Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 468/2014-T
Data da decisão: 2015-02-24  IVA  
Valor do pedido: € 95.189,74
Tema: IVA – Pedido de revisão de autoliquidação; Intempestividade; Competência do Tribunal Arbitral
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. José Manuel Pedroso de Melo e Professor Doutor João Ricardo Catarino (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 8 de setembro de 2014, acordam no seguinte:

 

       I.     RELATÓRIO

 

                 A sociedade comercial A, S.A., doravante designada por “Requerente”, com o número de identificação de pessoa colectiva e NIF … e sede na …, Porto, “(...) na sequência do indeferimento do Recurso Hierárquico que apresentou contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA referente ao ano 2009 (...)”, “(...) ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.os 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (...) veio, deduzir pedido de pronúncia arbitral “(...)para declaração de ilegalidade e anulação dos referidos atos de indeferimento do Recurso Hierárquico e do Pedido de Revisão Oficiosa e, em consequência, da autoliquidação de IVA respeitante aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2009, por entrega de imposto em excesso no valor de € 95.189,74, cuja restituição peticiona (...)”.

 

                 O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

                 Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do nº 2 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foram os signatários designados árbitros, tendo comunicado ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

                 O Tribunal foi constituído no dia 8 de setembro de 2014, em consonância com a prescrição da alínea c), do nº 1 do artigo 11.º do RJAT.

 

                 Teve lugar, na sede do CAAD, a reunião dos árbitros e dos mandatários das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT.

                 Na referida reunião, a requerente apresentou resposta escrita à defesa por exceção e um documento que o Tribunal mandou juntar aos autos depois de ouvida a AT.

                 Tendo a requerente insistido pela produção de prova testemunhal, foi designada data para inquirição de testemunhas e produzida, como resulta dos autos, a respetiva prova.

                

                 A AT apresentou defesa por exceção e por impugnação.

                  No âmbito da resposta por exceção é suscitada a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido de pronúncia alegando a AT, em síntese, o seguinte:

                 a) O Tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar o pedido de restituição à Requerente do IVA liquidado no montante de € 95.189,74

                 b) Tal competência decorre, no caso, do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ex vi artigo 4.º do RJAT, e compreende «a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade:

(a)   De atos de liquidação de tributos cuja administração seja cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) [...];

(b)   De atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta de tributos cuja administração seja cometida à AT, desde que tenham sido precedidos de recursos à via administrativa prévia necessária, prevista nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [...];

(c)    De atos de fixação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo [...];

(d)   De atos de determinação da matéria tributável sem recurso a métodos indiretos [...];

(e)    De atos de fixação de valores patrimoniais, para efeitos de imposto, cuja administração seja cometida à AT [...];

(f)      De atos de liquidação de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente sobre exportação de mercadorias [...];

(g)   As pretensões relativas a imposições à exportação instituídas no âmbito da política agrícola comum (PAC) ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas [...];

(h)   De atos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), impostos especiais sobre o consumo (IEC’s) e outros impostos indiretos sobre mercadorias que não sejam sujeitas a direitos de importação [...]» – cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 105-108).

                 c) Para além da competência para a apreciação direta da legalidade de pedidos deste tipo, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos;

                 d) Mas é manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação de pedidos de restituição ou reembolso de imposto liquidado;

                 e) Pedidos esses que a Requerente deduziu no requerimento apresentado junto da Requerida em 2011-12-27, bem como no recurso hierárquico entretanto interposto e que agora reitera no presente pedido de pronúncia arbitral [vide pedido III) da parte F da petição apresentada, bem como os artigos 9.º e 52.º].

                 f) Neste sentido, já se pronunciou o Tribunal Arbitral no acórdão n.º 126/2013-T, no qual se concluiu que não tendo a Requerente requerido no pedido subsidiário deduzido nenhuma apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta ou de fixação da matéria tributável, o Tribunal considera-se incompetente para do mesmo conhecer.

                 g) Acresce que, apesar de se ter vindo a entender que, na sequência de declaração de ilegalidade de atos de liquidação, proferida em processo de impugnação judicial, podem ser proferidas decisões de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, bem como, por força do disposto no n.º 1 do artigo 171.º do CPPT, de condenação no pagamento de indemnizações por garantia indevida;

                 h) A verdade é que inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de atos de liquidação.

                 i) Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (Cfr., no sentido da argumentação ora exposta, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 244/2013-TCAAD);

                 j) Subsiste ainda, para além da invocada, a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa (ponto 3.2.1 da decisão do 244/2013-T);

                 k) Na verdade, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT determina-se que competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

                 l) E, por força da remissão do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos desse diploma fica na dependência do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, designadamente quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

                 m) Dispondo-se no artigo 2.º, alínea a) dessa Portaria 112-A/2011 que a vinculação da AT à jurisdição referida tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» (sublinhado nosso).

                 n) Nesta circunstância, resulta que na situação sub judice, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.

                 o) Sem prejuízo de, como se concluiu na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa sub judice, ser ainda, abstratamente, possível suscitar a ilegalidade dos atos de autoliquidação nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 78.º da LGT.

                 p) Com efeito, a jurisprudência tem provido o entendimento, que não se questiona, de que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento.

                 q) Todavia, tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT.

                 r) Com efeito, o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, «(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação (…) que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do CPPT», aí não se referindo a revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT.

                 s) Ou seja, da redação conferida ao citado preceito legal constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, tenham sido precedidas, obrigatoriamente, da reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT.

                 t) Aliás, se assim não fosse, bastaria que o legislador houvesse reduzido a exclusão prevista no artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011 à expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa», nada mais distinguindo;

                 u) Mas se, hipoteticamente, sem justificação, se pretenda incluir na autorização concedida o procedimento administrativo de revisão oficiosa, tal formulação afigura-se manifestamente ilegal por decorrer tal interpretação do elemento literal ínsito na norma legal em questão, conforme supra se aludiu e, no que à interpretação concerne, estabelece-se no artigo 11.º, n.º 1 da LGT que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis e, consequentemente, o disposto no artigo 9º, do Código Civil;

                 v) À luz dos elementos de interpretação referidos, não se alcança outra solução interpretativa para a situação sub judice de que a AT apenas se vinculou, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011 (aprovada e publicada já após extensa e profusa jurisprudência que reafirmava, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, ser passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento), se o pedido de declaração de ilegalidade de ato de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa (Neste sentido, veja-se o que se decidiu no recente Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 51/2012-T, onde também se questionava o indeferimento de um pedido de revisão oficiosa:

«Pode o pedido de revisão ser alternativo à reclamação, pode ser complementar, pode até no procedimento de revisão ter-se apreciado a pretensão do contribuinte, mas considerando a natureza voluntária da arbitragem, a interpretação adotada não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim se a sua posição implicasse a frustração total do objetivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso.

Note-se, sob este ângulo, que o Tribunal não se pronuncia sobre a construção doutrinária em que assenta a equiparação do procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial. Simplesmente, entende que do princípio da consagração do procedimento arbitral enquanto meio de resolução de litígios fiscais alternativo ao processo de impugnação judicial, não decorre automaticamente a extensão da vinculação da AT a todas as situações em que, doutrinaria e/ou jurisprudencialmente for considerada admissível essa impugnação.»)

                 x) Haverá, paralela e igualmente incompetência material do Tribunal Arbitral por no pedido de revisão oficiosa e subsequente recurso hierárquico não ter sido apreciada a legalidade de atos de liquidação, consubstanciando o ato objeto de pronúncia arbitral na decisão de indeferimento do recurso hierárquico subsequente ao pedido de revisão oficiosa, nos quais a Requerente solicitou apenas o reembolso / recuperação do IVA liquidado em excesso, sem que tenha solicitado a anulação de qualquer ato de autoliquidação, vindo tão só requerer que fosse «confirmado o reembolso do IVA entregue em excesso, no montante total de € 95.189,86» (cf. conclusão do pedido de revisão oficiosa);

                 z) Ao passo que no recurso hierárquico posteriormente interposto pugnou pela «...recuperação da totalidade do IVA no montante de € 95.189,86», sendo que as decisões de indeferimento ora impugnadas foram motivadas pela subsunção do caso em concreto à disciplina do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, tendo-se, consequentemente, concluído pelo não cumprimento pela Requerente do prazo de dois anos para a efetivação das correções previstas.

