Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 452/2014-T
Data da decisão: 2015-01-20  Selo  
Valor do pedido: € 11.825,90
Tema: IS – Verba 28 da TGIS
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1 – A – Sociedade Civil Imobiliária e de Investimentos, SA, NIPC[1] …, com sede na Rua …, em Cascais, apresentou em 01/07/2014 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade de 14 notas de liquidação de IS[4], referentes ao ano de 2013 incidentes sobre um prédio com andares e divisões com utilização independente inscrito na matriz predial urbana da antiga freguesia de … sob o nº … e actualmente na da União de freguesias de … e … sob o artigo ….

2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente  notificado à AT em 01/07/2014.

3 – Nos termos e efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.

4 - O tribunal foi constituído em 02/09/2014 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012 de 31 de Dezembro.

5 – Com o seu pedido visa, a requerente, a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação da verba 28 da TGIS[6] que incidiram sobre o valor patrimonial do prédio Urbano já identificado.

6- Invoca, em síntese, para o efeito o seguinte:

6.1- A ilegalidade das liquidações do IS, suportada, do seu ponto de vista, no facto de ter havido omissão de audição prévia o que, do seu ponto de vista, se traduzirá numa preterição de formalidade essencial.

6.2 – Invoca ainda que os VPT[7] inscritos na matriz nos termos do CIMI[8] não são superiores a € 1 000 000,00, uma vez que respeitam a um prédio em propriedade vertical composto por andares ou partes de prédio susceptíveis de utilização independente, devendo, tal como acontece com o IMI, o IS ser apurado por cada uma das partes susceptíveis de utilização independente.

6.3 – Por outro lado, há 3 partes susceptíveis de utilização independente afectas a alojamento local, por isso a serviços, logo não se verificam os pressupostos de facto para a liquidação do IS contestado.

6.4 - Acresce ainda que o VPT das fracções com afectação habitacional, globalmente considerado é somente de € 739 690,00 portanto bem aquém do € 1 000 000,00 legalmente exigido para haver tributação.

6.5 – Concluindo pela evidente ilegalidade das liquidações por violação da Lei, impondo-se, por isso, a sua anulação e o ressarcimento dos encargos que vier a suportar com a garantia bancária com vista à suspensão do eventual processo de execução fiscal.

 7 – Por sua vez a AT entende:

7.1- Que não assiste razão à requerente uma vez que não houve preterição de formalidades legais com a falta de audição prévia uma vez que o VPT sobre o qual recaiu o IS foi determinado com base em declaração do sujeito passivo, conforme nº 2 do artigo 60º da LGT[9].

7.2- Refere ainda a AT que, um imóvel em propriedade total e um imóvel em propriedade horizontal, têm diferente valoração e tributação donde decorrem diferentes efeitos jurídicos; enquanto na propriedade horizontal há uma divisão da propriedade total e autonomia de cada uma das fracções, no prédio em propriedade total há uma única realidade jurídica;

7.3 - Cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, possuindo uma descrição do prédio na sua totalidade;

7-4 – Conclui que os actos tributários aqui postos em crise são legais e deverão ser mantidos, devendo absolver-se a AT do pedido e que quanto aos encargos a suportar pela requerente com vista à suspensão do PEF, considera o tribunal sem competência para apreciar o pedido, de acordo com o preceituado no artigo 2º do RJAT.

 

II – SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Na sua resposta a AT solicitou a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e que se passasse directamente à decisão da causa, caso a requerente não se opusesse.

As   partes estão de acordo quanto à dispensa da reunião do artigo 18º do RJAT, da prova testemunhal e da produção de alegações escritas ou orais, entende o tribunal estarem reunidas as condições para a prolação da decisão final.

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir com interesse para os autos são as seguintes:

 

a)      Saber se um prédio em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, deverá ser tributado em IS o VPT correspondente ao somatório de cada uma das partes ou divisões independentes com afectação habitacional quando igual ou superior a €1 000 000,00, ou se apenas o IS deverá incidir sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões independentes quando, unitariamente considerado, seja igual ou superior a € 1 000 000,00;

b)      Saber ainda se, em caso de ser declarada a ilegalidade da liquidação, haverá lugar à indemnização da requerente pelos custos em que incorrer com a garantia que vier a prestar para sustar o processo de execução fiscal que lhe for instaurado em consequência do não pagamento voluntário das liquidações em crise.

 

2 – Matéria de facto

 

A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:

a)      A requerente é proprietária de um prédio urbano em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da União de freguesias … sob o nº … (… da extinta freguesia de…),concelho de Cascais. 

b)      É constituído por oito partes de prédio susceptível de utilização independente, sendo que uma delas se destina a restauração e três destinadas a alojamento local.

c)      O somatório do VPT das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, matricialmente afectas à habitação é de € 1 182 590,00.

d)     Cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente matricialmente afectas à habitação tem VPT bem inferior ao € 1000 000,00 que a verba 28 da TGIS exige para haver tributação em IS.

e)      A AT calculou o IS individualmente a cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, fazendo o seu somatório a final, apurando um total de IS a pagar de € 11 825,90.

f)       Conforme se verifica na Caderneta Predial o prédio é constituído por 8 partes ou divisões susceptíveis de utilização independente (R/C DTº, R/C ESQº, 1º DTº, 1ºESQº, 2ºDTº, 2º ESQº e 3º DTº) com afectação  habitacional, com o VPT global de € 1 182 590,00 e uma a comércio com o VPT de € 1 049 200,00.

g)      Porém o R/C DTº, o 1º ESQº e o 2º ESQº, estão licenciados pela Câmara Municipal de Cascais para serviços de alojamento local com VPT total de € 442 900,00

h)      A requerente não pagou o IS em questão.

 

3 – Do Direito

 

3.1 – Quanto a IS

 

a)      A questão de direito a resolver em primeiro lugar é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a € 1 000 000,00.

b)      Tendo em conta que o CIS[10] remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS),é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão.

c)      O conceito generalista de prédio consta no artigo 2º do CIMI. No artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afectação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos.

d)     O artigo 6º do citado CIMI divide os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.

e)      No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e outras com afectação a comércio.

f)       Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão, preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, na medida em que elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa singular ou colectiva, no caso concreto colectiva.

g)      Nos termos do nº 4 do artigo 2º do CIMI cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio, mas não existe nada na lei que permita fazer a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical relativamente à sua identificação como prédios urbanos habitacionais.

h)      Ao proceder à avaliação a AT fê-la separadamente a cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente.

i)        Ao fazer a tributação em IS fez o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, só que a final considerou o VPT global e verificando ser superior a €1 000 000,00,somou os valores de IS apurado unitariamente.

i)        Mas este procedimento não tem suporte legal, uma vez que, nenhuma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, preenchendo cada uma delas o conceito de prédio enunciado no artigo 2º do CIMI, tem um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, requisito exigível para haver tributação em IS.

j)        Nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, a legislação aplicável é a mesma.

k)      O critério de tributação tem que ser uniforme, isto é, se uma fracção habitacional de um prédio em propriedade horizontal só é tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a €1 000 000,00, igualmente um andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical com afectação habitacional só será tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a €1 000 000,00.

l)        Como já se disse o andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical reúne o conceito de prédio estabelecido no CIMI, tal como as fracções autónomas dos prédios em propriedade horizontal.

m)    Nesta perspectiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com destino ou afectação habitacional tem VPT igual ou superior a €1 000 000,00 forçoso é concluir que os actos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS.

n)      Acompanhamos a conclusão do Professor Miguel Patrício no processo 132/2013 ao considerar a interpretação feita pela AT, desconforme com a Lei e a CRP.

o)      Mas, mesmo seguindo a perspectiva da AT que, como já se viu, rejeitamos completamente, as liquidações seriam sempre ilegais, na medida em que a afectação habitacional que consta na matriz não corresponde à realidade.

p)      Na verdade, para além da parte do prédio afecta à restauração, existem mais 3 divisões de utilização independente afectas a serviços de alojamento local, similar a serviços de hotelaria, devidamente autorizados pela entidade Administrativa competente.

q)      Ficando apenas 4 divisões independentes com afectação habitacional cujo VPT global é de apenas de € 739 690,00, bem inferior ao VPT que a verba 28 da TGIS exige para haver tributação em IS.

r)       Também por esta via se concluiria pela ilegalidade das liquidações em questão.

 

3.2 – Quanto ao pedido de indemnização relativamente a encargos com a garantia com vista a sustar o PEF[11] que eventualmente venha a ser instaurado por falta de pagamento voluntário.

a)      A requerente para além da anulação do IS solicita ainda que AT suporte os custos com a garantia que venha a ter que fazer para sustar o PEF que lhe venha a ser instaurado pelo não pagamento voluntário do IS;

b)      Não foi feita qualquer prova sobre a instauração do PEF, nem sobre o tipo de garantia prestada ou a prestar;

c)      Diga-se que pode valer como garantia a penhora sobre bens necessários para assegurar o pagamento que em caso de anulação da dívida não terá qualquer custo para o executado;

d)     Nesta perspectiva entende o tribunal que o pedido, embora legítimo, carece de melhor prova quer sobre a sua efectivação quer da necessidade de custos por parte da requerente, pelo que o consideramos improcedente.        

 

 

IV - DISPOSITIVO

 

Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:

 

a)      Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação dos actos de liquidação do IS aqui impugnados;

b)      Declarar improcedente o pedido de indemnização solicitado pela requerente nos termos formulados.

c)      Valor do processo:€ 11 825,90 tendo em vista as disposições contidas no artigo 299º nº 1 do CPC[12], 97-A do CPPT[13] e artigo 3º nº 2 do RCPAT[14];

d)     Custas a cargo da requerida, ao abrigo do nº4 do artigo 22 do RJAT, fixando-se o seu montante em € 918,00 de harmonia com a tabela I do RCPAT.

Notifique

 

Lisboa, 20 de Janeiro de 2015

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131,nº5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1,alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.

 

O árbitro singular,

 

Arlindo José Francisco

 

 

 

 

 

 

 



[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa  colectiva

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Imposto do Selo

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo

[7] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário

[8] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

[9] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[10] Acrónimo de Código do Imposto do Selo

[11] Acrónimo de Processo de Execução Fiscal

[12] Acrónimo de Código de Processo Civil

[13] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[14] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária