Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 386/2014-T
Data da decisão: 2014-12-05  Selo  
Valor do pedido: € 4.337,01
Tema: IS – Verba 28 TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 386/2014 – T

Tema: IS – Verba 28 da TGIS

 

 

I – RELATÓRIO

 

1 –A, com …, com o NIF[1] …, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa com o NIF …, comproprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo … da freguesia de …, apresentou em 21/05/2014 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação do IS[4],  incidente sobre  o aludido prédio ,melhor identificado na caderneta predial junta pelo requerente e que aqui se dá por inteiramente reproduzida 

2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente  notificado à AT em 23/05/2014.

3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.

4 - O tribunal foi constituído em 28/07/2014 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de Dezembro.

5 – Com o seu pedido visa, a requerente, a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação da verba 28 da TGIS[6] que incidiram sobre o valor patrimonial do prédio urbano já identificado, cuja herança indivisa que representa é comproprietária.

6- Invoca para o efeito, em síntese, que a ilegalidade das liquidações do IS, resulta, do seu ponto de vista, no facto de erroneamente ter sido considerado o valor conjunto dos fogos habitacionais incorrendo em desigualdade injustificada face aos prédios formalmente constituídos em propriedade horizontal, na verdade nenhuma das unidades independentes com afectação habitacional têm VPT[7] igual ou superior a € 1 000 000,00 e o que a ratio legis pretendia era taxar imóveis de luxo com afectação habitacional, o que não é o caso.

7 – Por sua vez a AT, também em síntese, considera não assistir razão à requerente uma vez que para efeitos de IS é diferente o tratamento de um prédio em propriedade total e um prédio em propriedade horizontal e que o legislador pode submeter a um enquadramento jurídico distinto ambas as realidades, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído, considerando que os actos tributários aqui postos em crise não violam qualquer preceito legal pelo que deverão ser mantidos. 

 

 

II – SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Na sua resposta a AT solicitou a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e que se passasse directamente à decisão da causa, caso a requerente não se opusesse.

Notificada a requerente, em 03/10/2014, desta pretensão, em requerimento de 08/10/2014 manifestou, a sua concordância com o proposto.

Anuiu o tribunal a esta pretensão das partes e considerou estarem reunidas as condições para a prolação da decisão final.

 

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir com interesse para os autos são as seguintes:

 

a)      Saber se um prédio em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, umas com afectação habitacional e outras a comércio, deverá ser tributado em IS o VPT correspondente ao somatório de cada uma das partes ou divisões independentes com afectação habitacional quando igual ou superior a € 1000000,00, ou se apenas o IS deverá incidir sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões independentes com afectação habitacional quando, unitariamente considerado, seja igual ou superior a € 1000000,00;

b)      Saber ainda se, em caso de ser declarada a ilegalidade da liquidação, haverá lugar  ao pagamento de juros indemnizatórios sobre os valores pagos indevidamente.

 

 

2 – Matéria de facto

 

A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

a)      O requerente é cabeça de casal de herança indivisa proprietária de parte de prédio urbano em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de ....

b)      O prédio em causa tem um VPT de € 6 753 805,43, tendo unidades independentes afectas a estacionamento coberto, outras afectas a serviços e as restantes a habitação conforme se vê da caderneta predial respectiva.

c)       O requerente foi notificado do imposto de selo devido no montante de € 4 337,01, sendo o valor a pagar em Abril de 2014 de € 2 838,70 o que foi satisfeito em 14 do referido mês.

d)     O VPT total das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional é de € 3 296 559,48,com referência a 2013.

e)      A AT fez o apuramento do IS individualmente a cada uma das partes susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e procedeu à sua notificação também individual.

f)       Das referidas notas de notificação, verifica-se que em nenhuma delas o VPT tributado é igual ou superior a € 1 000 000,00.

