Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 405/2014-T
Data da decisão: 2015-01-30  Selo  
Valor do pedido: € 4.246,38
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade Vertical
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 405/2014-T

 

 

Autor/Requerente: …

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)

 

 

1. Relatório

 

Em 28-05-2014, …, contribuinte fiscal n.º …, residente na Rua …, na qualidade de Cabeça de Casal da Herança de … e de …, contribuinte fiscal n.º …, doravante designado por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à anulação de atos tributários de liquidação de imposto de selo da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativos aos andares e divisões com utilização independente do prédio urbano em propriedade total sito na Rua … e Rua ..., da freguesia de …, concelho do …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia, a saber,

i.          Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 217,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, relativo ao ano de 2013, cujo VPT é de 65.280,00€;

ii.         Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 246,17, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º … , cujo VPT é de 73.850,00€;

iii.        Liquidação n.º 2014 …, no valor de 193,17 €, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º … , cujo VPT é de 57.950,00€;

iv.        Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 227,33, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 68.200,00€;

v.         Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 217,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 65.280,00€;

vi.        Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 248,10, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 74.430,00 €;

vii.       Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 193,17, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 57.950,00€;

viii.      Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 248,10, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 74.430,00€;

ix.        Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 217,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 65.280,00€;

x.         Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 248,10, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 74.430,00€;

xi.        Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 243,57,relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 73.070,00€;

xii.       Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 193,17, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 57.950,00€;

xiii.      Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 217,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 65.280,00€;

xiv.      Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 144,60,relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 86.760,00€;

xv.       Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 144,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 86.760,00 €;

xvi.      Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 143,14, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 85.880,00€;

xvii.     Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 162,69, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 97.610,00€;

xviii.    Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 144,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 86.760,00 €;

xix.      Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 144,09, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 86.450,00€;

xx.       Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 144,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 86.760,00€;

xxi.      Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 162,69, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 97.610,00€.

xxii.     Liquidação n.º 2014 …,, no valor de € 144,09, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …,, cujo VPT é de 86.450,00€.

 

A Requerente pede a anulação dos supra referidos atos de liquidação do Imposto de Selo.

A Requerente alega, para tanto, que o imóvel a que se referem as liquidações de Imposto de Selo, cuja legalidade se discute, é um prédio em propriedade total, composto por 8 pisos e 23 andares/divisões com utilização independente, aos quais foi atribuído um valor patrimonial tributário autónomo, e que nenhum destes tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000 (um milhão de euros), não se verificando, na sua perspetiva, o pressuposto legal de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

Foi designado como árbitro único, em 18-07-2014, Ricardo Marques Candeias. Em conformidade com o previsto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 04-08-2014.

Notificada para o efeito, a AT apresentou resposta a 15-10-2014. Esgrima que o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência de imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que sejam suscetíveis de utilização independente, por não se encontrar o prédio constituído em propriedade horizontal.

Requereu ainda a AT a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e respectivas alegações orais.

Apesar de notificada para o efeito, não juntou o PA.

Notificada para se pronunciar a Requerente nada disse ou requereu.

Insistindo-se junto da AT para proceder à junção do processo administrativo aos presentes autos, veio aquela responder no sentido da sua dispensa, alegando estarmos perante matéria de direito e considerando o princípio da celeridade processual.

O tribunal arbitral entendeu, face aos elementos carreados para os autos, e inexistindo exceções a dirimir, não ser necessária a realização da reunião prevista bem como a produção de alegações. Consequentemente, em 23-01-2015 foi fixada para prolação da decisão o dia 30-01-2014.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 1 e 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades e não foram suscitas questões prévias que cumpra apreciar.

 

2. Dos factos

Analisada a prova documental produzida pela Requerente, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

a)      O prédio urbano sito na Rua … e Rua …, da freguesia de …, concelho …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia faz parte do acervo da herança ora requerente;

b)      O prédio encontra-se em propriedade total;

c)      É constituído por23 andares/divisões suscetíveis de utilização independente, sem se encontrarem em regime de propriedade horizontal;

d)     A AT liquidou a 17-03-2013 o Imposto de Selo relativo ao ano de 2013,referente a parte dos andares ou divisões com utilização independente existentes no prédio supra identificado, no valor correspondente a 1% do seu valor patrimonial tributário, da seguinte forma:

I.                   Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 217,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, relativo ao ano de 2013, cujo VPT é de 65.280,00€;

II.                Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 246,17, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 73.850,00€;

III.             Liquidação n.º 2014 …, no valor de 193,17 €, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 57.950,00€;

IV.             Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 227,33, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 68.200,00€;

V.                Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 217,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 65.280,00€;

VI.             Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 248,10, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 74.430,00 €;

VII.          Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 193,17, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 57.950,00€;

VIII.       Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 248,10, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 74.430,00€;

IX.             Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 217,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 65.280,00€;

X.                Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 248,10, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 74.430,00€;

XI.             Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 243,57, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 73.070,00€;

XII.          Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 193,17, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 57.950,00€;

XIII.       Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 217,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 65.280,00€;

XIV.       Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 144,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 86.760,00€;

XV.          Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 144,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 86.760,00 €;

XVI.       Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 143,14, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 85.880,00€;

XVII.    Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 162,69, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 97.610,00€;

XVIII. Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 144,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 86.760,00 €;

XIX.       Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 144,09, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 86.450,00€;

XX.          Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 144,60, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 86.760,00€;

XXI.       Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 162,69, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 97.610,00€.

XXII.    Liquidação n.º 2014 …, no valor de € 144,09, relativa ao prédio descrito no artigo matricial com o n.º …, cujo VPT é de 86.450,00€.

 

d)    O prazo limite de pagamento terminava em 30-04-2014.

e)    O valor patrimonial total do prédio é de € 1.674.420,00.

f)    A Requente foi notificada para proceder ao pagamento das referidas notas de liquidação no valor total de €4.246,38.

g)    A Requerente não procedeu ao pagamento do referido valor.

A convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, concretamente os pontos a) e e), resultam do teor da caderneta predial junta aos autos e os pontos b), c), d), f) e g) resultam das notas de liquidação da primeira prestação do imposto.

Para a decisão da causa não se provaram outros factos com relevância.

 

3.         Do Direito

São estes os factos que importam apreciar. Vejamos então.

A Requerente vem alegar na sua petição inicial que a “a interpretação feita pela AT não é conforme à Lei e à Constituição, por a verba n.º 28º, ao abrir a possibilidade de se tributar de modo diferenciado a titularidade do património imobiliário de igual valor detido por pessoas diferentes em razão de critérios que podem contender, sem a mínima necessária justificação, com, nomeadamente, o princípio da capacidade contributiva (como seja o caso da “dispersão” ou “concentração” do património imobiliário habitacional de cada um), não pode deixar de ser considerada inconstitucional, dada a violação do princípio da igualdade”.

Defende a Requerente que “a sujeição ao imposto de selo contido na verba 28.1 da TGIS, deveria ter sido determinada pela conjugação dos seguintes factores: a aferição habitacional; o VPT constante da matriz igual ou superior a €1.000.000,00 e tratando-se de um prédio com as características acima descritas, a sujeição a imposto de selo é determinada, não pelo VPT global do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões independentes.”.

Afirma ainda que “a aplicação do imposto de selo deveria ter sido determinada sobre cada a andar ou divisão independente, desde que cada andar ou divisão fosse superior a Euros 1.000.000,00, sob pena de violar o próprio artigo 28.1 da TBGIS e os arts. 13º e 104º n.º 3 da CRP que aqui desde já se invocam para os devidos efeitos legais”.

Conclui assim, a Requerente, que “não pode a AT distinguir, onde o próprio legislador entendeu não o fazer – distinguir entre prédio em propriedade plena e prédio em propriedade horizontal, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103, n.º 2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.”.

Termina a Requerente, propugnando pela procedência do pedido e, por via dela, pede que seja ordenado “a anulação, com todos os efeitos legais, dos referidos actos de liquidação impugnados”.

Por seu lado a AT vem contrapor a posição da Requerente, fundamentando a sua pretensão no facto de o prédio desta se encontrar em regime de propriedade total e a concentração em cada prédio de habitações independentes não ser susceptível de desencadear a incidência do imposto de selo sobre cada uma delas.

No entendimento da AT “o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente””.

E o facto de o prédio urbano com afectação habitacional integrar herança indivisa não prejudica a aplicação da verba 28 da Tabela Geral.

De acordo com a AT “segundo o artigo 81º n,º 1 do C.I.M.I., o prédio que fizer parte da herança indivisa é inscrito na matriz predial respectiva em nome do autor da herança com o aditamento “Cabeça de Casal da herança de….”, sendo atribuído à herança indivisa, oficiosamente, o respectivo numero de identificação fiscal pelo serviço de finanças referido no artigo 25º do Código do Imposto de Selo.

A herança indivisa é sujeito passivo de IMI nos termos dos arts. 2º, n.º 4, do Código do Imposto de Selo e do artigo 8º, n.º 1, do CIMI, para o qual essa primeira norma legal remete”.

O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação do artigo 28 n.º 1 da Tabela Geral”.

Conclui a AT que “outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1 da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa /C.R.P.).»

Pugna ainda a AT pela inconstitucionalidade da interpretação feita pela Requerente da verba 28.1 da TGIS, no sentido de o VPT de que depende a sua incidência ser apurado por cada andar e não globalmente, ferindo o princípio da legalidade tributária.

Na sua perspetiva, importa dar ênfase ao diferente regime jurídico-civilístico atribuído à propriedade horizontal face à propriedade total, os quais consistirão, mesmo para efeitos fiscais, institutos jurídicos diferentes. Daí o diferente tratamento em termos de incidência da verba 28.1 da TGIS.

Posta uma breve descrição da palete argumentativa tecida pelas partes, vejamos então.

A questão decidenda prende-se com a de saber se a regra de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) é aplicável a prédios que não se encontram constituídos em propriedade horizontal. Com efeito, nesses casos questiona-se se a referida verba deverá incidir sobre o somatório do VPT atribuído aos diferentes andares, isto é, sobre o VPT total do prédio, ou, antes, sobre o VPT de cada andar com utilização económica independente do prédio.

Esta questão já foi objecto de vários acórdãos do CAAD, nomeadamente, os proferidos nos processos 132/2013-T, 14/2014-T, 30/2014-T e 88/2014-T, que seguiremos de perto.

A verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS) foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro. Ela estabelece o seguinte:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Com o aditamento do n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (CIS), operado também pela referida Lei, estabeleceu-se que quanto “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”.

Por força desta remissão, reportando-se a norma de incidência da verba 28.1 TGIS a prédios urbanos, o conceito de prédio urbano será o resultante do CIMI.

O CIMI estabelece no n.º 1, do artigo 2.º, o conceito de prédio, definindo-o como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.

Já o artigo 4.º do CIMI estabelece que são prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.

Por sua vez, o artigo 6.º, ibidem, procede à classificação das diversas espécies de prédios urbanos, distinguindo-os, no n.º 1 do referido artigo, em quatro subcategorias: “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”.

No n.º 2 do mesmo artigo encontramos o critério utilizado para essa distinção, considerando-se “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

Com efeito, não decorre dos normativos legais do citado diploma qualquer classificação dos prédios urbanos que os distinga entre prédios em propriedade horizontal versus prédios em propriedade vertical.

Sendo assim, faltará sustentação legal à aplicação de diferentes regimes fiscais por força da natureza jurídico-civilística que um prédio urbano com afectação habitacional detenha.

É verdade que o n.º 4, do artigo 2.º, do CIMI, determina que, "para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio". Porém, é também verdade que o mesmo não estabelece qualquer diferenciação entre as fracções autónomas dos prédios em propriedade horizontal estas e as partes do prédio com utilização independentemente da classificação enquanto prédios urbanos habitacionais.

Daqui resulta que o legislador pretendeu apenas, como fez, diferenciar os prédios urbanos considerando o seu destino normal, isto é, considerando o destino a que cada um deles está adstrito. Deste modo, obsta assim, do ponto de vista fiscal, a uma distinção que a lei civil prevê, entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical, não permitindo, contudo, que essa caracterização jurídica releve para aquilo que nos interessa, que é o âmbito de incidência do imposto, tanto do IMI como da verba 28.1 da TGIS, decorrente da mencionada remissão. 

Sendo assim, concluímos ser irrelevante, para efeitos de tributação, que o prédio esteja em propriedade vertical ou horizontal. É antes relevante a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização habitacional.

Aliás, atenta a intenção do legislador ao criar a verba 28 da TGIS e à aplicação que a AT lhe vem dando, considera-se que o critério por esta adotado quanto aos prédios em propriedade vertical não se adequa aos princípios da legalidade, igualdade e proporcionalidade fiscal, consagrados constitucionalmente no nosso ordenamento jurídico.