                 aa) No caso em apreço, o fundamento para o indeferimento foi, pois, a caducidade do direito a efetuar as correções facultativas previstas naquela norma, sem que tenha sido apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação.

                 bb) Apenas em sede arbitral, a Requerente conclui pela «ilegalidade parcial da autoliquidação de IVA referente ao ano de 2009», pedindo, em consequência, a anulação das decisões administrativas e a restituição do IVA liquidado;

                 cc) O pedido de pronúncia arbitral tem assim por objeto imediato a decisão de indeferimento quer da revisão oficiosa, quer do recurso hierárquico, não tendo como objeto mediato qualquer ato tributário de liquidação[1];

                 dd) “(...)pelo que estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT (...)”;

                 ee) Quer o indeferimento do recurso hierárquico, quer o indeferimento do pedido de revisão oficiosa constituem atos administrativos, à luz da definição dada pelo artigo 120.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) [subsidiariamente aplicável em matéria tributária por força do disposto no artigo 2.º, alínea c) da LGT, artigo 2.º, alínea d) do CPPT, e artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT], pois constituem uma decisão de um órgão da Administração que, ao abrigo de normas de direito público, visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

                 ff) “(...) Como tal, estamos perante atos administrativos em matéria tributária que, por não apreciarem ou discutirem a legalidade do ato de liquidação, não podem ser sindicáveis através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 2.º do RJAT (cf. neste sentido o acórdão do STA de 2009-06-25, proferido no processo n.º 0194/09)(...)”.

                 gg) “(...) Ou seja, considera-se, na esteira e com os fundamentos de anteriores decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral[2], que não se insere no âmbito das competências arbitrais apreciar a legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de regularização de IVA apresentados nos termos do 78°, da LGT nem, como pede a Requerente, proferir decisões parcialmente anulatórias de autoliquidação de IVA sem precedência de apreciação da legalidade desses atos pela Administração Fiscal nos termos dos artigos 131° a 133°, do CPPT (cf. decisão arbitral proferido no processo n.º 148/2014-T) (...)”.

                 hh) Como referido, com a apresentação do pedido de pronúncia arbitral a Requerente pretende a «a declaração de ilegalidade e anulação dos referidos atos de indeferimento do Recurso Hierárquico e do Pedido de Revisão Oficiosa e, em consequência, da autoliquidação de IVA respeitante aos períodos de janeiro a dezembro 2009» (cfr. introito do pedido de pronúncia arbitral);

                 ii) Mais especificando adiante que «vem requerer a declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação de IVA referentes às declarações periódicas dos períodos de janeiro a dezembro de 2009» (artigo 3.º do pedido de pronúncia arbitral), peticionando, em consonância, no pedido II) «Anular-se a autoliquidação de IVA em excesso no montante de € 95.189,74».

                 jj) Admitindo-se que o objeto mediato do pedido é constituído, inquestionavelmente, pelos atos de autoliquidação assim identificados e juntos ao pedido enquanto Documentos n.º 1 a 12, “(...) terá, então, de se concluir, que o conhecimento direto da legalidade de tais questões pelo presente Tribunal se lhe mostra vedado face ao disposto no artigo 2.º do RJAT e do artigo 2°, da citada Portaria n° 112-A/2011, isto é, a possibilidade de apreciar tais atos de autoliquidação sem que tenha existido prévio " (...) recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131° a 133°, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (...)";

                 kk) De resto, também tal pedido, por só agora formulado seria intempestivo à luz do disposto nos artigos 10º, do RJAT, 102º-1 e 2, do CPPT e 27.º e 41.º do Código do IVA);

                 ll)  Atento o enquadramento da Requerente no regime de periodicidade mensal, a data limite de pagamento coincidiria, no máximo, com o dia 10 do mês de fevereiro do ano de 2010, sendo o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral apresentado em 2014-07-07;

                 mm) “(...)Em suma, resultando, clara e inequivocamente, do requerimento inicial a impugnação direta de atos de autoliquidação de imposto (IVA), deve o pedido formulado (conducente à sua declaração de ilegalidade) ser declarado improcedente, por intempestivo e, consequentemente, ser a Requerida absolvida da instância – cf. alínea e), do n.º 1, do artigo 278º do Código de Processo Civil vigente, aplicável ex vi artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro – o que desde já se requer.

 

                 Em resposta às exceções alegou a requerente:

                

                 A. Exceção constante do ponto A) -  Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de restituição à Requerente do IVA liquidado no montante de € 95.189,74”: IVA liquidado em excesso e não IVA dedutível

 

1.      A Requerente liquidou imposto em excesso (conforme referido 9 vezes no seu Pedido de Revisão Oficiosa – cf. introito e artigos 7.º, 8.º, 9.º, 17.º, 18.º, 19.º e 27.º – e 10 vezes no Recurso Hierárquico relativo ao indeferimento do primeiro – cf. artigos 5.º, 6.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 24.º, 43.º e 44.º) e solicitou a anulação do ato de autoliquidação e a correspondente restituição ou “reembolso” do imposto liquidado via Pedido de Revisão Oficiosa. A Requerente junta o Pedido de Revisão Oficiosa como Doc. 1 da presente pronúncia. [3]

2.      A Requerente procedeu à inclusão do referido montante de IVA na sua declaração periódica de IVA, a título de regularização de imposto a favor do sujeito passivo, tendo solicitado a confirmação à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) via Pedido de Revisão Oficiosa;

3.      O Pedido de Revisão Oficiosa refere no seu introito que a ora Requerente, A, vem “requerer a REVISÃO OFICIOSA da liquidação de IVA”;

4.      A AT reconhece na resposta ao Pedido de Revisão Oficiosa que “O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 27 de Dezembro de 2011, relativamente ao IVA liquidado pela A de Janeiro a Dezembro de 2009, pelo que o pedido de revisão oficiosa é tempestivo” (cf. página 5/8 da decisão) sendo tal facto reiterado pelo indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado pela Requerente (cf. página 5/12 da decisão);

5.      Qual a razão para a AT vir agora afirmar que a Requerente não se encontrava a atacar um ato de liquidação?! Qual a razão para a AT vir de forma enganadora negar que a Requerente não solicitou a apreciação da legalidade de um ato de liquidação tendo apenas solicitado a “apreciação de pedidos de restituição ou reembolso de imposto liquidado” (cf. artigo 31.º e 85.º da resposta da AT)?!

6.      É óbvio que a expressão reembolso foi empregue no seu sentido geral. Ou seja, tendo inicialmente sido liquidado IVA em excesso, a retificação deste imposto (IVA liquidado reitera-se) implica o reembolso, devolução ou restituição (tudo sinónimos!) do que foi pago a mais. É só a isso que a palavra reembolso se refere e não a uma qualquer situação de dedução de IVA / IVA dedutível;

7.      O acórdão do STA de 18 de Maio de 2011 citado pela AT não tem aplicação ao caso na medida em que visa a matéria do exercício do direito à dedução (artigo 22.º do CIVA) e não de restituição de imposto liquidado em excesso;

8.      A restituição do imposto liquidado em excesso (repita-se: não confundível com a dedução do IVA) é regulada por regras da Diretiva do IVA distintas das respeitantes à dedução, pelo que a sobreposição destes conceitos motivará, necessariamente, o reenvio prejudicial desta questão para apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia.

