Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 408/2014-T
Data da decisão: 2016-07-20  Selo  
Valor do pedido: € 3.846,14
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS; andares ou divisões suscetíveis de utilização independente; inimpugnabilidade do ato tributário; princípio do contraditório
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Decisão Arbitral

 

 

I – A decisão arbitral proferida em 17 de dezembro de 2014, no âmbito do processo acima referenciado, que se dá por integralmente reproduzida, não conheceu do pedido de anulação das primeiras liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2013 e às diversas divisões de utilização independente e afetação habitacional do prédio urbano ali identificado, por ter concluído pela verificação da exceção dilatória da “inimpugnabilidade do ato impugnado”, de conhecimento oficioso.

Da referida decisão, viria a Requerente a interpor ação de anulação junto do Tribunal Central Administrativo Sul, ali registada sob o n.º 0.8370/2015, em que, de entre os fundamentos aduzidos, invocou o de ter sido “seriamente prejudicada” pelo facto de, no convite que lhe foi dirigido para aperfeiçoamento da petição inicial, no sentido de proceder a uma melhor identificação dos atos impugnados: (1) se os atos de liquidação de imposto do selo do ano de 2013, relativos a cada uma das partes economicamente independentes do predito urbano inscrito sob o artigo … da freguesia da … – Lisboa; ou (2) se apenas cada uma das primeiras prestações das mencionadas liquidações de imposto do selo, cujo prazo de pagamento voluntário decorreu no mês de abril de 2014, o Tribunal Arbitral não ter comunicado a intenção de conhecer oficiosamente da “inimpugnabilidade do ato impugnado”, caso em que sempre teria optado por impugnar a totalidade dos atos de liquidação.

Por Acórdão proferido em 3 de março de 2016 no processo de Impugnação n.º 8.370/15, decidiu o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul pela anulação da decisão arbitral impugnada, com fundamento em violação do princípio do contraditório, conforme o excerto que se transcreve:

O princípio do contraditório, como princípio do processo arbitral é assegurado através da faculdade das partes se pronunciarem sobre questões de facto ou de direito suscitadas no processo e não haverá violação desse princípio se à Impugnante tiver sido facultada a possibilidade de se pronunciar sobre as questões de facto ou de direito suscitadas no processo.

(…)

A requerente nada disse sobre esse convite e o Tribunal concluiu pela inimpugnabilidade de uma prestação de liquidação de imposto de selo, da verba 28.1 da TGIS, por remissão para as normas do CIMI, de aplicação subsidiária, o que obstava ao prosseguimento do processo e à apreciação do mérito da causa, tendo, por isso, absolvido a AT da instância.

Desta questão, “inimpugnabilidade do ato impugnado” (excepção dilatória de conhecimento oficioso), apreciada e decidida na decisão arbitral não foi dado prévio conhecimento à requerente, ora impugnante, para que sobre ela se pudesse pronunciar, pois que só foi convidada nos termos já referidos para proceder ao aperfeiçoamento da petição inicial.

Ora, trata-se de questão conhecida oficiosamente. E, mesmo relativamente a esta questão de conhecimento oficioso, o juiz apenas pode conhecer da mesma desde que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciarem, o que não sucedeu na situação em apreço, pois não foi dado conhecimento às partes, nomeadamente, à requerente, ora impugnante, da possibilidade de não apreciação do mérito da causa por inimpugnabilidade do ato impugnado. Verifica-se, pois, que a decisão impugnada sofre de violação do princípio do contraditório, por as partes, nomeadamente, a impugnante, não terem tido possibilidade de se pronunciarem sobre a questão suscitada oficiosamente e que mesmo obstou ao conhecimento do mérito.

In casu, o juiz só podia conhecer dessa questão mediante prévia audição das partes, devendo, para esse efeito, ordenar a notificação das partes par se pronunciarem sobre essa questão da inimpugnabilidade do acto tributário. Isso mesmo resulta do n.º 3 do art. 3.º do CPC onde se dispõe que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

Esta imposição do n.º 3 do art. 3.º do CPC é para evitar decisões surpresa como sucedeu com a decisão em causa em que não foi observado o princípio do contraditório relativamente à questão da inimpugnabilidade do acto tributário.

Verifica-se, pois, por falta de possibilidade das partes, nomeadamente, da impugnante, se pronunciarem sobre a questão conhecida oficiosamente, a invocada violação do princípio do contraditório que constitui fundamento de impugnação da decisão em causa com previsão na al. d) do n.º 1 do art. 28 do RJAT.

Procede, pois, a impugnação com a consequente anulação da decisão impugnada.”

 

II – Reabertos os presentes autos em 1 de junho de 2016, foi no dia seguinte proferido despacho arbitral, em cumprimento do decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, notificando as Partes para que se pronunciassem “sobre a possibilidade de conhecimento oficioso da (…) exceção de “inimpugnabilidade do ato impugnado”, através de alegações escritas sucessivas pelo prazo de 10 dias, com início na Requerente.

Em 15 de junho de 2016 deram entrada nos autos as alegações escritas da Requerente, em que esta, expressamente, coloca a questão prévia de que “(…) vem dar cumprimento ao Despacho de aperfeiçoamento do seu requerimento inicial, esclarecendo que pretende impugnar todos os atos de liquidação de imposto de selo do ano de 2013, relativos a cada uma das partes economicamente independentes do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia da …, em Lisboa” (negrito e sublinhado no original).

Alega a Requerente, em síntese, que:

  1. O Tribunal Arbitral deve considerar provados todos os factos constantes do requerimento inicial e do respetivo aperfeiçoamento, bem como os que constam dos documentos (notas de liquidação do ano de 2013 e cadernetas prediais juntas aos autos);
  2. Suprindo a omissão do requerimento inicial, vem requerer que “o processo prossiga pela apreciação do pedido de anulação de todos os atos tributários de liquidação do imposto de selo do ano de 2013”;
  3. A verba 28.1, da TGIS, indica expressamente o imposto incide sobre “ (…) valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI (…)”;
  4. A Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba 28 à TGIS, não faz referência ao conceito de prédio com afetação habitacional, aplicando-se subsidiariamente o CIMI; por remissão do artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo;
  5. O artigo 6.º, do CIMI, estabelece a classificação dos prédios urbanos, entre os quais os habitacionais, sendo determinante para tal classificação a utilização normal do prédio, isto é, o fim a que se destina;
  6. O legislador não distinguiu entre prédios em propriedade vertical e os que se encontram constituídos no regime da propriedade horizontal;
  7. O entendimento da AT, ao considerar o valor total do prédio para efeitos de aplicação do Imposto do Selo, está em oposição ao espírito subjacente à verba 28, da TGIS;
  8. O critério da AT, de considerar o somatório dos VPT atribuídos às partes de utilização independente, não encontra sustentação legal, nomeadamente por não resultar do CIMI, subsidiariamente aplicável à verba 28, da TGIS, e viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, assim como o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal;
  9. No caso dos autos, o prédio é constituído por sete andares ou divisões de utilização independente, todos destinados a habitação, cujo VPT foi determinado nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do CIMI;
  10. Não tendo nenhum dos referidos andares ou divisões um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, conclui-se não estar verificado um dos pressupostos da incidência da verba 28, da TGIS;
  11. A interpretação da Requerida, ao considerar o somatório dos VPT dos andares ou divisões de utilização independente do prédio, não tem qualquer correspondência nem com a letra nem com o espírito da lei nem atende ao elemento histórico, sendo formalmente incongruente, uma vez que, embora considerando o VPT total do prédio, emite liquidações individualizadas para cada andar ou divisão;
  12. A discriminação operada pela AT é arbitrária e ilegal, uma vez que nada na lei impõe a constituição dos prédios em propriedade horizontal;
  13. É ilegal e inconstitucional considerar o somatório dos VPT dos andares ou divisões de utilização independente, em violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade fiscais, pois o legislador não pode tratar situações iguais de forma diferenciada.

Invocando diversa jurisprudência arbitral e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 9/09/2015, no processo n.º 047/15, a Requerente termina por pedir a anulação das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) do ano de 2013, com a consequente restituição da quantia indevidamente paga, “incluindo juros de mora, acrescidos de juros indemnizatórios calculados à taxa legal”.

A Requerida não produziu quaisquer alegações.

Quanto à matéria de facto, consideram-se provados os factos que já o haviam sido na decisão arbitral de 17 de dezembro de 2014, porquanto, na ação de impugnação n.º 8370/15, do Tribunal Central Administrativo Sul, a Requerente admitiu que “No que respeita à matéria de facto, não existem nos autos factos controvertidos, na medida em que o Tribunal Arbitral considerou provados todos os factos constantes do arbitral e resposta da AT, bem como, os factos constantes dos documentos juntos aos autos (cópias das notas de liquidação; cadernetas prediais)” e não foram suscitados factos subsequentes.

Tendo sido dada oportunidade às Partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de conhecimento oficioso da exceção dilatória de que se conheceu na decisão arbitral proferida nos autos em 17 de dezembro de 2014, ou seja, da inimpugnabilidade de uma prestação de liquidação de Imposto do Selo, pelos fundamentos ali aduzidos e, tendo a Requerente procedido à correção do requerimento inicial, de molde a dele passar a constar o pedido de anulação de todas as liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, referentes às diversas divisões de utilização independente e afetação habitacional que integram o prédio urbano identificado, nada obsta, agora, a que se profira decisão sobre o mérito da causa.

 

III – MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. A questão decidenda:

A principal questão trazida aos autos pela Requerente é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo, nos termos da verba n.º 28 da TGIS, de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, é determinada pelo Valor Patrimonial Tributário (VPT) que corresponde a cada uma das partes do prédio, economicamente independente e com afetação habitacional, como defende, ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o compõem, conforme a interpretação dada pela AT à referida norma.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 124.º, do CPPT, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, não existindo vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do(s) ato(s) impugnado(s),  deverá o tribunal apreciar os vícios arguidos que determinem a sua anulabilidade, dispondo o n.º 2, alínea b), do mesmo artigo que, quanto a estes últimos, a ordem do seu conhecimento será a indicada pelo impugnante, sempre que seja estabelecida entre eles uma relação de subsidiariedade, sem prejuízo de serem prioritariamente conhecidos os vícios cuja procedência assegure a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

Afigurando-se que, da procedência do vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito decorrente da errada interpretação das normas previstas na verba n.º 28.1, da TGIS e no artigo 12.º, n.º 3, do Código do IMI, aplicável ex vi do artigo 67.º, n.º 2, do Código do IS, resultará uma eficaz tutela dos interesses ofendidos, passaremos, de imediato, à sua apreciação.

 

  1. Do conceito de prédio urbano com afetação habitacional

Na sua redação inicial, aplicável à situação em análise, a verba 28, da TGIS, dispunha que se encontravam sujeitas a imposto do selo as seguintes situações:

«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»

 

Constituem, assim, requisitos cumulativos de aplicação da norma ínsita na Verba 28.1, da TGIS, que o imóvel a tributar seja um prédio urbano “com afetação habitacional”, cujo valor patrimonial tributário, para efeito de IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

É de há muito pacificamente aceite pela doutrina que as normas tributárias se interpretam como quaisquer outras normas jurídicas, solução que consta hoje expressamente do n.º 1 do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária (LGT), ao estabelecer que “1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

De entre os elementos de interpretação, aquele de que o aplicador da norma deve partir é, precisamente, do elemento gramatical, ou seja, do texto da lei, havendo no entanto a salientar que, na determinação do sentido e valor da norma, não pode o intérprete deixar de considerar o elemento lógico ou, de acordo com o n.º 1 do artigo 9.º, do Código Civil, deixar de “reconstituir (…) o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”

A norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, utiliza a expressão “prédio de afetação habitacional”, cujo conceito se não encontra definido no Código em que se insere, nem em qualquer outra legislação de natureza tributária.

Tratando-se de uma expressão polissémica, que poderá comportar mais do que uma significação e, a fim de determinar o seu exato sentido e alcance, no respeito pela unidade do sistema, deverá o intérprete recorrer aos chamados “lugares paralelos”, ou seja, haverá que ter em consideração as “disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins”[1].

Tais “lugares paralelos” encontrar-se-ão, necessariamente, no caso em apreço, nas normas do Código do IMI, para cuja aplicação subsidiária remete, em bloco, o n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo, aditado pela mesma Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, ao estatuir que “2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”

 

Contudo, não obstante a remissão expressa para o Código do IMI, que o legislador quis consagrar no n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo, por referência às matérias respeitantes à Verba 28, da TGIS, também aquele nos não dá o conceito de “prédios com afetação habitacional”.

Efetivamente, o seu artigo 6.º, inserido no Capítulo I, sob a epígrafe “Incidência”, não utiliza aquela expressão ao enumerar, no n.º 1, as espécies de prédios urbanos, que poderão classificar-se como: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.

A espécie de prédio urbano que melhor corresponde ao conceito de “prédio com afetação habitacional” é a de prédios habitacionais, enquanto edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (fins habitacionais).

Do facto de o prédio de que a Requerente é proprietária integrar, em exclusivo, andares ou divisões de utilização independente e afetação habitacional, pretende a Requerida retirar a conclusão de que se trata de um prédio cuja propriedade preenche a previsão da norma de incidência da verba 28.1, da TGIS, apelando para um VPT global de valor superior a € 1 000 000,00.

Vejamos se lhe assiste razão.

 

  1. Do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em propriedade total

No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, rege o artigo 7.º, n.º 2, do Código do IMI, mas apenas quanto aos “prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior”, caso em que, de acordo com a sua alínea b) “(…) cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.

E é esta a única norma do Código do IMI em que se faz referência ao “valor [global] do prédio”, sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto.

Da conjugação das normas do n.º 2 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do Código do IMI, resulta que, se um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal integrar, exclusivamente, partes ou divisões de afetação habitacional, o valor do prédio não equivale ao somatório dos VPT atribuídos indivualizadamente a cada uma dessas partes ou divisões.

Tanto mais que, nos termos do n.º 3 do artigo 12.º, do CIMI, “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

O que equivale a dizer-se que cada uma dessas partes é autónoma e que, não lhe tendo sido atribuído um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, ficará excluída da incidência de Imposto do Selo – verba 28.1, da TGIS.

Assim sendo, o elemento literal das normas antes citadas (n.º 1 do artigo 6.º, n.º 2 do artigo 7.º e n.º 3 do artigo 12.º, todos do Código do IMI) revela-se impeditivo de que a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, pretendendo tributar um pretenso valor patrimonial tributário global dos prédios urbanos não constituídos em propriedade horizontal, correspondente ao somatório dos VPT atribuídos às diversas partes que os compõem, económica e funcionalmente independentes e, como tal, separadamente inscritas na matriz, pois a lei é clara ao sujeitar a imposto de selo da verba 28.1, da TGIS, os prédios urbanos de afetação habitacional, cujo VPT, para efeitos de IMI, seja superior a € 1 000 000,00.

 

Por outro lado, como tem vindo a ser reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo, na esteira de diversas decisões arbitrais, nomeadamente a proferida no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de lei que esteve na origem da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais terá referido expressamente, conforme consta do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades” (cfr. o Acórdão do STA, Processo n.º 0498/16, de 29/06/2016, disponível em http://www.dgsi.pt/).

 

Temos pois que, para além dos elementos gramatical e sistemático de interpretação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS, também o elemento racional ou teleológico, a ratio legis ou fim visado pelo legislador ao elaborar aquela norma, aponta no sentido de a tributação incidir sobre prédios urbanos que sejam unidades habitacionais, desde que tenham um VPT igual ou superior a € 1 000 000, 00, o que não é o caso de nenhuma das divisões ou andares de utilização independente que integram o prédio da Requerente.

Em face de quanto antecede, resta concluir pela adesão à jurisprudência uniformemente ditada pelo STA na matéria, segundo a qual “I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.

II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” – cfr o sumário do recente Acórdão do STA, Processo n.º 0498/16, de 29/06/2016, e demais jurisprudência nele citada.

 

  1. Do pedido de juros indemnizatórios

A final, peticiona a Requerente a restituição das quantias indevidamente pagas, relativas às liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, “incluindo juros de mora, acrescidos de juros indemnizatórios calculados à taxa legal”.

Determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que incluiu “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

Contudo, o único caso em que se prevê o pagamento de juros moratórios a favor do sujeito passivo é o contemplado no n.º 2 do artigo 102.º, da Lei Geral Tributária (LGT), “2 - Em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea.”, em sede de execução de sentença, o que não é a situação dos presentes autos.

No que respeita ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, tendo o processo arbitral tributário sido concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), deverá entender-se que se compreende na competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Afigura-se pois manifesto que, declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por ter ficado demonstrada, no caso concreto, a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a sua anulação, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do respetivo pagamento, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem o necessário suporte legal.

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada às questões relativas à determinação do VPT relevante para aplicação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS e ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões, nomeadamente as da inconstitucionalidade da referida norma, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.

 

IV – DECISÃO

 

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

  1.  Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;
  2. Condenar a AT à restituição de todas as quantias indevidamente pagas pela Requerente na sequência da emissão das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, acrescidas de juros indemnizatórios, desde a datas do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 11 538,30 (onze mil, quinhentos e trinta e oito euros e trinta cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 20 de julho de 2016.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral[2]

 

 

I – RELATÓRIO

 

a)  Objeto do litígio:

1.  A, com o NIF … e domicílio na Rua … …, da área do Serviço de Finanças de … … (doravante, Requerente), requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 21 de Janeiro, tendo em vista a declaração de ilegalidade e “consequente anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto de Selo” com os n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, todas do ano de 2013 e relativas ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da …, concelho de Lisboa, sob o artigo …;

2.  O pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), deu entrada no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 30 de maio de 2014, tendo a AT sido automaticamente notificada do mesmo, em 3 de junho de 2014; em 6 de junho de 2014, viria a ser substituída a petição inicial (P. I.), para correção do valor do pedido. A P. I. substituída foi objeto de notificação à AT, na mesma data;

3.  A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a), do RJAT, foi a signatária designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para integrar o presente tribunal arbitral, encargo que aceitou, nos termos legalmente previstos.

 

b) Matéria de facto:

Em síntese, a Requerente sustenta a sua pretensão nos seguintes factos:

a)  A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na Rua …, em Lisboa, inscrito na matriz da freguesia da … sob o artigo …;

b)  O referido prédio é composto por sete divisões de utilização independente, todas destinadas a habitação, não se encontrando, no ano a que respeitam as liquidações identificadas, constituído em propriedade horizontal;

c)  O valor patrimonial tributário (VPT) das diversas divisões de utilização independente foi apurado separadamente, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (adiante, Código do IMI);

d) A cada uma das divisões independentes foi atribuído um VPT que variou entre € 98 640,00 e € 194 050,00, sendo o VPT total no valor de € 1 153 830,00 (um milhão, cento e cinquenta e três mil, oitocentos e trinta euros);

e)  De acordo com os artigos 6.º e 7.º do requerimento arbitral, o pedido tem por objeto “as seguintes liquidações do imposto de selo”:

1.  N.º 2014 … - € 328,80, cave esquerda, com o VPT de € 98 640,00;

2.  N.º 2014 … - € 347,30, cave direita, com o VPT de € 104 190,00;

3.  N.º 2014 … - € 608,10, rés-do-chão, com o VPT de € 182 430,00;

4.  N.º 2014 … - € 634,14, 1.º andar, com o VPT de € 190 240,00;

5.  N.º 2014 … - € 640,48, 2.º andar, com o VPT de € 192 140,00;

6.  N.º 2014 … - € 640,48, 3.º andar, com o VPT de € 192 140,00;

7.  N.º 2014 … - € 646,84, 4.º andar, com o VPT de € 194 050,00;

f)  A Requerente junta ao pedido de pronúncia arbitral cópias das notas de cobrança e notificações para pagamento, durante o mês de abril de 2014, da 1.ª prestação das seguintes liquidações de Imposto de Selo do ano de 2013, relativas às diversas divisões de utilização independente do prédio urbano identificado supra, de que resulta ser o seguinte o valor global de cada uma das mencionadas liquidações:

Descrição do prédio

Verba da TGIS

Valor Patrimonial (€)

Quota-Parte

Valor Isento (€)

Taxa (%)

Coleta

(€)

… CV E

28.1

98 640,00

1/1

0,00

1,00

986,40

… CV D

28.1

104 190,00

1/1

0,00

1,00

1 041,90

… RC

28.1

182 430,00

1/1

0,00

1,00

1 824,30

… 1.º

28.1

190 240,00

1/1

0,00

1,00

1 902,40

… 2.º

28.1

192 140,00

1/1

0,00

1,00

1 921,40

… 3.º

28.1

192 140,00

1/1

0,00

1,00

1 921,40

… 4.º

28.1

194 050,00

1/1

0,00

1,00

1 940,50

 

g)  À causa é atribuído o valor de € 3.846,14, equivalente ao somatório dos valores das 1.ªs prestações das liquidações efetuadas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, para o prédio identificado e para o ano de 2013.

 

c) Quanto à matéria de Direito, alega a Requerente que:

1.  “AT liquidou imposto de selo sobre cada um daqueles andares, com referência ao ano de 2013, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), o imposto de selo da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, à taxa de 5%” (artigo 8.º, do requerimento arbitral);

2.  “A AT entende que há lugar à incidência de imposto de selo, pelo facto do somatório dos VPT dos diversos andares, que compõem o prédio, perfazer o valor de a € 1 153 830,00”, e que “o critério para determinação da incidência do imposto de selo é o VPT global dos andares e divisões destinadas a habitação”;

3.  “No entendimento da Requerente, a posição da AT é manifestamente ilegal e mesmo inconstitucional”, pois “a sujeição ao imposto de selo contido na verba 28.1 da TGIS, é determinada pela conjugação de dois critérios. A afetação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1 000 000,00”;

4.  “No caso de um prédio com caraterísticas idênticas às descritas nos autos presentes, a sujeição a imposto de selo é determinada não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT de cada um dos andares ou divisões” (artigo 13.º, da p. i.);

5.  “A Lei n.º 55-A/2012 nada refere quanto ao conceito de prédio com afetação habitacional” e “O artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto de Selo dispõe que as matérias reguladas no presente código, respeitantes à verba 28 da TGIS, aplica-se subsidiariamente o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)”;

6.  “O conceito de prédio urbano é o que resulta do artigo 2.º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38.º e seguintes do mesmo diploma legal”;

7.  “O artigo 6.º do CIMI indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre eles constam os habitacionais”, sendo que “Para o legislador o fator determinante é a utilização normal do prédio, ou seja, o fim a que o mesmo se destina”;

8.  “O legislador não fez nenhuma distinção entre os prédios em propriedade vertical e prédios sujeitos ao regime da propriedade horizontal”;

9.  “No caso em apreço só pode relevar a verdade material subjacente ao prédio e à respetiva utilização”;

10.  “Só haveria lugar a liquidação de imposto de selo se alguma das partes ou andares com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1 000 000,00”;

11.  “A AT não pode considerar como valor de referência do novo imposto o valor total do prédio, uma vez que o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, sendo este o Código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS”;

12.  “ (…) é ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência o somatório dos valores patrimoniais atribuídos a cada um dos andares, na medida em que se traduz numa nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade fiscal”;

13.  “O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferenciada, pois se fosse um prédio submetido ao regime da propriedade horizontal, nenhuma das frações estaria sujeita ao novo imposto de selo”;

14.  “Em suma, a verdade material é que deverá prevalecer como critério da capacidade contributiva e não uma realidade meramente formal do prédio”;

15.  “Os atos de liquidação da AT são manifestamente ilegais e devem ser anulados”.

 

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º, do RJAT, a Requerida apresentou contestação, dizendo que:

1.  “Segundo o pedido de pronúncia arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira (A.T.) terá liquidado a 1.ª prestação de imposto de selo respeitante a 2013 da verba 28 da TGIS sobre os valores patrimoniais tributários respeitantes às inscrições matriciais dos andares que compõem o prédio urbano com afetação habitacional, que a Requerente refere no Artigo Primeiro da PI” (sublinhado nosso);

2.  “O valor patrimonial de todos esses 7 andares com utilização independente e afetação habitacional que compõem o referido prédio urbano, foi determinado separadamente, nos termos do art. 7.º, n.º 2, alínea b) do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.) ”;

3.  “A soma do valor patrimonial desses andares e divisões perfaz € 1 153 830,00 conforme Caderneta Predial junta pela Requerente”;

4.  “Seria sobre esse valor que a A.T. liquidaria, nos termos dos arts. 6.º, n.º 1, alínea f) subalínea i), o mencionado imposto de selo da verba 28.1 da Tabela Geral, na redação dada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, à taxa de 0,5 por cento”;

5.  “No entanto, segundo a autora (…), com o facto de, para efeitos do (…) (I.M.I.), nos termos do art. 12.º, n.º 3, do (…) (C.I.M.I.), cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente ser considerado separadamente na inscrição matricial” (…) “O valor patrimonial tributário constante da matriz seria, assim, o de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente e não o valor patrimonial tributário global do prédio urbano”;

6.  Porém, “Tal interpretação não tem correspondência com a letra da verba 28.1 da Tabela Geral” ou “com o sentido dessa norma legal que, segundo o autor (…) seria a sujeição a imposto, não dos prédios propriamente ditos, mas das habitações aí existentes”;

7.  “A concentração em cada prédio de habitações independentes não é, assim, suscetível de desencadear a incidência do imposto de selo sobre cada uma delas”;

8.  “O valor patrimonial relevante para efeitos de incidência do imposto é (…) o valor patrimonial total do prédio e não o valor de cada uma das partes que o componham ainda que suscetíveis de utilização independente”;

9.  “O artigo 80.º, n.º 2 do C.I.M.I. declara que, salvo o disposto nos artigos 84.º e 92.º, a cada prédio corresponde um único artigo inscrito na matriz”;

10.  “O princípio de que a cada prédio corresponde um só artigo matricial apenas é excecionado, assim, relativamente aos prédios mistos em que, segundo o referido art. 84.º, cada uma das partes distintas é inscrita na matriz na parte que lhe competir e relativamente aos prédios constituídos em propriedade horizontal em que, apesar de nos termos do art. 2.º, n.º 4, do C.I.M.I., cada fração autónoma ser havida como constituindo um prédio, a cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição matricial”;

11.  “O prédio urbano não estava constituído em propriedade horizontal à data do facto tributário do imposto de selo – 31 de dezembro de 2013 – caso e que cada uma das frações autónomas seria havida como prédio urbano, incluindo para efeitos da sujeição ao imposto de selo da verba 28.1 da Tabela Geral, mas em regime de propriedade vertical”;

12.  O prédio “Dispõe, no entanto, como consta da respetiva matriz predial de andares ou divisões independentes, avaliadas nos termos do art. 12.º, n.º 3 do C.I.M.I, que diz que cada andar ou prédio de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respetivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado IMI”;

13.  “Tal norma não é inédita, tendo correspondência no corpo do art. 232.º, regra 1.ª, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (C.C.P.I.I.A.), que dispunha cada habitação ou parte ser tomada automaticamente para efeitos de determinação do rendimento coletável sobre o qual deva incidir a liquidação” (…) “o rendimento coletável tinha necessariamente de corresponder à soma da renda ou valor locativo de cada uma das partes do prédio com autonomia económica”;

14.  “ (…) a inscrição matricial deve fazer referência a cada uma das partes e também ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas, apurado separadamente nos termos dos arts. 37.º e seguintes do C.I.M.I.”;

15.  “A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente”;

16.  “No presente caso, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto de selo da verba 28.1 da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes”, pois “O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente não afeta igualmente a aplicação do art. 28.º, n.º 1 da Tabela Geral”;

17.  “É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas”;

18.  “Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1 da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art. 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) ”;

19.  “É, assim, inconstitucional, por ofensa do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial tributário de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou andar a divisão”;

20.  “Não se vislumbra como, por outro lado, como a tributação em causa teria violado o princípio da igualdade”, já que, “Na verdade, a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados”;

21.  “ A constituição da propriedade horizontal implica, é facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação (Ofício-circulado n.º 40.025. de 11 de Agosto de 2000, da Direção de Serviços de Contribuição Autárquica (D.S.C.A.)”;

22.  “O legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária”;

23.  “Concluindo:

a)  A verba 28.1 da Tabela Geral do imposto de Selo incide sobre os prédios urbanos com afetação habitacional;

b)  O valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 de que depende a aplicação dessa norma legal é, como resulta expressamente da sua letra, o valor patrimonial de cada prédio e não das suas partes distintas, ainda que suscetíveis de utilização independente”;

c)  Nessa medida, o imposto de selo da verba 28 foi corretamente liquidado”.

 

Factos Provados: A convicção do Tribunal, quanto aos factos enunciados supra, que se consideram provados, deriva da análise crítica do requerimento arbitral e dos documentos a ele anexos, isto é, das cópias das notas de cobrança e notificações para pagamento identificadas, das cadernetas prediais das divisões de utilização independente do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da …, concelho de Lisboa, sob o artigo …, bem como das referências constantes da resposta da A.T.

 

Factos não provados: Não existem factos que devem considerar-se não provados.

 

II – SANEAMENTO:

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 7 de agosto de 2014, para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.

Na sua resposta, a AT levantou, como questão prévia, a falta de junção à petição inicial, dos documentos 1 a 7 (cópias das notas de cobrança acima identificadas) suscetíveis de sustentar o pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do RJAT.

No entanto, não invocou a Requerida qualquer exceção.

Por despacho de 6 de outubro de 2014, posteriormente retificado em 27 de outubro de 2014 e, verificando-se a junção à petição inicial dos documentos 1 a 7, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

No mesmo despacho foi a Requerente convidada, na pessoa do seu M. I. Mandatário a, se assim o entendesse e dentro do prazo para alegações, proceder ao aperfeiçoamento da petição inicial, no sentido da melhor identificação dos atos impugnados: (1). Se os atos de liquidação de Imposto de Selo do ano de 2013, relativos a cada uma das partes economicamente independentes do prédio urbano inscrito sob o artigo … da freguesia da … – Lisboa, ou (2). Se apenas cada uma das primeiras prestações das mencionadas liquidações de Imposto de Selo, cujo prazo de pagamento voluntário decorreu no mês de abril de 2014.

As partes não produziram alegações, nem a Requerente prestou qualquer esclarecimento sobre o objeto do pedido de pronúncia arbitral.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO:

 

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

As questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.

De entre as questões de conhecimento oficioso constam “as questões processuais que possam determinar a absolvição da instância”, das quais a sentença deve conhecer prioritariamente (artigo 608.º, n.º 1, do CPC).

Tais questões processuais que podem determinar a absolvição da instância são, no processo tributário, as enunciadas no n.º 1 do artigo 98.º, do CPPT, que “podem ser oficiosamente conhecidas ou deduzidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final”, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, para além das que constam do artigo 89.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), enquanto direito subsidiariamente aplicável ao processo judicial tributário, por força da alínea d) do artigo 2.º, do CPPT.

De entre os fundamentos que obstam ao prosseguimento do processo, elegeremos para análise os constantes do artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 89.º, n.º 1, alínea c), do CPTA, a ineptidão da petição inicial e a inimpugnabilidade do ato impugnado, respetivamente

Cumpre assim, de acordo com os elementos constantes dos autos e com o direito aplicável, verificar se a petição inicial, correspondente ao pedido de pronúncia arbitral, é inepta ou se o ato impugnado é impugnável.

 

a)  Da ineptidão da petição inicial:

Diz-se inepta a petição em que “o pedido esteja em contradição com a causa de pedir” (cfr. o artigo 186.º, n.º 2, alínea b), do CPC).

Caso se possa aceitar a impugnabilidade de uma das prestações de uma liquidação de Imposto de Selo (ao abrigo da verba 28.1 da TGIS), enquanto impugnação parcial do ato tributário de liquidação, como se crê ser intenção e poder retirar-se do teor da petição inicial e dos documentos a ela anexos, poderá verificar-se, nos presentes autos, contradição entre o pedido e a causa de pedir, pois que:

(i) De acordo com o probatório supra, embora a consequência jurídica pretendida seja “a anulação dos atos tributários, por serem manifestamente ilegais”, a Requerente identifica não as liquidações, mas apenas a primeira prestação de cada uma dessas liquidações, tendo em conta os valores parciais indicados, bem como o valor atribuído à causa, equivalente ao somatório dos valores das primeiras prestações das liquidações de Imposto de Selo do ano de 2013;

(ii) Se bem que todo o discurso impugnatório tenha por fundamento a invocação de ilegalidades que determinariam a anulação total (e não meramente parcial) das liquidações de Imposto de Selo do ano de 2013, efetuadas nos termos da verba 28.1 da TGIS, relativas ao prédio urbano identificado;

(iii)  Notificada para proceder à regularização do requerimento arbitral, no que respeita à melhor identificação dos atos impugnados, a Requerente nada desse, reforçando a convicção do tribunal de que o objeto do pedido é a primeira prestação de cada uma das liquidações já referidas e não as liquidações de Imposto de Selo, na sua totalidade.

Quanto à divisibilidade do ato tributário de liquidação, e consequente possibilidade da sua anulação parcial, tem a jurisprudência entendido que a liquidação é um ato divisível, quer por natureza, por respeitar à liquidação de uma obrigação de natureza pecuniária, quer por definição legal, uma vez que o artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), admite a “procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo”, situação em que a administração fiscal fica obrigada “à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

No entanto, para que haja anulação parcial do ato tributário, necessário se torna que a ilegalidade o afete apenas em parte (cfr., neste sentido, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, proferido em 10 de abril de 2013, no recurso n.º 0298/12, disponível em http://www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê: “Sumário: I - O ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial. II - O critério para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.” (Sublinhado nosso).

Casos de divisibilidade do ato tributário são, nomeadamente, aqueles em que se está perante um facto tributário complexo, em que houve excesso de quantificação da matéria tributável e não, como no caso dos presentes autos, em que tal quantificação ocorre autonomamente, através do ato de avaliação e não se verifica excesso nessa quantificação, de que possa resultar a ilegalidade parcial da liquidação a que serviu de base.

Assim, nos casos em que o ao tributário é divisível, “se for pedida a anulação parcial de um ato tributário, o tribunal não poderá, em princípio, anulá-lo totalmente[3]; se for pedida a sua anulação integral e o ato for apenas parcialmente anulável, o pedido será parcialmente improcedente.

Porém, dizer que o ato de liquidação efetuado nos termos da verba 28.1 da TGIS é um ato indivisível, não podendo ser parcialmente impugnado, não basta para se poder afirmar que a petição inicial é inepta, por contradição entre o pedido e a causa de pedir, pois, como ensina Castro Mendes[4], muitas vezes “A dificuldade é manter uma linha de separação entre a ineptidão da petição inicial e a inviabilidade em sentido estrito (…) A inviabilidade “stricto senso” diz respeito à questão de fundo. O juiz deve indeferir “in limine” a petição inicial “quando seja evidente…que, por outro motivo, a pretensão do autor não pode proceder”.

 

b) Da inimpugnabilidade de uma das prestações da liquidação efetuada ao abrigo da verba 28.1, da TGIS:

A verba 28 da TGIS foi aditada pelo artigo 4.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, com a seguinte redação:

Artigo 4.º - Aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo

É aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99,de 11 de setembro, a verba n.º 28, com a seguinte redação:

«28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.»

 

Por seu turno, o artigo 3.º, da mesma Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu alterações a diversos artigos do Código do Imposto de Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, de entre os quais os seus artigos 23.º, n.º 7, com a seguinte redação:

7 — Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI” (sublinhado nosso)

 

 e 44.º, cujo n.º 5 dispõe:

5 — Havendo lugar a liquidação do imposto a que se refere verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é pago nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120.º do CIMI.”

 

E o artigo 120.º, do Código do IMI, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo artigo 215.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (orçamento do Estado para 2013), tem a seguinte redação:

Artigo 120.º - Prazo de pagamento

1 - O imposto deve ser pago:

a) Em uma prestação, no mês de abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a € 250;

b) Em duas prestações, nos meses de abril e novembro, quando o seu montante seja superior a € 250 e igual ou inferior a € 500;

c) Em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, quando o seu montante seja superior a € 500.

2 - Sempre que a liquidação deva ter lugar fora do prazo referido no n.º 2 do artigo 113.º o sujeito passivo é notificado para proceder ao pagamento, o qual deve ter lugar até ao fim do mês seguinte ao da notificação.

3 - Sempre que no mesmo ano, por motivos imputáveis aos serviços, seja liquidado imposto respeitante a dois ou mais anos e o montante total a cobrar seja superior a € 250, o imposto relativo a cada um dos anos em atraso é pago com intervalos de seis meses contados a partir do mês seguinte inclusive ao da notificação referida no número anterior, sendo pago em primeiro lugar o imposto mais antigo.

4 - No caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes. (sublinhado nosso)

5 - Se o atraso na liquidação for imputável ao sujeito passivo é este notificado para proceder ao pagamento do imposto respeitante a todos os anos em atraso.”

 

Dado que o prazo de pagamento estabelecido pelo artigo 120.º, do CIMI, se reporta ao pagamento da liquidação, que pode ser efetuado de uma só vez, em duas ou em três prestações, consoante o valor do imposto apurado, importará ainda conjugar esta norma com a do artigo 113.º, do mesmo Código, em cujo n.º 1 se estabelece que:

Artigo 113º - Competência e prazo da liquidação

1 - O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.” (sublinhado nosso).

Das disposições conjugadas dos artigos 120.º e 113.º, n.º 1, ambos do Código do IMI, para além do já citado n.º 7 do artigo 23.º, do Código do Imposto de Selo, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, resulta que também para o Imposto de Selo a que se refere a verba 28 da TGIS, é efetuada apenas uma liquidação anual, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um seu pagamento parcial.

Que o pagamento de uma das prestações da liquidação efetuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS não é um pagamento parcial daquela liquidação, mas tão só uma técnica de cobrança do imposto liquidado, é corroborado pelo n.º 4 do artigo 120.º, do Código do IMI, aplicável subsidiariamente, segundo o qual “No caso previsto nos n.ºs 1 e 3, o não pagamento de uma prestação ou de uma anuidade, no prazo estabelecido, implica o imediato vencimento das restantes”, o que denuncia a unidade da prestação tributária devida [5].

 

Sobre a inimpugnabilidade de uma prestação de IMI já se pronunciou o processo arbitral n.º 120/2012-T, que correu termos no CAAD (disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/), de que se extraem os seguintes fragmentos, nos quais se remete para a redação do artigo 120.º, do CIMI, em vigor à data dos factos que dele foram objeto:

De acordo com o disposto no artigo 113.º, n.º 2 do Código do IMI, a liquidação deste imposto é efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte àquele a que o imposto diz respeito. Nos termos do n.º 1 do artigo 120.º do mesmo diploma, o imposto deve ser pago em duas prestações, nos meses de abril e setembro, desde que o seu montante seja superior a Euros 250, devendo o pagamento, no caso de esse montante ser igual ou inferior àquele limite, ser efetuado de uma só vez, durante o mês de Abril.” (…) “Conforme resulta, assim, do disposto nos referidos artigos, embora o ato autonomamente sindicável seja o ato de liquidação de IMI (sublinhado nosso), o prazo para contestar a sua legalidade apenas deverá ser contado a partir do termo do prazo de pagamento do imposto nele apurado. Devendo este ser pago, nos termos da lei, em mais do que uma prestação, apenas com o termo da última daquelas (pressupondo, naturalmente, a não verificação de situações de vencimento antecipado) é que se poderá assim iniciar a contagem do praxo referido no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável, no âmbito do processo arbitral, ex vi o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei nº. 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”).” (…) “Tal conclusão resulta, aliás, clara da natureza indivisível do ato de liquidação, bem como da necessidade – de resto, enfatizada pela própria Requerida – de, relativamente à mesma liquidação de IMI - que, nos termos da lei deva ser paga em duas prestações - não serem proferidas decisões administrativas ou judiciais contraditórias.” (sublinhado nosso) (…) “É que – reiteremos –, não sendo qualquer das prestações de pagamento de IMI autonomamente sindicável – mas apenas o ato de liquidação a que aquelas se refiram”. (sublinhado nosso).

Citando BRAZ TEIXEIRA, diremos que “A prestação correspondente à obrigação de imposto pode ser instantânea ou periódica (…)”. No entanto, “É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por atos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efetuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação.”.[6]  (sublinhado nosso)

 

A natureza das prestações de uma liquidação de IMI e, correlativamente, das liquidações do Imposto de Selo a que se refere a verba 28.1 da TGIS, é a de divisão da liquidação global, efetuada anualmente, não podendo, por esse motivo, ser impugnadas autonomamente, pois o objeto da impugnação judicial (e do processo arbitral tributário) é o ato tributário de liquidação.

Concluindo-se, pelos motivos expostos, pela inimpugnabilidade de uma prestação de liquidação de Imposto de Selo, verba 28.1 da TGIS, por remissão para as normas do Código do IMI, de aplicação subsidiária à matéria em análise, não pode o processo prosseguir.

 

IV – DECISÃO:

 

A conclusão de que a liquidação de Imposto de Selo, da verba 28 da TGIS, é incindível, não podendo cada uma das suas prestações ser autonomamente impugnada, reconduzindo-se à “inimpugnabilidade do ato impugnado”, obsta ao prosseguimento do processo e à apreciação de mérito da causa, pelo que se decide absolver a A.T. da instância.

 

VALOR DO PROCESSO:

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 3.846,14.

 

CUSTAS:

 

Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 612.00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 17 de dezembro de 2014.

 

 

 

O Árbitro,

 

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1991. 

 



[1] MACHADO, J. Baptista, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1995, pág. 183.

[2] Decisão Arbitral anulada pelo acórdão do TCA-Sul proferido no âmbito do Processo n.º 08370/15, de 03-03-2016.

[3] SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado” I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 875.

[4] MENDES, João de Castro Mendes, Direito Processual Civil – II.º Vol. AAFDL; 1987, págs. 491 e 495.

[5] Segundo Nuno Sá Gomes, “Manual de Direito Fiscal”, Volume I, Editora Rei dos Livros, 1995, a pág. 131, “o imposto [sucessório] não deixa de ser de prestação única ainda que seja pago em prestações (cfr. artigo 120.º do Código da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações); pois vencida e não paga uma prestação vence-se imediatamente a totalidade do imposto (art. 122.º) o que denuncia a unidade da prestação tributária devida”.

[6] TEIXEIRA, António Braz, “Princípios de Direito Fiscal”, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1995, págs. 243 e 244.