Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 409/2014-T
Data da decisão: 2015-01-08  IVA  
Valor do pedido: € 11.934,00
Tema: IVA – direito à dedução das SGPS
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 409/2014 – T

Tema:IVA – direito à dedução das SGPS

 

            Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Filipa Barros e Dr. José Poças Falcão (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-08-2014, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

“A”, SGPS, S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), pessoa colectiva número …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com sede na Avenida …, n.º…, na freguesia de …, em Lisboa, requereu, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade e anulação das seguintes liquidações de IVA relativas ao ano de 2011, juros compensatórios e juros de mora:

NATUREZA

N.º LIQUIDAÇÃO

PERÍODO

VALOR

IVA

2011/01

119.511,54

IVA

2011/02

6.700,48

IVA

2011/03

22.425,00

IVA

2011/04

88.123,44

IVA

2011/05

37.996,40

IVA

2011/06

27.324,87

IVA

2011/07

124.556,78

IVA

2011/08

73.051,62

IVA

2011/09

21.388,83

IVA

2011/10

40.855,16

IVA

2013…

2013/03

167.988,01

IVA

2013…

2013/04

58.235,49

Subtotal de IVA

 

 

788.157,62

Juros compensatórios

2011/01

13.188,84

Juros compensatórios

2011/02

715,94

Juros compensatórios

2011/03

2.324,83

Juros compensatórios

2011/04

8.807,52

Juros compensatórios

2011/05

3.680,97

Juros compensatórios

2011/06

2.557,31

Juros compensatórios

2011/07

11.206,70

Juros compensatórios

2011/08

6.348,49

Juros compensatórios

2011/09 

1.786,11

Juros compensatórios

2011/10 

3.268,41

Juros de mora

2013/03 

6.666,80

Juros de mora

2013/04 

1.999,09

Subtotal de juros

 

 

62.551,01

Total

 

 

850.708,63

 

A Requerente pede ainda indemnização pelos prejuízos decorrentes da prestação de garantia indevida calculada com base nos custos incorridos com a prestação da mesma, acrescidos de juros à taxa legal calculados sobre esses custos e contados desde as datas em que tenham sido incorridos até â data em que a requerente seja ressarcida dos mesmos.

A título subsidiário, a Requerente pede reenvio prejudicial para o TJUE.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros o Dr. Jorge Lopes de Sousa, a Dr.ª Filipa Barros e a Dr.ª Marta Gaudêncio, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 18-07-2014, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 04-08-2014.

Posteriormente, o Conselho Deontológico designou como árbitro o Dr. José Poças Falcão, em substituição da Dr.ª Marta Gaudêncio.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que suscitou uma excepção de inimpugnabilidade das liquidações n.ºs 2013…, 2013…, 2014.. e 2014…, no valor global de € 234.889,39, por terem sido anuladas antes da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, defendendo que essa anulação deve ser tida em conta para efeitos de fixação do valor da causa e responsabilidade por custas. Quanto ao restante, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

A Requerente apresentou resposta por escrito à excepção, defendendo que as dívidas referidas nas liquidações que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz terem sido anuladas foram cobradas por compensação.

Em resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira veio dizer que as liquidações n.ºs 2013…e 2013… foram substituídas e não anuladas e restringir a excepção invocada às liquidações de juros de mora n.ºs 2014… e 2014…

No dia 16-10-2014, teve lugar uma reunião em que foi produzida prova testemunhal, tendo-se acordado que o processo prosseguiria com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            O processo não enferma de nulidades.

 

            2. Matéria de facto

 

            2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente é uma sociedade comercial, com sede em território nacional, que exerce a actividade de gestão de participações sociais, a que corresponde o CAE …, e presta serviços técnicos de administração e gestão às sociedades por si participadas;

b)      Para efeitos de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º Código do IVA;

c)      A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou um procedimento externo de inspecção de âmbito geral, relativo ao exercício de 2011, efetuado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI…, de 30-04-2013;

d)     Nesse procedimento foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III.2. Imposto em falta - IVA

III.2.1. Dedução indevida do imposto: € 788.157,62

(A) Descrição dos factos praticados pelo sujeito passivo inspecionado

Da análise das declarações periódicas de IVA, submetidas pelo sujeito passivo referentes ao período de imposto compreendido no âmbito temporal do presente procedimento inspetivo, e os registos contabilísticos (conta «2432 - IVA dedutível») do mesmo período, verificou-se ter o sujeito passivo inscrito valores de imposto a deduzir, que têm a sua origem em IVA que incidiu sobre aquisições de imobilizado e outros bens e serviços, no montante total de € 1.447.464,53, valor este que corresponde de forma integral ao total de imposto que foi objeto de dedução no período.

Entende o sujeito passivo, na análise que fez à utilização dos recursos em que suportou o imposto, estarem estes exclusivamente afetos ao que entende ser a atividade global da SGPS, que na sua opinião desenvolve uma atividade económica única remunerada, sendo portanto os recursos utilizados na prática de operações sujeitas a IVA e dele não isentas. Considera assim, que a dedutibilidade da totalidade do imposto suportado no período, se encontra em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 19° do Código do IVA (CIVA) que estabelece:

"Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram (...) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços (. ..)"

Observada a origem dos valores do imposto, verifica-se que o total deduzido pelo sujeito passivo resulta da prática das seguintes operações tributáveis:

• Aquisição de imobilizado: € 117.855,16;

• Aquisição de outros bens e serviços: € 1.329.609,37;

(...)

(D1) A atividade da “A” SGPS S.A.

Em termos de caixa, o sujeito passivo obteve um rendimento efetivo com a gestão das participações que se traduziu, no recebimento no período, de dividendos no montante de  261.806.096.

(...)

distingue-se claramente a atividade de gestão de participações sociais como aquela de maior importância, porquanto se mostra como a mais preponderante em termos de volume de negócios, constituindo-se assim como a atividade principal, e consequentemente entende-se as restantes atividades permitidas às SGPS, nomeadamente a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das suas subsidiárias, como de caráter acessório (...).

(...)

para efeitos de enquadramento em sede de IVA, o sujeito passivo enquadra-se como o que comummente se passou a designar de "sujeito passivo misto", ou melhor, "sujeito passivo parcial", com uma atividade principal (a gestão de participações sociais) que não constitui uma atividade económica para efeitos de IVA e como tal não confere direito à dedução de imposto suportado nos seus inputs, mas que exerce simultaneamente operações enquadradas no conceito de atividade económica, como a prestação de serviços (que confere direito a dedução) e a concessão de crédito às suas participadas (operação isenta).

(...)

Na análise efetuada, verifica-se que o sujeito passivo dotou-se de uma estrutura material e humana que lhe permite gerir, não só as participações sociais, mas como igualmente conceder empréstimos e prestar serviços técnicos às participadas.

(...)

Estabelecendo-se a "gestão de participações sociais" como a atividade principal, e uma clara separação das atividades praticadas em função da sua natureza e importância, fica-se certo da existência de colaboradores dedicados à atividade não económica para efeitos de IVA, e que os recursos afetos exclusivamente a esta atividade seguem o regime da atividade desta, e por consequência, não estão abrangidos pelo regime de dedução do IVA.

(...)

(02) Os custos de acionistas / gastos suportados em benefício da atividade principal

(...)

São estes os gastos onerados com IVA, que o sujeito passivo incorreu, no presente exercício, para a realização, entre outras, das operações a seguir identificadas relacionadas com os seus investimentos, e que se entenderam como as melhores na prossecução dos objetivos da “A”:

- na defesa da sua posição acionista na “B” no âmbito do processo de arbitragem que a opõe á sociedade “C”;

- na aquisição da totalidade da participação financeira na subsidiária “D”;

- no reforço da posição acionista direta na “B” para 10,86%;

- no reforço da posição acionista na “E” para 45,96% correspondente a 78,10% dos direitos de voto;

- na celebração de um contrato de compra e venda tendente à aquisição de uma participação representativa de 50% do capital social da “F” S.A., uma empresa … sedeada no sul do Brasil.

Através da análise da amostragem realizada, constatou-se que o sujeito passivo considerou que a totalidade dos encargos suportados estariam afetos à atividade sujeita a IVA que, como já se demonstrou, na ”A” constitui a atividade acessória de prestação de serviços. Ou seja, verifica-se que o sujeito passivo no tratamento do IVA não distinguiu entre os bens e serviços adquiridos, aqueles que se considera de utilização exclusiva nas atividades exercidas que não conferem direito à dedução do IVA suportado, nomeadamente na sua atividade principal.

(...)

Resulta da identificação de um conjunto de operações consubstanciadas na aquisição de serviços especializados a terceiros, que pela sua natureza e fim encontram justificação num quadro de gestão do património do sujeito passivo, como objetivo dele retirar receitas (essencialmente sob a forma de dividendos e juros) que remete a atividade da gestão de participações sociais para fora do campo de incidência do imposto sobre o valor acrescentado. Neste contexto, o IVA suportado na atividade principal e que se apurou como tendo sido deduzido no período, no montante total de € 597.606,15 não é dedutível por falta de enquadramento no disposto pelo artigo 20° do Código do IVA.

(...)

(03) Da não consideração dos gastos afetos à atividade principal como «custos gerais»

(...)

Aliás, da análise efetuada à atividade de prestação de serviços, em que de acordo com o sujeito passivo, os preços praticados (cujas taxas horárias se situam num intervalo entre os € 350/hora e os € 370/hora) nos honorários cobrados "são determinados (..) de forma a cobrir todas as despesas diretas e indiretas incorridas pela “A” com a prestação desses serviços" (vide Relatório sobre Preços de Transferência, pago 29) verifica-se que se esta atividade tributável, se tratada de forma autónoma, isto é, individualmente, considerando que todos os recursos utilizados pelo sujeito passivo se destinam e estão afetos exclusivamente a ela mostra-se claramente deficitária, onde os rendimentos obtidos se mostram declaradamente inferiores aos gastos incorridos.

Com efeito, para um volume de negócios declarado de € 2.784.168 o sujeito passivo declara incorrer em gastos gerais, e aqui contemplam os gastos com fornecimentos e serviços e com o pessoal, que totalizam o montante de € 19.447.437.

(...)

Se, num hipotético exercício, considerarmos a aplicação da chave de imputação (apurada no subponto 05 deste relatório) de 15,40%, correspondente ao peso (em horas-homem) dos recursos que o sujeito passivo demonstrou estarem diretamente afetos à prestação de serviços (v. Anexo n.º 5), ao montante dos gastos com o pessoal que ascendem a € 13.737.577 (vide conta «63 - gasto com o pessoal») apuramos um custo direto suportado de € 2.115.587.

Deduzindo este valor ao total da prestação de serviços, apura-se um resultado operacional de € 668.581 que de acordo com o sujeito passivo cobre "todas as despesas diretas e indiretas incorridas" com a prestação de serviços às participadas, e aqui inclui-se os serviços adquiridos a terceiros e os encargos com o restante pessoal que de forma indireta, presta auxilio à atividade tributavel.

Não se vislumbra como pode um resultado de € 668.581 refletir por exemplo os gastos com fornecimentos e serviços que no exercício atingem o montante de € 5.403.112 os quais constituem parte substancial da base do IVA deduzido.

(...)

Da análise efetuada não resultou qualquer evidência que o IVA deduzido pelo sujeito passivo respeitasse a serviços que, de forma integral e exclusiva, apresentassem um nexo direto, imediato e inequívoco com as prestações de serviços tributadas efetuadas a montante, constituindo-se assim como custos gerais, e como tal constitutivos do preço dos serviços prestados. Ora nos termos do artigo 1° da «Diretiva IVA», só o montante do IVA que tenha diretamente onerado o custo dos diversos elementos constitutivos do preço de uma operação sujeita a imposto pode ser deduzido.

(04) O imposto suportado no exercício da atividade mista

Do conjunto de operações analisadas e que, na ótica do Sujeito passivo, justificam a dedução de IVA no montante de € 1.447.464,53, demonstrou-se no ponto anterior que foi indevidamente deduzido IVA no valor de € 597.606,15 relativo a bens/serviços adquiridos exclusivamente para uso da atividade não sujeita a IVA de gestão de participações sociais.

Assim, resta-nos determinar para o remanescente dos serviços adquiridos analisados e que não foi possível proceder a afetação integral a uma das atividades da empresa, e que por isso se enquadram como despesas comuns as diferentes atividades da empresa, qual a parte do imposto suportado na sua aquisição que é afeta à atividade de prestação de serviços e por isso se verifica o direito à dedução.

Face ao ante exposto, para a atividade considerada como mista, o montante agora em análise é de € 225.238,14 e corresponde à diferença entre o total do IVA deduzido nas operações analisadas (€ 1.224.951,08) e o total do IVA analisado no ponto D2 (€ 999.712,94) conforme Anexo n.º 3.

Dado o fim a que se destinam, comum às várias atividades, e aqui identificam-se as despesas com rendas, condomínios, manutenção e limpeza, imobilizado e equipamento administrativo, recomenda-se que o cálculo da dedução do IVA suportado se baseie na afetação real, ainda que com base em critérios ou chaves de repartição que permitam a dedução do IVA suportado, na aquisição de bens e serviços, na proporção da utilização destes na atividade tributada.

(...)

(05) A chave de repartição ou imputação

Considerando que parte dos colaboradores da “A” encontra-se afeto à atividade principal de gestão de participações sociais (v. conclusões do ponto D1 anterior), e consequentemente não se aceitando, conforme referido pelo sujeito passivo, que a totalidade dos colaboradores identificados, direta ou indiretamente, trabalham exclusivamente no sentido de prestar serviços técnicos às participadas, é nossa convicção que uma repartição das despesas de utilização mista, seja feita, tendo por exemplo, subjacente a utilização dos recursos humanos.

Se parte destes recursos está associada à atividade remunerada, resulta com base no tempo despendido na atividade tributada, a definição de um rácio horas-homem, que se encontra em linha com a jurisprudência aplicável.

Assim, estando em causa um conjunto de bens e serviços relacionados com rendas de espaços, imobilizado entre outros, a aplicação de uma chave de imputação com base nos tempo de util1zação destes recursos, que respeita a realidade da empresa nomeadamente quanto à forma como procede à quantificação do proveito a debitar às participadas com base no número de horas, mostra ser, em nossa opinião, um critério adequado por refletir a parte em que aqueles recursos foi afeta à prestação de serviços sujeita a IVA.

Decorre assim, que do total de tempo despendido pelos colaboradores na realização da atividade global da “A”, apenas o utilizado na prossecução da atividade sujeita e não isenta, têm uma relação direta com a atividade tributada.

Para efeitos dos cálculos efetuados, os pressupostos considerados na presente análise visando a simplificação do processo, foram

i. Um total de 227 dias úteis/ano (não se considerou aqui o mês de agosto a título de férias) com um horário de trabalho de 8 horas diárias, o que perfaz 1.816 horas/ano imputadas a cada colaborador da “A” na sua atividade global;

ii. Que os recursos humanos utilizados pela “A” na sua atividade global correspondem a um efetivo de colaboradores identificados no Modelo 10 entregue pela empresa como tendo auferido rendimentos de trabalho dependente;

III. Para efeitos do cálculo do número total de horas elegíveis de trabalho dos colaboradores da “A”, considerou-se que os membros dos órgãos sociais (CA, CF, AG) sem funções executivas exerciam o mandato ocasionalmente ou em tempo parcial não quantificável;

iv. Tendo por base os mapas que constituem o Anexo n° 6, foi afetado a esta atividade da prestação de serviços um total de 7.830 horas por parte de 11 dos 37 colaboradores identificados;

v. Que todos os colaboradores que intervieram na prestação de serviços, ainda que alguns estejam em permanência nas instalações das sociedades participadas, utilizaram de forma igualas recursos da “A”;

Face aos recursos utilizados pelo sujeito passivo no conjunto das suas atividades, aqui traduzido em horas/homem, a parte afeta à atividade sujeita a IVA e não isenta (prestação de serviços técnicos), relativamente aos quais o imposto suportado confere direito à dedução corresponde a 15,40% do total dos recursos consumidos, conforme cálculos evidenciados no Anexo n.º 5, e que aqui se resumem no seguinte quadro:

Atendendo ao conjunto de despesas com a aquisição de bens e serviços, aqui consubstanciados na despesa com imobilizado diverso, obras de reparação e manutenção, rendas, condomínios e ações de formação, cuja análise revelou que pela sua natureza e fim remetem para uma utilização não exclusiva de uma única atividade, mas sim pelo conjunto das suas atividades, o total apurado do IVA suportado afeto totaliza o montante de € 225.238,14. Donde pela aplicação da chave de repartição apurada, resulta um total de imposto não dedutível no valor de € 190.551,47 conforme apuramento efetuado (Anexo n.o 7), e que se resume no seguinte quadro:

Em resumo

Pela aplicação do Ofício-Circulado n.º …, para a definição de uma chave de repartição, com vista ao apuramento da parte proporcional ao cômputo da atividade económica tributada em IVA no total da atividade da “A”, resultou no apuramento de uma taxa de imputação de 15,40% que nos afigura legítima, atendendo à condição de sujeito passivo misto, e face ao peso da atividade tributável na atividade global. Decorre daqui o apuramento de IVA considerado como indevidamente deduzido, nos termos do artigo 23° do CIVA, o montante de € 190.551,47.

(E) Conclusão

Os fundamentos aduzidos conduzem à nossa conclusão que o sujeito passivo deduziu indevidamente o IVA suportado na aquisição de serviços diversos que não foram utilizados na atividade de prestação de serviços técnicos de administração e gestão sujeitos a IVA e dele não isentos, o que se traduz na violação do disposto no artigo 20°, n.º 1 do CIVA.

Em síntese, considera-se demonstrado que:

1. O sujeito passivo na qualidade de SGPS exerce a título principal a atividade de gestão de participações sociais, como forma indireta do exercício da atividade económica (n.º 1 do Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de dezembro), que assume uma natureza não económica na perspetiva do IVA (§ 32 do acórdão do TJUE de 6 de setembro de 2012, Portugal Telecom, Processo C-496/11 e respetivas remissões);

2. Acessoriamente, o sujeito passivo presta serviços técnicos remunerados de administração e gestão às sociedades suas participadas, que se consubstancia numa atividade económica sujeita a IVA, concedendo igualmente empréstimos, pelos quais recebe um juro, constituindo esta o exercício de uma atividade económica isenta;

3. Ora, estando em causa o exercício simultâneo, por parte da mesma sociedade, de operações fora do campo de incidência do IVA, de operações sujeitas a IVA que conferem o direito à dedução (art. 20°, n.º 1, do CIVA), e outras que sujeitas mas isentas (art. 9°, n.º 27°, alínea a), do CIVA), a dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços não é integral;

4. O IVA incorrido com os recursos consumidos, que o sujeito passivo afetou na totalidade à atividade económica de prestação de serviços técnicos, foi integralmente deduzido por este, no montante de € 1.447.464,53;

5. Não se contesta aqui o facto do sujeito passivo poder deduzir o IVA suportado, mas face ao conjunto de todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, determinar, da totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços, o montante que é dedutível;

6. Para o exercício da atividade principal, o sujeito passivo dotou-se de uma estrutura humana e material consumidora de recursos que só encontra justificação face ao património existente da “A”, traduzido em participações financeiras que lhe dão o controlo de três grupos económicos,

7. Na análise dos recursos consumidos, foram identificados um conjunto de operações consubstanciadas na aquisição de serviços especializados, que se demonstrou terem sido realizados no exclusivo interesse da holding, e como tal não apresentam um nexo direto e imediato com as operações tributáveis a jusante, não fazendo parte dos elementos constitutivos do preços dos serviços técnicos prestados pelo sujeito passivo;

8. Daqui decorre que o IVA que incidiu sobre os inputs aqui em causa e que se apurou como tendo sido deduzidos no período, não são dedutíveis por falta de enquadramento no disposto pelo artigo 200 do Código do IVA, no montante total de € 597.606,15 (ver ponto 02);

9. Adicionalmente, foram identificados um conjunto de encargos relacionados, entre outros, com formação, imobilizado, obras de manutenção e conservação e rendas dos espaços utilizados, no montante de € 225.238,14 que se considera serem de utilização conjunta na realização da atividade global do sujeito passivo;

10. Foi determinada uma chave de repartição de 15,40% com base num rácio horas-homem tendo em consideração o total de horas afetas à prestação de serviços técnicos, que corresponde à parte proporcional ao cômputo da atividade económica tributada em IVA no total da atividade da “A”. Pela aplicação da referida chave de repartição, resulta que a parte do imposto imputado aos recursos não utilizados na atividade de prestação de serviços tributável ascende ao valor de E 190.551,47 (ver ponto 03);

Concluindo, resulta assim do total do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços que o sujeito passivo deduziu no exercício, e que foi objeto de análise, que face aos argumentos aduzidos neste relatório, será efetuada uma correção no montante de € 788.157,62 (€ 597.606,15 + € 190.551,47) nos termos dos artigos 20° e 23º do CIVA, cuja regularização se materializará em diferentes períodos do imposto.

 

e)      Em 18-12-2013, a Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária e das correcções efectuadas com base nele (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)       Na sequência das correcções referidas a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou as seguintes liquidações:

 

NATUREZA

N.º LIQUIDAÇÃO

PERÍODO

VALOR

IVA

2011/01

119.511,54

IVA

2011/02

6.700,48

IVA

2011/03

22.425,00

IVA

2011/04

88.123,44

IVA

2011/05

37.996,40

IVA

2011/06

27.324,87

IVA

2011/07

124.556,78

IVA

2011/08

73.051,62

IVA

2011/09

21.388,83

IVA

2011/10

40.855,16

IVA

2013…

2013/03

167.988,01

IVA

2013…

2013/04

58.235,49

Subtotal de IVA

 

 

788.157,62

Juros compensatórios

2011/01

13.188,84

Juros compensatórios

2011/02

715,94

Juros compensatórios

2011/03

2.324,83

Juros compensatórios

2011/04

8.807,52

Juros compensatórios

2011/05

3.680,97

Juros compensatórios

2011/06

2.557,31

Juros compensatórios

2011/07

11.206,70

Juros compensatórios

2011/08

6.348,49

Juros compensatórios

2011/09 

1.786,11

Juros compensatórios

2011/10 

3.268,41

Subtotal de juros

 

 

53.885,12

Total

 

 

842.042,74

 

g)      As liquidações n.ºs 2013… e 2013…2 têm data limite de pagamento voluntário de 03-03-2014, e as restantes têm data limite de pagamento voluntário de 31-03-2014 (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos); 

h)      Foram efectuadas ainda as liquidações de juros de mora n.ºs 2014 … e 2014 …, que foram anuladas em 20-03-2014 (documentos n.ºs 2_1.4 e 2_2.4, juntos com a resposta);

i)        A Requerente acompanha e assessora a gestão das suas participadas (depoimentos das testemunhas “G” e “H”);

j)        No ano de 2011, a Requerente tinha ao seu serviço 37 pessoas, incluindo 13 membros dos órgãos sociais que exerceram o mandato em tempo parcial ou ocasionalmente, tendo em média cerca de 25 pessoas em tempo inteiro ao seu serviço (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimentos das testemunhas “G” e “H”);

k)      No ano de 2011, a Requerente facturou às suas participadas as seguintes prestações de serviços (documentos n.ºs 6 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

 

“I”

“E”

“D”

