Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 424/2014-T
Data da decisão: 2015-02-27  Selo  
Valor do pedido: € 21.245,19
Tema: IS - Terrenos para construção; Verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

1.                  Relatório

 

1.1       A…, casada, com NIF …, residente na Rua …, no concelho de Vila Nova de Gaia, doravante também designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), sendo a “Requerida”, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

 

A Requerente pretende a declaração da ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (IS) relativas aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 (que constam dos documentos 2 a 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que se referem às guias de pagamento deste imposto).

 

A Requerente pretende ainda a condenação da AT no reembolso à Requerente das quantias indevidamente pagas relativamente a essas liquidações no valor de € 21.245,19, acrescido de juros de mora.

 

Adicionalmente, aquando da realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, a Requerente requereu a ampliação do seu pedido a todos os actos de liquidação de IS que a AT venha a fazer na pendência do presente processo até trânsito em julgado da respectiva decisão arbitral, requerendo ainda que o Tribunal se pronuncie sobre o montante da caução adequada a obter a suspensão do processo fiscal executivo de quaisquer quantias que continuem a ser liquidadas em sede de IS, tendo manifestado a vontade de prestar caução por depósito, em numerário, da quantia que for fixada.

 

1.2       Como fundamento do seu pedido, a Requerente alega em síntese que:

 

(a)    A Requerente é dona e legitima possuidora do prédio urbano, com artigo matricial U-..., com valor patrimonial de €1.158.830,00, avaliado para efeitos de IMI em 2008.

(b)   Em Novembro de 2012, a Requerente foi notificada do acto de liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 6.º da Lei 55-A/2012, para pagar a quantia de IS relativo ao exercício de 2011, no valor de € 5.794,15.

(c)    Em Março de 2013, a Requerente foi notificada pela AT do acto de liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto na Verba 28.1 da TGIS, para pagar a quantia de IS relativo ao exercício de 2012, em três prestações iguais, no valor total de € 11.588,30.

(d)   Em Março de 2014, a Requerente foi notificada pela AT do acto de liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto na Verba 28.1 da TGIS, para pagar a quantia de IS relativo ao exercício de 2013, em três prestações iguais, no valor total de € 11.580,30.

(e)    A Requerente até à presente data – 07/06/2014 – pagou à AT a quantia total de €21.245,19, que inclui as liquidações de IS relativas aos exercícios de 2011, no valor de € 5.794,15, de 2012, no valor de € 11.588,30 (em 3 prestações) e a 1.ª prestação da liquidação relativa ao exercício de 2013, no valor de € 3.862,78.

(f)    A Requerente tomou conhecimento da ilegalidade das liquidações de IS acima identificadas, quer por errónea interpretação e aplicação da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), na redacção que lhe foi dada, sucessivamente, pela Lei 55-A/2012 e 83-C/2013, quer ainda porque a interpretação da requerida no sentido de exigir a tributação em sede de IS com base em tal disposição legal, ser, em si mesma, inconstitucional.

(g)   O Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu nos acórdãos proferidos em 09/04/2010 nos proc. n.ºs 1870/13 e 48/14, os quais foram citados num Acórdão do Tribunal Arbitral, que “foi considerado que o conceito de “prédio com afectação habitacional” contida na verba 28.1 da TGIS, não abrange os prédios para construção de nenhum tipo”.

(h)   O terreno da Requerente não passa de uma extensão de solo arável, despido de qualquer edificação urbana, não sendo possível considerá-lo afecto a qualquer tipo de utilização habitacional.

(i)     Uma interpretação da norma em apreço, conforme defende a AT, para além de moral e socialmente injusta, é inconstitucionalmente por violação do princípio da legalidade, igualdade e proporcionalidade, consagrados nas disposições dos artigos 266.º n.º2, 13.º e 104.º n.º3, todos, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

(j)     A Requerente invoca a decisão arbitral proferida no processo n.º 218/2013 de 24/02/2014 que conclui que “a liquidação de Imposto do Selo ora em apreciação viola manifestamente o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13º da CRP, porque: (i) é baseada numa norma que trata contribuintes que se encontrem em situações idênticas de forma bem diferente, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva; (ii) é baseado numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional (…)”.

(k)   A Requerente, por fim, requer a anulação de todas as liquidações de IS relativas aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 (que constam dos documentos 2 a 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral), por inconstitucionalidade das normas constantes das Leis 55-A/2012 e 83-C/2013 e, subsidiariamente, por vício de direito na sua aplicação, tendo em conta que a Verba 28.1 da TGIS não se aplicava até 31/12/2013 a terrenos para construção.

(l)     Na reunião do art. 18.º do RJAT, a Requerente ampliou o seu pedido a todos os actos de liquidação de IS que a AT venha a fazer na pendência do presente processo até transito em julgado da respectiva decisão arbitral, requerendo ainda que o Tribunal se pronuncie sobre o montante da caução adequada a obter a suspensão do processo fiscal executivo de quaisquer quantias que continuem a ser liquidadas em sede de IS, tendo manifestado a vontade de prestar caução por depósito, em numerário, da quantia que for fixada.

 

1.3       A Autoridade Tributária e Aduaneira contestou alegando que:

1.3.1    Por excepção:

(a)    O prazo para formulação do pedido de pronúncia arbitral encontra-se previsto no artigo 10.º do RJAT é de 90 dias, sendo computado nos termos do artigo 279.º do código civil (como aliás resulta da jurisprudência emanada da decisão arbitral proferida no processo 83/2012-T), iniciando-se assim no dia seguinte ao termo do prazo de pagamento voluntário dos tributos.

(b)   No caso dos autos, e concretamente, no que respeita aos documentos de cobrança cujo prazo de pagamento voluntário terminou 20.12.2012, 30.04.2013, 31.07.2013 e 30.11.2013, o referido prazo teve o seu término antes da data de formulação perante o CAAD do pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

(c)    Em consequência, necessariamente será de concluir que, relativamente àquelas liquidações, o pedido se mostra manifestamente intempestivo, devendo em consequência a AT, naquele segmento do pedido, ser absolvida.

 

1.3.2    Por impugnação, à cautela, sem prescindir, e no que respeita à liquidação relativa a 2013, cujo prazo de pagamento do documento de cobrança terminou em 30.04.2014:

(a)    O prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada, tem natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12.

(b)   A AT entende que o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma.

(c)    Relativamente à pretensa violação de princípios constitucionais, não pode a AT deixar de salientar que a Constituição da República, obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

(d)   A AT entende que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional.

(e)    A liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, ser julgada procedente a invocada excepção e, no mais, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.

(f)    Nas suas alegações a AT refere que o tribunal arbitral é incompetente para conhecer do pedido formulado pela Requerente no que se refere à fixação do montante da caução adequada a obter a suspensão do processo.

 

1.4       O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostraram-se legítimas e a Requerente está regularmente representadas por Advogado, cumpre, pois, apreciar e decidir.

 

2.         Matéria de Facto

 

2.1.      Factos que se consideram provados

(a)    A Requerente é proprietária do prédio urbano, com artigo matricial U-..., que é um terreno para construção, com valor patrimonial de €1.158.830,00, avaliado para efeitos de IMI em 2008.

(b)   A Requerente foi notificada da liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 6.º da Lei 55-A/2012, para pagar a liquidação de IS relativa ao exercício de 2011, no valor de € 5.794,15, com data limite de pagamento a 20/12/2012, identificação do documento 2012 ....

(c)    A Requerente foi notificada da liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto na Verba 28.1 da TGIS, para pagar a 1.ª prestação da liquidação de IS relativa ao exercício de 2012, no valor de € 3.862,78, com data limite de pagamento até ao final do mês de Abril de 2013, identificação do documento 2013 ....

(d)   A Requerente foi notificada da liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto na Verba 28.1 da TGIS, para pagar a 2.ª prestação da liquidação de IS relativa ao exercício de 2012, no valor de € 3.862,76, com data limite de pagamento até ao final do mês de Julho de 2013, identificação do documento 2013 ....

(e)    A Requerente foi notificada da liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto na Verba 28.1 da TGIS, para pagar a 3.ª prestação da liquidação de IS relativa ao exercício de 2012, no valor de € 3.862,76, com data limite de pagamento até ao final do mês de Novembro de 2013, identificação do documento 2013 ....

(f)    A Requerente foi notificada da liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto na Verba 28.1 da TGIS, para pagar a 1.ª prestação da liquidação de IS relativa ao exercício de 2013, no valor de € 3.862,78, com data limite de pagamento até ao final do mês de Abril de 2014, identificação do documento 2014 ..., tendo efectuado o pagamento a 21 de Abril de 2014.

 

2.2       Factos que não se consideram provados e respectiva fundamentação

Não se considera provado o pagamento das liquidações de IS com identificação do documento n.º 2012 ..., relativa à liquidação de IS com referência ao exercício de 2011, n.º 2013 ..., relativa a 1.ª prestação da liquidação de IS, com referência ao exercício de 2012, n.º 2013 ..., relativa a 2.ª prestação da liquidação de IS, com referência ao exercício de 2012 e n.º 2013 ..., relativa a 3.ª prestação da liquidação de IS, com referência ao exercício de 2012, pois os documentos juntos aos autos comprovativos destes pagamentos estão ilegíveis.

 

2.3       Fundamentação da matéria de facto provada

Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos, cuja autenticidade e correspondência não foram questionadas.

 

3. Matéria de Direito

3.1       Da Intempestividade do pedido

Constitui questão prévia a decidir a da excepção arguida pela AT quanto à intempestividade do pedido de constituição e de pronúncia arbitral, relativamente às liquidações de IS, relativas aos exercícios de 2011 e 2012, consubstanciadas nos documentos de cobrança n.º 2012 ..., relativa à liquidação de IS com referência ao exercício de 2011, n.º 2013 ..., relativa a 1.ª prestação da liquidação de IS, com referência ao exercício de 2012, n.º 2013 ..., relativa a 2.ª prestação da liquidação de IS, com referência ao exercício de 2012 e n.º 2013 ..., relativa a 3.ª prestação da liquidação de IS, com referência ao exercício de 2012 (que constam dos documentos 2 a 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

De harmonia com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral é apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

Na situação sub judice é, pois, aplicável por remissão a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, que institui como critério temporal determinante para a contagem do mencionado prazo de 90 dias o “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.

 

A Requerente foi notificada da liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 6.º da Lei 55-A/2012, para pagar a quantia de IS relativo ao exercício de 2011, no valor de € 5.794,15, com data limite de pagamento a 20/12/2012.

 

A Requerente foi notificada da liquidação de IS, nos termos e ao abrigo do disposto na Verba 28.1 da TGIS, para pagar a 1.ª prestação da quantia de IS relativo ao exercício de 2012, no valor de € 3.862,78, com data limite de pagamento até ao final do mês de Abril de 2013, sendo a data limite para pagamento da 2.ª prestação até ao final do mês de Julho de 2013 e a 3.ª prestação até ao final do mês de Novembro de 2013.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral foi apenas apresentado no dia 12/06/2014, ou seja, decorrido mais de 90 dias a contar do termino do prazo para pagamento voluntário das referidas liquidações de IS relativas aos exercícios de 2011 e 2012.

Considerando o normativo supra referido, procede a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a absolvição da Requerida no que se refere às liquidações de IS relativas aos exercícios de 2011 e 2012, acima identificadas (que constam dos documentos 2 a 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

Face à procedência desta excepção, torna-se irrelevante apurar o efectivo pagamento, ou não, das guias de pagamento de IS relativas ao exercício de 2011 e 2012, cujos documentos comprovativos do pagamento juntos aos autos, estavam ilegíveis. 

 

3.2       Questões suscitadas pela Requerente na Reunião do art 18.º RJAT

 

3.2.1    Ampliação do pedido

 

Na reunião a que alude o art. 18,º do RJAT, a Requerente solicitou a ampliação do pedido de pronúncia inicial a todos os actos de liquidação de IS que a AT venha a fazer na pendência do presente processo e até trânsito em julgado da respectiva decisão arbitral.

 

A Requerente não indica com exactidão a que actos de liquidação de IS se refere, nem o Tribunal conseguiu entender o alcance e intenção do presente pedido, rejeitando-se, portanto, a sua apreciação.

 

Note-se, contudo, que, caso a intenção da Requerente tivesse sido a inclusão da apreciação da legalidade das guias de pagamento da 2.ª e 3.ª prestações da liquidação de IS, relativa ao exercício de 2013, com referência ao prédio urbano, com artigo matricial U-..., com valor patrimonial de €1.158.830,00, objecto do presente processo, desde já se refere que tal pretensão não se encontra prejudicada.

 

Com efeito, a Requerente é clara ao requerer a declaração de ilegalidade da liquidação de IS, relativa ao exercício de 2013, não obstante apenas juntar aos autos cópia da guia de liquidação n.º 2014 ..., referente à guia de pagamento da 1.ª prestação do IS relativo ao exercício em causa (a única à data da apresentação do requerimento notificada à Requerente).

 

No entanto, não restam dúvidas a este Tribunal que a Requerente requer pronúncia arbitral sobre a ilegalidade da liquidação de IS, refente ao exercício de 2013.

 

No âmbito do processo em apreço discute-se a legalidade do acto administrativo-tributário de liquidação de IS, relativo ao exercício de 2013, sendo as prestações liquidadas à Requerente, ex vi guias de liquidação, uma mera consequências do acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Acresce que, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alínea i) do CPA, são nulos “os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados (,,,)”.

 

Ora, assim, caso seja decretada a ilegalidade do acto de liquidação de IS, no valor de €11.588,30, com referência ao exercício de 2012, por aplicação da Verba 28.1 da TGIS, com referência ao prédio urbano, com artigo matricial U-..., com valor patrimonial de €1.158.830,00, consequentemente terão de se considerar ilegais as guias de pagamento referentes à 2.ª e à 3.ª prestação.

 

3.2.2    Fixação do montante da caução

 

Na reunião a que alude o art. 18,º do RJAT, a Requerente solicitou ainda a “fixação do montante da caução adequada a obter a suspensão do processo fiscal executivo, de quaisquer quantias que continuem a ser liquidadas em sede de Imposto do Selo, manifestando, desde já, a vontade de prestar caução por depósito, em numerário, da quantia que for fixada”.

 

Trata-se de matéria da qual não se toma conhecimento, por extravasar o âmbito de competência deste Tribunal, tal como definida no art. 2.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, conforme alterado.

 

3.3       Questão do enquadramento de terrenos para construção no âmbito de incidência da Verba 2.8 da TGIS

 

A questão controvertida resume-se ao enquadramento, ou não, dos terrenos para construção, no conceito de prédio com afectação habitacional, tal como enunciado na Verba n.º 28.1 da TGIS.

 

A Lei n.º 55-A/2012, que entrou em vigor em 30/10/2012, não procedeu à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”.

 

Trata-se de um conceito inovador na legislação tributária que carece de concretização no Código do Imposto Selo (CIS).

 

Contudo, observando o que dispõe o art. 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS), também aditado pela citada Lei n.º 55-A/2012, verifica-se que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.

 

Assim, existindo dúvida quanto ao alcance do referido conceito, justifica-se observar o que diz o código do IMI.

 

Da leitura atenta das normas do código do IMI (cfr. artigos 2.º, 4.º e 6.º), não se vislumbra, na classificação dos “prédios”, o conceito de “prédio com afectação habitacional”.

 

Na falta de correspondência terminológica exacta deste conceito, não resta, portanto, outra alternativa que não seja aventar-se hipóteses interpretativas, à luz do disposto no art. 9.º, n.º 1, do Código Civil.

 

Quanto a esta matéria – conceito de prédio com afectação habitacional - são diversos os Acórdão proferidos pelo CAAD e pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), cujo entendimento acompanho.

 

A título de exemplo, por todos, faz-se referência à decisão arbitral n.º 53/2013-T, de 2/10/2013, que acompanho na íntegra, a qual referindo-se ao conceito de prédio com afectação habitacional como reportando-se aos prédios habitacionais refere que “O conceito mais próximo do teor literal desta expressão utilizada é manifestamente o de «prédios habitacionais», definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais.

 

A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».

 

Por isso, a adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa

«prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção”.

 

Terá contudo também de se analisar o conceito de prédio com afectação habitacional como conceito distinto de prédios habitacionais, mas que conceito será este?

 

Também com referência a esta matéria, por todos, recorremos à decisão arbitral n.º 231/2013-T, de 03/02/2014, a qual acompanho na íntegra e refere que não existindo um sentido coerente na verba n.º 28.1, apenas resta a via da interpretação do texto legal, enquadrada pelo art. 9.º, n.º 3, do Cód. Civil.

 

E prossegue referindo que "à face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios a que já foi dado destino para habitação, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados, designadamente em alvará de loteamento. Para tal, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num alvará de loteamento ou acto de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada. [...]. O texto da lei, ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na [...] «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação."

 

 E continua referindo que “"está-se perante uma realidade ainda mais longínqua em relação à afectação habitacional que é a de nem sequer existir nenhum edifício ou construção e, por isso, não se poder considerar existente uma afectação que pressupõe a sua existência. Por outro lado, como bem refere o Requerente [e a ora requerente, nos mesmos exactos termos], a intenção legislativa de não estender o âmbito de incidência a terrenos construção foi expressamente referida pelo Governo ao apresentar no Plenário da Assembleia da República a Proposta de Lei 96-XII ao dizer, pela voz do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: «Em primeiro lugar, o Governo propõe a criação de uma taxa especial para tributar prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8%, em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional, o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e em 2013». A referência expressa a «casas» como alvo da incidência do novo tributo não deixa margem para dúvidas sobre a intenção legislativa. Por outro lado, não se encontra na discussão da referida proposta de Lei qualquer referência a «terrenos para construção»”.

 

Para que não restem duvidas quanto a esta matéria, mais uma referência a jurisprudência do CAAD quanto à matéria aqui controvertida, fazendo-se, desta feita, referência à Decisão Arbitral n.º 49/2013-T, de 18/9/2013, a qual, igualmente, acompanho na íntegra ao referir que: "Um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal. Referindo-se, pois, a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com «afectação habitacional», sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno."

 

Por fim, destaca-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) aderindo por completo à tese supra invocada, referindo-se a título de exemplo os Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 1870/13, de 9 de Abril de 2014, n.º 48/14 também de 9 de Abril de 2014, n.º 272/14 de 23 de Abril de 2014, n.º 317/2014 de 14 de Maio de 2014 e n.º 467/14 de 2 de Julho de 2014.

 

Por isso, a liquidação de IS, relativa ao exercício de 2013, no valor de € 11.588,30, com referência à aplicação da Verba 28.1 da TGIS ao prédio urbano, com artigo matricial U-..., com valor patrimonial de €1.158.830,00, cuja declaração de ilegalidade é pedida, enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (artigo 135.º do CPA).

 

3.4       Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação de IS, relativa ao exercício de 2013, no valor de € 11.588,30, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelas Requerentes (cfr. art. 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT).

 

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente aos actos cuja declaração de ilegalidade pediu.

 

 

 

3.5       Reembolso das quantias pagas e juros de mora

 

A Requerente pede o reembolso da quantia paga, relativa à 1.ª prestação do IS devido, com referência ao exercício de 2013, no total de €3.862,78, acrescido de juros de mora.

 

É manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação identificado, há lugar a reembolso do imposto pago - € 3.862,78 -, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

Os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios têm a mesma finalidade, no entanto os indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária e os moratórios visam reparar prejuízos presumivelmente sofridos (pelo sujeito passivo), derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01008/12, de 22 de maio de 2013).

 

Ora, porque não está em causa o pagamento pontual de qualquer quantia, não são devidos quaisquer juros de mora e, não tendo sido peticionados juros indemnizatórios pela Requerente, não pode este Tribunal apreciar e pronunciar-se sobre esta matéria.

 

4.         Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

(a)    Julgar procedente a excepção invocada pela Requerida, e, em consequência, indefere-se o pedido de anulação das liquidações de IS, relativas aos exercícios de 2011 e 2012, no valor total de € 17.382,41.

(b)   Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo, relativa ao exercício de 2013, no valor de € 11.588,30, com referência à aplicação da Verba 28.1 da TGIS ao prédio urbano, com artigo matricial U-..., com valor patrimonial de €1.158.830,00.

(c)    Julgar improcedente o pedido de juros de mora.

(d)   Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso da quantia de €3.862,78 à Requerente.

 

5.         Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 21.245,19.

 

6.         Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida e pelo Requerente, na proporção dos respectivos decaimentos (81,82% para a Requerente e 18,18% para a Requerida), uma vez que o pedido foi apenas parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 27 de Fevereiro de 2015

 

O Arbitro,

 

André Gonçalves