Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 427/2014-T
Data da decisão: 2014-12-29  Selo  
Valor do pedido: € 16.815,90
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Propriedade Vertical
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REQUERENTE: A… – Sociedade de Administração de Propriedades, Lda

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Decisão Arbitral[1]

 

 

I RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

  1. A… – Sociedade de Administração de Propriedades, Lda, com sede na …, em …, pessoa colectiva nº …, doravante designado por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo do disposto no artigo 10º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, para apreciar a demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, tendo em vista a anulação, com fundamento em ilegalidade, de sessenta actos de liquidação de imposto de selo, referentes à primeira, segunda e terceira prestação do ano de 2013, identificadas e juntas em anexo ao pedido arbitral como documentos números 1 a 60 que aqui se dão por integralmente reproduzidos, no valor global de €16.815,90.

As liquidações impugnadas respeitam ao prédio urbano, em propriedade total, constituído por 10 pisos, com 20 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de …, sob o artigo da matriz nº …, do Concelho de …, conforme documento nº 61 junto aos autos em anexo ao pedido arbitral que aqui se dá por integralmente reproduzido.

 

  1.  O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 12 de Junho de 2014, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16 de Junho de 2014. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 6º do RJAT, foi designada, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a ora signatária como árbitro do Tribunal Arbitral singular. A nomeação foi aceite e as partes, notificadas da aceitação, em 31 de Julho de 2014, não recusaram a designação, nos termos previstos nas alíneas a) e b), do nº1, do artigo 11º, do RJAT, conjugado com o disposto nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 19 de Agosto de 2014.

 

  1. No dia 25 de Agosto de 2014, foi a Requerida “AT” notificada para apresentar resposta no prazo legal, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 17º do RJAT. A 7 de Outubro de 2014 a AT juntou aos autos Requerimento a solicitar a fixação de prazo para alegações escritas, fundamentando o seu pedido na circunstância de não ter apresentado a resposta em tempo, requerendo ainda a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, por não existirem questões de facto a esclarecer, tratando-se apenas de matéria de direito. Foi proferido despacho arbitral que admitiu a junção aos autos do requerimento apresentado e fixou prazo para a contraparte de pronunciar. Em 14 de Outubro de 2014 a Requerente pronunciou-se nada tendo a opor ao requerido pela AT. Na mesma data foi proferido despacho arbitral a fixar o prazo de 20 dias sucessivos para as partes apresentarem as respectivas alegações.

 

  1. As partes juntaram as suas alegações, respectivamente, a 6 e a 20 de Novembro de 2014. Por requerimentos juntos aos autos, respectivamente, em 4 de Agosto de 2014 e 1 de Dezembro de 2014, a Requerente veio juntar aos autos os comprovativos de pagamento da 2ª e 3ª prestação de imposto de selo em causa nos presentes autos. Foi proferido despacho arbitral determinando a junção aos autos dos documentos apresentados e a notificação da AT. A Requerente juntou, também, o comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

 

B)    Dos Pressupostos Processuais

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas.

O processo não enferma de nulidades que o invalidem e não foram suscitadas excepções que obstem ao julgamento do mérito da causa, pelo que o Tribunal está em condições de proferir a decisão arbitral.

 

 

C) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE

 

  1. A Requerente fórmula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto de Selo referentes ao ano 2013, no montante global de €16.815,90, conforme documentos nº1 a 60 juntos aos autos pela Requerente e que aqui se dão por reproduzidos.

 

  1. Os actos de liquidação de imposto de selo incidem sobre o prédio urbano em propriedade total sem andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana de … sob o artigo …, do Concelho e Distrito de …. Os actos de liquidação impugnados têm como fundamento legal o disposto na verba nº 28.1 da tabela geral do imposto de selo (doravante TGIS), nos termos em que foi aplicada pela AT, no caso dos presentes autos.

 

  1. O prédio urbano ao qual se referem as liquidações de imposto impugnadas nos presentes autos, é propriedade da A… – Sociedade de Administração de Propriedades, Lda, ora Requerente, o qual se encontra constituído em regime de propriedade total, também designada por vertical. A sociedade por quotas ora Requerente teve e tem por objecto social a compra e administração do prédio urbano, sito em …, na …, da freguesia de …, em …, o qual se encontra em propriedade vertical, correspondendo a cada um dos sócios uma quota, correspondente ao direito individual à habitação de cada um dos andares ou casas que o integram. Ao tempo da sua constituição a lei nem sequer consagrava o instituto da propriedade horizontal.

 

  1. A fundamentação de direito do pedido de pronúncia arbitral assenta, sumariamente, na alegação do vício de falta de fundamentação e, ainda, na violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes, uma vez que entende que o VPT relevante para determinação da incidência do IS deve ser o correspondente ao VPT de cada uma das divisões independentes que integram o prédio em propriedade vertical, nos termos previstos no artigo 7º, nº2, alínea b) do CIMI;

 

  1.  Em relação a um prédio em propriedade total, cada andar ou divisão susceptível de utilização independente é considerado, nos termos do nº3, do artigo 12º do CIMI, separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo VPT, não existindo qualquer disposição legal que faça corresponder ao valor patrimonial tributário do prédio em propriedade total, com vários andares e divisões independentes, à soma das suas partes.
  2. A Requerente entende, por isso que são ilegais todos os actos de liquidação de IS impugnados nos presentes autos e invoca, ainda, a jurisprudência arbitral vertida nas decisões arbitrais nºs 50/2013-T de 29 de Outubro; 48/2013T de 09 de Outubro, 49/2013 T de 18 de Setembro, 53/2013 T de 2 de Outubro e 132/2013-T de 16 de Dezembro;
  3. A Requerente não se conforma com as liquidações impugnadas, que considera ilegais, porquanto as mesmas assentam num pressuposto erróneo do prédio ter um valor patrimonial tributário (VPT) superior a €1.000.000,00 (um milhão de euros), o que não corresponde à verdade. O valor patrimonial tributário relevante é o que corresponde a cada andar e não, como pretende a AT, o correspondente ao somatório de todos os VPT atribuídos a todos os andares ou divisões independentes que o constituem. Na óptica da Requerente, o imóvel em causa não se subsume nos pressupostos da tributação em imposto de selo constantes da verba 28.1.
  4. Termina peticionando a anulação de todas as liquidações e o reembolso de todas as quantias pagas bem assim como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

D) A Posição da Autoridade Tributária

 

  1. A entidade Requerida AT não apresentou resposta no prazo legal, tendo posteriormente justificado esse facto pela sobrecarga de trabalho e prazos a cumprir em processos em curso, requerendo que fosse fixado prazo para as partes alegarem por escrito. Assim, considerando a posição da AT vertida nas alegações apresentadas, é possível inferir que o seu entendimento é o seguinte:

- Encontrando-se o referido prédio à data do facto tributário, tal como consta da matriz predial e conforme resulta da respectiva caderneta predial, em propriedade total e tendo como afectação a habitação o valor relevante para determinar a incidência do imposto de selo é o VPT global correspondente ao somatório dos valores atribuídos a cada um dos andares ou partes do prédio, ou seja, €1.681.590,00;

- Assim sendo, está sujeito a incidência de imposto de selo por força do disposto nos artigos 6º, nº1, alínea f), subalínea i), o imposto de selo da verba 28.1 da Tabela geral, na redacção dada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, à taxa de 1% relativamente ao ano de 2012.

 

Nesta conformidade a AT pugna pela legalidade dos actos tributários impugnados e pela improcedência do pedido arbitral.

 

II - QUESTÃO A DECIDIR

 

  1.  A questão essencial a decidir é a de saber, com referência ao prédio em propriedade total ou vertical identificado nos presentes autos, integrado por diversos andares e divisões com utilização independente, com afetação habitacional, como se determina o VPT relevante para definição de incidência do IS, nos termos previstos na verba 28.1 da TGIS. A questão que se coloca é, pois, a de saber se o VPT relevante como critério de incidência do imposto é o correspondente ao somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, o VPT atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais.

 

III – Matéria de Facto

 

A)    Factos Provados:

 

  1. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de … sob o artigo …, sito na …;
  2. Este prédio encontrava-se, à data do facto tributário, em regime de propriedade total ou vertical, e é composto por 10 pisos com 20 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente afectas a habitação;
  3. A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança nºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, relativos à 1ª prestação do IS com data limite de pagamento em 4 de Abril de 2014;
  4. A Requerente foi, também, notificada dos documentos de cobrança nºs 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…,  2014…, 2014… e 2014…, relativos à 2ª prestação do IS com data limite de pagamento em Julho de 2014;
  5. A Requerente foi, ainda, notificada dos documentos de cobrança nºs 2014…, 2014…,  2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014…, 2014… e 2014…, relativos à 3ª prestação de IS com data limite de pagamento em Novembro de 2014;
  6. As liquidações supra mencionadas, correspondentes, respectivamente, à primeira, segunda e terceira prestações de imposto de selo sobre o prédio urbano supra descrito, totalizam o valor global de €16.815,90;
  7. A Requerente procedeu ao pagamento das referidas liquidações em 22 de Abril de 2014, em Julho de 2014 e em Novembro de 2014, conforme consta dos documentos juntos aos autos em anexo à PI com os nºs 63 a 82 e dos documentos juntos em anexo aos requerimentos apresentados nos autos em 4 de Agosto e 1 de Dezembro de 2014, que se dão por integralmente reproduzidos;
  8. O valor patrimonial tributário (VPT) global, correspondente ao somatório dos VPT individuais de cada andar ou divisão independente, totaliza €1.681.590,00;
  9. O VPT atribuído nos termos previstos no CIMI a cada uma das divisões independentes é de €84.530,00 por andar ou divisão independente, com excepção para uma das divisões independentes cujo VPT é de €75.520,00.
  10. Em 11 de Setembro de 2014 foi outorgada escritura pública de propriedade horizontal do prédio identificado nos presentes autos, conforme documento junto aos autos pela requerente em 15 de Outubro de 2014, que se dá por integralmente reproduzido.

 

B)    FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

  1. A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta aos autos pela Requerente não contraditados pela contraparte, bem assim como os factos aceites mutuamente pelas partes.

Não há factos não provados a registar, com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos.

 

IV – FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

  1. Fixada a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito supra indicada, correspondendo, em síntese, às questões de ilegalidade suscitadas pela Requerente no presente pedido arbitral.

 

  1. Do pedido arbitral deduzido pela Requerente resultam invocados os vícios de falta de fundamentação e de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito que subjazem às liquidações de IS impugnadas.

 

A) Quanto ao alegado vício de falta de fundamentação:

 

  1. A Requerente alega violação do dever de fundamentação, dado que os actos tributários não mencionam expressamente os motivos que conduziram à emissão das liquidações, pelo que conclui pela absoluta falta de fundamentação. Porém, do teor da petição subsequente conclui-se que a Requerente entendeu bem a razão subjacente às liquidações impugnadas.

 

  1.  Não resta dúvida que a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT). Pode dizer-se, sucintamente, que é entendimento pacífico entre nós, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que a fundamentação legalmente exigível deve reunir um conjunto mínimo de características, tais como: i) oficiosidade, sendo a fundamentação da estrita iniciativa e obrigação da administração (poder/dever),  não são admissíveis fundamentações a pedido e deve acompanhar a prática do acto, não fazendo sentido fundamentações “a posteriori”; ii) a fundamentação deve ser clara, ou seja, compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos de difícil compreensão; iii) deve conter todos os elementos essenciais que foram determinantes na decisão tomada, indicando as normas legais e a motivação do acto.
  2. Apesar do supra exposto, é sabido que a fundamentação pode ser também expressa ou tácita, por remissão para anteriores pareceres, informações ou propostas, como aliás resulta expressamente do disposto no nº1, do artigo 77º da LGT.

 

  1.             Ora, sendo o acto tributário um acto de assinalável onerosidade na esfera jurídica do seu destinatário, o mesmo deve ser cuidadosamente fundamentado de modo a convencer o contribuinte da legalidade subjacente e dos critérios que presidiram à sua quantificação. Porém, é também hoje pacífico, para a doutrina e para a jurisprudência que a fundamentação deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, por contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente a motivação do acto. Deve, pois, considerar-se o acto como suficientemente fundamentado quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato em termos que permitam ao seu destinatário compreender as razões que levaram o autor do acto a praticá-lo.
  2. No caso dos presentes autos, em cada um dos actos tributários impugnados encontra-se devidamente identificado o prédio, bem assim como a indicação do tributo em causa (Imposto de Selo – verba 28.1), dos períodos a que respeita o imposto, bem como do montante apurado na respectiva liquidação e data limite para pagamento. Precisamente, por isso, a Requerente entendeu perfeitamente, enquanto destinatária dos actos tributários, toda a situação de facto e de direito subjacente, o mesmo é dizer que compreendeu o seu conteúdo.
  3.  Ao que acresce que a fundamentação se há-de aferir de acordo com “as circunstâncias concretas, entre as quais avultam as do tipo de acto, as da participação do contribuinte no procedimento e a sua extensão (…) ”. Ora, nos presentes autos a Requerente enquanto proprietária do prédio nos termos alegados nos autos, estava em condições de identificar as circunstâncias concretas, subjacentes ao procedimento que terá conduzido às liquidações impugnadas, em termos suficientes para as compreender esclarecidamente e poder deduzir o presente pedido arbitral, o que revela que compreendeu bem a fundamentação subjacente nos actos de liquidação impugnados. 