 

l)        No ano de 2011, a Requerente liquidou IVA sobre as prestações de serviços realizadas no valor total de € 640.358,64 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

m)    O IVA incorrido com os recursos consumidos, que Requerente afectou na totalidade à actividade económica de prestação de serviços técnicos, foi integralmente deduzido por ela, no montante de € 1.447.464,53 (Relatório da Inspecção Tributária, página 16);

n)      No ano de 2001, a Requerente recebeu de juros de financiamentos concedidos às suas participadas a quantia de € 1.926,017,00 (Relatório da Inspecção Tributária, página 23);

o)      As aquisições de participações sociais pela Requerente ocorrem raramente e nenhuma ocorreu no ano de 2011 (depoimento da testemunha “G”)

p)      No ano de 2011 a “A” procedeu à alienação de acções da “J” e de direitos de subscrição do Banco “K”, não tendo sido identificados recursos onerados com IVA exclusivamente afectos a estas operações (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

q)      No ano 2011, os recursos afectos pela Requerente exclusivamente a operações materiais de percepção de dividendos (“J”e “L”) consistiram, unicamente, em comissões bancárias, sendo o valor de IVA incorrido na aquisição de recursos exclusivamente afectos ao recebimento de dividendos é de € 43,71, não tendo a “A” deduzido este montante de imposto (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

r)       No ano de 2011, as aquisições pela Requerente de bens e serviços exclusivamente afectos à concessão de crédito às sociedades participadas traduziram-se unicamente em comissões bancárias, relativamente às quais a Requerente não deduziu IVA (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

s)       No ano de 2011, o IVA incorrido na aquisição pela Requerente de recursos de utilização mista imputáveis à alienação de participações sociais cifrou-se em € 169,12 (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

t)       No ano de 2011, o IVA incorrido na aquisição pela Requerente de recursos de utilização mista imputáveis ao recebimento de dividendos totaliza € 384,33 (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

u)      No ano de 2011, a percentagem do número de registos contabilísticos respeitantes à alienação de participações sociais em relação ao total de registos contabilísticos é de 0,0473% (2 num total de 4.224) (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

v)      No ano de 2011, a percentagem do número de registos contabilísticos respeitantes ao recebimento de dividendos em relação ao total de registos contabilísticos é de 0,2841% (12 num total de 4.224) (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

w)    A Requerente, em 16-05-2014, prestou uma garantia bancária no valor de € 780.998,39, para suspender a execução fiscal n.º …, instaurada para cobrança da liquidação adicional de IVA relativa ao ano de 2011 (documento n.º 31 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

x)      A Requerente recebe dividendos uma vez por ano e paga aos seus accionistas uma vez por ano (depoimento da testemunha “G”);

y)      A Requerente recebe juros duas ou três vezes por ano (depoimento da testemunha “G”);

z)      A Requerente só pontualmente faz empréstimos às suas participadas que não implicam análise de riscos (depoimento da testemunha “G”);

aa)   A actividade da Requerente de gestão de participações sociais é diminuta e nela são consumidos poucos recursos humanos (depoimento da testemunha “G”);

bb)  Os colaboradores e os recursos produtivos da “A” são utilizados esmagadoramente na actividade de prestação de serviços às suas participadas de longa data, consubstanciados no acompanhamento diário da sua actividade e gestão, sendo insignificante e ocasional a parcela destes recursos afecta à componente do financiamento destas ou ao recebimento de dividendos (depoimento da testemunha “G”);

cc)   Na fixação da remuneração devida à “A” pelos serviços prestados intervieram, por vontade das partes (“A” e respectivas participadas) dois factores: (a) € 350/hora nos casos da “E” e “I” e € 370/hora no caso da “D”) e (b) horas de 11 colaboradores da “A” (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimentos das testemunhas “G” e “H”);

dd) Os 11 colaboradores referidos são os que entram em contacto com as participadas (depoimentos das testemunhas “G” e “H”);

ee)   A actividade dos 11 trabalhadores referidos não podia ser levada a cabo da forma que é se não houvesse a colaboração de todos os restantes trabalhadores da Requerente (depoimentos das testemunhas “G” e “H”);

ff)     Os colaboradores da “A” e os seus recursos produtivos em geral são utilizados na actividade de prestação de serviços às participadas, consubstanciados no acompanhamento diário da sua actividade e gestão, sendo insignificante ou irrisório, e ocasional, a parcela destes recursos afecta a outras tarefas, designadamente tarefas de recepção de dividendos e juros (depoimentos das testemunhas “G” e “H”);

gg)  Em 30-05-2014, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha comunicado à Requerente, através de envio de notificação para a caixa electrónica VIA CTT desta, a anulação das liquidações de juros de mora n.ºs 2014… e 2014 ….

Embora a Autoridade Tributária e Aduaneira refira, no artigo 11.º da sua resposta, que efectuou essa notificação e invoque o «documento n.º 3», o documento que juntou não faz referência àquelas liquidações, nem à sua anulação, justificando-se, assim, que a Requerente tenha respondido à excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na convicção de que tal anulação não tinha ocorrido.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os juízos probatórios no Relatório da Inspecção Tributária e nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e ainda, nos pontos indicados, nos depoimentos das testemunhas “G” e “H”, que mostraram ter conhecimento do funcionamento da Requerente e aparentaram depor com isenção.

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não basta a Requerente afirmar que se tratam de despesas gerais da sua actividade, impondo-se, nos termos do artigo 74.º da LGT, que houvesse cumprido com o ónus que se lhe encontra acometido, sendo irrelevantes neste âmbito quer a prova por documento interno ou testemunhas.

É manifesto, porém, que não há qualquer limitação a atender quanto a meios de prova, pois o CPPT é aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT artigo, e no artigo 115.º, n.º 1, daquele Código estabelece-se que «são admitidos os meios gerais de prova».

Por outro lado, todo o direito à dedução exercido pela Requerente foi baseado em documentos, sendo com base neles que a Autoridade Tributária e Aduaneira determinou os montantes que foram deduzidos.

E, apesar de Autoridade Tributária e Aduaneira referir «as facturas emitidas pelo sujeito passivo, a jusante, no âmbito da actividade remunerada, não especificam em concreto os serviços realizados, contendo o descritivo a designação genérica de “prestação de serviços técnicos de administração e gestão", o que torna difícil estabelecer uma correlação com a diversidade de encargos relativamente aos quais entende o sujeito passivo estar legitimamente a deduzir o imposto suportado» o certo é que tal alegada dificuldade não a impediu de concluir que «estamos perante despesas que respeitam à própria sociedade e são realizadas no seu interesse exclusivo, não se conseguindo estabelecer qualquer relação de utilização entre estes recursos e a actividade tributada, as quais sempre seriam incorridas, independentemente, do facto de a Requerente prestar quaisquer serviços acessórios às suas participadas, não apresentando um nexo directo, imediato ou inequívoco, ou sequer reflexo, com essas mesmas actividades tributadas, e não onerando o preço das operações praticadas a jusante».

Ainda por outro lado, não é alegada e demonstrada pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer irregularidade contabilística ou recusa de apresentação de documentos por parte da Requerente que inviabilizam a determinação exacta da sua actividade relevante para efeitos de IVA, pelo que é forçoso concluir que a duvida que possa existir sobre qualquer ponto da matéria de facto tem de ser valorada processualmente a favor da Requerente, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que estabelece que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

           

3. Excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou excepção da inimpugnabilidade relativamente às liquidações de IVA n.ºs 2013… e 2013… e às liquidações de juros de mora n.ºs 2014… e 2014…, por terem sido anuladas.

Relativamente às duas primeiras, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio reconhecer que não tinham sido anuladas, restringindo a excepção às duas últimas.

Confirmou-se que as referidas liquidações foram anuladas, mas não que a anulação tivesse sido comunicada à Requerente antes da data em que apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

A anulação das liquidações referidas, implica a falta de objecto do pedido de pronúncia arbitral na parte em que se pede a sua anulação, o que consubstancia impossibilidade da lide nessa parte.

