Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 389/2014-T
Data da decisão: 2015-01-19  IMI  
Valor do pedido: € 47.976,30
Tema: IMI – aplicabilidade do benefício fiscal previsto no artigo 49.º do EBF
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 389/2014 – T

Tema: IMI – aplicabilidade do benefício fiscal previsto no artigo 49.º do EBF

 

            I – Relatório

 

            1.1. Fundo Especial Fechado de Investimento Imobiliário “A”, com o número de identificação fiscal …, e com sede na Rua …, n.º .., …-… Lisboa, representado aqui pela sua sociedade gestora “B” - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., com o número de identificação fiscal …, e com sede na mesma rua acima indicada (doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada das liquidações de IMI, referentes aos anos de 2010 e 2011, no valor global de €47.976,30, apresentou, em 22/5/2014, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º , n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1 e 2, do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista “ser declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação [de] IMI e, consequentemente: a) sejam parcialmente anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI [...] identificadas, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito; b) seja a Requerente ressarcida do valor parcial das liquidações de IMI aqui impugnadas, integral e atempadamente liquidadas; e c) seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no pagamento à aqui Requerente dos juros indemnizatórios vencidos e vincendos até integral reembolso dos montantes devidos.”

 

            1.2. Em 28/7/2014 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo, em 30/7/2014. A AT apresentou a sua resposta em 30/9/2014, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da requerente.

 

            1.4. Por despacho de 10/12/2014, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, als. c) e e), do RJAT, ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 19/1/2015 para a prolação da decisão arbitral.

            1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

           

            II – Fundamentação: A Matéria de Facto

 

            2.1. Vem a ora requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “[o n.º 2 do art. 46.º do EBF], que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, passou [...] a prever que os «fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados» - como o Fundo “A” aqui representado pela Requerente - beneficiam da aplicação de uma taxa de IMI reduzida para metade. [...]. Porém, volvidos três anos da entrada em vigor daquele benefício fiscal, a Lei do Orçamento do Estado para 2010 veio revogar o referido artigo 49.º [anterior art. 46.º], n.º 2, do EBF. [...]. Porém, ainda que o referido artigo 49.º, n.º 2, do EBF tenha sido revogado, o benefício fiscal ali consagrado continuou a ser aplicado nos termos e condições previstos por lei”; b) “os fins do regime consagrado no artigo 3.º do EBF, sucessor [do] artigo 14.º da LGT, são necessariamente os mesmos. [...]. A diferença entre o artigo 3.º do EBF e o (revogado) artigo 14.º da LGT resulta apenas da simplificação da redacção dada à norma, tendo sido eliminada a referência ao conceito indeterminável de «benefícios fiscais de carácter estrutural», conceito este que, não estando concretizado na lei, tornava aquela norma totalmente inoperativa. Atento o enquadramento histórico acima exposto, resulta evidente que o artigo 3.º, n.º 1, do EBF, consagra um prazo mínimo de duração de determinados benefícios fiscais, visando conferir aos contribuintes a necessária «segurança» e «estabilidade» quanto ao prazo mínimo durante o qual poderão beneficiar daquele benefício”; c) “acresce que a referida «segurança» apenas deixará de ser conferida nas situações em que a norma que confere o benefício «disponha em contrário», i.e., nas situações em que a própria norma que prevê o benefício determine que o mesmo não vigorará durante o prazo de cinco anos consagrado na regra geral do artigo 3.º do EBF. De facto, apenas aquela norma - ou, no limite, uma norma contemporânea ou anterior a esta - pode «dispor em contrário». Tal condição nunca poderá ser determinada por uma norma posterior à que concedeu o benefício, sob pena de eliminar assim a garantia concedida pelo artigo 3.º, n.º 1, do EBF, atentando, de resto, contra o regime geral de aplicação da lei no tempo”; d) “atento o que ficou exposto, [...], cumpre concluir que, ainda que o artigo 49.º, n.º 2, do EBF, tenha sido expressamente revogado, o benefício fiscal ali concedido não deixou, sem mais, de se aplicar aos sujeitos passivos que já vinham beneficiando dele em anos anteriores. [...]. Assim, nos termos do regime consagrado no artigo 3.º, n.º 1, do EBF, o Fundo “A” deveria ter continuado a beneficiar da redução de IMI consagrada no artigo 49.º, n.º 2, do EBF, mesmo após a revogação desta norma”; e) “nos termos do regime de caducidade consagrado no artigo 3.º, n.º 1, do EBF, o (revogado) artigo 49.º, n.º 2, do EBF - norma inserida na parte II do EBF - manteve a sua aplicação mesmo após a respectiva revogação, continuando esta norma a aplicar-se, até ao limite do referido prazo de duração mínimo de cinco anos, aos sujeitos passivos que vinham beneficiando nos anos anteriores da redução da taxa de IMI ali prevista, como o Fundo “A””; f) “nos termos do regime de aplicação da lei no tempo expressamente consagrado no artigo 3.º, n.º 1, e no artigo 11.º, ambos do EBF, os benefícios fiscais, em regra, não deixam de ser aplicados de forma imediata e geral após a revogação das correspondentes previsões legais. [...]. Neste contexto, a aplicação do artigo 49.º, n.º 2, do EBF, não poderia ter sido afastada liminarmente após a revogação daquela norma, devendo ao invés manter-se”; g) “a revogação do artigo 49.º, n.º 2, do EBF, não poderia produzir efeitos imediatos na esfera dos sujeitos passivos que vinham aproveitando o benefício fiscal ali consagrado [...] sob pena de colidir directamente com os seus direitos adquiridos, atentando contra os [...] princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica consagrados nos artigos 2.º e 8.º da Constituição da República Portuguesa.” A ora requerente vem, ainda, requerer que, sendo procedente a decisão arbitral ora requerida, “lhe sejam pagos, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime da Arbitragem em Matéria Tributária e dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), os respectivos juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária.”    

