Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 394/2014-T
Data da decisão: 2014-12-29  IRS  
Valor do pedido: € 12.151,75
Tema: IRS - Rendimentos da categoria F; deduções; fundamentação do ato tributário; erro imputável aos serviços; juros indemnizatórios
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

            I. RELATÓRIO

1. No dia 23 de maio de 2014, A, NIF …, com domicílio fiscal na … Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a apreciação da legalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2014 …, referente ao ano de 2012, da correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2014 … e da demonstração de acerto de contas n.º 2014 ….

A Requerente juntou 174 (cento e setenta e quatro) documentos e arrolou 5 (cinco) testemunhas.  

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte:

A Requerente é usufrutuária de 10 (dez) frações autónomas integradas no prédio urbano sito na … Lisboa, de 11 (onze) andares ou divisões com utilização independente integradas no prédio urbano sito na … Lisboa, e de 11 (onze) andares ou divisões com utilização independente integradas no prédio urbano sito na … Lisboa.

No ano de 2012, a Requerente auferiu, para além de outros, rendimentos provenientes do recebimento de rendas de algumas das referenciadas frações e andares, tendo apresentado a sua declaração modelo 3 de IRS, acompanhada, para além de outros, do respetivo anexo F.

Sequentemente, a Requerente foi notificada da liquidação de IRS n.º 2013 …, referente ao ano de 2012, na qual foi apurado imposto a pagar no montante de € 23.155,64, o qual foi tempestivamente pago pela Requerente.

Posteriormente, através de análise interna, a declaração de rendimentos da Requerente foi alvo de uma fiscalização por parte dos competentes serviços da AT, tendo então a Requerente entregue no respetivo Serviço de Finanças um dossier contendo toda a documentação que suportava a declaração de rendimentos que havia apresentado.

Na decorrência dessa fiscalização, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRS n.º 2014 …, da liquidação de juros compensatórios n.º 2014 … e da demonstração de acerto de contas n.º 2014 ….

Na mencionada liquidação adicional de IRS, foi apurado um montante final de imposto a pagar de € 35.307,39, tendo a Requerente pago o valor diferencial entre este montante e o valor de imposto inicialmente liquidado, ou seja, € 12.151,75.

A Requerente entende que a AT nunca justificou as diferenças de valores entre as preditas liquidações inicial e adicional de IRS, isto é, a AT nunca explicitou as razões concretas que a levaram a efetuar a liquidação adicional de imposto e quais os motivos concretos pelos quais entende que o imposto inicialmente liquidado não era o correto; sendo que, comparando aquelas liquidações, conclui-se que a AT não considerou muitas das deduções declaradas pela Requerente. 

Assim, afirma a Requerente, ela nunca foi notificada de qualquer fundamentação daquela decisão da AT, tendo apenas ficado a saber que tinha de pagar mais € 12.151,75 de IRS. Nessa medida, a decisão da AT que conduziu à liquidação adicional de IRS e à liquidação de juros compensatórios, padece de vício de forma, por falta de fundamentação, pois a AT limitou-se a calcular um determinado montante de imposto, alegadamente em falta, sem jamais explicar quais os pressupostos legais e factuais em que assentou as contas que fez.

A Requerente preconiza, então, que os atos tributários impugnados devem ser anulados, por vício de forma por falta de fundamentação.

Não obstante, uma vez que fazendo uma análise comparativa entre as liquidações inicial e adicional de IRS, consegue-se perceber que a diferença entre ambas advém dos valores de deduções específicas que foram considerados numa e noutra – o valor das deduções específicas na liquidação inicial ascendia a € 38.982,80, enquanto na liquidação adicional se cifrou em € 11.711,20 –, a Requerente elencou as despesas que alegadamente suportou, no ano de 2012, com as sobreditas frações autónomas e andares de que é usufrutuária e que, na sua perspetiva, são passíveis de serem dedutíveis, em sede de IRS, aos rendimentos prediais que auferiu naquele mesmo ano.  

De entre as despesas que enumera, a Requerente dá algum enfase às decorrentes de alegados contratos de prestação de serviços que celebrou com uma sociedade de advogados e com uma empresa de contabilidade, dizendo que as mesmas devem, à semelhança das demais, ser consideradas dedutíveis, à luz do disposto no artigo 41.º do Código do IRS, porquanto, no seu entender, uma interpretação daquela norma legal que exclua do respetivo âmbito aquelas despesas, será ofensiva dos princípios constitucionais vertidos nos artigos 13.º e 104.º da CRP.

Por último, a Requerente, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT, peticiona o pagamento de juros indemnizatórios, os quais, segundo ela, lhe são devidos desde a “data da decisão da impugnação judicial” até “à data da emissão da respectiva nota de crédito”

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 27 de maio de 2014.

            3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 6.º e da alínea a) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 14 de julho de 2014, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RJAT e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 29 de julho de 2014.

6. No dia 1 de outubro de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual, para além de haver deduzido uma questão prévia atinente à delimitação do objeto desta ação, impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido. A Requerida não juntou qualquer documento, não arrolou testemunhas, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

Posteriormente, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua resposta:

A Requerida começa por suscitar uma questão prévia relativamente à delimitação do objeto desta ação, porquanto, no seu entender, a Requerente formulou, sub-repticiamente, no artigo 110.º, alínea b), da petição inicial, um pedido que não poderá ser atendido, pois se o Tribunal Arbitral concluir pela existência de vícios que atinjam a legalidade da liquidação adicional de IRS, fulminando-a, tal facto não implica, direta ou indiretamente, que seja declarada a legalidade da liquidação inicial de IRS.

Posteriormente, a Requerida contestou que as liquidações impugnadas padeçam de vício de falta de fundamentação, tanto mais que a Requerente demonstrou, ao longo do pedido de pronúncia arbitral, ter compreendido inteiramente o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da AT, uma vez que tentou ali rebater toda a atuação desta. Assim sendo, a Requerente compreendeu perfeitamente o itinerário cognoscitivo que levou a Requerida a decidir da forma que decidiu, pelo que, ainda que existissem deficiências no discurso fundamentador daqueles atos tributários, as mesmas degradar-se-iam em meras irregularidades não essenciais.

Seguidamente, a Requerida pronunciou-se sobre as diversas despesas elencadas pela Requerente, impugnando especificadamente algumas delas – não as aceitando de todo ou aceitando-as apenas parcialmente – e os respetivos documentos que lhes servem de suporte.

      Ainda no âmbito da pronúncia quanto às despesas apresentadas pela Requerente, a Requerida repudiou o entendimento da Requerente no sentido de as despesas com a prestação de serviços jurídicos e com a prestação de serviços de contabilidade terem cabimento no artigo 41.º do Código do IRS, refutando que tal interpretação daquela norma coloque quaisquer questões de constitucionalidade, designadamente por violação dos princípios constitucionais vertidos nos artigos 13.º e 104.º da CRP; independentemente dessa questão interpretativa, entende a Requerida que não está comprovada a ligação entre aqueles serviços e os imóveis de que a Requerente é usufrutuária, pelo que nunca poderiam as mesmas ser aceites. 

 Por último, a Requerida contesta que a Requerente tenha direito a juros indemnizatórios, uma vez que esta alega que os atos tributários impugnados padecem de vício de forma por falta de fundamentação e o artigo 43.º da LGT apenas contempla os casos em que existam erros sobre os pressupostos de facto e/ou sobre os pressupostos de direito, deixando assim de fora os casos de vício de forma.

7. Em 1 de outubro de 2014, foi proferido despacho a determinar a notificação da Requerente para, querendo, em 10 (dez) dias vir aos autos pronunciar-se relativamente à questão prévia suscitada pela Requerida e para informar se pretendia ou não a produção de prova testemunhal, sendo que, em caso afirmativo, deveria indicar os temas de prova relativamente aos quais pretendia a inquirição das testemunhas arroladas e a razão de ciência que lhes assistia, a fim de o Tribunal decidir sobre a admissão ou não da produção de prova testemunhal.

8. Em 15 de outubro de 2014, a Requerente veio pronunciar-se quanto à dita questão prévia, bem como indicar os temas de prova relativamente aos quais pretendia a inquirição das testemunhas arroladas e a respetiva razão de ciência. 

Notificada desse requerimento, veio a Requerida reiterar o que anteriormente dissera na resposta apresentada, no sentido da inadmissibilidade da produção de prova testemunhal, atento o disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRS.

Por despacho de 6 de outubro de 2014, foi admitida a produção de prova testemunhal, dentro dos estreitos parâmetros ali delineados.

8. Em 2 de dezembro de 2014, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Na mesma data, procedeu-se à inquirição de 3 (três) testemunhas arroladas pela Requerente.

Finda a inquirição das referidas testemunhas, foram produzidas de forma sucessiva, por Requerente e Requerida, as respetivas alegações orais, mantendo, no essencial, as posições anteriormente enunciadas, reforçadas, na sua perspetiva, pela prova testemunhal produzida.

***

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

A Requerida suscita uma questão prévia atinente à delimitação do objeto desta ação, porquanto, no seu entender, a Requerente formulou, sub-repticiamente, no artigo 110.º, alínea b), da petição inicial, um pedido que não poderá ser atendido, pois «o facto do tribunal arbitral concluir pela existência de vícios que afectam a legalidade da liquidação adicional de IRS não acarreta, de forma direta ou indireta, a declaração de legalidade do ato tributário antecedente (i.e., a liquidação inicial de IRS)».

Chamada a pronunciar-se sobre esta questão, a Requerente veio dizer que «a conclusão constante da alínea b) do artigo 110.º do Requerimento Inicial não encerra qualquer pedido sub-reptício de declaração da validade ou da legalidade de declarações ou actos tributários pretéritos, antes constitui pressuposto lógico e argumentativo do pedido de anulação dos actos tributários efectivamente impugnados».

Compulsado o pedido de pronúncia arbitral, afigura-se que a Requerente não peticiona, direta ou indiretamente, a emissão de um juízo de legalidade quanto à declaração de IRS que apresentou relativamente ao ano de 2012. Efetivamente, a Requerente delineia com meridiana clareza aquele que é o objeto do seu pedido de pronúncia arbitral – a liquidação adicional de IRS n.º 2014 …, referente ao ano de 2012, a liquidação n.º 2014 …, correspondente a juros compensatórios, e a demonstração de acerto de contas n.º 2014 … –, sendo que para a AT nenhuma dúvida resultou a esse propósito, pois identifica correta e integralmente, logo no artigo 1.º da sua resposta, os atos tributários colocados em crise neste processo arbitral.

Ademais, entendemos a alusão que a Requerente faz à validade da declaração de IRS que apresentou, relativa ao ano de 2012, com o singelo e percetível sentido de querer dizer que as despesas que nela foram deduzidas aos rendimentos prediais auferidos naquele ano têm cobertura legal e, portanto, devem ser aceites e consideradas fiscalmente.

Nestes termos, sem necessidade de maiores considerações, julga-se destituída de qualquer substrato e, nessa medida, totalmente inconsequente, a questão prévia suscitada pela Requerida.  

Não há outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

***

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. DE FACTO

Relativamente à matéria de facto, importa salientar e deixar claro que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

§1. FACTOS PROVADOS

Tendo em consideração, nomeadamente, as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida, o PA junto aos autos e os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

a) A Requerente é usufrutuária das fracções autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I e J do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na …, concelho e cidade de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º … – cf. artigo 1.º da petição inicial, aceite por acordo, e documentos juntos sob os n.ºs 1 a 10.

b) A Requerente é usufrutuária dos seguintes andares ou divisões com utilização independente: LJ 5A, LJ 5B, R/C, 1.ºD, 1.ºE, 2.ºD, 2.ºE, 3.ºD, 3.ºE, 4.ºD e 4.ºE do prédio urbano sito na …, concelho e cidade de Lisboa, inscrito respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º … – cf. artigo 2.º da petição inicial, aceite por acordo, e documento junto sob o n.º 11.

c) A Requerente é usufrutuária dos seguintes andares ou divisões com utilização independente: CV, LJ, L28B, RCD, RCE, 1.ºD, 1.ºE, 2.ºD, 2.ºE, 3.ºD e 3.ºE do prédio urbano sito na …, concelho e cidade de Lisboa, inscrito respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º … – cf. artigo 3.º da petição inicial, aceite por acordo, e documento junto sob o n.º 12.

d) No ano de 2012, a Requerente auferiu, para além de outros, rendimentos provenientes do recebimento de rendas de algumas das fracções e divisões supra referidas, tendo, por isso, apresentado a sua declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, acompanhada, além de outros, do respetivo anexo F, no qual inscreveu os seguintes valores de rendas e de despesas – cf. artigo 4.º da petição inicial, aceite por acordo, e PA junto aos autos (ficheiro PA1.pdf):

Prédio

Fração/Andar

Rendas

Despesas

RC

9.252,00

6.790,25

1E

156,00

349,55

...

2D

156,00

349,55

2E

156,00

349,55

3D

2.172,00

1.779,45

4D

1.440,00

1.261,14

4E

1.440,00

1.261,14

A

924,00

231,76

C

7.800,00

1.690,79

D

7.800,00

1.690,79

E

7.800,00

1.690,79

F

7.800,00

1.620,17

H

4.879,00

1.142,98

J

876,00

335,50

LJ

1.500,00

746,92

L28B

1.500,00

699,53

RCD

972,00

540,67

RCE

5.439,00

2.155,41

1D

9.384,00

3.609,82

1E

9.372,00

3.605,48

2D

8.244,00

3.197,73

2E

636,00

447,57

3D

768,00

495,29

3E

1.536,00

772,91

TOTAL

92.002,00

36.814,74

e) A Requerente foi notificada da liquidação n.º 2013 …, referente a IRS de 2012, na qual foi apurado um montante de imposto a pagar de € 23.155,64 (vinte e três mil cento e cinquenta e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos) – cf. artigo 5.º da petição inicial, aceite por acordo, e documento junto sob o n.º 13.

f) No dia 29.08.2013, dentro do respetivo prazo de pagamento voluntário, a Requerente pagou o referido montante de imposto de € 23.155,64 (vinte e três mil cento e cinquenta e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos) – cf. artigo 6.º da petição inicial, aceite por acordo, e documento junto sob o n.º 14.

g) A AT considerou necessário fiscalizar toda a documentação que suportava a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2012, apresentada pela Requerente, tendo esta, na sequência de notificação para o efeito por parte do Serviço de Finanças de Lisboa …, entregue neste Serviço de Finanças um dossier completo com toda aquela documentação – cf. artigo 7.º da petição inicial, aceite por acordo.

h) Após efetuar a análise da documentação apresentada pela Requerente, a AT, por via do ofício n.º …, de 15.11.2013, do Serviço de Finanças de Lisboa… (registo postal …), notificou-a para, querendo, exercer o direito de audição prévia, sendo referido o seguinte naquele ofício (parte que aqui importa salientar) – cf. PA junto aos autos (ficheiro PA4.pdf):

«Da análise efectuada aos documentos/elementos apresentados relativamente à declaração de IRS, Modelo 3, do ano de 2012, com a identificação …, constatou-se a existência da(s) seguinte(s) incorrecção(ões):

Entregar declaração de substituição, corrigindo os valores das despesas com os prédios arrendados, uma vez que neles constam despesas não elegíveis nos termos do artigo 41.º do IRS, nomeadamente consumíveis, apoio jurídico, apoio contabilístico e imposto do selo.»

