Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 422/2014-T
Data da decisão: 2014-12-09  Selo  
Valor do pedido: € 5.255,89
Tema: IS - Verba 28. 1 da TGIS ; Imóvel em propriedade total
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DECISÃO ARBITRAL

 

Processo n.º 422/2014-T

 

Tema: Verba 28. 1 da TGIS ; Imóvel em propriedade total

Autora/Requerente: A..., S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)

 

1. Relatório

Em 09-06-2014, a A..., S.A., contribuinte fiscal n.º …, com sede na Avenida …,  Lisboa, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), ao abrigo do art. 10.º do D.L. n.º 10/2011, de 21.01, o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários de liquidação da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativos aos andares do prédio urbano em propriedade total sito na Avenida …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., da freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da referida freguesia.

A Requerente peticiona a anulação dos seguintes atos de liquidação de imposto de selo:

- N.º ... – no valor de € 185,05;

- N.º ... – no valor de € 858,90;

- N.º ... – no valor de € 858,90;

- N.º ... – no valor de € 850,64;

- N.º ... – no valor de € 850,64;

- N.º ... – no valor de € 825,88;

- N.º ... – no valor de € 825,88.

Alega, para tanto, que o imóvel da sua propriedade a que se reportam as referidas liquidações de Imposto de Selo, cuja legalidade se discute, é um prédio em propriedade total, dividido em 7 andares, com utilização independente, sendo que nenhum desses andares tem valor patrimonial tributário (VPT) igual ou superior a € 1.000.000. Na sua perspetiva não se verifica o pressuposto legal de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.

Foi designado como árbitro único, em 29-07-2014, Ricardo Marques Candeias. Em conformidade com o previsto no art. 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 09-09-2014.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou resposta a 15-10-2014. Esgrima que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações controvertidas deveria ser julgado improcedente, pois o valor patrimonial relevante para efeitos de incidência de imposto é o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda que sejam suscetíveis de utilização independente, por não se encontrar o prédio constituído em propriedade horizontal.

Requereu ainda a AT a dispensa de produção de prova testemunhal solicitada pela Requerente bem como de realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT e respectivas alegações orais.

Apesar de notificada para o efeito, a AT não juntou o PA.

Notificada para se pronunciar veio a Requerente dizer que nada tinha a opor.

Insistindo-se junto da AT para proceder à junção do processo administrativo aos presentes autos, veio aquela responder no sentido da sua dispensa, alegando estarmos perante matéria de direito e considerando o princípio da celeridade processual.

O tribunal arbitral entendeu, face aos elementos carreados para os autos, e inexistindo exceções a dirimir, não ser necessária a realização da reunião prevista bem como a produção de alegações. Consequentemente, em 06-11-2014 foi fixada para prolação da decisão o dia 17-11-2014.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade processual (arts. 4.º e 10.º, n.º 1 e 2, do RJAT, e art. 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades e não foram suscitas questões prévias que cumpra apreciar.

 

2. Matéria de facto

Apreciada criticamente a prova documental produzida pela Requerente, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

a)      A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., da freguesia de …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da referida freguesia;

b)      O prédio encontra-se em propriedade total, constituído por 7 andares suscetíveis de utilização independente;

c)      A AT liquidou Imposto de Selo relativo ao ano de 2013, com data de 17-03-2014, referente a cada um dos sete andares com utilização independente e com afectação habitacional, existentes no prédio supra identificado, no valor correspondente a 1% do seu valor patrimonial tributário:

                                                 I.        Liquidação n.º ..., no valor de € 185,05, referente ao sétimo andar, com um VPT de € 37.010,00;

                                              II.        Liquidação n.º ..., no valor de € 858,90, referente ao sexto andar, com um VPT de € 257.670,00;

                                           III.        Liquidação n.º ..., no valor de € 858,90, referente ao quinto andar, com um VPT de € 257.670,00;

                                           IV.        Liquidação n.º ..., no valor de € 850,64, referente ao quarto andar, com um VPT de € 255.190,00;

                                              V.        Liquidação n.º ..., no valor de € 850,64, referente ao terceiro andar, com um VPT de € 255.190,00;

                                           VI.        Liquidação n.º ..., no valor de € 825,88, referente ao segundo andar, com um VPT de € 247.760,00;

                                        VII.        Liquidação n.º ..., no valor de € 825,88, referente ao primeiro andar, com um VPT de € 247.760,00;

d)     O prazo limite de pagamento destas liquidações terminava em 30-04-2014.

e)      O valor patrimonial total do prédio é de € 1.558.250,00.

f)       A Requente foi notificada para proceder ao pagamento das referidas notas de liquidação no valor total de € 5.225,89.

g)      A Requerente não procedeu ao pagamento do referido valor.

A convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, concretamente os pontos a) e e), resultam do teor da caderneta predial junta aos autos e os pontos b), c), d), f) e g) resultam das notas de liquidação da primeira prestação do imposto.

Para a decisão da causa não se provaram outros factos com relevância.

 

3.      Do direito

A questão decidenda prende-se exclusivamente com a de saber se a regra de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) é aplicável a prédios que não se encontram constituídos em propriedade horizontal. Com efeito, nesses casos questiona-se se a referida verba deverá incidir sobre o somatório do VPT atribuído aos diferentes andares, isto é, sobre o VPT total do prédio, ou, antes, sobre o VPT de cada andar com utilização económica independente do prédio.

Na perspetiva da requerente, a “posição da AT é manifestamente ilegal e mesmo inconstitucional”, por considerar que para “um prédio em propriedade vertical o critério para determinação da incidência do imposto de selo é o VPT global dos andares e divisões destinados a habitação”. Com efeito, “a sujeição a imposto do selo é determinada não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um dos andares ou divisões”. Consequentemente, “a AT não pode considerar como valor de referência do novo imposto o valor total do prédio, uma vez que próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, sendo este o Código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 TGIS”. Se o fizesse, resultaria “numa nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade fiscal”. Deve antes prevalecer um critério de capacidade contributiva e não uma realidade meramente formal do prédio.

Em entendimento adverso, a AT vem contrapor o facto não ser possível qualificar cada andar como prédio, nos termos do n.º 4 do art. 2.º do CIMI, já que o pretendido pela Requerente é a aplicação analógica do regime instituído para a propriedade horizontal aos prédios em propriedade total, o que feriria o princípio da legalidade. Pugna, assim, pela inconstitucionalidade da interpretação da verba 28.1 da TGIS no sentido de o VPT de que depende a sua incidência ser apurado por cada andar e não globalmente, ferindo o princípio da legalidade tributária.

A requerida dá assim ênfase ao diferente regime jurídico-civilístico atribuído à propriedade horizontal face à propriedade total, os quais consistirão, mesmo para efeitos fiscais, institutos jurídicos diferentes, o que justifica o diferente tratamento em termos de incidência da verba 28.1 da TGIS.

Cumpre então apreciar.

A controvérsia em análise já foi objeto de vários acórdãos do CAAD, nomeadamente, os proferidos nos processos 14/2014-T, 30/2014-T, 88/2014-T, 132/2013-T e 272/2014-T, que seguiremos de perto.

A verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS) foi aditada pela Lei 55-A/2012, de 29 de outubro. Ela estabelece o seguinte:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);”

Com o aditamento do n.º 2 do art. 67.º do Código do Imposto do Selo (CIS), operado também pela referida Lei, estabeleceu-se que quanto “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”.

Por força desta remissão, reportando-se a norma de incidência da verba 28.1, TGIS, a prédios urbanos, importa buscar o conceito de prédio urbano ao CIMI.

O CIMI estabelece no art. 2.º, 1, o conceito de prédio. Define-o como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.

Já o art. 4.º do CIMI estabelece que são prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.

Por sua vez, o art. 6.º, ibidem, procede à classificação das diversas espécies de prédios urbanos, distinguindo-os, no n.º 1 do referido artigo, em quatro subcategorias: “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”. Por sua vez, o n.º 2, positiva o critério utilizado para essa distinção, definindo que os “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

Ora, verificamos que não decorre de qualquer dos normativos legais do citado diploma qualquer classificação dos prédios urbanos que os distinga entre prédios em propriedade horizontal versus prédios em propriedade vertical.

Se o legislador os qualifica como uma mesma realidade jurídico-fiscal, claudicará sustentação legal à aplicação de diferentes regimes fiscais, por força da natureza jurídico-civilística que um prédio urbano com afectação habitacional detenha.

É certo que o art. 2.º, 4, do CIMI, determina que, "para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio". Porém, é também verdade, que o mesmo não estabelece qualquer diferenciação entre as fracções autónomas dos prédios em propriedade horizontal estas e as partes do prédio com utilização independente da classificação enquanto prédios urbanos habitacionais. Daqui resulta que o legislador pretendeu apenas, como fez, diferenciar os prédios urbanos considerando o seu destino normal, isto é, considerando o destino a que cada um deles está adstrito. Do ponto de vista fiscal não assistimos a uma distinção que a lei civil prevê, entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical. Consequentemente, essa caracterização jurídica é irrelevante para aquilo que nos interessa, que é o âmbito de incidência do imposto, tanto do IMI como da verba 28.1 da TGIS, decorrente da mencionada remissão. É antes pertinente a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização habitacional.

Aliás, atenta a intenção do legislador ao criar a verba 28 da TGIS e à aplicação que a AT lhe vem dando, considera-se que o critério por esta adotado quanto aos prédios em propriedade vertical não se adequa aos princípios da legalidade, igualdade e proporcionalidade fiscal, consagrados constitucionalmente no nosso ordenamento jurídico.

O princípio da igualdade fiscal deverá ser entendido no seu sentido material. Pelo que, a tónica deste princípio assentará sempre na capacidade contributiva de cada contribuinte. O mesmo é dizer que teremos um imposto igual para os que tiverem igual capacidade contributiva, e um imposto diferente para os que dispuserem de diferente capacidade contributiva. Certo é que a diferença no imposto será proporcional à diferente capacidade contributiva. 

Este princípio é-nos imposto pela articulação do art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), com os arts. 103.º e 104.º do mesmo diploma.

Ora, o imposto estabelecido pela verba 28 da TGIS pretende harmonizar a repartição do esforço fiscal dos contribuintes, fazendo incidir este imposto sobre os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, que excedam € 1.000.000, por cada andar com utilização independente.

Com efeito, determinando o princípio da igualdade fiscal que se deve tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, não se justifica o tratamento diferenciado, para efeitos de tributação, dos andares de um prédio só pelo facto de o mesmo já se encontrar em propriedade horizontal, conquanto que esses andares tenham utilização independente.

E remetendo o CIS para o CIMI, consideramos que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes andares com utilização independente, deverá obedecer às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.

Atente-se, desde logo, no disposto no n.º 3, do art. 12.º do CIMI, segundo o qual "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário".

Concluímos que fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretende a AT, não encontra qualquer base na legislação aplicável e supra referida.

Aliás, a própria Requerida emitiu sete notas de Liquidação, sendo cada uma delas referente a cada um dos andares com utilização independente e afectação habitacional, constando, inclusive, em cada delas particular referência ao VPT de cada andar, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS. Decorre deste facto uma liquidação individual do imposto em relação a cada uma das partes com utilização independente e não em relação à soma dos VPT dos andares do prédio em propriedade total.

Considerando todo o exposto, o critério legal a utilizar para definição da incidência do imposto estabelecido na verba 28.1 da TGIS terá de ser idêntico ao estabelecido para efeitos do IMI.

Como se pode ler na Decisão Arbitral proferida no processo 132/2013-T, “não se vislumbra, nos trabalhos relativos à discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada. Com efeito, justificou-se tal medida, apelidada de "taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor", com a necessidade de cumprir com os princípios da equidade social e da justiça fiscal, onerando mais significativamente os titulares de propriedades com elevado valor destinadas a habitação, e, nessa medida, fazendo incidir a nova "taxa especial" sobre as "casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros".

Prossegue ainda a referida decisão afirmando que “se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a «habitação» - seja ela «casa», «fracção autónoma» ou «parte de prédio com utilização independente» / «unidade autónoma» -, porque se supõe uma capacidade contributiva acima da média e, nessa medida, se justifica a necessidade de realização de um esforço contributivo adicional, pouco sentido faria passar a desconsiderar os apuramentos "unidade a unidade" quando só através do somatório dos VPTs das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo) é que se superaria o milhão de euros”.

Posto o que só assistiria razão à AT e, consequentemente, direito à liquidação do imposto em causa se a algum dos andares com utilização independente correspondesse um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não acontece em nenhum dos andares do prédio da Requerente. Com efeito, o valor mais elevado corresponde a € 257.670,00. Observamos, assim, a não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28 da TGIS.

Por último, em consequência do exposto, concluímos pela ilegalidade das liquidações de imposto de selo impugnadas pela Requerente. Deverá por isso a matéria colectável, que serve de base à norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, ser o VPT determinado nos termos do CIMI, para cada um dos andares do prédio que sejam suscetíveis de utilização independente.

 

4. Decisão

Perante o supra descrito, decide-se julgar totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo n.º ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., devendo as mesmas considerarem-se nulas, com as necessárias consequências legais.

 

Valor do processo

De acordo com o disposto no art. 306º, 2, CPC, e 97º-A, 1, a), do CPPT, e 3º, 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da ação em 5.255,89 €.

 

Custas

Nos termos do art. 22º, 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, devidas pela Autoridade Tributária.

Notifique.

 

Lisboa, 09 de dezembro de 2014.

Texto elaborado por computador, nos termos do art. 131º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do art. 29º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

Ricardo Marques Candeias