Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 402/2014-T
Data da decisão: 2015-01-28  IRS  
Valor do pedido: € 1.288,59
Tema: IRS – tributação de mais-valias mobiliárias
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

       O árbitro, Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, acorda no seguinte:

 

 

1.    RELATÓRIO

 

1.1. A, com o número de identificação fiscal … (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS n.º 2014…, referente ao exercício de 2010, que ditou imposto e juros compensatórios a pagar no valor de € 1.288,59.

 

1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente designada por “AT”) em 29 de Maio de 2014, tendo sido designado como árbitro do Tribunal Arbitral Singular aquele já acima indicado, que aceitou o encargo.

 

1.4. Em 15 de Julho de 2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi constituído em 30 de Julho de 2014.

 

1.6. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

(i) Que ficou consignado que a posse das acções ocorreu na data de 13.3.2009, baseando-se para tanto na cláusula 3.ª do termo de transacção junto aos autos, pelo que não é com referência ao exercício de 2010 que se deve considerar a transmissão, mas sim com referência ao exercício de 2009 e que, considerando que a liquidação ocorreu no exercício de 2010, tem como consequência operar a caducidade do direito à liquidação.

 

(ii) Entende que, in casu, ocorre a aplicação retroactiva pela Requerida das alterações ao Código do IRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

 

(iii) E que no caso das mais-valias de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa, não se está perante um facto tributário complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas sim perante um facto tributário instantâneo.

 

(iv) Sustenta que o facto tributário que deu origem ao imposto em causa nos autos esgota-se na realização da mais-valia.

 

(v) E que a este entendimento, que vem sufragar, não obsta a circunstância de ser tributado “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”, pois que o que está em causa no art. 43.º, n.º 1 do CIRS alega, é, ao lado das normas que regem a determinação do ganho sujeito a imposto, a determinação da matéria colectável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais-valias.

 

(vi) Entende que no caso da tributação das mais-valias se está perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo de a matéria colectável ser apurada anualmente.

 

                                                               

(vii) E que a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação, e que ditou a revogação do art. 10.º, n.º 2 do CIRS, não estabeleceu qualquer norma específica destinada a reger a sua aplicação no tempo, donde vem dizer que se deve atender às regras gerais previstas no art. 12.º da LGT, já que diz que a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho não se pretendeu aplicar retroactivamente.

 

(viii) Considera que o facto tributário verifica-se à data da realização da mais-valia, ou seja, no momento da sua alienação, por aplicação do disposto no art. 12.º, n.º 1 da LGT, as mais-valias cuja tributação se pretende nos autos é ilegal, porquanto defende que a aplicação da nova lei a factos tributários de natureza instantânea, já completamente formados, anteriores à sua data de entrada em vigor, configura uma aplicação retroactiva da lei, in casu, uma retroactividade autêntica.

 

(ix) Donde alega que a liquidação adicional de imposto e juros compensatórios em causa nos autos é ilegal por aplicação retroactiva da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, sendo que no domínio da anterior lei, estava isenta de tributação em virtude da detenção das acções por mais de 12 meses.

 

(x) Refere que mesmo que se entenda que é legal a aplicação da Lei n.º 15/2010, o que apenas admite a título académico, a taxa de IRS aplicável não seria a de 20% mas sim a de 10%.

 

(xi) Sendo que a Requerida afastou a aplicação daquela taxa de 10%, com a seguinte fundamentação: “No âmbito da verificação das condições para a aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 43º do CIRS entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas nos termos do anexo ao DL 372/2007 de 6/11 e certificadas com o tal pelo IAPMEI, IP. Consultada a certificação desta entidade junto do site do IAPMEI verificou-se que não existe nenhuma certificação registada…”.

 

(xii) Defendendo que para beneficiar da exclusão tributária prevista naquela norma o titular de mais-valias obtidas na alienação de participações sociais de PME não precisa de exibir a certificação emitida nos termos do DL 372/2007 e que não lhe pertence o dever de demonstrar e provar a qualidade de PME, porquanto sendo o contencioso tributário um contencioso de mera anulação e não constitutivo de efeitos tributários, cabe ao contribuinte apenas demonstrar o erro dos pressupostos de facto ou de direito considerados pela administração de que o acto possa sofrer.

 

(xiii) Termos em que pugna pela procedência do seu pedido, devendo ser restituído o imposto e juros compensatórios pagos acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

 

 

1.7. A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente, alegando de forma sumária, como segue:

 

(i) Que nem o contrato promessa, nem o termo de transacção, constituem prova bastante de que as aludidas acções passaram a estar na disponibilidade do promitente comprador com a assinatura do contrato-promessa.

 

(ii)            E que a transmissão das acções ocorreu em 2010 com a celebração do contrato definitivo.

 

(iii) Donde, defende, não procede o imputado vício de caducidade do direito à liquidação.

 

(iv) Relativamente à aplicação retroactiva da lei fiscal, vem dizer que a Lei nº15/2010, de 26 de Julho, que revogou o anterior regime de isenção de tributação relativamente a acções detidas há mais de 12 meses, não criou nenhuma norma de direito transitório que salvaguardasse eventuais factos tributários ainda em formação.

 

(v) E que o legislador ao não consagrar nenhuma norma de direito transitório que salvaguardasse a tributação de factos tributários em formação quis, expressamente, que as situações de realização de mais-valias durante o ano de 2010, das quais resultasse um saldo positivo fosse sujeito a tributação efectiva, independentemente da data da sua realização.

 

(vi) Sendo que os rendimentos em causa nos autos constituem uma das categorias de rendimentos que integram a incidência real ou objectiva do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), sendo este imposto um imposto directo e periódico de carácter anual.

 

(vii) E como vem sendo defendido pela generalidade da doutrina o facto gerador do imposto verifica-se em 31 de Dezembro de cada ano, só assim se compreendendo o carácter unitário e global da tributação do rendimento, muito embora haja um recorte analítico das várias categorias de rendimentos de acordo com a sua fonte.

 

(viii) Alega que o facto gerador não é o ganho resultante da alienação, mas o saldo positivo apurado em determinado período de tributação entre as mais e as menos valias realizadas.

 

(ix) Não concorda que o facto gerador, no caso dos presentes autos, seja a alienação das acções que deram origem às mais-valias tributadas, pois defende que tal desvirtua o carácter anual do imposto e vem atentar contra o seu carácter unitário, princípio básico e estruturante da Reforma da Tributação do Rendimento levada a cabo pelo legislador em 1989.

 

(x) Donde, entende que a liquidação impugnada não viola o nº 2 do art. 12.º da LGT, porquanto não aplicou a Lei 15/2010, de 26 de Julho, a um facto decorrido antes da sua entrada em vigor, mas sim, a um facto tributário – o saldo positivo apurado para aquele ano de 2010 – facto que ocorre já depois da sua entrada em vigor.

 

(xi) Conclui dizendo que o valor dos rendimentos sujeitos a mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme dispõe o art. 43.º, do código do IRS, sendo que o facto tributário sujeito a imposto só está completo no último dia do período de tributação.

 

(xii) Relativamente à alegada inexistência de certificação como micro e pequena empresa emitida pelo IAPMEI, vem dizer que caberia ao Requerente fazer a prova do cumprimento dos requisitos materiais constantes do Anexo ao DL 372/2007, de 06/11 – requisitos atinentes aos efectivos e aos limiares financeiros, prova que, nos termos do nº 1 do art. 74º da LGT, entende que impende sobre a Requerente.

 

(xiii) E que a Requerente abstém-se de apresentar qualquer documento ou sequer de fazer qualquer alusão ao número de efectivos e ao volume de negócios anual.

 

(xiv) Conclui, pugnando pela total improcedência do pedido arbitral.

 

 

1.8. O Tribunal dispensou a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, por Despacho Arbitral inserido no sistema processual em 12/11/2014, considerando que os autos contêm já os elementos de facto necessários e suficientes para decidir de Direito, o que não mereceu oposição das partes. Não foram identificadas excepções, tendo sido igualmente dispensada a apresentação de alegações, considerando que ambas as partes fundamentaram as suas posições. A prolação da decisão arbitral foi fixada até ao fim do prazo de 6 meses.

 

 

 

* * *

 

1.9. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

2.0. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

2.1. Não foram identificadas nulidades no processo, nem excepções, não havendo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2.    QUESTÕES DECIDENDAS 

 

       Na petição arbitral, a Requerente apresenta as seguintes questões:

 

1.    O facto tributário – alienação de acções – ocorreu ou não no ano de 2009, com a celebração do contrato promessa de compra e venda de acções datado de 13/03/2009, operando, assim, a caducidade do direito à liquidação?

2.    A aplicação da Lei n.º 15/2010, de 26/07, ao caso sub judice constituirá uma situação de retroactividade da lei fiscal, gerando a anulabilidade da liquidação em causa nos autos?

3.    A sociedade comercial cujas participações sociais foram alienadas preenchia os requisitos legais para ser considerada uma micro e pequena empresa, daí resultando a aplicação in casu, de uma taxa de IRS de 10% ao invés da taxa aplicada de 20%?

 

 

3.         MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A)    A Requerente, conjuntamente com outras pessoas, foram titulares das acções representativas do capital social da sociedade B SA, com sede na Rua …Vila Real de Santo António, com o capital social integralmente realizado de €55.100,00€ (cinquenta e cinco mil e cem euros), dividido em 5.510.000 (cinco milhões quinhentas e dez mil) acções com o valor nominal de €0,01 (um cêntimo) cada uma, Pessoa Colectiva …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila Real de Santo António sob o número … (cfr. Contrato de Compra e Venda de Acções com o PA junto aos autos).

 

B)    A Requerida, na sequência de procedimento de inspecção interno à Requerente, com a Ordem de Serviço n.º OI2014…, de âmbito parcial em sede de IRS, datada de 18/02/2014, operou uma correcção aritmética em sede de IRS, com referência ao ano fiscal de 2010, no valor de €3.320,15, correspondente a uma mais-valia gerada pela alienação de acções, resultante da diferença entre o valor de realização, de € 3.920,15, e o valor de aquisição, de €100,00 (depois de aplicada a redução de €500,00, prevista no art. 72º do Estatuto dos Benefícios Fiscais) – cfr. PA junto aos autos.

 

C)    A empresa C E.M. S.A., titular do NIPC …, adquiriu em 12/03/2010 à Requerente 10.000 acções da sociedade B, SA pelo valor de € 3.920,15. (cfr. PA junto aos autos).

 

D)    A sociedade C E.M. S.A, adquirente das acções em causa nos autos, procedeu à entrega electrónica de uma Declaração modelo 4, em 26/03/2010, confirmando a aquisição de 10.000 acções à Requerente no dia 12/03/2010. (cfr. PA junto aos autos).

 

E)     A Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributário, por ofício datado de 17/03/2014, tendo exercido Direito de Audição (cfr. PA junto aos autos).

 

F)     A Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção Tributário no dia 16/04/2014.

G)    A Requerente intentou acção judicial no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, que, no âmbito do Processo Judicial n.º 445/11.0TBVRS, originou um Termo de Transacção, valendo como aditamento ao Contrato Definitivo de Compra e Venda de Acções, no que se refere ao pagamento do preço de aquisição das acções em causa nesse contrato (cfr. PA junto aos autos).

H)    A transmissão das acções ocorreu em 12/03/2010, com a celebração do contrato definitivo junto aos autos (cfr. PA junto aos autos).

I)       O valor de aquisição das acções em causa nos autos fixou-se em € 0,01 por acção e o custo de alienação das mesmas fixou-se € 3.920,15 (cfr. PA e contrato definitivo de compra e venda de acções junto aos autos).

J)       A Requerente não declarou na Declaração Anual Modelo 3, no anexo G, referente ao ano de 2010, a alienação das acções em causa nos autos (cfr. PA junto aos autos).