i) No âmbito da predita fiscalização, a AT desconsiderou o valor de € 36.814,74 (trinta e seis mil oitocentos e catorze euros e setenta e quatro cêntimos) que a Requerente inscreveu no anexo F à sua declaração modelo 3 de IRS de 2012, a título de despesas, tendo apenas aceitado despesas no montante total de € 9.543,14 (nove mil quinhentos e quarenta e três euros e catorze cêntimos) e, nessa sequência, elaborou uma «Declaração Oficiosa/DC» modelo 3 de IRS, em cujo anexo F inscreveu os seguintes valores de rendas e de despesas – cf. PA junto aos autos (ficheiro PA1.pdf):

 

Prédio

Fração/Andar

Rendas

Despesas

RC

9.252,00

3.470,89

1E

156,00

 

2D

156,00

 

2E

156,00

 

3D

2.172,00

 

4D

1.440,00

 

4E

1.440,00

 

A

924,00

2.456,95

C

7.800,00

 

D

7.800,00

 

E

7.800,00

 

F

7.800,00

 

H

4.879,00

 

J

876,00

 

LJ

1.500,00

3.615,30

L28B

1.500,00

 

RCD

972,00

 

RCE

5.439,00

 

1D

9.384,00

 

1E

9.372,00

 

2D

8.244,00

 

2E

636,00

 

3D

768,00

 

3E

1.536,00

 

TOTAL

92.002,00

9.543,14

j) Na sequência da mencionada fiscalização, a Requerente foi notificada da liquidação adicional n.º 2014 …, referente a IRS de 2012, na qual foi apurado um montante de imposto a pagar de € 35.307,39 (trinta e cinco mil trezentos e sete euros e trinta e nove cêntimos), da liquidação de juros compensatórios n.º 2014 …, no valor de € 288,61 (duzentos e oitenta e oito euros e sessenta e um cêntimos), e da demonstração de acerto de contas n.º 2014 …, na qual resultou apurado um saldo / valor a pagar de imposto de € 12.151,75 (doze mil cento e cinquenta e um euros e setenta e cinco cêntimos) – cf. artigos 8.º e 10.º da petição inicial, aceites por acordo, e documentos juntos sob os n.ºs 15, 16 e 17.  

k) No dia 25.02.2014, dentro do respetivo prazo de pagamento voluntário, a Requerente pagou o referido montante de imposto de € 12.151,75 (doze mil cento e cinquenta e um euros e setenta e cinco cêntimos) – cf. artigo 11.º da petição inicial, aceite por acordo, e documento junto sob o n.º 18.

l) No ano de 2012, relativamente ao prédio urbano sito na …, concelho e cidade de Lisboa, a Requerente suportou as seguintes despesas atinentes quer às frações autónomas nele integradas de que é usufrutuária, quer às respetivas zonas comuns:

(i) Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI): o montante total de € 1.299,66 (mil duzentos e noventa e nove euros e sessenta e seis cêntimos), correspondente às frações autónomas designadas pelas letras A (€ 58,49), C (€ 228,14), D (€ 228,14), E (€ 228,07), F (€ 157,52), H (€ 228,07) e J [171,23) – cf. artigos 38.º e 39.º da petição inicial, aceites por acordo, e documento junto sob o n.º 19;

(ii) Taxa de conservação de esgotos: o montante total de € 237,72 (duzentos e trinta e sete euros e setenta e dois cêntimos) – cf. artigos 41.º e 42.º da petição inicial, aceite por acordo, e documento junto sob o n.º 20;

(iii) Fornecimento de água, pela Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL), para a manutenção e limpeza das partes comuns do prédio: a quantia global de € 90,59 (noventa euros e cinquenta e nove cêntimos) – cf. artigo 43.º da petição inicial e documentos juntos sob os n.ºs 21 a 25;

(iv) Fornecimento de energia eléctrica, pela EDP, para a iluminação das zonas comuns do prédio: a quantia total de € 253,08 (duzentos e cinquenta e três euros e oito cêntimos) – cf. artigo 45.º da petição inicial, aceite por acordo, e documentos juntos sob os n.ºs 26 a 32;

(v) Compra de material de limpeza para as partes comuns do prédio: o montante global de € 7,19 (sete euros e dezanove cêntimos) – cf. artigo 50.º da petição inicial e documentos juntos sob os n.ºs 34 e 35; e              

(vi) Manutenção e limpeza das chaminés do prédio: a quantia global de € 140,99 (cento e quarenta euros e noventa e nove cêntimos) – cf. artigo 54.º da petição inicial e documento junto sob o n.º 50.

m) No ano de 2012, foi necessário realizar obras na fração designada pela letra C, correspondente ao primeiro andar direito, do prédio sito na …, concelho e cidade de Lisboa, nas quais a Requerente despendeu os seguintes montantes:

(i) A título de mão-de-obra e compra de materiais pelo empreiteiro encarregue da obra: € 1.814,25 (mil oitocentos e catorze euros e vinte e cinco cêntimos) – cf. artigo 52.º, alínea a), da petição inicial e documentos juntos sob os n.ºs 36 a 38;

(ii) Compra avulsa de materiais necessários para a realização da obra: € 824,09 (oitocentos e vinte e quatro euros e nove cêntimos) – cf. documentos juntos sob os n.ºs 39 a 46; e  

(iii) A título de honorários pagos à Arquiteta B, a qual supervisionou a execução da obra: € 150,00 (cento e cinquenta euros) – cf. artigo 52.º, alínea c), da petição inicial e documento junto sob o n.º 48.

n) No ano de 2012, relativamente ao prédio urbano sito na …, concelho e cidade de Lisboa, a Requerente suportou as seguintes despesas atinentes quer aos andares ou divisões com utilização independente nele integradas de que é usufrutuária, quer às respetivas zonas comuns:

(i) Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI): o montante total de € 1.680,86 (mil seiscentos e oitenta euros e oitenta e seis cêntimos), correspondente ao R/C (€ 239,09), 1.ºE (€ 239,09), 2.ºD (€ 239,09), 2.ºE (€ 239,09), 3.ºD (€ 241,50) e 4.ºD (€ 241,50) – cf. artigos 56.º e 57.º da petição inicial, aceites por acordo, e documento junto sob o n.º 19;

(ii) Taxa de conservação de esgotos: o montante total de € 307,08 (trezentos e sete euros e oito cêntimos) – cf. artigos 59.º e 60.º da petição inicial, aceite por acordo, e documento junto sob o n.º 20;

(iii) Fornecimento de água, pela Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL), para a manutenção e limpeza das partes comuns do prédio: a quantia global de € 192,42 (cento e noventa e dois euros e quarenta e dois cêntimos) – cf. artigo 61.º da petição inicial e documentos juntos sob os n.ºs 51 a 55;

(iv) Fornecimento de energia eléctrica, pela EDP, para a iluminação das zonas comuns do prédio: a quantia total de € 790,54 (setecentos e noventa euros e cinquenta e quatro cêntimos) – cf. artigo 63.º da petição inicial, aceite por acordo, e documentos juntos sob os n.ºs 56 a 66; e

(v) Serviços de manutenção do elevador do prédio: o montante total de € 962,47 (novecentos e sessenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos) – cf. artigo 68.º da petição inicial, aceite por acordo, e documentos juntos sob os n.ºs 91 a 95.

            o) No ano de 2012, a Requerente despendeu a quantia total de € 2.520,82 (dois mil quinhentos e vinte euros e oitenta e dois cêntimos), a título de remunerações, acrescidas dos respetivos encargos sociais, pagas a C, que exerce as funções de porteira do prédio sito na …, concelho e cidade de Lisboa – cf. artigo 65.º da petição inicial e documentos juntos sob os n.ºs 67 a 90.

            p) No ano de 2012, foi necessário realizar obras na habitação do primeiro andar esquerdo do prédio sito na …, concelho e cidade de Lisboa, nas quais a Requerente despendeu os seguintes montantes:

(i) A título de honorários pagos à Arquiteta B, a qual elaborou o projeto necessário para o licenciamento camarário da obra e dirigiu a respetiva execução: € 1.200,00 (mil e duzentos euros) – cf. artigo 69.º, alínea a), da petição inicial e documento junto sob o n.º 96;  

(ii) A título de honorários pagos ao Engenheiro Civil D, o qual elaborou o projeto da especialidade de estrutura tendo em vista a alteração da tipologia da referida habitação e acompanhou a execução da obra: € 492,00 (quatrocentos  noventa e dois euros) – cf. artigo 69.º, alínea b), da petição inicial e documento junto sob o n.º 97;

(iii) Compra de materiais necessários para a realização da obra: € 22,90 (vinte e dois euros e noventa cêntimos) – cf. artigo 69.º, alínea c), da petição inicial e documento junto sob o n.º 98; e      

(iv) A título de honorários pagos à Engenheira Civil E, a qual elaborou o projecto da respetiva rede de esgotos: € 270,00 (duzentos e setenta euros) – cf. documento junto sob o n.º 49. 

            q) No ano de 2012, relativamente ao prédio urbano sito na …, concelho e cidade de Lisboa, a Requerente suportou as seguintes despesas atinentes quer aos andares ou divisões com utilização independente nele integradas de que é usufrutuária, quer às respetivas zonas comuns:

(i) Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI): o montante total de € 1.829,75 (mil oitocentos e vinte e nove euros e setenta e cinco cêntimos), correspondente ao LJ (€ 96,26), L28B (€ 48,86), RCD (€ 189,31), RCE (€ 189,31), 1.ºD (€ 217,67), 1.ºE (€ 217,67), 2.ºD (€ 217,67), 2.ºE (€ 217,67), 3.ºD (€ 217,67) e 3.ºE (€ 217,67) – cf. artigos 73.º e 74.º da petição inicial, aceites por acordo, e documento junto sob o n.º 19;

(ii) Taxa de conservação de esgotos: o montante total de € 241,26 (duzentos e quarenta e um euros e vinte e seis cêntimos) – cf. artigos 76.º e 77.º da petição inicial e documento junto sob o n.º 20;

(iii) Fornecimento de água, pela Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL), para a manutenção e limpeza das partes comuns do prédio: a quantia global de € 251,15 (duzentos e cinquenta e um euros e quinze cêntimos) – cf. artigo 78.º da petição inicial e documentos juntos sob os n.ºs 99 a 103;

(iv) Fornecimento de energia eléctrica, pela EDP, para a iluminação das zonas comuns do prédio: a quantia total de € 501,57 (quinhentos e um euros e cinquenta e sete cêntimos) – cf. artigo 80.º da petição inicial, aceite por acordo, e documentos juntos sob os n.ºs 104 a 115;

(v) Compra de material de limpeza para as partes comuns do prédio: o montante global de € 31,63 (trinta e um euros e sessenta e três cêntimos) – cf. documentos juntos sob os n.ºs 128 a 132, 134, 136 e 137;

(vi) Execução e instalação de uma nova coluna de alimentação de água do prédio: o valor total de € 6.148,00 (seis mil cento e quarenta e oito euros) – cf. artigo 86.º, alínea a), da petição inicial e documento junto sob o n.º 138; e

(vii) Execução de trabalhos de instalação elétrica na casa da porteira do prédio e nas arrecadações: o valor total de € 688,80 (seiscentos e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos) – cf. artigo 86.º, alínea b), da petição inicial e documento junto sob o n.º 139.

            r) No ano de 2012, foi necessário realizar obras na habitação do rés-do-chão esquerdo do prédio sito na … concelho e cidade de Lisboa, nas quais a Requerente despendeu os seguintes montantes:

                        (i) A título de mão-de-obra e compra de materiais pelo empreiteiro encarregue da obra: € 924,96 (novecentos e vinte e quatro euros e noventa e seis cêntimos) – cf. artigo 86.º, alínea c), da petição inicial e documento junto sob o n.º 140; e

                        (ii) Compra de materiais necessários para a realização da obra: € 231,53 (duzentos e trinta e um euros e cinquenta e três cêntimos) – cf. artigo 86.º, alínea d), da petição inicial e documentos juntos sob os n.ºs 141 a 145. 

s) No ano de 2012, a Requerente despendeu a quantia total de € 2.520,82 (dois mil quinhentos e vinte euros e oitenta e dois cêntimos), a título de remunerações, acrescidas dos respetivos encargos sociais, pagas a F, que exerce as funções de porteira do prédio sito na …, concelho e cidade de Lisboa – cf. artigo 82.º da petição inicial e documentos juntos sob os n.ºs 79 a 90 e 116 a 127.

t) A Requerente celebrou um contrato de prestação de serviços jurídicos com a sociedade de advogados “G, RL”, o qual não foi reduzido a escrito, tendo em vista o acompanhamento jurídico e resolução de todas as questões legais que surjam relacionadas com os referenciados imóveis de que é usufrutuária, mediante o pagamento de uma avença mensal no valor de € 553,50 (quinhentos e cinquenta e três euros e cinquenta cêntimos), tendo pago, no decurso do ano de 2012, o montante total de honorários de € 6.088,50 (seis mil e oitenta e oito euros e cinquenta cêntimos) e, ainda, o valor de € 80,00 (oitenta euros), a título de reembolso de uma despesa atinente a Imposto de Selo referente a um contrato de arrendamento que teve por objeto o rés-do-chão esquerdo do prédio sito na …, em Lisboa – cf. artigos 90.º e 91.º da petição inicial e documentos juntos sob os n.ºs 148 a 159.

u) A Requerente celebrou um contrato de prestação de serviços de contabilidade com a empresa “H, Lda.”, o qual não foi reduzido a escrito, tendo em vista organizar e supervisionar todos os aspetos contabilísticos e fiscais relacionados com os referenciados imóveis de que é usufrutuária, mediante o pagamento de uma avença mensal no valor de € 369,00 (trezentos e sessenta e nove euros), tendo pago, no decurso do ano de 2012, o montante total de honorários de € 4.428,00 (quatro mil quatrocentos e vinte e oito euros) e, ainda, o valor de € 96,88 (noventa e seis euros e oitenta e oito cêntimos), a título de reembolso de despesas – cf. artigos 92.º e 93.º da petição inicial e documentos juntos sob os n.ºs 160 a 174.

v) Em 23 de maio de 2014, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – cf. sistema informático de gestão processual do CAAD.

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§2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:

            a) No ano de 2012, relativamente ao prédio urbano sito na …, concelho e cidade de Lisboa, a Requerente suportou as seguintes despesas atinentes quer às frações autónomas nele integradas de que é usufrutuária, quer às respetivas zonas comuns:

(i) O montante global de € 51,59 (cinquenta e um euros e cinquenta e nove cêntimos) à I, S. A. – facto vertido no artigo 47.º da petição inicial e a que se refere o documento junto sob o n.º 33;

(ii) O montante de € 2,47 (dois euros e quarenta e sete cêntimos) com a compra avulsa de materiais necessários para a realização de obras na fração autónoma designada pela letra C – a que se refere o documento junto sob o n.º 47 à petição inicial; e

(iii) O montante de € 270,00 (duzentos e setenta euros) a título de honorários com a engenheira que supervisionou a remodelação da fração autónoma designada pela letra C, mais especificamente a rede de esgotos – facto vertido no artigo 52.º, alínea d), da petição inicial e a que se refere o documento junto sob o n.º 49.

            b) No ano de 2012, relativamente ao prédio urbano sito na …, concelho e cidade de Lisboa, a Requerente suportou as seguintes despesas atinentes quer aos andares ou divisões com utilização independente nele integradas de que é usufrutuária, quer às respetivas zonas comuns:

                        (i) O montante de € 4,02 (quatro euros e dois cêntimos) com a compra de material de limpeza para as partes comuns do prédio – a que se refere os documentos juntos sob os n.ºs 133 e 135 à petição inicial; e

                        (ii) O montante de € 80,00 (oitenta euros) a título de honorários com a arquiteta que acompanhou os trabalhos de substituição da conduta de água do prédio – facto vertido no artigo 86.º, alínea e), da petição inicial e a que se refere o documento junto sob o n.º 146.

            c) No ano de 2012, a Requerente pagou à sociedade de advogados “G, RL” a quantia de € 553,50 (quinhentos e cinquenta e três euros e cinquenta cêntimos), a título de honorários, titulada pela fatura n.º 289, datada de 30.12.2011, junta sob o documento n.º 147 à petição inicial.

            d) A Requerente tem 71 anos de idade e os conhecimentos contabilísticos e jurídicos de que dispõe são os do cidadão comum, isto é, os básicos, não tendo pois condições para se desincumbir sozinha das obrigações legais e contabilísticas que lhe são impostas relativamente aos imóveis de que é usufrutuária – factualidade vertida no artigo 88.º da petição inicial.

e) A Requerente vê-se forçada a recorrer a técnicos especialistas que a ajudem a manter este seu “negócio”, gerindo os pagamentos e recebimentos, as contas em geral e respetivas obrigações fiscais e contabilísticas, para além de todas as ocorrências que surjam com os seus inquilinos e que requeiram acompanhamento de índole legal – factualidade vertida no artigo 89.º da petição inicial. 

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§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se no processo administrativo, nas afirmações feitas nos articulados, nos pontos indicados, em que não foi posta em causa a respetiva aderência à realidade, nos documentos juntos aos autos, referenciados em relação a cada um dos pontos, cuja correspondência à realidade não foi questionada e, ainda, na prova testemunhal produzida.

*

Quanto à factualidade não provada, esta foi assim considerada em resultado quer da prova testemunhal produzida, quer da ausência de quaisquer elementos probatórios suscetíveis de, inequivocamente, a comprovarem.

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Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas – as quais depuseram de forma clara, objetiva e isenta sobre os factos aos quais foram inquiridas, revelando inequívoco conhecimento direto dos mesmos, pelo que os seus depoimentos nos mereceram total credibilidade – importa aqui fazer uma brevíssima súmula dos mesmos, referindo os seus aspetos essenciais:

(i)                 J

É empreiteiro de construção civil e, nessa qualidade, foi contratado, há cerca de 2 ou 3 anos, para efetuar alguns trabalhos nalgumas das frações autónomas e andares dos prédios urbanos sitos na … e na …, em causa nestes autos. 

Foi confrontado com os documentos juntos, sob os números 35 a 47 e 140, ao pedido de pronúncia arbitral, tendo afirmado o seguinte: as faturas juntas como documentos números 36, 37, 38 e 140 correspondem a trabalhos de construção civil por si efetuados nos imóveis da Requerente, tendo concretizado que as três primeiras faturas são atinentes a intervenções feitas no prédio sito na …, em Lisboa, e a última daquelas faturas é atinente a uma intervenção feita no prédio sito na …, em Lisboa.

Relativamente aos documentos números 39 a 47, esclareceu que alguns dos materiais mencionados naquelas faturas foram por ele utilizados nas obras que efetuou nos imóveis da Requerente. A este propósito esclareceu que a Requerente comprou pequenos materiais, como armaduras, tomadas, fechaduras e puxadores, para ele instalar nos imóveis em que interveio. Não sabe a que se referem as faturas juntas como documentos números 44 e 47.

Mais disse que no prédio sito na …, interveio em dois apartamentos, na rede de esgotos e na rede de água (conduta de fornecimento de água); na … interveio em dois apartamentos e na casa da porteira.

(ii)               D

É engenheiro civil e, nessa qualidade, foi contratado em 2012, pela Arquiteta B, em representação da Requerente, para elaborar um projeto da especialidade de estrutura tendo em vista a alteração da tipologia de um apartamento sito no 1.º andar do prédio sito na ….

Esclareceu que, para além da elaboração daquele projeto, ainda deu apoio à execução da respetiva obra, a qual estava a ser dirigida pela Arquiteta B.

Afirmou que o recibo junto como documento número 97 ao pedido de pronúncia arbitral, titula o pagamento dos seus honorários pela prestação do sobredito serviço.

(iii)             L

É filha da Requerente, estando a seu cargo a gestão corrente dos imóveis da mãe, nomeadamente no respeitante a obras, arrendamentos e pagamentos de serviços. Esclareceu que para o efeito recorre quer a colegas seus – é arquiteta de interiores –, quer a advogados e contabilistas, com quem mantém contacto constante, sendo ainda ela quem escolhe e contrata os empreiteiros de construção civil. Mais disse que é ela quem compra alguns dos materiais para serem aplicados nas obras, como puxadores, tomadas, fechaduras, portas e armários, pois para além de não abdicar de os escolher a seu gosto, tem descontos na respetiva aquisição, em virtude da sua profissão.

Foi confrontada com os documentos juntos, sob os números 34, 35, 39 a 49, 50 a 55, 67 a 90, 96, 98 a 103, 116 a 137, 141 a 174, ao pedido de pronúncia arbitral, tendo afirmado o seguinte: os documentos números 34, 35, 128 a 132, 134, 136 e 137 são faturas de produtos comprados para a limpeza dos prédios da Requerente, sendo que as faturas juntas como documentos números 39 a 46 e 141 a 145 são respeitantes a materiais aplicados em obras efetuadas nos mesmos imóveis; a fatura junta como documento número 44 é respeitante a elementos de uma cozinha que foi montada num apartamento sito no 1.º andar do prédio sito na …. Não faz ideia a que obra se tenha destinado o material descrito na fatura junta como documento número 47.

O recibo junto como documento número 48 é referente a honorários pagos à Arquiteta B pelo acompanhamento das obras realizadas em apartamentos do prédio sito na Rua …. Ainda relativamente a esta arquiteta, o recibo junto como documento número 96 é atinente aos honorários que lhe foram pagos pela elaboração do projeto de remodelação dos apartamentos do 1.º andar esquerdo e direito do prédio sito na …. O recibo junto como documento número 49 é respeitante ao pagamento de honorários à Engenheira Civil E, pelo projeto de rede de esgotos que esta fez para alterar a localização de uma casa de banho no apartamento do 1.º andar esquerdo do prédio sito na  …. Não sabe especificar a que é que se refere o recibo junto como documento número 146, podendo apenas afirmar que, atento o respetivo montante, se tratará do pagamento de um valor/hora pelo acompanhamento/supervisionamento de uma obra que, contudo, não consegue identificar.

A fatura junta como documento número 50 é referente à limpeza das chaminés do prédio sito na …, sendo que o nome “M” que ali surge é o da sua avó materna, anteriormente proprietária daquele prédio. 

No tocante às faturas da EPAL juntas como documentos números 51 a 55, disse que as mesmas se referem a consumos de água utilizada para limpeza das zonas comuns do prédio na … A este propósito esclareceu que existe um contador autónomo de consumo de água afeto às zonas comuns daquele prédio.

Relativamente aos documentos juntos sob os números 67 a 90 e 116 a 127, afirmou que os mesmos são referentes às remunerações mensais pagas às porteiras dos prédios sitos na …– a porteira é a F – e na …– a porteira é a C–, as quais são pagas a partir da conta bancária da Requerente.

O documento junto sob o número 98 é referente a um cadeado e a uma corrente que teve de comprar para fechar a porta da loja existente no prédio sito na …, na sequência da respetiva desocupação e enquanto não foi possível colocar uma nova fechadura.

Afirmou que os documentos números 133 e 135 não titulam quaisquer despesas suportadas pela Requerente.

            Os documentos juntos sob os números 147 a 159 respeitam ao pagamento de honorários à sociedade de advogados ali identificada, com quem foi celebrado verbalmente um contrato de prestação de serviços tendo em vista, tão somente, o acompanhamento e o tratamento de todas as questões jurídicas que surjam relativamente aos prédios da Requerente.

            Os documentos juntos sob os números 160 a 174 são referentes ao pagamento de honorários à empresa de contabilidade ali identificada, com quem foi celebrado verbalmente um contrato de prestação de serviços visando o controlo e recebimento das rendas pagas pelos diversos inquilinos da Requerente, a emissão de recibos de renda, o processamento dos salários das porteiras dos prédios e o tratamento contabilístico e fiscal dos rendimentos da Requerente.

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III.2. DE DIREITO

            Atentas as posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

(i) A falta de fundamentação dos atos tributários impugnados;

(ii) A ilegalidade dos atos tributários impugnados, por erro sobre os pressupostos de direito, em virtude da errónea interpretação do disposto no artigo 41.º do Código do IRS;

(iii) O direito a juros indemnizatórios.

            Antes de entrarmos na apreciação e decisão das questões que constituem o thema decidendum do presente processo arbitral, importa que previamente estabeleçamos a ordem de conhecimento dos vícios apontados aos atos tributários impugnados.

O art. 124.º do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui o seguinte:

Artigo 124.º

Ordem do conhecimento dos vícios da sentença

1.      Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2.      Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a)      No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b)      No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

Este preceito legal estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

Para uma correta compreensão desta temática, afigura-se oportuno citar, por bastante esclarecedor, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17.11.2010, no processo n.º 01051/09, disponível em www.dgsi.pt, no qual se refere o seguinte:

«…a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo reiteradamente a explicar, no âmbito da interpretação do conteúdo normativo da regra análoga vertida no artigo 57.º da LPTA, que apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (dado que a verificação deste não impede a renovação do acto com igual configuração jurídica, expurgado, naturalmente, do vício que conduziu à anulação) – cfr., entre outros, o acórdão da 1.ª Secção do STA, proferido em 23.04.97, no processo n.º 35.367 –, tal regra não é, porém, absoluta, pois que pode acontecer que só a fundamentação possa revelar vícios de fundo mediante a clarificação do enquadramento factual e jurídico em que assentou o acto impugnado. Isto é, pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do acto se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de substância. Razão por que se tem reconhecido que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que a descoberta da motivação do acto possa oferecer elementos necessários ao juízo de verificação dos vícios de fundo, o que acontece sempre que ocorra uma absoluta falta de fundamentação (de facto e/ou de direito), por isso implicar a impossibilidade de conhecimento dos factos em que assentou o acto e/ou o seu enquadramento jurídico, inviabilizando o controlo jurisdicional dos vícios de fundo – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos pela 1.ª Secção do STA de 08.07.1993, no processo n.º 31.138, em 22.09.1994, no processo n.º 32.702, e em 20.05.1997, no processo n.º 40.433.

Como se deixou referido no acórdão proferido pela 1.ª Secção deste Tribunal em 4/06/98, no proc. n.º 41.223, «o conhecimento prioritário do vício de forma apenas se imporá ao julgador quando o não conhecimento prévio desse vício inviabilize decisivamente o conhecimento dos alegados vícios de fundo, atinentes à legalidade intrínseca do acto, e que a regra do art. 57.º, n.º 2, al. a), da LPTA manda apreciar prioritariamente. Ou, dizendo de modo inverso, deixará de se impor o conhecimento prioritário do vício de forma, devendo respeitar-se a regra de apreciação do art. 57.º, n.º 2, al. a), sempre que a alegada falta ou insuficiência de fundamentação se revele, no caso concreto (e a apreciação tem, obviamente, que ser casuística) irrelevante para a apreciação e eventual procedência do vício ou vícios de fundo igualmente alegados.».»  

Revertendo para o caso dos autos e continuando a seguir de perto o aresto vindo de citar, afigura-se-nos inequívoco que nenhum dos vícios invocados pela Requerente pode ser considerado como proveniente de situações que possam determinar a nulidade dos atos tributários impugnados à luz dos critérios legais que os caracterizam, pelo que a máxima eficácia na tutela dos interesses da Requerente imporia, em princípio, o conhecimento prioritário do vício de violação de lei em relação ao vício de forma por falta de fundamentação.

Contudo, a alegação deste vício de forma está estribada na absoluta omissão da motivação de facto e de direito dos atos tributários impugnados, em virtude de não ter sido feita qualquer referência aos pressupostos factuais e legais em que assentou a decisão da AT que esteve subjacente à prática daqueles mesmos atos.

Uma vez que a ilegalidade apontada aos atos tributários impugnados decorre de erro sobre os pressupostos de direito, em virtude da errónea interpretação do disposto no artigo 41.º do Código do IRS, é mister concluir que o conhecimento deste vício substancial depende da prévia determinação da base fundamentadora dos atos. Por outras palavras, a apreciação e eventual procedência deste vício depende do teor do discurso fundamentador dos atos impugnados, pois só ele pode fornecer a razão ou base quer de facto, quer legal que sustenta os atos, ficando o conhecimento desse vício inviabilizado sem essa prévia revelação e clarificação do enquadramento em que ele assentou.

No concernente ao direito da Requerente a juros indemnizatórios, este será necessariamente, e sempre, tratado em último lugar, pois a sua apreciação será enformada pelo que resultar decidido quanto aos vícios apontados pela Requerente aos atos tributários impugnados.

Neste enquadramento, optamos pois pelo conhecimento prioritário do vício de forma por falta de fundamentação dos atos tributários impugnados, o que passamos a fazer de imediato.

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            §1. DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS TRIBUTÁRIOS IMPUGNADOS

            Alega a Requerente que a decisão da AT que conduziu à liquidação adicional de IRS e à liquidação de juros compensatórios, padece de vício de forma por falta de fundamentação, pois a AT limitou-se a calcular um determinado montante de imposto, alegadamente em falta, sem jamais explicar quais os pressupostos legais e factuais em que assentou as contas que fez e, por consequência, os atos tributários impugnados devem ser anulados, por vício de forma.

            A Requerida, por seu turno, afirma que os atos tributários impugnados não enfermam de vício de forma por falta de fundamentação, pois a Requerente compreendeu perfeitamente o itinerário cognoscitivo que levou a Requerida a decidir da forma que decidiu. Tanto assim é que a Requerente demonstrou, ao longo do pedido de pronúncia arbitral, ter compreendido inteiramente o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, uma vez que tentou ali rebater toda a atuação da AT.

            Cumpre apreciar e decidir.

A fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo uma imposição, desde logo, constitucional (cf. art. 268.º, n.º 3, da CRP), mas também legal (cf. art. 77.º da LGT[1]).

Contudo, como referem Paulo Marques e Carlos Costa[2], ao contrário do que acontece no «texto constitucional (artigo 268.º, n.º 3, da Constituição), em que se exige a fundamentação dos actos «quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos», em sede de procedimento tributário (art. 77.º da LGT), não se entendeu restringir a exigência da fundamentação da decisão apenas aos actos desfavoráveis ao contribuinte, embora deva existir maior densidade da fundamentação nestes últimos casos.»

É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características: 

1.      Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido; 

2.      Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido; 

3.      Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração). 

Como nos dão conta Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa[3], no âmbito tributário, «o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no art. 77.º da LGT.

Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.

No presente art. 77.º [da LGT] estende-se o dever de fundamentação a todas as decisões de procedimentos tributários, pelo que ela é obrigatória mesmo nas decisões favoráveis aos sujeitos passivos dos tributos.

Esta exigência compreende-se em face da pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto.»

Ainda segundo estes autores[4], deve a fundamentação «consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.»