 

  1.             Da confrontação de todos os elementos constantes do próprio pedido arbitral, assente no conteúdo dos actos tributários notificados à Requerente, enquanto destinatária, é possível concluir que esta compreendeu devidamente os fundamentos dos mesmos, como resulta evidenciado na argumentação aduzida. Dito de outro modo, resulta suficientemente perceptível para um destinatário médio, colocado na posição do destinatário concreto, qual a fundamentação dos atos tributários impugnados nos presentes autos, pelo que improcede a alegação do vício de falta de fundamentação.

 

C)    Quanto ao vício de violação de lei

 

  1. Do quadro alegatório exposto pelas partes processuais conclui-se que para a AT, o critério de determinação da incidência do IS, previsto na verba 28.1 da TGIS, dos prédios em propriedade vertical com andares e divisões com utilização independente com afectação habitacional, corresponde ao somatório dos respectivos VPT atribuídos às partes ou divisões, nos termos previstos no CIMI. Foi este entendimento que conduziu às liquidações de imposto aqui impugnadas.

 

  1.  Para a Requerente, tal entendimento é ilegal, já que, a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28 da TGIS, é determinado pela conjugação de dois pressupostos de facto: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a €1.000.000,00. Tratando-se de um prédio em propriedade vertical, com as características dos descritos nos presentes autos a sujeição a imposto do selo é determinada, não pelo VPT total do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões. Cumpre decidir.

 

  1. A questão essencial a decidir é a de saber qual o VPT relevante para efeitos de incidência de IS, com referência ao prédio dos presentes autos, o qual à data do facto tributário (que se reporta ao ano de 2013) não se encontrava constituído em regime de propriedade horizontal, embora fosse composto por diversos andares e divisões com utilização independente, com afectação habitacional, em condições em tudo idênticas às de um prédio em propriedade horizontal. A provar que assim é refira-se o facto de ter sido constituída a sua propriedade horizontal em Setembro de 2014.

 

  1. A resposta à questão enunciada impõe a análise do quadro jurídico aplicável e dos princípios de referência de modo a determinar qual a interpretação conforme à Lei e à Constituição, com a cautela que impõe aferir de um pressuposto de incidência de imposto, por força do princípio da legalidade fiscal resultante do disposto no artigo 103º, nº2 da CRP.

 

  1. Sobre esta matéria, em concreto, já se pronunciou o CAAD em diversas decisões em que a questão de fundo é a mesma, versando sobre a amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28-1 da TGIS. Algumas das decisões arbitrais já proferidas na matéria vêm invocadas pela Requerida no seu pedido arbitral.
  2. Sobre a questão fundamental em apreço dir-se-á que o primeiro limite da interpretação é a letra da lei, mas não o único. A tarefa interpretativa exige algo mais, ou seja, a partir do texto da norma impõe-se a descoberta da ratio legis subjacente, “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.(Neste sentido vd. Decisão arbitral nº 30/2014-T, de 20/06/2014 e Decisão Arbitral nº 50/2013-T de 29/10/2013; ainda no mesmo sentido, vd. Decisões Arbitrais proferidas nos processos nºs 132/2013, 181/2013 e 183/2013, entre outras)

 

  1.  Nesta conformidade, a questão é a de saber se a norma de incidência, tal como se encontra expressa na previsão legal das verbas 28 e 28.1 da TGIS, referindo-se à “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, com afectação habitacional (28.1) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, comporta ou não o entendimento de que quanto aos prédios “com afectação habitacional” em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, detidos por uma entidade, o VPT sobre o qual deve incidir a taxa de imposto de selo, deve ser o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente (à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal) ou, diversamente, se deve considerar-se como tal a soma de toso os VPT de todas as suas partes.

 

  1. Dito de outro modo, tal como foi já considerado nas decisões arbitrais supra referidas (DA nº 50/2013-T e 30/2014-T), o que está em causa é a adopção de uma leitura adequada da amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28.1 da TGIS, face ao que o nº 7 do artigo 23º do CIS refere quanto à determinação da matéria colectável e sequente operação de liquidação do imposto: “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”

 

  1. Dispõe o nº 3 do artigo 11º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.

 

No caso em apreço, deve atender-se à “substância económica dos factos tributários” para se concretizarem adequadamente as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, para a adequada apreciação da matéria de direito em discussão.

 

  1. Posto isto, a delimitação do alcance da norma de incidência deste novo tributo deve seguir a orientação da letra e do espirito da lei. Num primeiro plano, deve atender-se, pois, ao disposto expressamente nas verbas 28 e 28-1 da TGIS, com as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, como resulta do disposto no nº 7, do artigo 23º, do CIS.

 

  1. Importa, assim, ter em conta que a sujeição a imposto do selo dos prédios com afectação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da TGIS, efectuada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:

 

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares e sejam residentes em país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

  1. Esta lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 30 de Outubro de 2012. Das normas transitórias constantes do seu artigo 6º resulta que o facto tributário se considera verificado a 31 de Outubro de 2012 e que o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011

A Lei 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional.”

Dispõe o artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, aditado pela referida Lei, dispõe que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

 

  1.  A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38º e seguintes do mesmo código. Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6º, apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do nº 1), esclarecendo no nº 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”

 

  1. Dos normativos referidos podemos concluir que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que efectivamente se destina o prédio. Concluímos ainda que para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efectuada entre uns e outros. Idêntica conclusão se extrai da remissão que o legislador introduziu em matéria de IS para o CIMI. Ora, este imposto estabelece como critério para os prédios em propriedade vertical a atribuição de um VPT a cada uma das partes ou divisões independentes. O que releva é, pois, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização, ou seja, “com afectação habitacional”. No caso dos presentes autos o prédio em causa, integrado por 10 pisos com 20 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, revela ser um prédio com afectação habitacional.

 

  1. Por resolver continua a questão que tem a ver com a determinação do valor relevante para a incidência do IS sobre os prédios em propriedade vertical, como sucede nos presentes autos, que a AT considera pelo valor do somatório dos VPT de todas as partes ou divisões e, desta forma, facilmente ultrapassam o valor de referência, ou seja um milhão de euros.

 

  1. Pois bem, este critério de oportunidade adoptado pela AT não se afigura aceitável, nem conforme ao princípio da legalidade fiscal. Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67º, nº 2 do Código do Imposto do Selo, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

 

Ora, considerando o disposto no nº 4 do artigo 2º do CIMI, resulta que: “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

 

Acrescentando ainda o nº 3 do artigo 12º do CIMI que: “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

 

  1. Assim, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI liquidado individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto de selo deve ser o mesmo.

 

  1. Pelo que, se o critério legal em sede de IMI impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto de selo contido na verba 28 da TGIS.

 

  1. É o próprio legislador que na letra da lei nos diz ser este o critério quando faz uma remissão inequívoca para o CIMI para efeitos de aplicação da já referida verba 28 do IS. Não pode, assim, a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio (VPT total), quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o Código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS.

 

  1. Dito isto, afigura-se claro que só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não sucede nos presentes autos em relação a nenhuma das partes ou divisões independentes do prédio indicado no presente pedido arbitral. Isso mesmo, ficou inequivocamente provado pela prova documental produzida nos autos, sintetizada no ponto III – factos provados – da presente decisão arbitral.

 

  1. O critério utilizado pela AT, ao considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal, é manifestamente contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede do novo imposto de selo (IS), pelo que se afigura ilegal.
  2. Ao já exposto acresce o argumento extraído da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.

Refira-se que, o prédio em causa nos presentes autos passou, já no ano de 2014, ao regime de propriedade horizontal, pelo que, a partir desse momento não poderá subsistir sequer o argumento da AT. Ora, seria claramente ofensivo dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, constitucionalmente consagrados, que o mesmo prédio, sem qualquer alteração de facto justificativa, por mera alteração do regime jurídico da constituição do respetivo direito de propriedade estivesse sujeito a IS em 2013 para deixar de estar em tais circunstâncias nos anos seguintes.

 

Assim, a interpretação defendida pela AT, além de violar em primeira linha o princípio da legalidade e a interpretação subjacente contraria os princípios da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal. A questão da conformidade da previsão da norma de incidência, face ao texto constitucional, porém, só se colocaria se o intérprete chegasse à conclusão que determinada e inequívoca leitura da lei, aplicada a um caso concreto, feria um ou vários princípios constitucionais. Mas não é disso que se trata, pois o próprio legislador foi coerente ao determinar que para efeitos de incidência do novo IS – verba 28 se seguissem os critérios previstos em sede de IMI. A AT, porém, insiste em negar a aplicação dos preceitos contidos no CIMI apesar da remissão expressa do legislador no CIS. Ao que acresce o facto de, ao tempo da sua constituição como prédio urbano composto por diversos pisos e andares susceptíveis de utilização independente, a lei em vigor não previa sequer a existência do regime de propriedade horizontal. Por aqui se vê que a interpretação pugnada pela AT se afigura injusta e discriminatória, nomeadamente, quanto aos prédios de construção mais antiga, como é o caso do prédio em causa nos presentes autos. E isso mesmo resulta ainda reforçado, se atendermos ao VPT efectivamente atribuído a cada uma das divisões independentes, o qual é de €84.530,00 em relação à maioria das divisões e de €75.520,00 em relação a uma das divisões que integra o prédio, valores que se fixam em montantes claramente longe de atingir o limite legalmente previsto, ou seja, um valor superior a €1.000.000,00.

 Assim, no caso em apreço do que se trata é de uma interpretação da AT que a conduziu a uma aplicação da lei sem enquadramento nos preceitos legais em vigor, padecendo de erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes à sua correcta aplicação. Dito de outro modo, as normas em causa não conduzem à solução que a AT professa para a sua aplicação.

 

  1.  Em síntese, o critério uniforme, único compatível com a letra da lei e com a ratio legis subjacente á introdução da tributação das “habitações de luxo” definidas como sendo aquelas cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00, no caso dos prédios em propriedade vertical com fracções ou divisões independentes, que se atenda ao valor de cada uma das fracções ou divisões, tal como sucede para efeitos de IMI. No caso de alguma dessas partes apresentar um VPT superior a €1.000.000,00 está preenchido o pressuposto legal de incidência, caso o valor seja inferior não pode haver incidência do imposto.

 

  1. Pretender, como faz a AT, usar como critério de referência, especificamente para o efeito de aplicação da verba 28.1 da TGIS, o VPT global, correspondente ao somatório de todos os VPT das diversas partes ou divisões independentes, é ilegal, porquanto não tem qualquer suporte nos normativos legais aplicáveis nem na ratio legis que conduziu o legislador à introdução no novo imposto. Aliás, o entendimento preconizado pela AT contraria a indicação expressamente introduzida pelo legislador nesta matéria, ao remeter para o artigo 67º, nº do CIMI. O que consubstancia violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito de aplicação da norma.

 

  1. No caso dos presentes autos todos, à data do facto tributário (2013) o prédio em causa encontrava-se em propriedade vertical, composto por andares e divisões com utilização independente destinados a habitação, como ficou provado supra. Dado que nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do novo IS previsto na Verba 28.1 da TGIS.

 

  1. Por último, ainda quanto à ratio legis subjacente à regra da verba 28 e 28.1 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/22012 de 29 de Outubro, e em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 

  1. O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

 

  1. Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012. A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
  2. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.

 

  1. Também seguindo estes considerandos inspiradores da inovação legislativa em apreciação, há que concluir que a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode ser, por si só, indicador de capacidade contributiva. Pelo contrário, da lei decorre que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material. Já a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser susceptível de desencadear a incidência do novo imposto se o VPT de cada uma das partes ou fracção for igual ou superior ao limite definido pela lei: € 1.000.000,00. Mas apenas nesta concreta situação de facto a qual não se verifica no caso dos presentes autos.

 

  1. Deste modo é ilegal considerar como valor de referência seja o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão. Desde logo, porque não foi essa a opção do legislador mas sim a de seguir como referência o VPT nos termos definidos em sede de IMI, mas ainda porque, tal entendimento, resultaria em nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal. O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto.

 

  1.  De salientar ainda que, pelo critério da AT, muitos dos prédios urbanos existentes em propriedade vertical, apesar de mais antigos, facilmente podem alcançar o valor de referência para a incidência do IS. Por outro lado, prédios de construção recente e, por vezes, luxuosa, em regime de propriedade horizontal, mas desde que cada fracção não igual e ou ultrapasse o valor de €1.000.000,00 não fica sujeito ao novo imposto. Face ao disposto no artigo 104º, nº 3 da Constituição tal situação afigura-se, verdadeiramente, desproporcional e intolerável, por violação clara da igualdade e da equidade fiscal. Preocupações bem evidenciadas no ofício do Sr. Provedor de Justiça junto aos autos pela requerente como documento nº 83 em anexo ao pedido arbitral.

 

  1. Assim, conclui-se que não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103º, nº2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal. Por isso mesmo é que o artigo 12º, nº3, do CIMI diz que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário.”

 

  1. Do disposto neste normativo resulta (à semelhança do que era previsto no artigo 232º, regra 1ª, do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola) que releva para efeitos de inscrição na matriz predial a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes. O que não se afigura coerente com a decisão da AT tributar as partes habitacionais de um prédio em propriedade vertical, em função do VPT global do prédio, introduzindo um critério totalmente contrário ao que resulta previsto na lei, ou seja, no CIS e no CIMI, por remissão expressa do legislador nesta matéria.

 

  1. Acresce que, a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, a qual para efeitos tributários não impõe sequer uma nova avaliação do prédio. E, de resto, para efeitos tributários, a forma de constituição do prédio em regime de propriedade total ou horizontal não foi considerada na introdução do novo imposto, tal como não foi no próprio CIMI, certamente porque o legislador bem atendeu à injustiça que resultaria de tal discriminação. A verdade material resultando do valor imputado a cada uma das partes ou divisões independentes, expressa no VPT que á atribuída a cada uma delas para efeitos de IMI e a afectação efectiva do prédio a habitação, é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico - formal do prédio.

 

  1. Por tudo o que se deixa exposto se conclui que as liquidações de imposto impugnadas são ilegais, por violação de lei decorrente de erro sobre os pressupostos de direito, pelo que devem ser anuladas com todas as consequências legais.

 

 

V – QUANTO AO PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

  1.  Dispõe a alínea b), do nº 1, do art.º 24º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

 

  1. Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no art.º 100º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do art.º 29º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

  1.  Dispõe, por sua vez, o artigo 43º, nº1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

  1. Da análise dos elementos probatórios constantes dos presentes autos é possível inferir que a AT tinha total e cabal conhecimento dos elementos factuais relevantes para proceder à correcta liquidação do imposto.

 

  1. Com a notificação do pedido arbitral apresentado e dos meios de prova juntos em anexo ao pedido a AT teve a possibilidade de revogar os actos travando os seus efeitos, o que não sucedeu. Não o tendo feito e mantendo as liquidações inquinadas de erro sobre os pressupostos, e por isso mesmo ilegais, está obrigada a indemnizar.

 

  1. Assim sendo, atento o disposto no artigo 61º, do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do art.º 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de €16.815,90, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

  1. Não se afigura existirem outras questões relevantes suscitadas pelas partes.

 

VI - DECISÃO

 

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

 

A) - Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade de todas liquidações de Imposto de Selo impugnadas nos presentes autos, por padecerem do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, anulando-se, consequentemente, os correspondentes actos tributários;

B)- Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de €16.815,90, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o dia do pagamento efectuado até ao integral reembolso do mencionado montante, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar estes pagamentos.

 

 

Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nºs 1 e 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €16.815,90.

 

Custas: Nos termos do disposto no nº 4, do art.º 22º, do RJAT e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €1.224,00 a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Registe-se e notifique-se. 

 

Lisboa, 29 de Dezembro de 2014

 

A Juiz-Árbitro singular,

 

 

 

(Maria do Rosário Anjos)

 

 

 



[1] A presente decisão é redigida de acordo com a ortografia antiga.