 

            2.2. Conclui a requerente que deve ser “declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação [de] IMI e, consequentemente: a) sejam parcialmente anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI [...] identificadas, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito; b) seja a Requerente ressarcida do valor parcial das liquidações de IMI aqui impugnadas, integral e atempadamente liquidadas; e c) seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no pagamento à aqui Requerente dos juros indemnizatórios vencidos e vincendos até integral reembolso dos montantes devidos.”  

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) que, “a temporariedade, no sentido de todos os benefícios fiscais terem uma duração simultaneamente máxima e mínima, não é característica de todos os benefícios fiscais a que se refere o EBF e, em particular, do benefício fiscal do art. 49.º, mas apenas dos benefícios fiscais a que se refere a Parte III do EBF”; b) “a interpretação defendida pela Requerente no sentido que o prazo a que se refere o art. 3.º, n.º 1, do EBF, é um prazo mínimo com carácter impositivo, que o legislador ordinário não poderia subsequentemente pôr em causa, é não só desprovida de qualquer sustentação legal, como contraria frontalmente a hierarquia das normas jurídicas [uma vez que] o EBF não é, tal como a LGT, apesar dos objectivos que lhe presidem, uma lei reforçada [nem] vincula [...] o legislador fiscal no exercício dos poderes que continua a deter de aprovação, alteração ou revogação das normas do direito tributário [pelo que se aplica] plenamente à sucessão das normas do EBF por outras normas posteriores, integradas ou não formalmente nesse Estatuto, o princípio «lex posterior legi anterior derogat» [não dispondo] a Parte I do EBF, em que se integra o art. 3.º, n.º 1, pois, de qualquer primazia ou superioridade perante os códigos e leis tributárias”; c) “o art. 176.º da Lei n.º 3-B/2010 determina a sua entrada em vigor no momento da publicação. O facto tributário em IMI é, nos termos do art. 8.º, n.º 1, do [CIMI], a propriedade dos bens imóveis a 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeitar. O art. 3.º, n.º 1, do EBF, não prevalece sobre essas disposições legais, sendo devido, a partir da entrada em vigor da norma que determina a cessação da sua vigência”; d) “acresce ainda que da expressão constante do n.º 1 do art. 3.º do EBF «salvo quando a lei disponha o contrário» resulta que tal regime - regra de duração por cinco anos dos benefícios fiscais apenas não tem aplicação quando a lei instituidora do benefício dispuser expressamente um prazo diferente, maior ou menor, de duração, como são os exemplos dos arts. 36.º, 45.º, 47.º, 50.º, 69.º e 71.º do EBF, o que não é o caso”; e) “ainda que se reconheça que os titulares dos benefícios fiscais detenham uma legítima expectativa quanto à sua manutenção pelo menos, durante o prazo pelo qual foram concedidos. Contudo tal não constitui uma proibição absoluta de revogação e nem sempre essa expectativa é tutelada pelo direito. Com efeito, a revogação não retroactiva dos benefícios fiscais antes de volvido o prazo de duração é mesmo, uma obrigação constitucional, quando o benefício fiscal se tiver tornado num privilégio contrário ao princípio da igualdade tributária. Seria esse o entendimento que o legislador adoptaria. Confrontado com uma grave crise financeira, entenderia não ter justificação, à luz do princípio da equidade, a manutenção da concessão daquele benefício”; f) “ o benefício fiscal do art. 49.º do EBF não está abrangido pela salvaguarda do mencionado art. 11.º, n.º 1, do EBF [e mesmo que] se entendesse temporário o benefício do art. 49.º do EBF, o facto de o art. 176.º da Lei n.º 3-B/2010 consagrar a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, seria, aliás, sempre suficiente, por caber na previsão do art. 11.º, n.º 1, parte final, do EBF, para prejudicar os fundamentos do pedido de pronúncia arbitral”. Alega, ainda, a AT que, como “os actos impugnados não padecem dos vícios indicados pela Requerente, [...] não se verificam os pressupostos para que haja lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.”

 

            Em síntese, a AT sustenta que “os actos impugnados não padecem de qualquer ilegalidade, [...] devendo ser considerada como improcedente a pretensão da Requerente e a Requerida absolvida de todos os pedidos.”

 

            2.4. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) O Fundo de Investimento Imobiliário “A”, representado pela ora requerente, é um fundo fechado de subscrição particular, com sede em Portugal, e que tem como actividade a gestão de investimentos imobiliários. No âmbito dessa actividade, o Fundo é proprietário de diversos imóveis que integram o seu património.

 

            ii) De 2007 a 2009, o Fundo “A” beneficiou da redução para metade da taxa de IMI aplicável aos imóveis integrados no seu activo, nos termos do agora revogado artigo 49.º, n.º 2, do EBF.

 

            iii) Na sequência da acção inspectiva que decorreu em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI…, relativa ao exercício de 2010 e ao referido Fundo, a IT considerou que, tendo sido revogado o n.º 2 do artigo 49.º do EBF por meio da alteração legislativa preconizada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/4 (LOE para 2010), tal alteração significa que, “em sede de IMI, os prédios registados, a 31 de Dezembro [de 2010], em nome [de] Fundos de Investimento Imobiliário Fechados passaram igualmente a estar sujeitos a tributação” (vd. fls. 14 e ss. do relatório da IT apenso aos autos), e que, em resultado da alteração legislativa preconizada pelo art. 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (LOE para 2011) na redacção do n.º 1 do art. 49.º do EBF, permanecem, “para os exercícios de 2011 e 2012, [...] inexistindo direitos subjectivos adquiridos [...], sem direito ao benefício fiscal da isenção de IMI/IMT, os Fundos de Investimento Imobiliário Fechados de Subscrição Particular” (vd. fl. 15 do referido relatório).

 

            iv) Em face do entendimento acima referido, a AT considerou, quanto às liquidações de IMI dos anos de 2010 e 2011, ora em causa, que a aplicação da taxa de IMI deveria ser na íntegra, sem redução da mesma para metade, afastando, portanto, a aplicação do benefício fiscal que esteve consagrado no revogado art. 49.º. n.º 2, do EBF.

 

            v) Não conformada, a ora requerente veio requerer, por via deste Tribunal, a anulação das seguintes liquidações de IMI: liquidação n.º …, no valor parcial de €18.588,83; liquidação n.º…, no valor parcial de €5.497,42; liquidação n.º …, no valor parcial de €18.588,83; e liquidação n.º …, no valor parcial de €5.301,22 - o que perfaz o valor total, em causa, de €47.976,30 (vd. docs. 1 a 4 apensos aos autos). A requerente veio, ainda, requerer o ressarcimento parcial do valor das liquidações referidas e o pagamento de juros indemnizatórios.

           

            vi) O imposto ora em causa foi pago em cobrança voluntária e não houve reclamação graciosa das liquidações aqui impugnadas (vd. docs. 1 a 4 e PA apensos aos autos).

 

            2.5. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

           

III – Fundamentação: A Matéria de Direito

 

            No caso ora em análise, são quatro as questões de direito controvertidas: 1) saber se, apesar da revogação do n.º 2 do art. 49.º do EBF, tal disposição continua a aplicar-se aos sujeitos passivos que vinham beneficiando da redução da taxa de IMI; 2) saber se, como alega a ora requerente, o n.º 1 do art. 3.º do EBF consagra uma duração mínima para determinados benefícios fiscais, não podendo, por essa razão, cessar a vigência do n.º 2 do art. 49.º do EBF; 3) saber se, como alega a requerente, “a revogação do artigo 49.º, n.º 2, do EBF [com efeitos imediatos na esfera dos sujeitos passivos que vinham aproveitando o benefício fiscal ali consagrado, colide] directamente com os seus direitos adquiridos, atentando contra os [...] princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica” estabelecidos nos artigos 2.º e 8.º da CRP; e 4) saber se é devido o pagamento de juros indemnizatórios. 

 

            Vejamos, então.

 

            1 e 2) As primeiras questões convocam uma análise à evolução do regime relativo ao preceito do EBF em causa. Nesse sentido, justifica-se uma breve descrição da mesma, que se pode resumir nos seguintes passos: 

 

               i) O anterior art. 46.º do EBF, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 82.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 (LOE para 2007), e que tinha por epígrafe “Fundos de investimento imobiliário, fundos de pensões e fundos de poupança-reforma”, dispunha o seguinte:

 

            “1. Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

            2. Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade.”

 

               ii) Por seu lado, o art. 88.º, al. j), da LOE para 2007 dispunha que:

 

            “O disposto no n.º 2 do artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais é aplicável, a partir da entrada em vigor da presente lei, aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles constituídos após 1 de Novembro de 2006 ou que realizem aumentos de capital após esta data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação eram, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles.”

 

               iii) O Dec.-Lei n.º 108/2008, de 26/6, procedeu, ao abrigo da autorização legislativa constante do art. 86.º da LOE para 2007, à republicação e renumeração do EBF, tendo o art. 46.º passado a corresponder ao art. 49.º.

 

               iv) Através do art. 109.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28/4 (LOE para 2010), limitou-se o âmbito do benefício fiscal estabelecido no EBF, como se pode verificar pelo seguinte excerto:

 

            “1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.”

               v) Através do art. 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (LOE para 2011), ampliou-se, novamente, o benefício fiscal, nos termos que se seguem:

 

            “1 - Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.”

 

            O benefício fiscal constante do art. 49.º do EBF, atribuído aos fundos de investimento imobiliário, consta da Parte II do EBF, sendo qualificado como benefício fiscal com carácter estrutural. Assim sendo, está afastada a aplicação das regras do EBF destinadas aos benefícios temporários. E, como o benefício fiscal que consta daquele art. 49.º não é susceptível de ser qualificado como sendo benefício convencional, condicionado ou temporário, também não se aplica o disposto no n.º 1 do art. 11.º do EBF.

 

            Resta, assim, saber se aos benefícios fiscais estruturais - como o que está em causa - se aplica um prazo mínimo de vigência.

 

            A este respeito, é importante notar que o art. 83.º da LOE para 2007 aditou ao EBF o art. 2.º-A (actual art. 3.º), o qual estabelece o seguinte:

 

            “1 - As normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes II e III do presente Estatuto vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário.

            2 - São mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário.

            3 - O disposto no n.º 1 não se aplica aos benefícios fiscais constantes dos artigos 16.º, 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 32.º, 44.º, 60.º e 66.º-A, bem como ao capítulo V da parte II do presente Estatuto.”

 

            Note-se, igualmente, que, de acordo com o art. 88.º, al. a), da referida LOE para 2007, “são mantidos, nos termos em que foram concedidos, os benefícios fiscais constantes das partes II e III cujo direito tenha sido adquirido até 31 de Dezembro de 2006”.

 

            Por último, refere a al. b) do citado art. 88.º que “da aplicação do regime previsto no n.º 1 do artigo 2.º-A não pode resultar a ampliação dos prazos estabelecidos para a duração dos benefícios constantes do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho”.

 

            Fazendo a análise interpretativa do art. 3.º do EBF, conclui-se em sentido idêntico ao que decorre de jurisprudência arbitral, nomeadamente da DA n.º 89/2013-T, de 22/11/2013, e da DA n.º 107/2012-T, de 5/3/2013, uma vez que também aqui se entenderá que o sentido teleológico do art. 3.º do EBF é o de limitar temporalmente a vigência dos benefícios fiscais. O mesmo é dizer que, por essa via, o legislador pretendeu impedir a vigência indefinida de normas que podem perder a sua justificação por inexistência superveniente do interesse que as legitimou, afectando, de modo desnecessário, o princípio da igualdade fiscal.

 

            Com efeito, com o art. 3.º, n.º 1, do EBF, o legislador pretende evitar a subsistência no ordenamento jurídico de benefícios fiscais que deixaram de ter justificação do ponto de vista do interesse público. Assim, o Estado fica obrigado a reavaliar, periodicamente, o sistema de benefícios fiscais para decidir se os mesmos se devem manter ou não. Como bem se salienta, a este respeito, na DA n.º 2/2013-T, de 20/6/2013, “a razão que [...] fundamenta [a regra de caducidade prevista no art. 3.º, n.º 1, do EBF,] é a de evitar que, em virtude da mera inércia do legislador, subsistam na ordem jurídica benefícios fiscais que deixaram de se justificar à luz das razões que inicialmente ditaram a sua criação, que perderam utilidade do ponto de vista do interesse público extrafiscal, mas que continuam a ser uma fonte de desperdício de recursos públicos através da despesa fiscal que geram. De facto, nos últimos anos diversos relatórios, nacionais e internacionais, que têm estudado o sistema fiscal português assinalam invariavelmente a inusitada proliferação de benefícios fiscais, a qual distorce e complexifica desnecessariamente o sistema, tornando-o de muito difícil gestão, com o inerente acréscimo do seu custo administrativo, para além de gerar uma despesa fiscal excessiva e inútil do ponto de vista do interesse público. O fundamento da regra da caducidade prevista no artigo 3.º, n.º 1, do EBF é, pois, o de impor ao Estado, indiretamente, uma obrigação de reavaliação periódica do sistema de benefícios fiscais, de modo a que o legislador possa decidir com critério que benefícios se devem manter e quais se pode deixar cessar. É um contributo muito relevante para o surgimento de uma cultura de avaliação dos resultados das políticas públicas, neste caso traduzidas na intervenção económica através da concessão de benefícios.”

 

            Pelo exposto, conclui-se que não assiste razão à ora requerente, uma vez que o prazo de cinco anos, previsto no art. 3.º, n.º 1, do EBF, deve ser considerado um prazo máximo de vigência dos benefícios fiscais, sem prejuízo dos benefícios fiscais poderem ser prorrogados livremente pelo legislador.

 

            A reforçar este entendimento está outro elemento importante para a boa interpretação desta norma, que é o Relatório da LOE para 2007, quando aí se afirma que se reformula “a regra de caducidade aplicável aos benefícios fiscais constantes do EBF, salvaguardando-se aqueles cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram. Pela criação de uma regra de caducidade, pela primeira vez o legislador português assume em termos legais efetivos, a necessidade de rever, de forma periódica, os benefícios fiscais vigentes”. O mesmo é dizer que se assumiu que o art. 3.º, n.º 1, do EBF não pretende criar um prazo mínimo de vigência para garantir expectativas de contribuintes, antes pretende impor ao legislador a obrigação de rever periodicamente esses benefícios.

 

            A “ratio” do art. 3.º, n.º 1, do EBF, é, assim, a de obrigar à reapreciação periódica da justificação dos benefícios fiscais. A qual só é exigível no caso dos benefícios fiscais que não revistam natureza estrutural (no art. 3.º, n.º 3, do EBF estão enumerados os benefícios fiscais que não necessitam de reconfirmação periódica).

 

            Em síntese: os direitos decorrentes de benefícios temporários devem ser mantidos até ao termo da vigência originária dos mesmos, isto para não lesar as legítimas expectativas dos contribuintes, segundo o princípio da segurança jurídica; já quanto aos benefícios de natureza estrutural (como é o caso do que está aqui em análise), que vigoram enquanto durar a norma que os criou, a revogação desta faz cessar imediatamente aqueles.