Como preconiza Joaquim Freitas da Rocha[5], a fundamentação – «que, em geral, abrange quer o dever de motivação (i. é, a exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, nomeadamente quando existirem espaços discricionários) quer o dever de justificação (ou seja, a referência ordenada aos pressupostos de facto e de direito que suportam essa mesma decisão)» – deve ser feita de forma oficiosa, completa, clara, atual e expressa, tendo em vista «permitir a um “destinatário normal” a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido prelo autor do acto para proferir a decisão. A falta destes requisitos – fundamentações incompletas, obscuras, abstractamente remissivas – bem assim como a falta da própria fundamentação, constitui ilegalidade, susceptível de conduzir à anulação do acto em causa, mediante meios graciosos ou contenciosos.»

Sendo certo que a fundamentação deve ser feita por via da sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, nada impede, todavia, que possa fazer-se por remissão e apropriação de anteriores pareceres, informações e propostas bem como para o relatório da inspeção tributária, como postula o n.º 1 do art. 77.º da LGT., assumindo então a designação de fundamentação por remissão ou por referência (per relationem ou per remissionem), uma vez que está expressa num outro documento. Assim, «devem ter-se por fundamentadas as liquidações derivadas das correcções da inspecção quando do relatório constam as razões dessa correcção e posterior liquidação. Nesse caso, para se saber se o acto da liquidação está ou não fundamentado, não pode o intérprete alhear-se do relatório da inspecção, uma vez que este constitui o culminar de um procedimento que um conceito amplo de liquidação necessariamente comporta. (…)

No plano do procedimento inspectivo tributário, admitindo a modalidade de fundamentação «per relationem» ou «per remissionem», o artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT prevê que os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório. (…)

A importância da motivação de facto e de direito constante do procedimento de inspecção tributária, posteriormente absorvida pela decisão tributária, compreende-se tendo em vista que o acto de liquidação stricto sensu representa o culminar e um extenso e complexo procedimento administrativo assente nos actos preparatórios praticados pelos serviços de inspecção tributária que integram o procedimento de liquidação lato sensu (artigo 11.º do RCPIT).»[6]

Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstrata e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um ato tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.

A este propósito, os nossos tribunais superiores têm vindo a decidir de forma reiterada nos termos que, a título de exemplo e pela completude de análise, passamos a citar do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 04.12.2012 no processo n.º 06134/12, disponível em www.dgsi.pt:

  «A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.

Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr. ac. S.T.J. 26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág. 57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág. 687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág. 139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr. por todos, ac. S.T.A-1.ª Secção, 6/2/90, A.D., nº. 351, pág. 339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr. art. 125.º do C.P. Administrativo).

Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr. ac. S.T.A.-2.ª Secção, 13/7/2011, rec. 656/11; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).

Se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).»

Por outro lado, relativamente à fundamentação de direito, o Supremo Tribunal Administrativo «tem decidido que, para que a mesma se considere suficiente, não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível – entre tantos outros, os acórdãos proferidos pela 1ª Secção do STA em 27/02/1997, em 17/05/1998, e em 28/02/2002, nos processos n.º 36.197, 32.694 e 48071, respectivamente.

Conforme se dá nota no acórdão da Secção do Contencioso Administrativo proferido em 27/05/2003, no proc. n.º 1835/02, «tem sido entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo que, na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado – cf. p. ex., os acºs. de 28.02.02, rec. 48.071, de 28.10.99, rec. 44.051 (respectivo apêndice ao Diário da República, pág. 6103), de 8.6.98, rec. 42.212 (Apêndice, pág. 4263), de 7.5.98, rec. 32.694 (Apêndice, pág. 3223) e do pleno de 27.11.96, rec. 30.218 (Apêndice, pág. 828). Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - cf. Ac. pleno de 25.5.93, rec. 27.387 (Apêndice, pág. 309) e acºs. em subsecção de 27.2.97, rec. 36.197 (Apêndice pág. 1515) e supra citados acºs. de 7.5.98, rec. 32.694 e de 28.10.99, rec. 44.051)».

Orientação que, aliás, foi acolhida pelo Pleno daquela Secção, no acórdão de 25/03/93, no proc. n.º 27387, no qual se afirma que o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.

Donde decorre que, mesmo perante esta corrente jurisprudencial, que sufragamos sem reservas, só em casos muito particulares (como eram, afinal, os analisados nos arestos citados) se pode concluir que um acto se encontra fundamentado de direito apesar de nenhuma referência legal directa existir no texto do acto. E tal só acontece quando, como se explica naquele acórdão de 27/05/2003, se mostrem verificadas duas condições:

«- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto;

- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.

A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a. Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado. O destinatário não se pode substituir nem ao acto nem ao autor do acto. A fundamentação é requisito do acto. E o destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do acto praticá-lo.».»[7]

            Volvendo ao caso dos autos, compulsado o processo administrativo apenas se lobriga a seguinte justificação adiantada pela AT para a desconsideração de parte das despesas apresentadas pela Requerente, no anexo F à declaração modelo 3 de IRS de 2012, como dedutíveis aos seus rendimentos prediais (cf. facto provado h)): «Entregar declaração de substituição, corrigindo os valores das despesas com os prédios arrendados, uma vez que neles constam despesas não elegíveis nos termos do artigo 41.º do CIRS, nomeadamente consumíveis, apoio jurídico, apoio contabilístico e imposto do selo.»  

            A Requerida não questiona o dever de fundamentar as alterações que introduziu na declaração de rendimentos da Requerente. Nem poderia ser de outra forma, como resulta, desde logo, do acima referido, mas também do facto de, em virtude de os atos administrativos recaírem sobre realidades da vida, a Administração estar vinculada à lei, não podendo agir senão nos casos em que ela lho permite, nem de modo diverso do que ela impõe, pelo que a fundamentação é imprescindível para que se apreendam não as razões de facto, ou as de direito, mas ambas. O destinatário do ato tem de ficar a saber qual foi a situação de facto ponderada, qual o direito escolhido e o modo como ele foi interpretado e aplicado.

            Assim, em regra, uma fundamentação que se limite a apontar uma norma jurídica, ou um conjunto normativo, acrescentando que a situação de facto não cabe na sua previsão, é incompleta, quer ao não identificar aquela situação de facto, quer ao não patentear a interpretação dada à lei, ou seja, a razão por que se considera que a situação real diverge da prevista na norma.

            Ora, na situação sub judice, a AT ficou-se pela mera identificação da norma jurídica que entendeu útil, afirmando que algumas das despesas apresentadas pela Requerente não cabiam na respetiva previsão, limitando-se a individualizar um dos grupos de despesas não aceites que identificou por “consumíveis”, sem especificar a que despesas concretas estava a aludir, como se lhe impunha face à indeterminabilidade e vagueza daquele termo, e sem dizer quais as razões por que entendia que as despesas por si referidas não estavam abrangidas pela dita norma. E isso não se afigura bastante para satisfazer a obrigação de fundamentar, sendo certo que estamos perante uma norma legal – o artigo 41.º do Código do IRS – que não é absolutamente linear e que, portanto, é suscetível de diferentes interpretações.