O princípio da igualdade fiscal deverá ser entendido no seu sentido material. Pelo que, a tónica deste princípio assentará sempre na capacidade contributiva de cada contribuinte. O mesmo é dizer que teremos um imposto igual para os que tiverem igual capacidade contributiva, e um imposto diferente para os que dispuserem de diferente capacidade contributiva. Certo é que, a diferença no imposto será proporcional à diferente capacidade contributiva. 

Este princípio é-nos imposto pela articulação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) com os arts. 103.º e 104.º do mesmo diploma.

Certo é que, o imposto estabelecido pela verba 28 da TGIS pretende harmonizar a repartição do esforço fiscal dos contribuintes, fazendo incidir este imposto sobre os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, que excedam € 1.000.000,00, por cada andar com utilização independente.

Com efeito, determinando o princípio da igualdade fiscal que se deve tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, não se justifica o tratamento diferenciado, para efeitos de tributação, dos andares de um prédio só pelo facto de o mesmo já se encontrar em propriedade horizontal, conquanto que esses andares tenham utilização independente.

E remetendo o CIS para o CIMI, consideramos que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes andares com utilização independente, deverá obedecer às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.

Atente-se, desde logo, no disposto no n.º 3, do artigo 12.º do CIMI, segundo o qual "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário".

Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretende a AT, não encontra qualquer base na legislação aplicável e supra referida.

Aliás, foi a própria Requerida a emitir vinte e duas notas de Liquidação, sendo cada uma delas referente a cada um dos andares com utilização independente e afectação habitacional. Consta, inclusive, de cada delas particular referência ao VPT de cada andar, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS. Decorre daqui ter sido o imposto liquidado individualmente em relação a cada uma das partes com utilização independente e não considerando a soma dos VPT dos andares do prédio em propriedade total.

Face a todo o exposto, o critério legal a utilizar para definição da incidência do imposto estabelecido na verba 28.1 da TGIS terá de ser idêntico ao estabelecido para efeitos do IMI.

Como se pode ler na Decisão Arbitral proferida no processo 132/2013-T “não se vislumbra, nos trabalhos relativos à discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, a invocação de um ratio interpretativa distinta da aqui apresentada. Com efeito, justificou-se tal medida, apelidada de "taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor", com a necessidade de cumprir com os princípios da equidade social e da justiça fiscal, onerando mais significativamente os titulares de propriedades com elevado valor destinadas a habitação, e, nessa medida, fazendo incidir a nova "taxa especial" sobre as "casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros".

Prossegue ainda a referida decisão afirmando que “se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a «habitação» - seja ela «casa», «fracção autónoma» ou «parte de prédio com utilização independente» / «unidade autónoma» -, porque se supõe uma capacidade contributiva acima da média e, nessa medida, se justifica a necessidade de realização de um esforço contributivo adicional, pouco sentido faria passar a desconsiderar os apuramentos "unidade a unidade" quando só através do somatório dos VPTs das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo) é que se superaria o milhão de euros”.

Posto que, só assistiria razão à AT e, consequentemente, direito à liquidação do imposto em causa, se a algum dos andares com utilização independente correspondesse um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não se verifica, pois o valor mais elevado corresponde apenas a €97.610,00.

Depreende-se do que até aqui foi dito que a posição da AT é contrária à Lei e à Constituição, violando os princípios da legalidade e igualdade fiscal.

O prédio em causa encontra-se em propriedade total e contém sete andares com utilização independente destinados a habitação. Como se mostra provado, nenhum deles tem um VPT igual ou superior a €1.000.000,00. Observamos assim a não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28 da TGIS.

Em consequência do exposto, concluímos pela ilegalidade das liquidações de imposto de selo impugnadas pela Requerente. Deverá por isso a matéria colectável, que serve de base à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, ser o VPT determinado nos termos do CIMI, para cada um dos andares do prédio que sejam suscetíveis de utilização independente.

 

4. Decisão

Perante o supra descrito, decide-se julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 …, n.º 2014 … e n.º 2014 …, devendo as mesmas considerar-se nulas, com as necessárias consequências legais.

Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em €4.246,38.

 

Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, devidas pela Autoridade Tributária.

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de janeiro de 2015.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

Ricardo Marques Candeias