 

B.             Exceção constante do ponto ”B” da Resposta - Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa (ponto 3.2.1 da decisão do 244/2013-T)”): Pedido arbitral na sequência de indeferimento de Recurso Hierárquico e não de Pedido de Revisão Oficiosa:

 

9.      Vai mal a AT quando refere que o presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado na sequência de decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa e não, como efetivamente sucedeu, na sequência da decisão de indeferimento de um Recurso Hierárquico;

10.  As considerações tecidas pela AT neste ponto têm que ser desconsideradas porquanto assentam numa premissa errada: que a Requerente, A, apresentou o pedido de pronúncia arbitral na sequência de decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa;

11.  O que a requerente fez foi apresentar o pedido arbitral na sequência do indeferimento de um Recurso Hierárquico por si submetido, em linha com a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT “O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”;

12.  Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais encontra-se perfeitamente definida no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. Refere a alínea a) deste preceito que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

13.  Conforme referido, o Recurso Hierárquico apresentado pela Requerente visava a “declaração de ilegalidade de atos de (…) de autoliquidação”;

14.  A questão da competência material dos tribunais arbitrais encontra-se prevista no artigo 2.º do RJAT, não contendo o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, qualquer regra de competência destes tribunais. Aliás, a acontecer tal situação, a assinalada Portaria estaria ferida de inconstitucionalidade orgânica e formal, porquanto tal ato (“Portaria”) não constitui um ato legislativo, conforme previsto no artigo 112.º da CRP, e na medida em que a definição da “Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respetivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos” constitui reserva relativa de lei nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP;

15.  Acresce que a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais encontra-se em primeira linha definida pelo introito do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, i.e., questões referentes a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e ainda declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

16.  Apenas num segundo plano se exclui a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais nos casos de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do artigo 131.º do CPPT, sendo, neste âmbito, de excluir uma interpretação literal da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Conforme assinala o artigo 9.º do Código Civil (aplicável ex vi artigo 11.º, n.º 1 da LGT) “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos jurídicos, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”;

17.  Deste modo, o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia na assinalada disposição legal tem como única e razoável justificação a necessidade de uma tomada de posição por parte da AT sobre a legalidade de atos de quantificação do imposto (i.e., atos de autoliquidação, os quais, pela sua natureza, não são objeto desse escrutínio), previamente a sua contestação por via contenciosa;

18.  Na situação em apreço, garantiu-se a possibilidade, por duas vezes, de a AT se pronunciar sobre a legalidade da autoliquidação relativa a 2009, pelo que se impõe a interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, no sentido de incluir no seu escopo os casos em que a legalidade da autoliquidação é precedida de Pedido de Revisão Oficiosa e Recurso Hierárquico ao invés de Reclamação Graciosa (em sintonia com a jurisprudência acolhida nos Acórdãos do Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no CAAD);

19.  Em síntese: o ato de segundo grau do qual foi deduzido o pedido arbitral não foi o indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, mas sim o indeferimento de um recurso hierárquico, com expresso cabimento no artigo 10.º do RJAT; não existem dúvidas que o objeto mediato dos autos é um ato de liquidação de IVA (em excesso), ou melhor, um ato de autoliquidação e a sua ilegalidade e consequente invalidade; o requisito do artigo 2.º, a) da Portaria de Vinculação tem de ser interpretado no sentido de ocorrer precedência de recurso à via administrativa e não estritamente no sentido de ter de o ser por via de uma reclamação graciosa.

 

C.             Exceção constante do ponto ”C) Da incompetência material do Tribunal Arbitral por, no pedido de revisão oficiosa e subsequente recurso hierárquico, não ter sido apreciada a legalidade de atos de liquidação”: Meio próprio de reação nos tribunais tributários seria a Impugnação Judicial

 

20.  A AT não pode invocar que no Pedido de Revisão Oficiosa e subsequente Recurso Hierárquico “não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação” (cf. artigo 90.º da resposta da AT) por tudo o que se referiu anteriormente;

21.  Acresce que ao fazer tal afirmação a AT, referindo que a questão suscitada pela Requerente não poderia ser sindicada judicialmente através de Impugnação Judicial (cf. artigo 102.º da resposta da AT), contradiz a sua própria atuação;

22.  De facto, quer na notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa quer na notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico (duas vezes!!), a AT afirma que a Requerente, A, poderia “interpor impugnação judicial”, na primeira notificação, ou “deduzir impugnação judicial”, na segunda notificação (cf. segundo parágrafo da página de rosto das notificações), o que demonstra que nos dois momentos retirou a correta conclusão daquilo que se encontrava a ser discutido no presente caso: a legalidade da autoliquidação de IVA referente a 2009;

 

D.             Exceção constante do ponto ”D) Da incompetência material e da intempestividade para impugnação direta dos atos de liquidação do IVA”: o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado no prazo de 90 dias da notificação da decisão do Recurso Hierárquico

 

23.  O pedido de constituição de tribunal arbitral é tempestivo porquanto a Requerente foi notificada da decisão do Recurso Hierárquico em 11 de Abril de 2014, tendo submetido o presente pedido a 7 de Julho de 2014, sendo que o prazo limite de submissão do mesmo seria 10 de Julho de 2014;

24.  De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT “O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado: a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

E.             Não há mera decisão de extemporaneidade - Artigos 8.º, 11.º e 19.º da resposta da AT

 

25.  A AT reconhece que a decisão de indeferimentos do Recurso Hierárquico assentou no facto de a retificação da Requerente ser qualificada como erro material ou de cálculo;

26.  Nunca é demais recordar que esta questão é de mérito e implica a apreciação da legalidade do ato de autoliquidação e do erro que lhe esteve subjacente: se erro material ou de cálculo se erro de direito;

27.  É certo que na presente situação o erro foi da Requerente, como não poderia deixar de ser nos casos de autoliquidação. Mas o erro na autoliquidação é para estes efeitos ficcionado como erro imputável aos serviços, por forma a permitir ao contribuinte a retificação dos seus erros. A não ser assim (para além da falta de suporte legal) o contribuinte teria uma dupla penalização, pois:                                         

a)    Para além de estar a desempenhar funções que competem ao Estado sem ser remunerado (a liquidação dos impostos);

b)   O sujeito passivo que autoliquida o imposto ficaria colocado numa posição mais desfavorável do que aquela em que estaria se fosse o Estado a assumir as suas funções.

c)     

CONCLUINDO:

Considerando o exposto e nos demais termos de direito que forem aplicáveis, sempre com o douto suprimento de V. Exas, Exmos. Árbitros, conclui-se que não procede nenhuma das exceções invocadas pela Autoridade Tributária na sua resposta.

 

 

       Saneamento do processo

                

                 Exceção ou questão prévia: a incompetência material do Tribunal Arbitral.

                 Suscita a AT, entre outras questões, a da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido.

                 E funda a sua posição no facto de, por um lado, ser objeto dos autos um pedido de pronúncia arbitral que tem por objeto um ato de autoliquidação - a que a requerente imputa o vício de ilegalidade - sem que previamente houvesse recurso à via administrativa nos termos dos artigos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, recurso esse exigível pelos termos da vinculação da AT à jurisdição arbitral pela Portaria; por outro lado, na circunstância de o pedido formulado – restituição ou reembolso de IVA liquidado e pago -, estar subtraído ao âmbito de competências da jurisdição arbitral tributária na medida em que não é suscitada a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta ou de fixação da matéria tributável (artigos 2º-1, do RJAT; Portaria nº 112-A/2011 ex vi artigo 4º, do RJAT) e, por outro lado ainda, tal incompetência material resultaria igualmente do não preenchimento do pressuposto de apreciação prévia necessária, em sede de reclamação graciosa, do ato de retenção na fonte, sendo que não é admissível na jurisdição arbitral a equiparação à reclamação graciosa do regime de revisão dos atos tributários previsto no artigo 78º-1 e 2, da LGT (artigos 4º-1, do RJAT, Portaria nº 112-A/2011 e artigos 131º a 133º, do CPPT).

                     

                 Ora tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art. 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT), e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso [art. 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT], importa começar por apreciar a exceção dilatória suscitada pela Requerida sobre a incompetência do tribunal arbitral.

                 Vejamos, em primeiro lugar, os factos e, designadamente, os especialmente relevantes para a prolação da decisão quanto à competência material do Tribunal Arbitral.