Por isso, procede a excepção da falta de objecto (que a Autoridade Tributária e Aduaneira impropriamente qualifica como de inimpugnabilidade), quanto ao pedido de anulação das liquidações n.ºs 2014… e 2014….

 

4. Matéria de direito

           

            4.1. Posição da Requerente

 

A Requerente defende, em suma,

– o direito à dedução de IVA nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados numa actividade que confere direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos; Será irrelevante a natureza da entidade, devendo ter-se em conta a actividade e a relação com esta dos recursos onerados com IVA;

– a actividade de gestão de participações sociais é considerada uma actividade económica “quando a participação é acompanhada pela interferência directa ou indirecta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação, sem prejuízo dos direitos que o detentor da participação tenha na qualidade de accionista ou de sócio”;

– estando demonstrado que a actividade levada a efeito pela Requerente é económica por aplicação dos critérios e parâmetros de interpretação uniforme da Directiva IVA traçados pelo TJUE, todos os argumentos da Autoridade Tributária e Aduaneira que se estribam na identificação de uma “actividade não económica” falecem sustentação, e soçobra o seu alicerce, que é o de que foram consumidos recursos de forma substancial por parte de uma actividade não económica que seria (mas não é) a actividade principal da Requerente;

– assim sendo, aos inputs [bens e serviços] adquiridos pela Requerente para esta actividade de gestão de participações interventiva nas sociedades participadas e com a realização de operações (transacções) tributadas em IVA, há-de assistir o direito à dedução;

– o recebimento de dividendos advém tão-só da titularidade das participações financeiras e que não tem dispêndio de recursos associado ou tem-no apenas de forma insignificante e negligenciável;

– o recebimento de dividendos não pode entrar no âmbito de aplicação do IVA, pois não constitui a contrapartida de qualquer actividade económica e deriva da “simples tomada de participações financeiras noutras empresas”;

– os dividendos, que resultam da detenção de participações, são estranhos ao sistema do direito à dedução, de onde decorre que devem ser excluídos do cálculo da percentagem de dedução;

– não estando a obtenção de dividendos relacionada com a actividade do titular da participação, nem com o consumo de recursos por parte desse titular (a aqui  Requerente), não podem os mesmos (dividendos) limitar a dedução do IVA incorrido ou influenciá-la de qualquer modo, sob pena de violação do princípio da neutralidade;

– dos rendimentos obtidos pela Requerente registados na sua contabilidade, apenas podem considerar-se como volume de negócios os resultantes da actividade desta;

– Quer os rendimentos derivados do método de equivalência patrimonial, quer os efectivos dividendos não relevam para efeitos de IVA, por os dividendos não terem na sua base, como uma actividade “accionista”, mas sim a actividade da sociedade participada e um conjunto de factores que a esta respeitam;

– a aplicação de um método de dedução (afectação real) que limite esse direito em moldes semelhantes aos que resultariam da aplicação de um pro rata de dedução que considerasse os dividendos como volume de negócios, dito de outro modo, que conduza a uma restrição substancial do direito à dedução (neste caso superior a 50% do total do IVA incorrido no período), desvirtua ilegalmente o mecanismo de neutralidade do IVA e contraria jurisprudência do TJUE;

– a qualidade de accionista não chega para justificar a dedução do IVA, mas não impede ou limitaria o direito à dedução;

– para receber juros de empréstimos às suas poucas e estáveis participadas (dominadas), ou para a actividade de concretizar esses mesmos empréstimos, a Requerente despende recursos insignificantes em face do conjunto de meios de que dispõe para acompanhar e assessorar (remuneradamente) diariamente a actividade das referidas participadas;

– os empréstimos aqui em causa têm um carácter instrumental e implicam uma actividade de peso insignificante  no dispêndio de recursos feito pela requerente, forçoso se torna concluir que não podem nem devem afectar o direito à dedução do IVA;

– numa actividade como a desenvolvida pela Requerente as despesas gerais não têm de se relacionar, especificamente, com qualquer factura individual do sujeito passivo de IVA, mas nem por isso a sua dedutibilidade em IVA é afectada, bastando que não haja razão para duvidar que os consumos/aquisições tiveram por objecto servir essa actividade.

 

A Requerente sugere ainda que, em caso de dúvida, se use o reenvio prejudicial para o TJUE. 

 

4.2. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em suma, o seguinte:

– Requerente configura-se como uma holding cujo objecto consiste na actividade de gestão de um conjunto de participações sociais noutras sociedades, as quais constituem os seus activos, do qual retira os frutos (sob a forma de dividendos, juros de empréstimos, etc) de que depende, quase em exclusivo para o cumprimento das obrigações que lhe são impostas e por si são assumidas;

– no que se refere às prestações de serviços às participadas é indubitável que é permitido às SGPS, em determinadas circunstâncias, desenvolver essas actividades (paralelamente à actividade de gestão de participações sociais) as quais são, no entanto, meramente acessórias daquela;

– a Requerente, no âmbito da sua actividade principal, necessita de contratar terceiras entidades para lhe prestarem determinados serviços indispensáveis à tomada de decisões com ela relacionadas, e que lhe permitam atingir os objectivos estratégicos do grupo por si representado;

– é isso que sucede com gastos com assessoria fiscal, consultoria jurídica e consultoria estratégica relativa à detenção, aquisição e alienação de participações sociais na qualidade de accionista e relacionadas com oportunidades de investimento e desinvestimento, desenvolvimento do negócio da sociedade e outros relacionados; com o cumprimento das obrigações da holding em matéria de revisão e apresentação de contas e relatórios de actividades; e com gastos de actividades inerentes à estrutura jurídica da própria holding que respeitam à administração da sociedade e serviços de secretariado, apoio administrativo e de consultoria relativo aos benefícios de reforma dos administradores da sociedade;

– estes gastos onerados com IVA foram necessariamente incorridos no interesse exclusivo da Requerente para a realização de operações relacionadas com os seus investimentos, enquanto sociedade gestora de participações sociais, com vista a melhor assegurar a gestão do seu património, de que está incumbida por força do seu objecto social;

– no que concerne aos bens e serviços de utilização mista, ou seja, de utilização conjunta na realização de operações não decorrentes de uma actividade económica e no exercício de actividades económicas (de que são mais relevantes, os encargos com a aquisição de equipamento administrativo e serviços relativos ao pagamento de rendas dos espaços utilizados e respetivos condomínios), no cálculo do IVA dedutível deve ser utilizado ao método da afectação real, com base em critérios ou chaves de repartição, que permitam a dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, na proporção da sua utilização na actividade tributada, que confere direito à dedução;

– os serviços de inspecção tributária, definiram a referida chave de imputação, tendo sido adoptado o critério da proporção entre horas/homem, efectuando a repartição dos custos em causa (bens e serviços de utilização mista) com base na efectiva utilização desses recursos, tendo em conta o tempo despendido nas referidas actividades, concluindo que o direito a dedução é de 15,4%;

– tendo a Requerente deduzido, integralmente, o IVA suportado no montante de € 1.447.464,53, nos termos do disposto nos artigos 20º e 23º do Código do IVA, foi efectuada a correcção no montante de € 788.157,62, dos quais € 597.606,15 referentes à aquisição de bens e serviços afectos exclusivamente à actividade principal de gestão de participações sociais, e € 190.551,47, relativos ao imposto indevidamente deduzido, por aplicação do critério de imputação da percentagem de 15,4% sobre o IVA contido na aquisição de bens e serviços de utilização mista;

– a simples aquisição e venda de participações sociais não constitui a exploração de um bem com vista à produção de receitas com carácter de permanência e como tal são consideradas como operações excluídas do conceito de actividade económica, pelo que não assiste à Requerente o direito de deduzir o IVA no montante de € 428,04;

– relativamente aos rendimentos derivados de juros são o resultado de uma prática reiterada de concessão de empréstimos por parte da Requerente, pelo que se trata “uma operação financeira isenta que afecta o pro rata de dedução” e não sobre uma operação financeira acessória e a Requerente estaria sujeita a um pro rata de dedução de 88%, sendo ilegal a dedução integral (100%) do imposto suportado a montante;

– no que concerne aos rendimentos decorrentes da prestação de serviços em que houve recurso a entidades terceiras, o IVA deduzido corresponde a imposto suportado na despesa com serviços especializados não têm uma efectiva conexão com a actividade tributada de prestação de serviços, pois estão em causa encargos próprios de apoio à gestão, ao controlo e à protecção do investimento e como tal no exclusivo interesse da Requerente enquanto SGPS, não sendo, nessa medida, passível de dedução; a revisão legal de contas, concepção e produção do relatório foi no exclusivo interesse da Requerente e está conexionada com a actividade accionista de gestão de participações sociais; o mesmo sucede com gastos com assessoria fiscal, consultoria jurídica e estratégica referente à detenção, aquisição e alienação de participações sociais e ainda relacionados com oportunidades de investimento e desinvestimento, desenvolvimento do negócio, honorários de advogados ou referentes à prestação de informação financeira e de mercados;

– no que respeita às despesas referentes a honorários pelos serviços prestados no âmbito da sua Comissão de Vencimentos, não estão relacionadas com operações de prestação de serviços técnicos de administração e gestão às participadas e, por conseguinte, com operações tributáveis que permitem a dedução e não se logrou demonstrar a relação directa e imediata destes inputs com a sua actividade tributada;

– quanto aos custos suportados com assessoria/consultadoria prestadas no âmbito do processo de arbitragem que opôs a “A” à “C” pelo controlo da “B”, estão relacionados com a actividade de aquisição, detenção e gestão de participações sociais desenvolvida pela Requerente, numa óptica de gestão do negócio e expansão da actividade, respeitando à própria Requerente, enquanto acionista, e não tendo qualquer nexo directo e imediato com a actividade tributada, na parte objecto de correcção;

– quanto ao método utilizado para calcular o valor de IVA dedutível, a Requerente jamais poderá ser considerada um sujeito passivo integral, isto é, com direito à dedução de 100% do IVA suportado a montante com a aquisição de bens e serviços, encontrando-se o seu direito à dedução quanto a estes bens limitado (cfr. artigo 173.º da Directiva IVA e artigo 23.º do Código do IVA).

 

4.3. Regime jurídico aplicável ao direito a dedução de IVA

 

De harmonia com o artigo 2.º da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, estão sujeitas ao IVA, para além de outras, as operações de entregas de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro, as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e as importações de bens.

Na mesma linha o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) estabelece no seu artigo 1.º que estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as importações de bens e as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Nos termos do artigo 9.º da Directiva «entende-se por "sujeito passivo" qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por "actividade económica" qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

O CIVA estabelece que são sujeitos passivos, além de outras, «as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)».

O direito à dedução surge no momento em que o imposto se torna exigível (artigo 167.º da Directiva n.º 2006/112/CE e artigo 22.º n.º 1, do CIVA) e, em regra, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributadas (artigos 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 20.º, n.º 1, do CIVA).

No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (artigos 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.ºs 1 e 2, do CIVA).

O pro rata de dedução é determinado para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo e resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigos 174.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.º 4, do CIVA).

 

O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior (artigos 177.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 23.º n.º 4, do CIVA).

De harmonia com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro ( [1] ) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Mas, o artigo 4.º, n.º 1, do mesmo diploma ( [2] ) permite às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações.

 

4.4. Jurisprudência do TJUE 

 

A primeira questão que é objecto do presente processo, enquadrada pela matéria de facto fixada, é a de saber se uma sociedade gestora de participações sociais que presta serviços às suas participadas e cujos colaboradores estão principal e quase exclusivamente afectos a essa prestação de serviços pode deduzir todo o IVA suportado a montante com a aquisição de bens e serviços, e inclusivamente o conexionado com actividades como a detenção de participações sociais, o recebimento de dividendos e juros derivados de empréstimos as suas participadas e os serviços indicados na matéria de facto fixada.

Neste contexto, por se estar perante uma situação semelhante, há que ter em conta a mais recente jurisprudência do TJUE, designadamente o acórdão 06-09-2012, proferido no processo n.º C-496/11.

Embora o acórdão tenha sido emitido aplicando o regime da 6.ª Directiva (n.º 77/388/CEE, de 17-5-1977) que foi revogada pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que entrou em vigor em 1-1-2007, o regime desta é essencialmente semelhante à anterior, no que aqui interessa, pelo que se deve fazer aplicação daquela jurisprudência a situação dos autos, apesar de estarem em causa factos ocorridos em 2008.

            Na verdade, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), o seu carácter vinculativo para os Tribunais nacionais quando têm de decidir questões conexas com do direito da União. ( [3] )

Designadamente, no que concerne ao regime das deduções de IVA, manifesta-se nesta Directiva n.º 2006/112/CE a preocupação na harmonização, no ponto 39 do Preâmbulo, em que se refere que «o regime das deduções deverá ser harmonizado, uma vez que influencia os montantes efectivamente cobrados, devendo o cálculo do pro rata de dedução ser efectuado da mesma maneira em todos os Estados-Membros».

            Na parte decisória daquele acórdão, que consubstancia uma evolução na jurisprudência do TJUE, refere-se o seguinte:

 

O artigo 17.º, n.ºs 2 e 5, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade holding como a que está em causa no processo principal, que, acessoriamente à sua actividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social, adquire bens e serviços que factura em seguida às referidas sociedades, está autorizada a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução. Quando os referidos serviços são utilizados pela sociedade holding para realizar simultaneamente operações económicas com direito a dedução e operações económicas sem direito a dedução, a dedução só é admitida para a parte do imposto sobre o valor acrescentado que seja proporcional ao montante relativo às primeiras operações e a Administração Tributária nacional está autorizada a prever um dos métodos de determinação do direito a dedução enumerados no dito artigo 17.º, n.º 5. Quando os referidos bens e serviços são utilizados simultaneamente para actividades económicas e para actividades não económicas, o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva 77/388 não é aplicável e os métodos de dedução e de repartição são definidos pelos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia da Sexta Directiva 77/388 e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflicta objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas actividades.

 

No caso em apreço, não é controvertido que a Requerente é uma SGPS que presta serviços às sociedades de que detém participações.

Da prova produzida resulta que essa prestação de serviços foi, no ano de 2011, a actividade principal da Requerente, que era desempenhada com coadjuvação de todos os seus colaboradores, o que justifica que, no mínimo, se ponha em dúvida que, apesar da sua natureza jurídica, a Requerente possa ser caracterizada, para efeitos fiscais, como tendo «actividade principal de gestão das participações sociais das sociedades de que detém a totalidade ou parte do capital social» e como «uma sociedade que desempenha apenas acessoriamente uma actividade». Com efeito, o facto de apenas cerca de 0,33% dos registos contabilísticos da Requerente no ano de 2011 (14 registos em 4.224) se reportarem ao recebimento de dividendos às operações de concessão de crédito às participadas confirma que a maior parte da actividade da Requerente se traduziu na prestação de serviços às suas participadas.

Refere-se expressamente naquele acórdão do TJUE, a propósito de uma sociedade holding que, como a Requerente, prestava serviços às suas participadas, que «caso seja de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa teria o direito, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços em causa no processo principal. Este direito a dedução não pode ser limitado pelo simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objecto social das referidas sociedades ou da sua actividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua actividade principal».

Assim, desde logo, o citado acórdão do TJUE veio afastar o obstáculo conceitual suscitado pela Autoridade Tributária e Aduaneira da inadmissibilidade de dedução integral do IVA suportado por uma SGPS, atenta a sua natureza, quando se trata de uma sociedade deste tipo que presta serviços às suas participadas.

Por outro lado, como nele se refere, não é relevante para afastar o direito à dedução o «simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objecto social das referidas sociedades ou da sua actividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua actividade principal».

Assim, tem razão a Requerente ao defender, em primeira linha, que o direito à dedução nasce de uma relação de utilização: se os recursos foram utilizados pela Requerente em actividades que conferem direito a dedução, o IVA será dedutível, independentemente da natureza jurídica de sociedade holding que a Requerente tem e do peso relativo em termos de valor gerado por essa actividade no confronto com a totalidade dos proveitos.

A referida jurisprudência do TJUE tem suporte explícito na legislação da União Europeia, no artigo 168.º da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE) que estabelece que, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes do IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.

A legislação nacional está em sintonia com aquela norma, ao estabelecer no artigo 20.º do CIVA, que pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações que aí se indicam, entre as quais se incluem as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Por outro lado, ainda em sintonia com o citado acórdão do TJUE, a interferência da Requerente «na gestão das sociedades em que tomou participações constitui uma actividade económica», para efeitos de tributação em IVA, estando a Requerente autorizada a deduzir o IVA pago a montante, na condição de os serviços adquiridos a montante apresentarem um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução.

Para além disso, como se refere no mesmo acórdão ( [4] ), «admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo directo e imediato com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo». ( [5] )

Assim, à face desta jurisprudência do TJUE, tem cobertura legal a dedução pela Requerente de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo directo e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo directo e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da Requerente que tenham nexo directo e imediato com o conjunto da sua actividade económica de prestação de serviços.

«O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas.

Assim o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA». ( [6] )

É a esta luz que têm de ser apreciadas as várias situações em que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não ser dedutível IVA.

 

4.5. Despesas que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu estarem exclusivamente conexionadas com a actividade não económica da Requerente, não sujeita a IVA

 

A Requerente na análise que fez à utilização do imobilizado e dos bens ou serviços adquiridos em que suportou o imposto estarem quase todos directamente relacionados com a prática de atividades sujeitas a IVA e dele não isentas, sendo, portanto dedutível a totalidade do imposto suportado no período. Apenas não foi deduzido o IVA suportado com a aquisição de recursos exclusivamente afectos ao recebimento de dividendos e comissões bancárias relativas aos empréstimos às participadas, como se refere nas alíneas q) e r) da matéria de facto fixada.

A Autoridade Tributária e Aduaneira partiu do pressuposto de que a actividade principal da Requerente é a gestão de participações sociais, por ser a preponderante em termos de volume de negócios, tendo carácter acessório a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a suas subsidiárias.

Com esse pressuposto, a Autoridade Tributária e Aduaneira identificou «um conjunto de operações consubstanciadas na aquisição de serviços especializados a terceiros, que pela sua natureza e fim encontram justificação num quadro de gestão do património do sujeito passivo, como objetivo dele retirar receitas (essencialmente sob a forma de dividendos e juros) que remete a atividade da gestão de participações sociais para fora do campo de incidência do imposto sobre o valor acrescentado. Neste contexto, o IVA suportado na atividade principal e que se apurou como tendo sido deduzido no período, no montante total de € 597.606,15 não é dedutível por falta de enquadramento no disposto pelo artigo 20° do Código do IVA».

No entanto, o pressuposto de que partiu a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto à determinação da actividade primacial da Requerente, é errado, pois, como resultou da prova produzida a Requerente não é uma SGPS que se dedique principalmente à gestão de participações sociais, mas, antes, uma sociedade que desenvolve primacialmente uma actividade de prestação de serviços às suas participadas, com acompanhamento e intervenção na sua gestão, o que é uma actividade económica.

Dependendo a prestação de serviços do funcionamento global da Requerente, há uma relação directa e imediata entre as despesas gerais necessárias para assegurar esse funcionamento global e a actividade económica que consubstancia a prestação de serviços. A realização de investimentos ou a aquisição de serviços constituem pressupostos da actividade da Requerente de intervenção e acompanhamento da gestão das participadas, sendo, por isso, despesas relacionadas com a actividade económica primacial da Requerente.

As despesas conexionadas com o desenvolvimento do negócio da sociedade de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira relacionam-se com a globalidade da actividade económica da Requerente, pois o desenvolvimento do negócio tem reflexos nessa actividade. 

As despesas referidas «relacionadas com oportunidades de investimento e desinvestimento, desenvolvimento do negócio da sociedade e outros relacionados» respeitam ao funcionamento global da Requerente, são de considerar despesas gerais, como o seriam em qualquer empresa que não tivesse a natureza de holding.

E, como se refere no citado acórdão do TJUE, pode ser deduzido o IVA «mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta». O critério para aferir da dedutibilidade que resulta desta jurisprudência não é o de se tratar ou não de custos que uma holding pura teria ou não suportado, mas sim, neste caso, o de esses custos serem ou não custos gerais da Requerente, pois, segundo aquela jurisprudência, os custos gerais, por o serem, são elementos constitutivos do preço dos serviços prestados.

É este o entendimento que se compagina com ideia básica subjacente ao regime do IVA que é a de assegurar a sua neutralidade para as empresas sempre que não são consumidores finais e utilizam bens ou serviços adquiridos na sua actividade económica.

As actividades da Requerente que não constituem actividade económica, designadamente a gestão passiva de participações sociais, traduzida na mera detenção de participações sociais e o recebimento de dividendos, implicam uma afectação mínima de recursos, pelo que é manifesto que a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante de € 597.606,15, está em dissonância com a realidade.

Por outro lado, relativamente à actividade que consubstancia gestão passiva de participações sociais e não constitui actividade económica, designadamente o recebimento de dividendos, não foi deduzido IVA, como se considerou provado na alínea q) da matéria de facto fixada.

Assim, tem de se concluir que a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a estas despesas, assentou no pressuposto errado de que a actividade de uma holding que acompanha a gestão das participadas não é uma actividade económica, para efeitos de dedução de IVA, o que constitui erro sobre os pressupostos de direito que afecta a referida correcção.

 

 4.6. Despesas conexionadas com bens e serviços de utilização mista

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que, no que concerne aos bens e serviços de utilização mista, ou seja, de utilização conjunta na realização de operações não decorrentes de uma actividade económica e no exercício de actividades económicas (de que são mais relevantes, os encargos com a aquisição de equipamento administrativo e serviços relativos ao pagamento de rendas dos espaços utilizados e respetivos condomínios), no cálculo do IVA dedutível deve ser utilizado ao método da afectação real, com base em critérios ou chaves de repartição, que permitam a dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, na proporção da sua utilização na actividade tributada, que confere direito à dedução.

A Autoridade Tributária e Aduaneira adoptou o critério da proporção entre horas/homem, efectuando a repartição dos custos em causa (bens e serviços de utilização mista) com base no que entendeu ser a efectiva utilização desses recursos, tendo em conta o tempo despendido nas referidas actividades, concluindo que o direito a dedução é de 15,4%.

Há que notar, em primeiro lugar que, independentemente da adequação do método da afectação real, a sua aplicação decorre do preceituado no artigo 23.º, n.º 1, alínea a), do CIVA relativamente ao direito à dedução relativamente ao IVA suportado com bens ou serviços parcialmente afectos à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica.

Por outro lado, a utilização desse método não é proibida pelo direito comunitário, como se refere no Parecer do Senhor Prof. Doutor Xavier de Basto, que a Requerente juntou ([7] ).

Essa possibilidade de os Estados-Membros imporem a adopção do método da afectação real é reconhecida no acórdão do TJUE de 13-03-2008, proferido no processo n.º C-437/06, em que se refere o seguinte:

“A determinação dos métodos e dos critérios de repartição dos montantes do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante entre actividades económicas e actividades não económicas, na acepção da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, insere-se no poder de apreciação dos Estados-Membros, que, no exercício deste poder, devem ter em conta a finalidade e a economia desta directiva e, a esse título, prever um modo de cálculo que reflicta objectivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas actividades. Os Estados-Membros estão habilitados a aplicar, sendo caso disso, quer uma chave de repartição segundo a natureza do investimento, quer uma chave de repartição segundo a natureza da operação, quer ainda qualquer outra chave adequada, sem estarem obrigados a limitar-se a um único destes métodos.

  

Na determinação da chave de repartição, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «parte dos colaboradores da “A” encontra-se afeto à atividade principal de gestão de participações sociais (...), e consequentemente não se aceitando, conforme referido pelo sujeito passivo, que a totalidade dos colaboradores identificados, direta ou indiretamente, trabalham exclusivamente no sentido de prestar serviços técnicos às participadas, é nossa convicção que uma repartição das despesas de utilização mista, seja feita, tendo por exemplo, subjacente a utilização dos recursos humanos».

«Foi determinada uma chave de repartição de 15,40% com base num rácio horas-homem tendo em consideração o total de horas afetas à prestação de serviços técnicos, que corresponde à parte proporcional ao cômputo da atividade económica tributada em IVA no total da atividade da “A”. Pela aplicação da referida chave de repartição, resulta que a parte do imposto imputado aos recursos não utilizados na atividade de prestação de serviços tributável ascende ao valor de € 190.551,47 »

Esta correcção enferma do mesmo erro quanto à identificação da actividade principal, que, como se referiu, foi a prestação de serviços e acompanhamento da gestão das participadas e não a gestão passiva de participações sociais.

À face da prova produzida, é manifesto que a chave de repartição aplicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira não tem qualquer relação com a realidade, pois provou-se que as pessoas que em 2011 estavam ao serviço da Requerente desenvolviam quase toda a sua actividade prestando directa ou indirectamente serviços às suas participadas, sendo insignificante a quantidade de despesas conexionadas com bens e serviços de utilização mista recursos de utilização mista que poderia considerar-se ter conexão com a actividade de gestão passiva de participações sociais.

 Na verdade, a actividade da Requerente que não estava conexionada com aquela prestação de serviços às participadas era mínima, como indiciam os 14 registos contabilísticos que se reportavam a ela, quando comparados com o total de 4.224 registos da contabilidade da Requerente relativa ao ano de 2011.

Para além disso, provou-se ainda que o número de horas dos trabalhadores da Requerente considerado para calcular o preço dos serviços prestados não corresponde ao número de horas de serviços de colaboradores da Requerente que foram efectivamente prestados às participadas, pois aqueles eram apenas os que entravam em contacto directo com as participadas e as suas prestações eram influenciadas pelos serviços da globalidade dos trabalhadores da Requerente.

            Por isso, tem de se concluir que não tem correspondência com a realidade os factos em que assentou a determinação da chave de repartição de 14,07% que a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou, o que consubstancia ilegalidade da correcção efectuada e subsequentes liquidações, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação (artigos 20.º, n.º 1, e 23.º n.ºs 1 e 2, do CIVA e 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

            5. Indemnização por garantia indevida

 

            A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida, «calculada com base nos custos incorridos com a prestação da mesma, acrescidos de juros à taxa legal calculados sobre esses custos e contados desde as datas em que tenham sido incorridos até à data em que a requerente seja ressarcida dos mesmos».

Como resulta da alínea w) da matéria de facto fixada, em 16-05-2014, a Requerente prestou a garantia bancária que consta do documento n.º 31, junto com o pedido pronúncia arbitral, para suspender a execução fiscal n.º …, que foi instaurada para cobrança das quantias liquidadas pelos actos que são objecto do presente processo.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

                        1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

                        2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

                        3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

                        4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que os erros subjacentes às liquidações de IVA e juros compensatórios são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as correcções foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Relativamente ao pedido de juros, constata-se que a Requerente não lhes dá qualquer qualificação (moratórios ou indemnizatórios) nem invoca qualquer norma legal que preveja que eles sejam devidos no âmbito da indemnização por garantia indevida.

            De qualquer forma, não há nas leis tributárias qualquer suporte normativo para a atribuição de juros de mora ou indemnizatórios nos casos de indemnização por garantia indevida. Como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo «o direito a indemnização por prestação indevida de garantia não comporta, em situação alguma, o direito a juros indemnizatórios e/ou de mora, nos termos dos artigos 43.º e 102.º da LGT, cingindo-se, tão somente, ao valor correspondente aos encargos efectivamente suportados com a prestação da mesma, ainda assim com o limite previsto no n.º 3 do supracitado artigo 53.º da LGT». ( [8] )

            Por outro lado, não se insere na competência deste Tribunal Arbitral, que se restringe, nos termos do artigo 2.º do RJAT, a dirimir um litígio em matéria tributária, decidir se há ou não direito a juros com base no regime geral da responsabilidade civil extracontratual.

            Por isso, tem de se julgar improcedente o pedido de pagamento de juros.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil, aplicáveis neste sentido ternos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].

 

            6. Pedido subsidiário

 

            Procedendo os pedidos principais formulados pela Requerente, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.

 

            7. Decisão

 

              Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de IVA:

NATUREZA

N.º LIQUIDAÇÃO

PERÍODO

VALOR

IVA

2011/01

119.511,54

IVA

2011/02

6.700,48

IVA

2011/03

22.425,00

IVA

2011/04

88.123,44

IVA

2011/05

37.996,40

IVA

2011/06

27.324,87

IVA

2011/07

124.556,78

IVA

2011/08

73.051,62

IVA

2011/09

21.388,83

IVA

2011/10

40.855,16

IVA

2013…

2013/03

167.988,01

IVA

2013…

2013/04

58.235,49

 

_ julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade das seguintes liquidações de juros compensatórios:

Juros compensatórios

2011/01

13.188,84

Juros compensatórios

2011/02

715,94

Juros compensatórios

2011/03

2.324,83

Juros compensatórios

2011/04

8.807,52

Juros compensatórios

2011/05

3.680,97

Juros compensatórios

2011/06

2.557,31

Juros compensatórios

2011/07

11.206,70

Juros compensatórios

2011/08

6.348,49

Juros compensatórios

2011/09 

1.786,11

Juros compensatórios

2011/10 

3.268,41

 

– julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à A. a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão;

– julgar improcedente o pedido de pagamento de juros e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido;

– julgar prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.

 

8. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 842.042,74.

 

            9. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 11.934,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

Lisboa, 08-01-2015

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Filipa Barros)

 

(José Poças Falcão)

 

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1]Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

 

[2]                      Redacção do Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro.

 

[3]Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.

 

[4]Citando jurisprudência anterior do TJCE adoptada nos acórdãos Kretztechnik, n.º 36, Investrand, n.º 24, e SKF, n.º 58.

[5]Na mesma linha, pode ver-se o acórdão o Supremo Tribunal Administrativo de 03-07-2013, processo n.º 1148/11.

[6] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo citado, na linha de jurisprudência do TJUE.

 

[7]Refere-se nesse Parecer: «A regra é uma inovação introduzida no CIVA pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Janeiro, mas já anteriormente a administração fiscal vinha obrigando os sujeitos passivos a usar este método, ao abrigo dos poderes de que o CIVA lhe conferia, e confere, do impor o método sempre que o sistema alternativo da percentagem de dedução, também regulado no artigo 2.1", origine "distorções significativas na tributação". Não tem correspondência na directiva europeia, que não impõe o método de afectação real para o isolamento da parte não dedutível dos bens e serviços parcialmente imputáveis à "actividade" fora do campo do imposto. A directiva, porém, não parece impedir que uma regra destas possa ser adoptada pelos Estados membros. O legislador português, porventura inspirado pela prática francesa, pretendeu isolar objectivamente o IVA suportado nesses inputs produtivos, se existirem, a fim de ser expurgada a parte não dedutível do imposto. Não existirá obstáculo comunitário a adoptar semelhante solução.          (...)

                De qualquer modo, o facto é que a lei portuguesa manda isolar, por um método objectivo, da afectação real, o IVA contido em bens de utilização mista, cm operações tributadas e operações que não relevam da actividade económica, recusando a aplicação, neste caso, do método da percentagem de dedução.

 

[8]Acórdão de 30-3-2011, processo n.º 013/11, para cuja fundamentação se remete. No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, processo n.º 0513/06; de 4-6-2008, processo n.º 023/08; e de 10-11-2010, processo n.º 0489/10.