com a não tributação dos ganhos obtidos com a alienação onerosa, em 27 de Abril de 2010, das ações que a Requerente B detinha desde 20 de Setembro de 2007, no capital social da C, SA (sociedade anónima desde 3 de Março de 2010) e que alegam não estavam, à data da transmissão, sujeitos a tributação em sede de IRS.

Os Requerentes alegam que na sua declaração de IRS modelo 3 respeitante ao ano de 2010, apresentada em 30 de maio de 2011, mencionaram esta transmissão no Anexo G, onde fizeram constar as datas de aquisição das então quotas de € 3.000,00 cada, como adquiridas, respetivamente, em Fevereiro de 2004 e Outubro de 2007.

No entanto, também mencionaram no Quadro 8-A, que as ações alienadas respeitavam a uma micro ou pequena empresa, mencionando o NIPC … da sociedade emitente, fazendo desde logo supor que os Requerentes pretendiam a aplicação da redução do ganho das mais-valias resultante da alienação das ações em causa, em 50%, nos termos do artigo 43. º, n. º 3 do CIRS.

E isto porque o Anexo apropriado para a não tributação integral de tais ganhos seria o Anexo G1, onde mencionariam os mesmos elementos de valores de aquisição e alienação e respetivas datas – o que não aconteceu.

Daí que os Serviços da AT tenham procedido a uma primeira liquidação de IRS com o n. º 2011 …, com IRS relativo a tributações autónomas de € 22.862,45.   

Vicissitudes várias que constam dos autos a AT acaba por proceder a uma 4.ª liquidação de IRS n. º 2013 …, negando aos Requerentes a tributação de 50% do ganho das mais-valias em causa, com a revogação do deferimento de uma reclamação graciosa que lhe havia sido deferida para o efeito.

E é contra esta 4.ª liquidação de IRS que os Requerentes vieram reagir por meio do pedido de pronúncia arbitral em apreciação por este Tribunal.

E os Requerentes fazem-no agora, no seu legítimo direito, de contestar aquela liquidação de IRS respeitante à tributação autónoma da totalidade das mais-valias em causa, como pedido principal[5], com o fundamento de à data da entrada em vigor da Lei n. º 15/2010, de 26 de Julho, que revogou o n. º 2 do art. º 10. º do Código do IRS, que estabelecia uma exclusão tributária em sede de IRS relativamente à alienação de ações detidas há mais de 12 meses, já as ações em causa haviam sido alienadas em 21 de Abril de 2010.

       E, por isso, os Requerentes não concordam com o entendimento da AT, que vai no sentido de que em resultado da revogação do n. º 2 do art. º 10. º do Código do IRS, a sua aplicação determina a aplicação do regime regra de tributação das mais-valias apuradas em consequência da alienação de ações detidas há mais de 12 meses, independentemente de a mesma alienação se ter verificado antes ou depois da entrada em vigor da referida Lei n. º 15/2010, de 26 de Julho.

E é esta divergência de entendimentos que constitui o primeiro e principal objeto da controvérsia no presente processo, resolvidas que se encontram as questões prévias ou prejudiciais invocadas por ambas as partes.

Vejamos, então, o que dispõem as citadas disposições legais:

            Artigo 10. º, n. º 2 do Código do IRS (à data):

            “ 1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, …”

“2 – Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de:

            a) Ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses”;

            “12 – A exclusão estabelecida no n. º 2 não abrange as mais-valias provenientes de ações de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português”. 

            Lei n. º 15/2010, de 26/07:

            “Artigo 1. º

            Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

            Os artigos 10. º, 43. º, 72. º……do Código do IRS, passam a ter a seguinte redação:”

            “Artigo 10. º

            …

            2 – (Revogado)”

            Art. º 72. º

            “…

4 – O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n. º 1 do artigo 10. º, é tributado à taxa de 20%”.

            “Art. º 2. º (da Lei 15/2010)

            Revogação de disposições no âmbito do Código do IRS

São revogados os n. ºs 2 e 12 do artigo 10. º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n. º 442-A/88, de 30 de Novembro”.

            “Art. º 5. º

            Entrada em vigor

            A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”.

Donde se conclui que a citada Lei n. º 15/2010 é omissa relativamente a quaisquer regras especiais de aplicação da lei no tempo, muito embora tenha sido abordada esta questão no quadro do debate parlamentar que precedeu a aprovação da mesma.

Dispõe também o artigo 12º, da LGT que:

1.      “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.

2.      Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.[6]

3.    As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.

4.    Não são abrangidos pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento das normas de incidência tributária”.

Face ao conteúdo das presentas normas, forçoso será conhecer qual a natureza do facto tributário decorrente da alienação onerosa das ações em causa.

Nos termos do artigo 1. º, n. º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o IRS é um imposto periódico incidente sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias, após as correspondentes deduções e abatimentos.  

Por sua vez, nos termos do artigo 9. º, n. º 1, al. a) os ganhos de mais-valias constituem incrementos patrimoniais sujeitos a IRS, categoria G, desde que não considerados rendimentos de outras categorias.

Precisando, com base no artigo 10. º, n. º 1, al. b), constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de partes sociais…e de outros valores mobiliários.

E conforme artigo 10. º, n. º 2, al. a) anteriormente transcrito, em vigor à data da alienação das ações em causa, excluíam-se da tributação os ganhos provenientes da alienação das ações detidas por um período superior a 12 meses – como é o caso dos autos.

E nos termos do artigo 10. º, n. º 4, al. a) do CIRS, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n. º 1 deste mesmo artigo.

Por sua vez, nos termos do artigo 43. º, n. º 1 do CIRS, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano… .

De relevar também o disposto no artigo 10. º, n. º 3, al. a), do CIRS, que determina, para o caso em apreço, o facto gerador do imposto[7], que para a situação em análise nos autos é o seguinte:

“3 – Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n. º 1, sem prejuízo do disposto nas seguintes alíneas: a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objeto do contrato”.

Por relevante, transcreve-se também o que dispõe o artigo 45. º da LGT, na parte aplicável:

            “Artigo 45. º - Caducidade do direito à liquidação

1 – O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

4 – O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento, quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário”.

Donde se retira que o IRS é um imposto periódico, em geral, e de obrigação única nos casos em que ocorre a obrigatoriedade de retenção a título definitivo (caso da taxa liberatório do artigo 71. º), muito embora o prazo de caducidade contenha uma exceção na contagem do prazo de caducidade para a situação da tributação por taxa liberatória em IRS.

Conclui-se, assim, por um lado, que o facto gerador do imposto, ou seja, a sua exigibilidade, ocorre, no caso em apreço, no momento em que os ganhos de mais-valias se consideram obtidos, nos termos do artigo 10. º, n. º 3, al. a) e, por outro, nos termos do artigo 43. º, n. º 1, o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias apuradas no mesmo ano.

Quanto à natureza jurídica do facto tributário, é sabido que no IRS há rendimentos de formação instantânea e outros de formação sucessiva.

Tratando-se, v.g. de rendimentos do trabalho dependente, categoria A, o facto gerador também ocorre, em regra, em cada mês em que se verifica o pagamento ou colocação à disposição dos salários ou remunerações, com retenção por conta, em regra, e a sua tributação é feita no final do ano, mediante a aplicação das taxas gerais à totalidade dos rendimentos.

A diferença entre esta situação dos rendimentos da categoria A e a tributação do saldo ganho das mais valias-alienadas, reside apenas no facto de a tributação daqueles rendimentos ser feita por englobamento e, portanto, por aplicação das taxas gerais do artigo 68. º e a tributação das mais-valias ser feita também no final do ano, mas pelo saldo final entre as mais-valias e as menos-valias, por aplicação da taxa especial de tributação autónoma prevista no n. º 4 do artigo 72. º do CIRS, taxa essa que passou de 10% para 20% com a entrada em vigor da Lei n. º 15/2010, de 26/7, com entrada em vigor a 27/7 e para 28% na redação da Lei n. º 66. º-B/2012, de 31/12.

Significa que no âmbito deste imposto periódico que é o IRS, existem rendimentos de formação sucessiva, como é o caso, em regra, dos rendimentos do trabalho, categoria A, dos rendimentos provenientes de rendas de imóveis, categoria F e dos rendimentos das pensões, categoria H, e outros, como é o caso das mais-valias, que se vão sucedendo ou não, à medida que haja ganhos da mesma natureza (no dizer dos ingleses trazidos pelo vento e, portanto, ocasionais), apurando-se, então, sendo caso disso, o saldo entre as mais-valias e as eventuais menos-valias no final do período de tributação – que é sempre o dia 31 de Dezembro.

Não raro acontece que durante o período de tributação aparece apenas uma vez um ganho de mais-valias, como foi o caso dos Requerentes.

E mesmo que não assim não fosse, não se vê fundamento para os que alegam impraticabilidade de procedimento, no caso de se verificarem várias alienações de ações, umas antes outras depois da publicação da Lei n. º 15/2010, tão simplesmente porque seria simples considerar, para efeitos de apuramento do saldo final, apenas os ganhos sujeitos. Pelo que este argumento também não colhe nem sequer poderia pôr em causa o princípio constitucional da não retroatividade.

E o facto gerador destas mais-valias obtidas pela alienação, em momento único, das ações em causa ocorreu em 27 de Abril de 2010, antes, portanto, da entrada em vigor da Lei 15/2010, em 27/7/2010.

Põe-se, então, a questão da retroatividade, se a estas mais-valias for aplicada a taxa de 20%, então em vigor, no final do período de tributação, quando à data do facto gerador não havia lugar a tributação, em virtude de as ações alienadas serem detidas por um período superior a 12 meses e, portanto, excluídas da tributação, por força do artigo 10. º, n. º 2 do CIRS, apenas revogado pela referida Lei n. º 15/2010, de 26/7.

E em reforço desta tese, refere-se o Acórdão do STA proferido no Proc. n. º 01582/13, de 4/12/2013[8], que em apreciação de um recurso da Fazenda Pública, de uma decisão do TAF de Viseu, favorável ao impugnante, determinou:

a anulação da liquidação sindicada, na parte impugnada, correspondente à tributação do saldo de todas as mais-valias e menos-valias realizadas até 26.7.2010 à taxa de 20%, quando apenas poderia ser tributado o saldo das mais-valias e menos-valias decorrentes da alienação de ações, ocorrida até 26.7.2010 e desde que à data da alienação tivessem sido detidas há menos de 12 meses, à taxa de 10%...e condenando a Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde 7.9.2011 (data de pagamento) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, no entendimento de que a liquidação sindicada padecia do vício de violação de lei por aplicação retroativa das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n. º 15/2010, de 26 de Julho, em violação do disposto no n. º 3 do artigo 103. º da Constituição e do disposto no artigo 12. º da Lei Geral Tributária”.

“(...)  Para que o Estado possa cobrar um imposto ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povoe terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito” (...) “Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus autores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras (...). ” [Cfr Ac do T. Const nº 319/02, citado pelo Ac do STA mencionado na nota de rodapé].

“…Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado. É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, ao consagrar no artigo 103. º, n. º 3, a regra da proibição da retroatividade da lei fiscal desfavorável”.[9]

E sobre o princípio da não retroatividade da Lei Fiscal, o Tribunal Constitucional precisou-o nos seguintes termos:

O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os caos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluído do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n. ºs 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt)”.

Ora é bom de ver que no caso das mais-valias de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa, não estamos perante um facto tributário complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas sim perante um facto tributário instantâneo. O facto tributário que dá origem ao imposto esgota-se na realização da mais-valia (Atente-se que já o imposto de mais-valias era tido como de obrigação única – cf. Ac. so STA de 18.1.1995, P. 18287)[10]”.

 “E a este entendimento não obsta a circunstância de ser tributado o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, pois o que está em causa no art. º 43. º, n. º 1 do CIRS é, ao lado das normas que regem a determinação do ganho sujeito a imposto, a determinação da matéria coletável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais-valias. Trata-se, a nosso ver, de uma situação semelhante às tributações autónomas em sede de IRC, onde se conclui que “o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a tributação […]” [cf. Ac. do Tribunal Constitucional n. º 310/2012]”.

E nesta linha interpretativa está também a Decisão Arbitral do CAAD, no Processo n. º 135/2013-T, que versa situação idêntica à dos autos, de que se extratam breves passagens do respetivo Acórdão:

“ (...) Seja qual for o melhor entendimento doutrinário, o certo é que existe lei expressa que nos dá a solução do caso sub judice, o art. º 12. º, n. º 2, da LGT: se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da entrada em vigor “ (...) “E é este comando que este Tribunal é obrigado a respeitar, porquanto, como reafirma o art. º 4. º, n. º 2, do RJAT, os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído (...) Ou seja, o art. º 12. º, n. º 2, da LGT manda que, nos impostos periódicos (i.e., relativamente a factos tributários de formação sucessiva), o período de tributação seja cindido, aplicando-se a lei antiga aos factos geradores de imposto ocorridos antes da alteração legislativa e a lei nova aos posteriores. Note-se que este normativo surgiu em momento muito posterior ao da entrada em vigor dos atuais impostos sobre o rendimento (seu principal campo de aplicação), sendo que o legislador da LGT não poderia ignorar as consequências que, nesses impostos, o novo normativo iria produzir (...) O afastamento desta norma legal, poderia, eventualmente, acontecer caso resultasse violadora de princípios ou normas constitucionais (...) Ora, o preceito em causa é o que melhor dá expressão a princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico-constitucional, como sejam o princípio da segurança na tributação, dimensão essencial do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito (...) As normas legais que regem a tributação devem assegurar que quem pratica em ato potencialmente gerador de obrigação de imposto possa “ter a certeza” das consequências fiscais daí resultantes. Condição primeira para tal é, obviamente, que a lei que regerá tais obrigações seja conhecida, seja a que está em vigor naquele momento (...) A tese de que o facto gerador do imposto, nos impostos periódicos, apenas ocorre no último dia do ano, tem como consequência implícita a aceitação de um certo grau de retroatividade da lei fiscal (a chamada retroatividade imprópria ou de 3. º grau) (...) Sabemos que tal “grau” de retroatividade é considerado constitucionalmente admissível pela nossa jurisprudência. Mas para que tal aplicação retroativa exista é necessário que exista um ‘dictum’ legislativo que a tal obrigue (...) Ora, tal não acontece no presente caso, pois que a regra geral constante do n. º 2 do art. º 12. º da LGT visa, precisamente, evitar situações de retroatividade da lei fiscal (ainda que “moderada”), sempre que o legislador não determine, especialmente, o contrário (...) O art. º 12. º, n. º 2 da LGT é, pois, uma norma totalmente conforme aos princípios constitucionais que presidem à tributação, é mesmo, a que, nesta específica questão, melhor dará tradução a tais princípios, ao prevenir a ocorrência de situações de aplicação retroativa da lei fiscal”

            E continua esse aresto arbitral:

            “(...)Apesar de a matéria coletável (mais-valias mobiliárias) a ser tributada em IRS corresponder ao saldo das mais e menos valias realizadas pelo sujeito passivo ao longo do ano, o certo é que, no caso concreto, só houve uma única alienação em 2010:, ou sejam o facto tributário, em abstrato de formação sucessiva, “esgotou-se” numa única transação (...) sendo as mais-valias obtidas com a alienação de participações sujeitas a uma tributação autónoma (a uma taxa proporcional, não sendo aqui tidos em conta os elementos de personalização que, por princípio, deviam estar presentes na tributação de todos os rendimentos, caso o IRS fosse um verdadeiro imposto único – estamos perante uma das traduções do caráter dual deste imposto), nenhuma dificuldades se colocam relativamente às demais operações que a liquidação (entendido o termo em sentido amplo) do imposto implica, quando feita com observância do disposto no n. º 2 do art. º 12. º da LGT(...) Inviabilizar a aplicação do preceito (art. º 12. º, n. º 2, da LGT) em casos como o presente significaria, “ignorar” a sua existência, o que é vedado a qualquer Tribunal (...) Em resumo, entende-se que nada obsta à aplicação do disposto no n. º 2 do art. º 12 da LGT, da regra geral aí contida, a qual – repete-se – o legislador entendeu não afastar na Lei n. º 15/2010 (...)”.

Aplicando-se as considerações supra ao caso sub juditio, logo se evidencia a ilegalidade da liquidação decorrente da aplicação retroativa do regime fiscal aprovado pela citada Lei nº 15/2010.

Na verdade, a venda ou alienação das 60 ações em causa ocorreu em 27-04-2010 e que aquelas eram detidas pela Requerente mulher B desde 26-02-2004 e 20-09-2007.

À data da referida alienação e, consequentemente, da realização da mais-valia, que constitui o facto gerador da tributação, vigorava o artigo 10º, n. º 2 do CIRS, que excluía da tributação as mais-valias provenientes da alienação das ações detidas pela Requerente Mulher, seu titular, durante mais de 12 meses.

Assim e ao contrário do que entende a AT estava excluída a aplicação das alterações a esta tributação efetuadas pela Lei nº 15/2010, de 26 de julho, na medida em que esta apenas entrou em vigor em 27 de julho de 2010, ou seja, em data posterior à data da alienação das participações sociais da requerente.

Deste modo e com estes fundamentos, procede o presente pedido de pronúncia arbitral.

Quanto ao pedido subsidiário[11] de nulidade do acto de revogação do deferimento da reclamação graciosa e da consequente anulação parcial da liquidação adicional de IRS, a 4.ª liquidação referida nos autos, em que foi negada a aplicação do disposto no artigo 43,º, n. º 3 do CIRS, perdeu a sua atualidade, face ao facto de a AT ter reconhecido que procedeu indevidamente à revogação parcial do acto de liquidação de IRS (a dita 4.ª liquidação objeto do presente Recurso Arbitral), conforme conta do artigo 15. da sua Resposta, em que se refere que:

“…A requerida procedeu à revogação da mencionada liquidação, no tocante à tributação do ‘imposto relativo a tributações autónomas’ por ter entendido que a revogação do despacho de deferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa n. º …, operada na sequência do recurso hierárquico interposto pelos recorrentes, era ilegal, o que, na prática se traduz numa decisão de tributação das mais-valias em 50% - em conformidade, aliás, com a declaração Modelo 3 de IRS apresentada voluntariamente, e em tempo, pelos recorrentes”.

Também é improcedente a posição da Requerida de que, face aos fundamentos antes transcritos, o pedido de pronúncia arbitral fica sem efeito útil, cfr.6 da sua Resposta, porquanto os Requerentes têm como objeto da sua petição de Recurso é diferente da aplicação pela AT do disposto no artigo 43. º, n. º 3 do CIRS, mas direcionada para a não tributação integral do ganho das mais-valias em causa, como é seu legítimo direito, e cuja decisão arbitral favorável já foi tomada, como consta anteriormente dos autos.

 

VIII – O PEDIDO DE PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

A par da declaração da ilegalidade da liquidação, a Requerente peticiona ainda que lhes seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, matéria que se insere no âmbito das competências deste Tribunal, conforme expressamente prevê o n. º 5 do artigo 24. º do RJAT.

Determinada a ilegalidade da liquidação e a sua consequente anulação e encontrando-se paga (total ou parcialmente) a dívida tributária indevida, o direito a juros indemnizatórios subsiste, sempre que tal decorra de erro imputável aos serviços da AT, conforme prevê o n.º 1 do artigo 43. º da Lei Geral Tributária (LGT).

No presente caso, está-se perante uma liquidação determinada pela Autoridade Tributária e que se veio a revelar legalmente inválida e até injustificada.

Ou seja: ocorreu claramente por um entendimento erróneo sobre os pressupostos da liquidação.

Tanto basta para se considerar verificado o erro imputável aos serviços com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios sobre a importância indevidamente liquidada e paga, com contagem a partir do dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito – arts 43º- 1 e 2, da LGT e 61º, do CPPT.

Assim, com base nas disposições dos n. ºs 1 e 2 do artigo 43. º da LGT e artigo 61. º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), são devidos juros indemnizatórios, à taxa legal, sobre a importância indevidamente liquidada e paga, contados a partir do dia seguinte ao do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

III DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a)                     Julgar procedente o pedido de anulação do acto de liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 2010, liquidação nº 2013 …, no valor de € 42.973,78, emitida em 11-02-2013, para pagamento até 20-01-2014, sendo € 1.498,78 referente a juros compensatórios, valor esse objeto de compensação no valor de € 18.622,14 e devolvido este montante aos Requerentes;

 

b)                    Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, condenando-se, em consequência, a Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente às importâncias a mais pagas, relativamente ao valor do IRS relativo à tributação autónoma das mais-valias em 100%, em vez dos 50%, em consequência das 2.ªs e 4.ªs liquidações indevidas com tributação a 100%, sendo devidos juros indemnizatórios a partir do dia seguinte ao do pagamento a mais efetuado pelos fundamentos referidos, até à data da emissão da respetiva nota de crédito – artigos 43º, n. ºs 1 e 2, da LGT e 61º, do CPPT.

 

c)                     Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios relativamente à diferença do IRS a mais pago entre a o valor da tributação autónoma das mais-valias a 50% e o que deixa de ser devido em consequência da decisão de provimento do presente recurso arbitral, por não ter daí resultado qualquer culpa imputável à Administração Tributária, na medida em que a 1.ª liquidação de IRS foi efetuada de acordo com os dados da declaração mod. 3 e Anexo G apresentados pelos Requerentes, relativos ao ano de 2010.

 

d)                    Julgar procedente o pedido de indemnização dos encargos decorrentes da garantia bancária prestada para suspender o processo de execução fiscal n. º …, cfr. doc. 22, anexo aos autos e das custas processuais, mediante prova dos respetivos pagamentos.

 

e)                     Julgar prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

 

                     

 

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306. º, n. º 2, do CPC e 97. º-A, n. º 1, alínea a), do CPPT e 3. º, n. º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 42.873,78.

 

 

Custas

 

Nos termos do art. 12. º, n. º 2 e 22. º, n. º 4, do RJAT, e artigo 4. º, n. º 4 d ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 22 de janeiro de 2015

 

O Tribunal Arbitral Singular,

 

                                        

                                             (José Rodrigo de Castro)

        

  

     



[1] Certamente quereria referir micro empresa.

[2] Na Informação n. º 3144/13, que lhe serve de suporte

[3] Clarifica o Tribunal

[4] (Certamente que os Requerentes se queriam referir a juros indemnizatórios, tal como consta do Recurso Hierárquico antes referido).

 

[5] Negrito do Tribunal.

[6] Negrito do Tribunal

[7] Negrito do Tribunal

[8] Sumário: As alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n. º 15/2010, de 26 de Julho aplicam-se apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010 – art. 5. º da Lei n. º 15/2010).

II - Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10. º n. º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12. º n. º 1 da LGT e do CC).

III - Sendo o rendimento anual para efeitos de IRS um facto complexo de formação sucessiva, na ausência de norma expressa em sentido diverso, poderá aplicar-se, sem retroactividade própria ou autêntica, a lei nova aos factos que o integram ocorridos a partir da sua entrada em vigor (artigo 12. º n. º 2 da Lei Geral Tributária).

 

[9] Cfr citado Ac do STA.

 

[10] Idem.

[11] Negrito do Tribunal.