 

            No mesmo sentido, veja-se o que se refere, e.g., na DA n.º 89/2013-T, de 22/11/2013: “o n.º 1 do artigo 3.º do EBF não garante aos contribuintes um prazo mínimo de duração dos benefícios fiscais, porque a ratio do preceito é diferente. Assim, se a lei não garante um prazo mínimo de duração para o benefício fiscal, não é possível sustentar que um contribuinte que esteja a usufruir de um benefício fiscal de carácter estrutural adquiriu o direito a mantê-lo para além da vigência da norma que o consagra até contemplar cinco anos de usufruição. Não emerge do EBF a garantia de uma duração por cinco anos dos benefícios fiscais de carácter estrutural.”

            3) Sobre a alegada violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica, seguimos a orientação já exposta, para um caso similar, na DA n.º 107/2012-T, de 5/3/2013, segundo a qual: “relativamente à alegada violação dos princípios da protecção da confiança, da boa-fé e da segurança jurídica, socorremo-nos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido no âmbito do Proc. n.º 0894/10, datado de 7 de Dezembro de 2011, que remete para o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 128/09, de 12 de Março de 2009, que entendemos aplicável à matéria controvertida. Refere o referido Acórdão que «A norma sancionada, incluída na categoria de benefício fiscal, veio, muito simplesmente, revogar um tratamento excepcional». E continua referindo que «a isenção apresenta-se tendencialmente como uma medida de natureza conjuntural, ou seja, decorrente de uma opção legislativa por natureza mutável. Se se recordar a distinção feita, a propósito dos elementos essenciais do imposto, por Alberto Xavier [...] entre contribuinte isento e não contribuinte, a situação da recorrida é a de uma contribuinte que, em dado contexto temporário, se viu na posição de contribuinte isento. Assim sendo, e atentando agora aos pressupostos ou requisitos da protecção de confiança que se deixaram já enunciados, necessário é concluir pelo não preenchimento de, pelo menos, dois desses pressupostos. Desde logo, não pode afirmar-se que, in casu, tenha o Estado (maxime, o legislador) encetado comportamentos capazes de gerar nos privados 'expectativas' de continuidade (pois desde o momento em que a isenção foi aprovada que os particulares sabem tratar-se, aqui, de uma situação excepcional e condicionada). Depois, também não pode considerar-se que fossem fundadas em 'boas razões' as expectativas privadas de manutenção do regime jurídico da isenção: já que de nenhum elemento do regime de Sisa se pode deixar de retirar a regra geral segundo a qual todas as transmissões de imóveis são objecto de tributação, a revogação da norma que previa a isenção não podia surgir aos olhos da recorrida como algo de improvável ou inverosímil». Também com referência aos argumentos dos Requerentes, alegando a frustração das expectativas e a violação da confiança, acompanhamos a argumentação deste Acórdão e concluímos, com referência à matéria controvertida, que não consideramos como provado que o investimento das Requerentes esteja directamente e intrinsecamente relacionado com a manutenção deste regime de isenção de IMI. Acolhemos portanto o entendimento exposto neste Acórdão quanto a esta matéria, concluindo também pela não relevância jurídica desta expectativa para o efeito de merecer tutela do princípio constitucional da confiança. Não têm por isso razão os Requerentes quando sustentam e requerem a declaração de ilegalidade das liquidações de IMI em apreço por se entenderem inconstitucionais, por violação dos princípios constitucionais da confiança, da protecção, da boa-fé e da segurança jurídica.”

 

            Por se concordar com a argumentação da DA (e do aresto por ela citado), conclui-se, também, pela não violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica.

 

            4) Nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

            É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vd., por exemplo, os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Ac. do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»“ (Ac. do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).

 

            Ora, não tendo havido, como se nota pela leitura de 1) a 3), qualquer erro imputável aos serviços, conclui-se, também, pela improcedência do mencionado pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

***

 

            IV – Decisão

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se integralmente na ordem jurídica os actos de liquidação de IMI impugnados, e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

            - Julgar improcedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

 

Fixa-se o valor do processo em €47.976,30 (quarenta e sete mil novecentos e setenta e seis euros e trinta cêntimos), nos termos do artigo 32.º do CPTA e do artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerente, no montante de €2142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, uma vez que o presente pedido foi julgado improcedente, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de Janeiro de 2015.

 

 

 

O Árbitro

 

 

     (Miguel Patrício)

 

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Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.