 

                 II FUNDAMENTAÇÃO

                 Factos provados

                 Estão documentalmente comprovados e/ou aceites pelas partes nos respetivos articulados, os seguintes factos:

                 1 - A requerente é uma pessoa coletiva cujo objeto comercial consiste na atividade de agência de viagens e organizador de circuitos turísticos, prestando serviços de viagens e turismo;

                 2 - Está sujeita, em termos de IVA, ao regime especial das agências de viagens – Dec. Lei n.º 221/85 – e bem assim às regras gerais do IVA em tudo o que não for regulado por esse regime especial;

                 3 - Tal atividade compreende operações em que atua em nome próprio perante o cliente e operações em que é mera intermediária recorrendo a bens ou serviços prestados por terceiros dentro ou fora da União Europeia;

                 4 - A requerente liquidou IVA sobre a totalidade dos denominados pacotes turísticos vendidos e das operações de venda de bilhetes de transporte;

                 5 - E entregou, assim, (indevidamente) IVA ao Estado no montante de 93.776,16 euros, entregue nas declarações periódicas mensais de IVA;

                 6 - Por requerimento de 2011-12-27 a Requerente requereu «...ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”)» a revisão oficiosa «da liquidação de IVA efetuada em excesso nas declarações periódicas deste imposto, relativamente aos períodos de janeiro a dezembro de 2009, e consequente pagamento de prestação tributária em excesso, no valor de € 95.189,86...» esclarecendo nesse seu requerimento que «... a Requerente vem agora exercer o direito à dedução/reembolso do montante de IVA liquidado em excesso, nas declarações periódicas de janeiro a dezembro de 2009, no valor de € 93.776,16, pela disponibilização de “pacotes turísticos” cujas operações foram realizadas fora da EU, as quais são isentas de IVA, nos termos da alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º do Código deste imposto e n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 221/85, de 3 de julho.» (cfr. artigo 9.º do  requerimento) e que «...vem agora exercer o direito ao reembolso do montante de imposto liquidado em excesso, na prestação de serviços de transporte aéreo de passageiros, nas declarações periódicas de janeiro a dezembro de 2009, no valor de € 1.413,70.» (cfr. artigo 19.º do requerimento) (cfr. folhas 2 a 23 do PA);

 

       7 - Por despacho de 2012-10-12, da Diretora de Finanças Adjunta do Porto (com subdelegação de competências) exarado na Informação n.º …, da mesma data, foi parcialmente deferido o pedido, tendo sido determinada a aceitação da regularização dos valores do IVA indevidamente liquidado, para os meses de novembro e dezembro de 2009, todavia sujeito a confirmação da verificação dos requisitos necessários pelos Serviços de Inspeção Tributária, nos termos e com os fundamentos constantes da referida Informação e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [(«O artigo 78.º, n.º 6, do CIVA é aplicável caso se verifiquem erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44º a 51º e 65º do Código do IVA.O erro na autoliquidação, é um erro do sujeito passivo, por lapso dos seus serviços, situação enquadrável no artigo 78º nº 6 e nos seus condicionalismos temporais. A situação em análise constitui um erro de cálculo, uma vez que se trata de uma situação em que as operações que estiveram na base do seu apuramento foram incorretas, pelo que a correção teria que ser efetuada numa declaração de IVA mencionada no artigo 41º do CIVA, e sujeita à disciplina consignada no nº 6 do artigo 78º do CIVA, pelo que de acordo com a referida norma, “A correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de dois anos, que, no caso de exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.” Ou seja a regularização é facultativa quando dela resultar imposto a favor do sujeito passivo e apenas poderá ser efetuado no prazo de dois anos.

(...) Face ao exposto e às disposições legais citadas, sendo a situação em apreço resultante de erros internos e sem qualquer interferência na esfera de terceiros, configura a prática de erros materiais ou de cálculo, sujeita à disciplina do nº 6 do artigo 78º do CIVA.» (cfr. folhas 50 a 60 do PA)].

 

            8 – Por requerimento de 2012-11-16 veio a Requerente interpor recurso hierárquico daquela decisão, onde pugna, a final, pelo «...direito à recuperação da totalidade do IVA no montante de € 95.189,86 e não apenas o imposto respeitante a novembro e dezembro de 2009.», pedindo «... o deferimento total do pedido de revisão oficiosa...» (cfr. artigo 44.º requerimento, de folhas 61 a 97 do PA).

 

       9 - Por despacho de 2014-03-31 do Subdiretor-Geral para a Área de Gestão Tributária – IVA (com subdelegação de competências), exarado na Informação n.º …, de 2014-03-03, foi determinado o indeferimento do recurso hierárquico interposto, com os fundamentos aí expressos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, considerando nomeadamente, citando: «(...) A recorrente veio alegar que não ocorreu um erro material ou de cálculo, mas um erro de enquadramento, dado que, relativamente às operações efetuadas fora da União Europeia (UE) (pacotes turísticos), segundo afirmou, não aplicou a isenção de IVA na totalidade das operações, tendo liquidado imposto à taxa normal, do que resultou a entrega indevida de imposto ao Estado.

Relativamente a outras operações (venda isolada de serviços de transporte de passageiros), aplicou o regime da margem, sem atender ao local onde as operações foram realizadas, o que, de igual modo, resultou, também na entrega indevida de imposto ao Estado.

Contudo, não é assim, pois o que se verifica é que a A efetuou incorretamente os cálculos para o apuramento do imposto, relativamente às operações efetuadas de vendas de “pacotes turísticos e “vendas isoladas de transportes de passageiros”, alegando que apurou imposto em excesso.

Ainda que tenha existido erro no apuramento do imposto, esse erro não ocorreu por responsabilidade da AT, mas deveu-se a cálculos efetuados pela recorrente, porque na verdade, enganou-se, o que só constatou quando procedeu a uma revisão interna de procedimentos.

Ora, não existindo erro imputável aos serviços, nunca poderia ser acolhida a sua pretensão com base na revisão do imposto, plasmada no n.º1 do art. 98.º do CIVA e art. e n.º 1 do art. 78.º da LGT.

Os erros, no caso em apreço, constituem erros materiais ou de cálculo, abrangidos; isso sim, pela previsão estabelecida no n.º 6 do art. 78.º do CIVA.

(...)

Todavia, quando foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, em 2011/12/27, relativamente a todos os períodos de imposto de 2009, o prazo para exercer o direito à regularização do imposto, já se encontrava ultrapassado, exceto, relativamente a novembro e dezembro, caso em que o pedido foi aceite naquela sede. Constituindo, este, um prazo perentório e de caducidade, não sendo observado, acarreta a extinção do direito que visava proteger, conduzindo, neste caso, à impossibilidade de a recorrente vir a obter a regularização pretendida.» (cfr. folhas 171 a 185 do PA).

 

            Factos não provados

            Não há, que sejam essenciais, quaisquer outros factos provados ou não provados para apreciação da sobredita questão

 

                 Motivação

                 A convicção do Tribunal, ao estabelecer o quadro factual supra, fundou-se na documentação junta aos autos, no processo administrativo instrutor e na aceitação da ou não impugnação pela AT do quadro factual desenhado pela requerente no seu pedido de pronúncia arbitral.

 

                  O Direito

                 Em causa, para apreciação da competência material deste Tribunal Arbitral, está tão só e apenas saber se, no quadro factual descrito, pode ou não concluir-se pela vinculação da AT à jurisdição arbitral.

     Fundamentando a exceção defende a AT, em síntese, que em face do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03, verifica-se a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido da Requerente (cf. artigos 493.º, nºs 1 e 2 e 494.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT), entendimento, aliás, corroborado pela recente Jurisprudência do Tribunal Arbitral ao excluir do âmbito da suas competências a apreciação de legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de regularização de IVA, bem como de proferir autorizações para os sujeitos passivos regularizarem IVA a seu favor.

Defende-se também que a incompetência material do Tribunal Arbitral resulta da causa subjacente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Com efeito, o ato administrativo conducente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa teve por base a invocação da intempestividade da pretendida regularização de IVA, não sendo, por esse motivo, apreciada a legalidade de quaisquer atos de autoliquidação, o que resultaria na insusceptibilidade do ato ser impugnado através de impugnação judicial (e também, obviamente, pela via arbitral).

Neste sentido, pondera a AT que, ainda que por mera hipótese se considerasse que a legalidade impugnada resulta de um ato de segundo grau [“(...) e abrangerá os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação, no caso dos presentes autos tal não acontece já que o fundamento do indeferimento foi o da intempestividade da regularização de IVA peticionada pela Requerente(...)”], ocorreria sempre a  incompetência material da jurisdição arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT, por ausência de apreciação da legalidade do ato de autoliquidação no âmbito do procedimento de revisão oficiosa. 

Além dos fundamentos referidos, a AT invoca ainda a incompetência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

Tal impedimento, resultaria da remissão do n.°1 do artigo 4.° do RJAT, para a Portaria n.º 112-A/2011, a qual estabelece a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais constituídos nos termos daquele diploma, designadamente, quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Ora, nos termos do artigo 2º alínea a) da Portaria 112-A/2011, a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no nº 1 do artigo 2º do RJAT, “com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

                 Por conseguinte, e atendendo aos termos de vinculação da AT, na situação em apreço impunha-se a precedência obrigatória de reclamação graciosa (sublinhado nosso), nos termos do disposto no nº 1 do artigo 131º do CPPT, por se defender que a expressão “recurso à via administrativa” não referencia também a revisão oficiosa do ato tributário, literalmente excluída da competência material dos Tribunais Arbitrais e legalmente vedada em sede arbitral.

                 Vejamos então a questão mais de perto.

                  O âmbito da jurisdição arbitral tributária resulta, em primeira linha, do disposto no art. 2.º, n.º 1 do RJAT, que enuncia os critérios de determinação material da competência dos tribunais arbitrais nos seguintes termos:

                 “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

                 a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

                 b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

                 Em face deste dispositivo, deve-se entender que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).

 

                 A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo sobre a adequação ao caso sub juditio do meio processual da ação administrativa especial ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no art. 97.º do CPPT, que procede à definição dos respetivos campos de aplicação distinguindo a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. d) do n.º 1) e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. p) do n.º 1), sendo que, nos termos do n.º 2 do art. 97.º, o “recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.

                 Para concretizar tal distinção entre o âmbito de aplicação destes meios processuais, que, por força da al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, possui relevo na definição da competência dos tribunais arbitrais tributários, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial(cfr. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n.º 0194/09).

                 Desta forma, tendo presentes estes princípios básicos, para apurar a competência do tribunal arbitral cabe averiguar o conteúdo do ato impugnado, de modo a verificar se comportou a apreciação de um ato de liquidação.

                 Para o efeito, como resulta da expressão “apreciação” utilizada na alínea d) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, basta que, no ato em apreço, se tenha avaliado ou examinado a “legalidade do ato de liquidação”, mesmo que essa apreciação não seja o fundamento da decisão administrativa (Cfr., neste sentido, o acórdão arbitral de 06/12/2013, proferido no processo n.º 117/2013-T).

 

                 Subsunção

                 Ora como claramente resulta dos autos e do elenco de factos provados está aqui em causa o indeferimento do pedido de revisão oficiosa de autoliquidação de IVA, apresentado pela requerente, ao abrigo do disposto no artigo 78º, da LGT, relativo a uma pretensa correção de IVA alegadamente liquidado em excesso.

 

            Este pedido foi indeferido com fundamento em que, citando o despacho, «(...)A recorrente veio alegar que não ocorreu um erro material ou de cálculo, mas um erro de enquadramento, dado que, relativamente às operações efetuadas fora da União Europeia (UE) (pacotes turísticos), segundo afirmou, não aplicou a isenção de IVA na totalidade das operações, tendo liquidado imposto à taxa normal, do que resultou a entrega indevida de imposto ao Estado.

Relativamente a outras operações (venda isolada de serviços de transporte de passageiros), aplicou o regime da margem, sem atender ao local onde as operações foram realizadas, o que, de igual modo, resultou, também na entrega indevida de imposto ao Estado.

Contudo, não é assim, pois o que se verifica é que a A efetuou incorretamente os cálculos para o apuramento do imposto, relativamente à operações efetuadas de vendas de “pacotes turísticos e “vendas isoladas de transportes de passageiros”, alegando que apurou imposto em excesso.

Ainda que tenha existido erro no apuramento do imposto, esse erro não ocorreu por responsabilidade da AT, mas deveu-se a cálculos efetuados pela recorrente, porque na verdade, enganou-se, o que só constatou quando procedeu a uma revisão interna de procedimentos.

Ora, não existindo erro imputável aos serviços, nunca poderia ser acolhida a sua pretensão com base na revisão do imposto, plasmada no n.º1 do art. 98.º do CIVA e art. e n.º 1 do art. 78.º da LGT.

Os erros, no caso em apreço, constituem erros materiais ou de cálculo, abrangidos; isso sim, pela previsão estabelecida no n.º 6 do art. 78.º do CIVA.

(...)

Todavia, quando foi apresentado o pedido de revisão oficiosa, em 2011/12/27, relativamente a todos os períodos de imposto de 2009, o prazo para exercer o direito à regularização do imposto, já se encontrava ultrapassado, exceto, relativamente a novembro e dezembro, caso em que o pedido foi aceite naquela sede. Constituindo, este, um prazo perentório e de caducidade, não sendo observado, acarreta a extinção do direito que visava proteger, conduzindo, neste caso, à impossibilidade de a recorrente vir a obter a regularização pretendida.» (cfr. folhas 171 a 185 do PA).

 

                 Do exposto resulta a conclusão óbvia de que a Administração Fiscal não apreciou a legalidade da liquidação.

                 O ato que se encontra em causa, que constitui o objeto imediato do presente processo, é, consequente e indubitavelmente, a decisão de indeferimento do pedido de revisão, dita oficiosa, apresentado.

                 Esta decisão de indeferimento, por seu turno, respeita à “revisão oficiosa da autoliquidação do IVA” pelo que incide sobre os atos de autoliquidação do imposto relativos a 2009, sobre cuja ilegalidade a Requerente pretende fundar o seu direito à regularização do IVA liquidado em excesso. 

Por conseguinte, e atendendo aos termos de vinculação da AT, na situação em apreço impunha-se a precedência obrigatória de reclamação graciosa, com a consequente pronúncia sobre o mérito da pretensão apresentada, à luz do disposto no nº 1 do artigo 131º do CPPT, porquanto e além do mais, a expressão “recurso à via administrativa” não referencia também a revisão oficiosa do ato tributário[4], literalmente excluída da competência material dos Tribunais Arbitrais e legalmente vedada em sede arbitral.[5]

Ou seja e dito doutro modo: estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 2.º do RJAT.[6]

Sufraga-se assim o entendimento da AT relativo à questão da incompetência material dos Tribunais Arbitrais para apreciação do objeto deste litígio considerando, na esteira e com os fundamentos de anteriores decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral[7], que não se insere no âmbito das competências arbitrais apreciar a legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de regularização de IVA apresentados nos termos do 78º, da LGT nem, como pede a Requerente, proferir decisões anulatórias de autoliquidação de IVA sem precedência de apreciação da legalidade desses atos pela Administração Fiscal nos termos dos artigos 131º a 133º, do CPPT.

Naturalmente que podem ser discutíveis os fundamentos da decisão da AT quando conclui e decide pelo indeferimento do pedido de revisão por intempestividade.

A verdade, porém, é que, ainda que se indiciassem eventualmente nos fundamentos desse despacho que o destino do pedido pudesse ser o deferimento se não ocorresse a intempestividade, tal não retirava ao despacho a sua natureza de não pronúncia sobre o mérito e, consequentemente, o não preenchimento do necessário pressuposto para a competência material dos Tribunais Arbitrais Tributários constituídos no âmbito do CAAD.

A fórmula “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa e como se viu, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Com efeito, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau (reclamação graciosa) ou terceiro grau (recurso hierárquico), que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

Por conseguinte, admite-se a inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau ou terceiro grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, por via da referência que é feita naquela norma aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.

Por outro lado, a pronúncia prévia da Autoridade Tributária noutros procedimentos previstos na Lei, designadamente no processo de revisão dos atos tributários previsto no artigo 78º, da LGT[8], só seria eventualmente de considerar [e há, pelo menos, fortes dúvidas, que o possa ser] como equivalente à exigência prevista no artigo 2º, da citada Portaria nº 112-A/2011, de prévio “ (…) recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…)”, no caso de efetiva e real pronúncia quanto ao mérito e/ou ilegalidade do ato de autoliquidação[9].

Se o preenchimento desse pressuposto pudesse ser considerado independentemente duma apreciação de mérito e, designadamente, quando fosse rejeitado ou indeferido liminarmente por intempestividade, estaria desse modo encontrada a forma de abertura da via arbitral: bastaria a apresentação de um pedido de reclamação ou revisão manifestamente extemporâneo e, denegado o pedido, apresentar o requerimento de pronúncia arbitral sem risco de inadmissibilidade por incompetência material do Tribunal Arbitral.

Não foi, naturalmente, esse o objetivo do legislador da citado portaria quando redigiu a norma em causa, mas antes, e manifestamente, pretendeu excluir da jurisdição arbitral a apreciação e decisão sobre, designadamente, autoliquidação de impostos sem antes ter sido apreciado o mérito dessa pretensão pela Administração Fiscal através dos mecanismos de recurso nos termos dos artigos 131º a 133º, do CPPT.

Destarte e em conclusão: é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub juditio, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

Notas finais

Pese embora a sobredita exceção de incompetência material deste Tribunal prejudicar a apreciação do mérito do pedido, consideram-se, apesar disso, não inúteis algumas observações relativas à questão de fundo para concluir que, ainda que fosse conferida a sobredita competência material ao Tribunal, o pedido soçobraria.

Vejamos então.

Defende a impugnante que o erro que invoca para justificar o pedido, não é um erro material ou de cálculo, ao contrário do defende a AT, caso em caberia no n.º 6 do art.º 78.º do CIVA, mas um erro derivado de falta de clareza dos regimes de IVA das agências de viagens “que motivaram uma incorreta interpretação do quadro legal por parte da Requerente, configurando tal comportamento um claro erro nos pressupostos quanto ao regime aplicável (i.e. um erro de enquadramento) que mais não é do que um erro de direito” (artigo 82.º da pi.).

E defende ainda que, no caso em apreço, os erros que cometeu não foram erros materiais ou de cálculo, mas sim erros de direito quanto à aplicação do regime IVA das agências de viagens por «se revelar de especial complexidade” e por “falta de clareza dos regimes de IVA das agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos” conforme refere nos artigos 59 e 82 da pi sem todavia identificar em que ponto ou que aspeto dos regimes teve dificuldade em compreender ou aplicar.

Ora, afigura-se que a requerente incorre nos dois erros: em erro de direito por aplicar mal as normas do regime especial e as normas gerais do IVA igualmente aplicáveis à sua atividade; e em sucessivos e reiterados erros materiais por sucessivamente relevar mal os factos e as operações económicas praticadas.

Todavia existe ou subsiste, uma diferença entre esses dois erros. Quanto ao primeiro – erro de direito – a sua invocação revela-se inaceitável quando se trata, como é o caso, de sujeito passivo que tem por obrigação aplicar, a título principal, na sua atividade comercial, o regime especial das agências de viagens e que, 20 anos depois de ter iniciado tal atividade, e quase 30 anos depois de ter sido criado este regime especial, venha ainda invocar, em seu benefício, dificuldades na compreensão e aplicação e “falta de clareza” (pi, artigo 66) do regime.

Tal censurabilidade é agravada pelo facto de, no caso, os regimes concretamente aplicáveis às operações económicas em causa não revelarem especial complexidade. Com efeito, não há controvérsia sobre o facto de que a requerente aplicou incorretamente o DL 225/85 à “totalidade das suas vendas / prestações de serviços de viagens, incluindo pacotes turísticos relativamente aos quais a agência recorre a terceiros para aquisição de serviços que foram efetuados por estes em países terceiros, bem como nas vendas isoladas de transportes de passageiros provenientes e com destino ao estrangeiro, às regiões autónomas e / ou entre ilhas daquelas regiões” (artigos 36.º a 38.º da pi) e ponto II. 4, p. 5 do Relatório de exame).

Com efeito, nem o regime especial das agências de viagens nem o regime geral do IVA revelam especial complexidade no que respeita aos pacotes turísticos em que a agência atua como mera intermediária, nem às vendas isoladas de bilhetes de transporte de passageiros, isentas. De facto, não é apenas o regime especial das agências que está aqui em causa, mas também o regime geral do IVA, aplicável às operações aqui concretamente em causa. É até de meridiana clareza a remissão expressa para a al. s) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 14.º do CIVA, cujo regime de isenção não revela especial complexidade, assim como não o revela o artigo 8.º do regime especial de IVA das agências de viagens, citado, onde se lê que: “As normas do presente diploma não se aplicam às prestações de serviços efetuadas pelas agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos em nome e por conta do cliente, as quais serão submetidas à disciplina geral do IVA.”

Portanto, não está aqui em causa a aplicação de algum aspeto mais complexo do regime das agências de viagens, desde logo porque, no caso, conforme provado no Relatório de exame (ponto II.4, fls.4) sempre se revelaria de fácil compreensão o facto de que nas operações em que a agência de viagens recorre a terceiros, relativamente a serviços fora da Comunidade, a prestação de serviços é assimilada a uma atividade de intermediário, a que se aplica o regime geral do IVA, isenta por força da alínea s) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA. E em relação às quais a impugnante não teria que efetuar (nem entregar ao Estado) a autoliquidação de IVA que fez.

Ora, tal regime geral não oferece hoje, cerca de 29 anos volvidos sobre a entrada em vigor do CIVA, a mínima dúvida quanto ao regime de localização das operações tributáveis previsto no artigo 6.º do CIVA nem quanto ao regime geral de liquidação e de isenção imposto (em certas operações). Com efeito, constitui uma regra básica em IVA a de que estão dele isentas as exportações e as operações assimiladas, conforme previsto no artigo 14.º do CIVA, em especial as realizadas pela impugnante, quando relativas a serviços prestadas fora da Comunidade, conforme previsto nas suas alíneas r) e s) do seu número 1. Pois que é perfeitamente claro que se encontram isentos de IVA os bens e serviços prestados no território nacional mas utilizados e explorados em países terceiros. (Clotilde Celorico Palma, Introdução do IVA, cadernos IDEEF, n.º 1, p. 263).

Está em causa nos autos o erro de apuramento de IVA em excesso, relativo a operações isentas de IVA ao abrigo do artigo 14.º do CIVA, motivado por manifesto erro da Requerente, como se deu por provado a matéria de facto fixada. E provado está também que a impugnante aplicou (mal) o regime especial das agências de viagens (regime da margem) a operações económicas às quais deveria ter aplicado o regime geral do IVA, à luz do disposto nos artigos 1.º n.º 3 e 8.º do DL 221/85, conforme resulta provado a fls. 4 e 5 do Relatório, que não contesta.

Também não oferece dúvida que, no caso, tal isenção constitui uma isenção completa de imposto, isto é, não só permite a desoneração do IVA suportado a montante como também não exige a liquidação para a frente do imposto que normalmente seria devido, isto é, nas operações ativas realizadas pelo SP.

Existe ainda um segundo conjunto de razões pelas quais a invocação da especial complexidade do regime de IVA das agências de viagens, bem como toda a jurisprudência do TJUE para a fundamentar, não deve proceder. É que essa não é mais do que uma invocação difusa, que em momento algum a requerente concretiza na sua p. i. Com efeito, não invoca nem faz prova de qual haja sido, em concreto, a dificuldade específica da compreensão do regime especial em causa.

Com efeito, apenas no artigo 65 da sua p. i. refere o facto de que “constitui de igual modo um fator não desprezível a utilização de sistemas informáticos oriundos dos Estados Unidos..” mas nem mesmo aí informa qual é concretamente o fator dessa complexidade ou incompreensibilidade. Pois que embora se possa condescender que esse regime especial tenha aspetos complexos, essa complexidade em concreto não só não se verifica em relação às operações aqui em causa – bem pelo contrário - como não é concretamente identificada pela Requerente. De modo que ficamos sem saber qual foi exatamente o fator que a impediu de aplicar corretamente os regimes especial e geral do IVA às operações em causa. 

E isto leva-nos à terceira razão pela qual se afigura que aquela complexidade (e a consequente invocação do erro de direito) não deve proceder: é que, conforme é invocado no Relatório de exame e não foi contestado pela impugnante, do que se trata é da aplicação do regime geral do IVA às operações de intermediação realizadas pela impugnante relativas a serviços prestados fora do território da Comunidade e à venda de bilhetes isentos, não do regime especial das agências de viagens (artigos 36.º, 37.º).

Ora, nos termos do disposto no artigo 14.º do CIVA estão dele (IVA) isentas (isenção completa) as operações de exportação de bens e serviços e bem assim as operações assimiladas. Assim, a venda de pacotes turísticos com destino ao estrangeiro e de bilhetes de transporte isentos, configuram precisamente operações assimiladas porque o serviço prestado vai ser consumido fora do território da UE e, logo assim, está isento de IVA ao abrigo de um regime básico (al. r) e s) do n.º 1 e n.º 4), que não apresenta qualquer complexidade.

De resto, a impugnante revela conhecer bem o princípio da neutralidade do IVA, o que lhe permite compreender como funciona essa neutralidade nas operações assimiladas a exportações. Com efeito, invoca-o abundantemente para sufragar, e bem, a tese de que os EM devem prever a possibilidade de correção de imposto indevidamente liquidado, pelo que não faz sentido atribuir ao erro na autoliquidação a natureza de erro nos pressupostos de aplicação do quadro legal, que invoca no artigo 83.º da sua pi.

Assim, não parece que seja curial aceitar que se esteja perante um erro nos pressupostos de aplicação ou de enquadramento do quadro legal relativo às operações em causa, que é claro, como se vê. Se não é de crer que a impugnante desconheça a figura da isenção (e os seus efeitos em IVA) de que gozam as operações tributáveis equiparadas a exportações, parece-me ser então claro que não é de aceitar que se trate de um erro de direito, um erro sobre a compreensão do conteúdo do direito aplicável, um erro sobre o funcionamento de um mecanismo geral do IVA, mas um erro material de relevação dessas operações.

Com efeito, não é curial que um sujeito passivo de IVA, obrigado à aplicação de um regime especial para o seu setor de atividade, que com ele trabalha todos os dias ao longo dos seus muitos anos de atividade, conforme resulta provado do relatório de exame, venha agora invocar de forma geral e abstrata, não concretizada na petição, a complexidade do regime para fundamentar o desconhecimento de operações básicas de enquadramento, de aplicação desse regime geral e de aplicação das regras e mecanismos básicos do IVA a operações que pratica todos os dias ou, pelo menos, frequentemente.

Se tinha, então, dificuldades na aplicação do regime especial das agências de viagens, a verdade é que não só não invoca em que consistiu essa dificuldade específica e o modo como ela concretamente dificultou o enquadramento das operações de venda de pacotes turísticos e bilhetes isentos, como não faz prova de que alguma vez haja solicitado esclarecimentos, v. g. através de pedidos de informação escritos (dirigidos à AT ou à associação do setor (APAVT), nem demonstra haver procurado compreender a doutrina administrativa nesta matéria, como é o caso do Ofício Circulado n.º …, de 1991 da DSIVA.

Assim, afigura-se improcedente a invocação abstrata de dificuldades gerais, não concretamente identificadas, de enquadramento de algumas dessas operações, as quais, de resto, nem são desculpáveis para um operador do setor.

Antes, afigura-se inequívoco que o seu modus faciendi corresponde a uma postura genérica face ao dever de cumprimento, a um modo operativo geral deficiente, que o Relatório de exame confirma, a fls. 18 quando afirma que o sujeito passivo, pese embora essa dificuldades, que, segundo invoca, se arrastam desde sempre, não procurou esclarecer-se, não se atualizou, não modificou os seus procedimentos, mantendo as suas erradas rotinas de relevação contabilística e apuramento do IVA, continuando a não isolar as prestações de serviços não integradas nos pacotes turísticos e, consequentemente, a não lhes dar o tratamento em IVA que eles requerem, facto que também não contestou.

Tanto mais que no próprio Relatório se alerta para o facto de, perante esta atitude incumpridora das regras de IVA que lhe são aplicáveis, “no limite, poderá a AT, no futuro, vir a ser chamada a pronunciar-se sobre erros na autoliquidação de imposto (IVA) em 2012…”.

Consequentemente, afigura-se improcedente por não fundamentada, a invocação dessas alegadas dificuldades gerais difusas de compreensão dos regimes especial (e geral do IVA) como fundamento para o erro de direito quando a Requerente não identifica qual ele é, não nos habilitando com dados concretos que nos permitam ajuizar da sua real verificação.

Destarte, não se deve aceitar a invocação genérica e abstrata do erro de direito, mas dar como provado que do se trata são de erros materiais de relevação contabilística, de inscrição ou de escrita, dos factos na sua contabilidade e nas declarações de IVA, bem como de erros de cálculo na determinação da base tributável sujeita ao regime da margem e da base sujeita ao regime geral do IVA.

O que ficou provado foi que a impugnante registou mal as operações, em termos de a sua contabilidade não “possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto” e a “de forma a evidenciar: a) O valor das operações não isentas, líquidas de imposto, segundo a taxa aplicável; b) O valor das operações isentas sem direito à dedução; c) O valor das operações isentas com direito à dedução; d) O valor do imposto liquidado, segundo a taxa aplicável, com relevação distinta do respeitante às operações referidas nas alíneas f) e g) do n.º 3 do artigo 3.º e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º, bem como dos casos em que a respectiva liquidação compete … ao adquirente” (ou nos termos exigidos pelo regime da margem), conforme é exigido pelo artigo 44.º do CIVA e bem assim os registos, nos termos previstos nos artigos 45.º a 51º e 65.º, todos do CIVA.

Ora, constituem retificações de IVA previstas no art. 71.º, entre outras, as correções de erros materiais praticados nos registos e nas declarações — cfr. Clotilde Celorico de Palma, Introdução ao IVA, pág. 186. Já que é precisamente o art. 44.º do CIVA que, em sede de obrigações contabilísticas, determina que a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto – Clotilde Celorico de Palma, ob. cit., pág. 184.

Assim, ressalta demonstrado que se trata de erros materiais de apuramento da base tributável e das operações realizadas e ou de cálculo na liquidação do IVA a entregar ao Estado (artigos 47.º e segs da p. i.). E, logo assim, revela-se procedente a invocação feita pela AT de que o regime aplicável deve ser o do artigo 78.º do CIVA, em especial o seu número 6, que estabelece o prazo de dois anos se efetuar a correção. Prazo esse que se encontra ultrapassado.

Por outro lado, o artigo 98.º do CIVA prevê o regime regra de revisão oficiosa e de exercício do direito à dedução do IVA, estabelecendo que «sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente”.

No entanto, o referido artigo 78.º n.º 6 do CIVA estabelece que «a correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo  67.º  é  facultativa  quando  resultar  imposto  a favor  do  sujeito  passivo,  mas  só  pode  ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respetivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

Assim, este  artigo  78.º  n.º  6,  ao  prever  um  prazo  de  dois  anos  contados  a  partir  do nascimento  do  direito  a  dedução,  para  exercício  do  respetivo  direito,  nas  situações  aí  previstas, será uma das “disposições especiais” a que alude a parte inicial do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, em que não é aplicável o prazo máximo de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, mas sim de dois anos. 

Como resulta do teor literal daquele n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, ele é aplicável apenas à «correção de erros materiais ou de cálculo”. Todavia, o artigo 78.º do CIVA não nos diz o que entende por erros materiais. Mas o artigo 95.º-A n.º 2 do CPPT dá-nos um conceito de “erros materiais ou manifestos” indicando que nele se integram, «designadamente os que resultarem do funcionamento anómalo dos  sistemas  informáticos  da  administração  tributária,  bem  como  as  situações  inequívocas  de erro de cálculo, de escrita, de inexactidão ou lapso».

O artigo 78.º n.º 6 do CIVA equipara o erro de cálculo ao erro material, pelo que nele se compreendem os erros de soma e ou de subtração nas operações de cálculo do montante do IVA a (auto)liquidar e a entregar ao estado. Assim, configura um erro material o erro no tipo de registo, a errada relevação ou inscrição dos factos e valores na contabilidade, bem como o erro de preenchimento dos campos da declaração periódica de IVA. E um erro de cálculo, o erro na aplicação das taxas de imposto, na operação de soma da base tributável ou do imposto apurado. Erro de cálculo será aquele em que se verifiquem erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51º e 65.º do referido CIVA.

Não se ignora o que já se decidiu no Ac. do STA de 18.5.2011, proc. 0966/2010, que defende que os aludidos erros materiais referem-se a situações de erro de registo, por exemplo, quando o IVA é registado por um montante diferente do valor correto (as situações previstas no mencionado preceito referem-se unicamente a situações de meros erros de escrita ou de transcrição de valores), reportando-se, por sua vez, os erros de cálculo, como resulta desde logo da própria terminologia, a situações em que os valores do imposto ou das operações que estiveram na base do seu apuramento foram incorretamente apurados. No caso, o IVA em causa foi erradamente liquidado e contabilizado, importando, assim, concluir que se está perante uma situação enquadrável no artigo 71.º, n.º 6 do CIVA.

Assim como não se ignora o Ac. Arbitral proferido no proc. 117/2013-T. Todavia, salvo melhor, ali, ao contrário do caso sub juditio, era claro (e foi dado como provado) o erro no apuramento de uma concreta situação complexa de determinação do pro rata de uma SGPS superior ao devido, através da inclusão dos dividendos e das mais-valias derivadas da venda de participações sociais, as quais, uma vez expurgadas, como deveria ser, determinaram o apuramento de um pro rata superior, gerando IVA a seu favor, cuja pretensão foi manifestada através de um pedido de revisão da matéria tributável. Ora, neste caso, os árbitros puderam conhecer a valorizar o erro em concreto, aceitando que para o cálculo do pro rata de IVA das SGPS a Requerente avaliou mal um preceito específico: o artigo 23.º do CIVA.

É claro que o erro de cálculo de pro rata de uma SGPS por errada interpretação e aplicação de uma norma específica, o artigo 23.º do CIVA, não é um erro enquadrável no artigo 78.º n.º 6 porque consubstancia um erro de direito (sobre que operações ou valores que devem constar no numerador e denominador da fração) sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética.

Ao contrário daquele outro caso em que o motivo do erro está concretamente identificado e foi aceite como sendo um erro na aplicação de uma norma específica dos sujeitos passivos mistos do IVA, no caso sub juditio a Requerente não identifica o preceito que aplicou mal, invoca apenas em geral, isto é de forma difusa, a complexidade de todo o regime especial das agências de viagens, mas não indica concretamente onde consiste essa dificuldade – nem como ela foi causa de erro na aplicação do direito -, que permanece nubloso.

Assim como não identifica o iter lógico onde errou na aplicação desses regimes legais, a norma ou normas de onde emerge essa sua alegada dificuldade. Assim, embora seja pacífica a decisão arbitral tomada no processo 117/2013-T, por ser claro e congruente a dificuldade da ali Requerente no entendimento e aplicação do regime legal do pro rata em IVA, afigura-se que a solução ali tomada (de aplicar o artigo 98.º n.º 2 do CIVA) não possa valer para o caso sub juditio. E isto porque, neste caso, a dificuldade concreta na aplicação do regime não é claramente identificada e ou justificada, não se entendendo em que termos ela foi causa de erro na autoliquidação, não parecendo por isso que seja procedente.

Não parece assim, consequentemente, salvo melhor opinião, que o artigo 98.º n.º 2 do CIVA se possa aqui aplicar, porque embora nele se refira expressamente que o prazo de 4 anos se aplica aos casos de imposto entregue em excesso, o que será o caso, esse prazo só vale se não for de aplicar disposição especial, tendo a natureza de norma supletiva face ao artigo 78.º do CIVA.

Invoca ainda a Requerente (artigo 53.º e segs da p. i.) que os EM devem implementar mecanismos legais que possibilitem a correção do de imposto indevidamente liquidado, o que não se contesta. O facto é que a lei portuguesa possui não só mecanismos legais que permitem essa correção, como prazos legais razoáveis para o efeito.

III DECISÃO

Ponderando a fundamentação exposta, este Tribunal decide:

a) Julgar procedente a exceção de incompetência material deduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, em consequência, absolve a Requerida da instância;

b) Julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento das demais exceções e da questão de mérito.

c) Condenar a requerente no pagamento das custas (artigo 22º-4, do RJAT), fixando estas na importância de € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €95.189,74

 

Lisboa, 24 de fevereiro de 2015

 

Os Árbitros

 

(José Poças Falcão)

 

 

 

(José Manuel Pedroso de Melo)

 

 

 

(João Ricardo Catarino)

 

 

 

 



[1]Cf. neste sentido, o acórdão do STA, de 2011-11-16, proferido no processo n.º 0156/11.

[2] Cfr., v.g., Acs n°s 236/2013-T e 244/2013-T, in www.caad.org.pt

[3] Conforme deliberado em sede da reunião arbitral ocorrida nesta data e exarado na respetiva ata.

[4] Conforme se referirá infra, poderá ser discutível a equivalência da pronúncia da AT em sede de reclamação graciosa à pronúncia, v. g., em sede do procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78º, da LGT

[5] Cfr., v.g., Acs. do CAAD nos processos nºs 244/2013-T e 51/2012-T

[6] Cfr Acórdão do STA de 12-7-2006, processo n.º 402/06, no qual se refere que o procedimento de revisão “é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração. Essencialmente, o regime do art. 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do ato de liquidação, e não um meio anulatório, com destruição retroativa dos efeitos do ato. A esta luz, o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando usados em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação). Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de atos administrativos, mas esse esforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os atos de liquidação de tributo.

E, prossegue tal aresto, (…) embora o art. 78.º da LGT, no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro «do prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redação inicial, que é o n.º 7 na redação vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte. Idêntica referência é feita no n.º 1 do art. 49.º da LGT, que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do art. 86.º do CPPT, que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços». É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência e iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar por sua iniciativa).Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do art. 95.º da LGT refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da CRP.

[7] Cfr., v.g., Acs nºs 236/2013-T e 244/2013-T, in www.caad.org.pt

 

[8] Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de um ato de autoliquidação, como sucede no caso em apreço, é proporcionada à AT, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa (Cfr, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07 in http://www.dgsi.pt/)

[9] Tal como já foi entendido em diversas decisões de tribunais arbitrais deste CAAD (cfr., por exemplo, os acórdãos de 06/12/2013, proferido no proc. n.º 117/2013-T e de 23/10/2012, proc. n.º 73/2012-T, onde se convoca outra jurisprudência), e não se desconhecendo, muito embora, a existência de entendimento em contrário (vd. o acórdão de 09/11/2012, proc. n.º 51/2012-T), este tribunal também entende que deve considerar-se incluída nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação, pois, por um lado, a fórmula “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, compreende quer os casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos, quer os casos em que é impugnado um ato de segundo grau, que mantenha um ato de liquidação, não declarando a sua ilegalidade, e, por outro lado, o teor da al. a) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, para que remete o n.º 1 do art. 4.º do RJAT, não deve ser interpretado, em atenção à sua ratio legis, no sentido de excluir o indeferimento de pedido de revisão oficiosa, dado que na revisão oficiosa é proporcionada à Administração Tributária a oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, não sendo razoável que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa, pelo que não se justifica afastar a jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa sem prévia reclamação graciosa, com o que se criaria, sem fundamento bastante, uma nova situação de reclamação graciosa necessária privativa da jurisdição arbitral.

Todavia, insiste-se, não basta ser comprovado o recurso prévio à via administrativa por quaisquer dos meios mencionados, é também absolutamente necessário comprovar que houve efetiva apreciação pela Administração, do mérito dos pedidos. Requisito que, para efeitos de competência do Tribunal Arbitral, não é preenchido quando e se essa apreciação de legalidade foi liminarmente denegada por, v. g., extemporaneidade.