 

3 – Do Direito

 

3.1 – Quanto a IS

 

a)      A questão de direito a resolver em primeiro lugar é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a € 1000 000,00.

b)      Tendo em conta que o CIS[8] remete para o CIMI[9] a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS),é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão.

c)      O conceito generalista de prédio consta no artigo 2º do CIMI. No artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afectação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos.

d)     O artigo 6º do citado CIMI divide os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.

e)      No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional (17); 3 afectas a serviços e 2 a estacionamento coberto.

f)       Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, na medida em que elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa singular ou colectiva, no caso concreto a uma herança indivisa.

g)      Nos termos do nº 4 do artigo 2º do CIMI cada fracção autónoma, no regime de            propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio, mas não existe nada na lei que permita fazer a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical relativamente à sua identificação como prédios urbanos habitacionais.

h)      A AT ao fazer a tributação em IS fez o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, considerando-as, individualmente, como um prédio, só que a final considerou o VPT global e verificando ser superior a € 1000 000,00,somou os valores de IS apurado unitariamente.

 

i)        Mas este somatório de valores não tem suporte legal, uma vez que, nenhuma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, preenchendo cada   uma delas o conceito de prédio enunciado no artigo 2º do CIMI e assim considerado pela AT, na tributação, tem um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, requisito exigível para haver tributação em IS, logo não havia lugar ao seu apuramento .

j)        Nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, a legislação aplicável é a mesma.

k)      O critério de tributação tem que ser uniforme, isto é, se uma fracção habitacional de um prédio em propriedade horizontal só é tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a € 1 000 000,00, igualmente um andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical com afectação habitacional só será tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a € 1 000 000,00.

l)        Como já se disse o andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical reúne o conceito de prédio estabelecido no Código do IMI, tal como as fracções autónomas dos prédios em propriedade horizontal.

m)    Assim é tratado pela AT quando procedeu à sua avaliação, ao apuramento do IMI, do IS e também quando expurga a parte não habitacional.

n)      Ao não seguir o mesmo critério quando pretende fazer a tributação em IS pode incumprir o nº 3 do artigo 104º da CRP[10];

o)      Na verdade, uma outra empresa ou cidadão que tenha um prédio ao lado, com a mesma estrutura, utilização e VPT, mas em propriedade horizontal, não seria tributado em IS o que manifestamente contrairia a norma constitucional referida que prevê a tributação do património como contributo para a igualdade entre cidadãos.

p)      Nesta perspectiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com destino ou afectação habitacional tem VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 forçoso é concluir que os actos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS.

 

3.2  – Quanto ao pedido de juros indemnizatórios.

a)      O requerente para além da anulação do IS em causa ( 4 337,01) solicita o pagamento de Juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43º e artigo 100º da LGT, dado ter havido pagamento indevido da prestação tributária .

b)      O tribunal entende que, face à ilegalidade dos actos de liquidação, ao serem-lhe      devolvidas as importâncias pagas indevidamente, deverão ser  acrescidas de juros indemnizatórios ao abrigo do nº1 do artigo 43º da LGT e artigo 61º do CPPT.

 

 

IV – DISPOSITIVO

 

Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:

 

a)      Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação dos actos de liquidação do IS aqui impugnados e a devolução das prestações indevidamente pagas ( € 4 337,01)

b)      Declarar a obrigatoriedade da AT pagar juros indemnizatórios à requerente, à taxa legal, desde a data dos pagamentos das prestações em causa e a data em que ocorra o reembolso.

c)      Fixar o valor do processo em € 4 337,01 tendo em vista as disposições contidas no artigo 299º nº 1 do CPC[11],97-A do CPPT[12] e artigo 3º nº 2 do RCPAT[13];

d)     Custas a cargo da requerida, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixando o seu montante em € 612,00 de harmonia com a tabela I do RCPAT.

 

Notifique

 

 

Lisboa, 05 de Dezembro de 2014

 

texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131,nº5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1,alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.

 

O árbitro singular,

 

Arlindo José Francisco



[1] Acrónimo de Número de Identificação Fiscal

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Imposto do Selo

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo

[7] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário

[8] Acrónimo de Código do Imposto do Selo

[9] Acrónimo de Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis

[10] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa

[11] Acrónimo de Código de Processo Civil

[12] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[13] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária