Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 445/2014-T
Data da decisão: 2014-12-09  Selo  
Valor do pedido: € 12.849,68
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade Vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 25 de Junho de 2014, A…, NIF …, residente na Rua …, …, NIF …, residente na Rua …, B…, NIF …, residente na Rua … e C…, NIF …, residente na Rua …, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014….

  

  1. Para fundamentar o seu pedido alegam os Requerentes, em síntese, que não será legal a liquidação de IS sobre a soma do Valor Patrimonial Tributário (VPT) das divisões suceptíveis de utilização independente que integram um prédio em propriedade total.

 

  1. No dia 27 de Junho, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
  2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, tendo o mesmo comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 14 de Agosto de 2014, as partes foram notificadas da referida designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 01 de Setembro de 2014.

 

  1. No dia 19 de Setembro de 2014, a Requerida, depois de notificada para o efeito e dentro do prazo para que o foi, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação, e sustentando, em suma, que os actos tributários em questão nos autos são conformes à lei e à CRP.

 

  1. Posteriormente, notificadas para o efeito, ambas as partes vieram aos autos comunicar que prescindiam da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como da apresentação de alegações, pelo que a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, foi dispensada, atendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e que o processo arbitral se rege pelos princípios da economia processual e proibição da prática de actos inúteis, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão.

 

  1. Os Requerentes apresentaram um Requerimento ao processo, reafirmando, para além do mais o pedido oportunamente feito na petição inicial. Notificada para o efeito a AT exerceu o contraditório que lhe foi facultado.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-  Os requerentes eram, à data dos factos tributários em causa no presente processo, proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …, concelho de …, sob o artigo …, prédio este sito na … e constituído em regime de propriedade total, também designada de vertical, não tendo sido sob o mesmo constituída propriedade horizontal.

 

2-  O prédio em questão compreendia, à data dos factos tributários em causa no presente processo, 10 andares e divisões com utilização independente, cujo VPT foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7º, n.º 2, al. b) do CIMI.

 

3-  Cada um dos andares independentes tinha, à data dos factos tributários em causa no presente processo, um VPT atribuído, determinado nos termos do disposto no CIMI, compreendido entre 121.490,00 Euros e 130.280,00 Euros, perfazendo a soma dos respectivos VPT’s, o valor de 1.284.960,00 Euros.

 

4-  A AT, para o ano de 2013, por meio das liquidações objecto do presente processo, liquidou IS, por referência à verba 28.1 da tabela anexa do CIS, sobre a soma do valor patrimonial dos andares/partes com afectação habitacional (€1.284.960,00), num total de €12.849, 68, exigindo um quarto deste valor a cada um dos Requerentes, tendo como data limite de pagamento 30-04-2014.

 

5-  Por não terem sido efectuados os pagamentos voluntariamente, foram instaurados processos de execução fiscal, nos quais foram apresentados pedidos de pagamento em prestações por todos os Requerentes, nos termos do artigo 196.º do CPPT, que foram deferidos e se encontravam em cumprimento até Outubro de 2014.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

B. DO DIREITO

 

            Em causa nos autos está, em primeira linha, a questão de saber se o(s) proprietário(s) de um prédio em propriedade total (ou vertical), constituído por divisões suceptíveis de utilização independente, cujo valor patrimonial tributário foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), está(ão) sujeito(s) à incidência de IS, por força da previsão da verba 28.1 da tabela anexa ao CIS, sobre o somatório dos VPT’s daquelas divisões, quando nenhuma das referidas divisões possua um VPT superior a €1.000.000,00, mas a soma dos respectivos VPT’s exceda este montante.

            Esta questão foi já objecto de apreciação recorrente em sede arbitral, sendo consistente a jurisprudência no sentido de uma resposta negativa, podendo ver-se, a título exemplificativo, as decisões proferidas nos processos n.º 48/2013-T, 49/2013-T, 50/2013-T, 53/2013-T, 132/2013-T, 248/2013-T e 280/2013-T.

            Por comodidade, e com a devida vénia, transcreve-se aqui a fundamentação desta última decisão, por particularmente sintética e precisa.

“A questão de direito a resolver em primeiro lugar é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a €1000000,00;

Tendo em conta que o CIS remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS),é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão;

O conceito generalista de prédio consta no artigo 2º do CIMI. No artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afectação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos;

No nº 2 do artigo 5º do mesmo Código o legislador estabelece o conceito de prédios mistos que serão aqueles em que existam realidades económicas rústicas e urbanas distintas e não haja subordinação de uma à outra;

O artigo 6º do citado CIMI divide os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros;

No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e outras com afectação comercial, trata-se de um prédio com partes enquadráveis na divisão habitacionais da alínea a) do nº 1 do artigo 6º e com partes enquadráveis na alínea b) do mesmo nº e artigo, mas de forma alguma será um prédio misto no conceito estabelecido no já citado artigo 5º do CIMI;

Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão, preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa colectiva;

Aliás a AT ao expurgar o VPT das partes ou divisões com afectação diversa da habitacional, para efeitos de tributação em IS, mais não fez do que usar o critério definido no nº 4 do artigo 2º do CIMI para os prédios no regime de propriedade horizontal;

Dito de outro modo, a AT, para fazer esse expurgo, considerou que as partes ou divisões susceptíveis de utilização independente eram verdadeiras partes autónomas de prédio em propriedade vertical preenchendo o conceito de prédio;

E mais não fez do que observar o que dispõe o nº 3 do artigo 12º do CIMI:”cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial”;

Igualmente a AT ao fazer a tributação em IMI fê-lo tributando separadamente o VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente;

A AT utilizou igual critério na tributação em IS, ao fazer o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, só que a final considerou o VPT global, verificando ser superior a €1000000,00 e somou os valores de IS apurado unitariamente;

Mas este procedimento não tem suporte legal, uma vez que, nenhuma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, preenchendo cada uma delas o conceito de prédio enunciado no artº 2º do CIMI, tem um VPT igual ou superior a € 1000000,00, requisito exigível para haver tributação em IS;

Fazer a tributação em IS considerando o VPT global do prédio, mesmo expurgado do VPT das partes ou divisões não afectas à habitação, como pretende a requerida, não encontra suporte no CIMI, conforme remissão do nº2 do artigo 67º do CIS;

Nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, como já se disse, a legislação aplicável é a mesma;

Nesta perspectiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com destino ou afectação habitacional tem VPT igual ou superior a €1000000,00 forçoso é concluir que os actos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS.”

            A tudo o que vem sendo dito, acrescentar-se-á apenas isto: ainda que, hipoteticamente, fosse concedível que nos casos de prédios em propriedade total (ou vertical), constituídos por divisões suceptíveis de utilização independente, se pudesse considerar exigível IS, pela totalidade do prédio, se atingido o valor fixado na verba 28.1 da tabela anexa ao CIS, sempre tal valor haveria de ser fixado autonomamente, através de uma avaliação própria, e não através da soma dos valores em que cada uma das partes suceptíveis de utilização independente foi, autonomamente avaliada. Efectivamente, e como é bom de ver, o “valor de mercado” do todo, não será necessariamente – e não o será, por regra – igual à soma das partes, sendo consabidamente mais fácil e lucrativa (o que até constituirá parte do fundamento económico do instituto da propriedade horizontal) a venda “às partes” do que a venda global do todo, desde logo pelo alargamento de mercado, que o preço substancialmente mais baixo das partes em relação ao todo aporta.

Aliás, e de resto, será este acréscimo de valor económico decorrente da divisão, que justificará uma avaliação independente de cada parte autónoma do prédio em propriedade total, de modo a assegurar que não haja menos receita fiscal, em sede de IMI e IMT, pelo facto de a divisão do prédio não ter correspondência jurídica na forma de propriedade horizontal.

Dito de outro modo, a partição do prédio acarreta sempre um acréscimo de valor do todo, uma vez que o valor “de mercado” do todo, será (pelo menos) por regra, inferior ao valor “de mercado” das partes, separadamente.

Pelo que, e no limite, caso a AT pretendesse, legitimamente, aplicar a verba 28.1 da tabela anexa ao CIS, a um prédio em propriedade total (ou vertical), constituído por divisões suceptíveis de utilização independente, sempre estaria obrigada a uma avaliação do mesmo como um todo (que fosse uma aproximação credível ao seu valor “de mercado” por “grosso”) e não como soma das partes (a “retalho”), desde logo porque estas não são susceptíveis de ser, de forma válida, colocadas no “mercado” separadamente.

            Assim, e não apresentando a AT, e não se descortinando oficiosamente qualquer motivo para divergir fundadamente da jurisprudência arbitral citada, com as adendas acima formuladas, adere-se sem mais considerações à mesma, julgando procedente o pedido arbitral formulado no presente processo.

 

*

Face à procedência do pedido anulatório, deverão ser restituídas as prestações que, relativamente aos actos tributários anulados, se venham a verificar como pagas pelos Requerentes, se necessário em execução de sentença.

Cumulam os Requerentes, com o pedido anulatório dos actos tributários objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos actos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, os Requerentes têm direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data dos pagamentos que se mostrem efectuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)      Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular os actos tributários objecto dos presentes autos e condenar a AT a restituir aos Requerentes o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios;

b)      Condenar a AT nas custas do processo, no montante de €918,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €12.849,68, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de Dezembro de 2014

 

 

O Árbitro

 

(José Pedro Carvalho)