 

4.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

       Não se provou de modo cabal que a posse das acções em causa tenha ocorrido na data da assinatura de um contrato promessa datado de 13/03/2009, que, de resto, nenhuma das partes juntou aos autos, porquanto o termo de transacção junto aos autos, o qual vale como aditamento ao contrato definitivo de compra e venda de acções celebrado em 12/03/2010, vem, em rigor, apenas alterar a forma de pagamento do preço das acções adquiridas e tituladas nesse contrato, e, por outro lado, a cláusula 3.ª do contrato definitivo de compra e venda de acções junto aos autos atesta que: “Com a outorga do presente contrato é efectuada a transmissão das acções” - tendo o mesmo sido assinado por todas as partes envolvidas nesse contrato e não tendo a Requerente produzido qualquer prova nos autos susceptível de formar a convicção do Tribunal de que a posse das acções pela sociedade adquirente, com todos os direitos aí inerentes, ocorreu efectivamente no ano fiscal de 2009.

       Aliás, cumpre referir que a Requerente não junta com a sua petição arbitral qualquer tipo de documento.

       Pelo que, face à prova produzida nos autos, é convicção deste Tribunal que a transmissão e posse das acções ocorreu em 12/03/2010 com a celebração do contrato definitivo de compra e venda de acções.

       Com efeito, o Tribunal entende que o termo de transacção junto aos autos não constitui prova bastante de que as acções em causa passaram a estar na disponibilidade da adquirente – a sociedade C E.M. S.A, desde a data da assinatura do supra referido contrato-promessa, que, como se disse, não consta dos autos, considerando que este tipo de documento constitui, na sua essência, uma mera declaração das partes e, por outro lado, considerando o facto dado como provado de que a própria sociedade adquirente C E.M. S.A., apenas declarou para efeitos fiscais a aquisição dessas mesmas acções no exercício de 2010.

       Não existem outros factos não provados, com interesse para a decisão da causa.

 

 

5.    FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

            Quanto aos factos essenciais, a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base na prova documental junta ao processo e acima discriminada, cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

           

6.    DO DIREITO

 

De acordo com as questões enunciadas, que constam do ponto n.º 2 da presente Decisão, e tendo em conta a matéria de facto fixada no ponto n.º 3, importa agora determinar o Direito aplicável.

 

       Não tendo a requerente estabelecido qualquer prioridade (que não de índole argumentativa) entre aquelas questões que submeteu a juízo, cumprirá conhecer em primeiro lugar do vício cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, conforme prescreve o n.º 2 do artigo 124.º do CPPT.

 

       Assim, começar-se-á por analisar a primeira das questões colocadas ao Tribunal já que, procedendo a mesma, obterá a Requerente desde logo uma tutela mais eficaz e estável dos seus interesses.

 

       Considerando que não foi dado como provado pelo Tribunal que a posse das acções tenha ocorrido no ano de 2009, improcede, sem necessidade de mais considerações, o pedido de declaração da caducidade da liquidação adicional em causa nos autos.

 

       De referir que a liquidação adicional de IRS em causa nos autos não foi junta por nenhuma das partes, pelo que o Tribunal não logrou apurar se a mesma terá efectivamente ocorrido no ano de 2014, mas, considerando que nenhuma das partes suscitou tal questão, considera-se que a mesma terá sido efectivamente notificada à Requerente no ano de 2014.

 

 

Entrando na apreciação da segunda das questões colocadas à decisão deste Tribunal, importa referir que a questão aqui em causa foi já objecto de tratamento jurisprudencial, quer nos tribunais administrativos e fiscais, quer nos tribunais arbitrais, podendo ser consultado, a esse respeito, os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.ºs 01582/13, de 04/12/2013 e 01078/12, de 08/01/2014, disponíveis em www.dgsi.pt, que apreciaram exaustivamente a questão da aplicação das alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, bem como, a nível arbitral, recaindo já sobre esta mesma questão a decisão do processo 25/2011-T disponível em http://www.caad.org.pt/jurisprudencia/jurisprudencia-tributaria

 

Seria fastidioso e inútil estar aqui a reproduzir ipsis verbis os argumentos espraiados nas decisões judiciais e arbitrais indicadas, que decidiram questão em tudo análoga à que nos ocupa nos presentes autos.

 

Efectivamente, o colendo Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se quanto à tributação de mais-valias mobiliárias, em sede de IRS, decorrente das alterações ocorridas através da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, no sentido, que subscrevemos, que as alterações legislativas que se verificaram a meio desse ano de 2010 apenas se aplicam às mais-valias realizadas após a entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

 

Entendeu o Supremo Tribunal Administrativo nas decisões acima identificadas, no que o acompanhamos, que o momento relevante na tributação das mais-valias mobiliárias para a determinação da lei aplicável é o da alienação, o da transacção individualmente considerada, ainda que o imposto se apure, apenas, no final de cada ano de tributação.

 

Assim sendo, e porque a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, não previu quaisquer normas referentes à sua aplicação no tempo, esta apenas se poderia aplicar a factos futuros, isto é, às alienações de activos mobiliários ocorridas em momento posterior ao da sua entrada em vigor, ou seja, a partir de 27 de Julho de 2010.

 

Deste modo, o Tribunal não pode sufragar o entendimento que a Requerida faz nos autos de aplicar a nova legislação às mais-valias realizadas durante o decurso do ano de 2010, independentemente da data da alienação dos activos, por entender que o facto (tributário) sujeito a imposto é o saldo positivo, verificado no final do ano, entre as mais-valias e as menos-valias, e não as concretas operações ocorridas na data da alienação.

 

Entende este Tribunal, na linha dos arestos acima identificados, que a aplicação que a AT faz da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, é ilegal, pela errada interpretação que fez das normas, designadamente o artigo 12.º da LGT, e dos princípios que regulam a aplicação da lei fiscal no tempo.

       In casu, deu-se como provado que a alienação das acções terá ocorrido em 12/03/2010 com a celebração do contrato definitivo de compra e venda de acções, em data, portanto, anterior à entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, pelo que se conclui que tendo a Requerente obtido a mais-valia tributável resultante da alienação de acções em data anterior à da entrada em vigor desta Lei, não poderão tais ganhos ser tributados em sede de IRS, por força da exclusão da incidência de IRS sobre as mais-valias de alienações de acções detidas por período superior a 12 meses prevista na então alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, aplicável, portanto, ao caso sub judice.

       Nestes termos, na medida em que a AT faz uma aplicação desconforme das alterações ao CIRS produzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, ao caso sub judice, haverá que anular a liquidação impugnada, procedendo, assim, o pedido.

       A procedência da invalidade em causa, conferindo uma tutela segura e eficaz dos interesses da Requerente, prejudica o conhecimento da terceira questão colocada, e atrás já elencada, motivo pelo qual não se procederá ao conhecimento da mesma.

 

De referir que a Requerente não junta aos autos comprovativo do pagamento do imposto e juros compensatórios liquidado oficiosamente, pelo que a restituição destes valores fica condicionado à apresentação pela Requerente junto da Requerida do respectivo comprovativo de pagamento.

 

 

7 – DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide-se:

 

·         Julgar procedente o pedido da Requerente, declarando a ilegalidade da liquidação oficiosa de IRS n.º 2014 …, referente ao exercício de 2010, que ditou imposto e juros compensatórios a pagar no valor de € 1.288,59, por vício de violação de lei;

  • Condenar a Requerida à restituição do montante de € 1.288,59, condicionado à apresentação pela Requerente da respectiva prova de pagamento;
  • Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto pela Requerente até à data do integral reembolso do mesmo;
  • Condenar ainda a Requerida a pagar as custas do presente processo.

 

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.288,59 (mil duzentos e oitenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos) nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se a taxa de arbitragem em € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a pagar integralmente pela Requerida, nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT.

 

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 28 de Janeiro de 2015

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.