                Destarte, a Requerente ficou sem saber como lutar contra o ato tributário que lhe era desfavorável, o que dizer em desabono dos seus fundamentos, vendo-se compelida a contrariar razões que não sabia, mas tão só supunha, estarem subjacentes ao decidido pela AT. Efetivamente, a simples menção de que algumas despesas apresentadas pela Requerente consubstanciam deduções indevidas, ainda que acompanhada da invocação do dispositivo legal subjacente, por encerrar um discurso conclusivo, não permite dar a conhecer a um contribuinte médio e com uma capacidade normal de entendimento a totalidade das razões que justificam um determinado ato com um certo conteúdo decisório. Nem se diga, pelo facto de a Requerente ao longo do pedido de pronúncia arbitral não se ter limitado a invocar a falta de fundamentação dos atos tributários e ter expendido múltiplos considerandos a propósito das despesas por si apresentadas e até sobre a interpretação que considera correta das normas legais aplicáveis, que com isso ela demonstrou ter tido perfeito conhecimento da fundamentação dos atos tributários postos em crise. É que, como é fácil de verificar, sem prejuízo de arguir o vício consistente na falta de fundamentação, a Requerente mais não fez do que tecer considerações sobre as razões que, do seu ponto de vista, justificam o acerto do conteúdo da declaração de rendimentos por si apresentada (maxime quanto aos rendimentos prediais e respetivas deduções) e, como tal, que justificam a sua discordância com o facto de a AT a ter corrigido (como, aliás, a própria Requerente admite nos artigos 32.º e 33.º da petição inicial). E esta atitude é perfeitamente compreensível se tivermos presente que a Requerente não conheceu os fundamentos subjacentes aos atos tributários impugnados.     

            Por esta ordem de razões, é mister concluir que os atos tributários em causa estão inquinados com o vício de forma consistente na falta de fundamentação, o que implica a respetiva anulação (cf. artigos 133.º, a contrario, e 135.º do CPA) que se determinará a final.

*

§2. DA ILEGALIDADE DOS ATOS TRIBUTÁRIOS IMPUGNADOS, POR ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE DIREITO, EM VIRTUDE DA ERRÓNEA INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 41.º DO CÓDIGO DO IRS

Atento o decidido quanto ao arguido vício de forma por falta de fundamentação dos atos tributários impugnados, fica prejudicado o conhecimento dos vícios substanciais que a Requerente lhes assaca, ou seja, dos erros de direito que lhes são imputados, os quais não serão pois objecto de apreciação e decisão.

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            §3. DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

            A Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT, os quais, segundo ela, lhe são devidos desde a «data da decisão da impugnação judicial» até «à data da emissão da respectiva nota de crédito», alegando que «a ilegalidade – por falta de fundamentação – e o erro de cálculo – pois não teve em consideração todas as possíveis e legais deduções específicas – do acto de liquidação adicional ficou plenamente demonstrada nos presentes autos», pelo que, na sua perspectiva, se deve concluir pela existência do «requisito erro dos serviços».

A Requerida, por sua parte, contesta que a Requerente tenha direito a juros indemnizatórios, pois esta alega que os atos tributários impugnados padecem de vício de forma por falta de fundamentação e o artigo 43.º da LGT apenas contempla os casos em que existam erros sobre os pressupostos de facto e/ou de direito, deixando de fora os casos de vício de forma.

Cumpre apreciar e decidir.

            Os n.ºs 1, alínea b), e 5 do artigo 24.º do RJAT preceituam o seguinte:

            “1 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

            (…)

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito;

5 - É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

Por seu turno, a norma constante do artigo 100.º da LGT estatui o seguinte:

“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

            Importa ainda convocar a norma do artigo 43.º da LGT, epigrafada “Pagamento indevido da prestação tributária”, a qual determina o seguinte:

            “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

            2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

            b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

            4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.Ver jurisprudência

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”

            No caso concreto, importa atendermos, particularmente, ao disposto no n.º 1 do citado artigo 43.º, o qual estabelece que os juros indemnizatórios são devidos quando, havendo erro imputável aos serviços, resulte desse erro “pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

            De notar, desde logo, que ali se refere erro e não vício, o que inculca que o que se pretende relevar são os erros sobre os pressupostos de facto ou de direito que levaram a Administração Fiscal a uma ilegal definição da situação jurídica tributária do contribuinte, não considerando os vícios formais ou procedimentais que, embora ferindo de ilegalidade o ato, não implicam, necessariamente, uma errónea definição daquela situação.

            Assim, o vício de forma por falta de fundamentação – que, in casu, conduzirá à anulação dos atos tributários impugnados – não se inclui no âmbito do requisito do erro imputável aos serviços gerador do direito a juros indemnizatórios, pois não se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais, não impedindo, aliás, a Administração Fiscal de renovar a substância do ato.  

            Os juros indemnizatórios têm, efetivamente, a sua justificação na necessidade de compensar o contribuinte pela indisponibilidade do capital de que ficou despojado por força da ilegal exigência de imposto feita pela Administração Fiscal, assim incursa no que comummente se entende ser uma responsabilidade civil extracontratual.

No entanto, se o ato tributário tem de ser anulado, por ilegal, mas essa ilegalidade não se traduz numa errada definição da situação tributária, isto é, se da ilegalidade do ato não emerge, como consequência fatal, o injustificado da exigência do imposto liquidado, então, não pode falar-se nem em lesão patrimonial, nem em prejuízo, nem em responsabilidade, nem, consequentemente, em reparação por via da indemnização.

No caso concreto, após a prolação desta decisão arbitral ficará a saber-se, apenas, que há um vício formal do ato de liquidação adicional de IRS do ano de 2012 que o torna ilegal e, portanto, anulável. Mas já não se ficará a conhecer se o mesmo ato definiu mal – isto é, com erro – a situação jurídica tributária da Requerente, ou seja, se esta, ao pagar o que pagou, pagou o que não devia ter pago, merecendo ser indemnizada por ter ficado desprovida da quantia satisfeita em resultado daquela liquidação adicional de IRS. 

Ademais, perante a anulação da dita liquidação adicional de IRS que será ditada por esta decisão arbitral, a AT poderá praticar novo ato de igual conteúdo, exigindo o mesmo imposto, sem que se lhe imponha corrigir qualquer erro de facto ou de direito, nem concluir de maneira diferente. Pode, pois, a AT tomar os mesmos factos e o mesmo direito e concluir da mesma maneira, desde que elimine o vício verificado por esta decisão arbitral, fundamentando devidamente os respetivos atos tributários. O que demonstra com meridiana clareza que não pode falar-se, por ora, numa lesão a merecer reparação traduzida em juros indemnizatórios.

Nesta parametria, impõe-se concluir que não tem a Requerente direito aos peticionados juros indemnizatórios, por ausência dos necessários substratos fáctico e de direito.     

***

            IV. DECISÃO

            Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é peticionada a anulação dos atos tributários impugnados, por vício de forma por falta de fundamentação;

b)      Anular:

- a liquidação adicional n.º 2014 …, de 18.01.2014, relativa ao IRS do ano de 2012, no valor de € 35.307,99 (trinta e cinco mil trezentos e sete euros e noventa e nove cêntimos);

- a liquidação de juros compensatórios n.º 2014 …, de 21.01.2014, no valor de € 288,61 (duzentos e oitenta e oito euros e sessenta e um cêntimos); e

- a demonstração de acerto de contas n.º 2014 …, relativa à compensação n.º 2014 …, de 21.01.2014, com o saldo apurado de € 12.151,75 (doze mil cento e cinquenta e um euros e setenta e cinco cêntimos).

c)      Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, absolvendo-se a Requerida do mesmo;

d)     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.

*

VALOR DO PROCESSO:

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 12.151,75 (doze mil cento e cinquenta e um euros e setenta e cinco cêntimos).

*

CUSTAS:

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

*

Lisboa, 29 de dezembro de 2014.

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 



[1] Os números 1, 2 e 6 (únicos que aqui importa considerar) desta norma legal, epigrafada “Fundamentação e eficácia”, estatuem o seguinte:

“1. A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2. A fundamentação dos atos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

6. A eficácia da decisão depende da notificação.”   

[2] A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 68.

[3] Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Editora Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, pp. 675-676.

[4] Idem, ibidem.

[5] Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 113-114.

[6] Paulo Marques e Carlos Costa, ob. cit., pp. 146-148.

[7] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 17 de novembro de 2010, no processo n.º 01051/09, disponível em www.dgsi.pt.