Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 453/2014-T
Data da decisão: 2014-11-20  IRS  
Valor do pedido: € 4.284,00
Tema: IRS – caducidade do direito à liquidação; mais-valias mobiliárias; formalidade não essencial; micro e pequena empresa
*Decisão arbitral anulada parcialmente por acórdão do STA de 07 de junho de 2017, recurso n.º 1471/14-50, que decide em substituição.
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DECISÃO ARBITRAL

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 453/2014– T

Tema: IRS – caducidade do direito à liquidação; mais-valias mobiliárias; formalidade não essencial; micro e pequena empresa

 

I – Relatório

 

1.      O contribuinte “A”, NIF … (doravante "Requerente"), apresentou, no dia 28 de Junho de 2014, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT").

2.      O Requerente vem pedir a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das liquidações de IRS e de juros compensatórios relativas ao ano de 2010, no montante total de €155.588,20 e constantes do documento nº 2014…, e o decretamento da respectiva anulação.

3.      O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 1 de Julho de 2014.

4.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 14 de Agosto de 2014.

5.      O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 1 de Setembro de 2014; foi-o regularmente e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1, do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

6.      Nos termos dos n.os 1 e 2 do art. 17º do RJAT, foi a AT notificada, em 1 de Setembro de 2014, para apresentar resposta.

7.      A AT apresentou a sua resposta em 7 de Outubro de 2014, acompanhada de cópia do processo administrativo, conforme lhe fora solicitado.

8.      Nessa resposta a AT alega, em síntese, a total improcedência do pedido do Requerente.

9.      Nessa mesma resposta a AT requer que seja junto ao processo o termo de transacção a que se aludia no art. 20º do requerimento inicial, e isso mesmo foi solicitado ao Requerente por Despacho Arbitral de 8 de Outubro de 2014.

10.  O Requerente juntou esse termo de transacção em resposta que apresentou em 10 de Outubro de 2014, tendo o mesmo sido junto aos autos por Despacho Arbitral de 14 de Outubro de 2014.

11.  Entretanto, em requerimento de 7 de Outubro de 2014 o Requerente solicitou a junção aos autos de uma resposta por ele enviada à AT em reacção ao ofício nº …, de 17 de Janeiro de 2014; essa junção foi deferida por Despachos Arbitrais de 9 e 13 de Outubro de 2014.

12.  Em requerimento apresentado em 23 de Outubro de 2014, a AT vem contraditar aquilo que é alegado pelo Requerente no seu requerimento de 7 de Outubro de 2014, insistindo que a documentação apresentada na resposta ao ofício nº …, de 17 de Janeiro de 2014, não desmente o facto de o Requerente não ter constituído mandatário judicial na pendência do procedimento inspectivo. O Despacho Arbitral de 24 de Outubro de 2014 determina a junção aos autos de tal requerimento.

13.  No mesmo Despacho Arbitral de 24 de Outubro de 2014 foi solicitado às partes que se pronunciassem, quer quanto à necessidade da reunião referida no art. 18º do RJAT, quer quanto à necessidade de apresentação de alegações, orais ou escritas.

14.  O Requerente, em requerimento com a data de 27 de Outubro de 2014, informou o Tribunal Arbitral Colectivo que prescindia tanto da reunião referida no art. 18º do RJAT como da apresentação de alegações escritas.

15.  O Despacho Arbitral de 29 de Outubro de 2014 determina a junção aos autos de tal requerimento.

16.  A AT, em requerimento com a data de 28 de Outubro de 2014, informa igualmente o Tribunal Arbitral Colectivo que prescinde tanto da reunião referida no art. 18º do RJAT como da apresentação de alegações escritas. Nesse mesmo requerimento aproveita para corrigir lapsos detectados na sua própria resposta de 7 de Outubro de 2014.

17.  O Despacho Arbitral de 31 de Outubro de 2014 ordena a junção aos autos de tal requerimento, ao mesmo tempo que determina a dispensa tanto da reunião referida no art. 18º do RJAT como da apresentação de alegações escritas pelas partes; e fixa em 30 dias o prazo para a prolação da decisão final no processo.

18.  O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

19.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.   

20.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

II – Fundamentação: a matéria de facto

 

II.A. Factos que se consideram provados[1]

 

a)       O Requerente recebeu o documento nº 2014…, emitido pela AT, do qual constam liquidações de IRS e de juros compensatórios relativas ao ano de 2010, no montante total de €155.588,20.

b)       Essas liquidações assentam em fundamentos apresentados pela AT, seja no relatório de Inspecção Tributária, seja em passos subsequentes do Processo Administrativo.

c)       O Requerente era contitular de acções representativas do capital social da “B”…, S.A..

d)       Em 12 de Março de 2010 foi celebrado, entre o Requerente e a “C”, S.A., um contrato de compra e venda das acções, por um preço global de €2.160.000,00, a ser pago faseadamente, em diversas parcelas, até à data-limite de 30 de Novembro de 2010.

e)       Desse contrato consta que "a totalidade das acções a transmitir pelas VENDEDORAS para a COMPRADORA serão transmitidas sem quaisquer ónus ou encargos e sem qualquer limitação à sua livre disposição" (Cláusula 1ª, 2) e que "com a outorga do presente contrato é efectuada a transmissão das acções (Cláusula 3ª, 1).

f)        Em 27 de Outubro de 2010 a compradora entregou uma letra no valor de €100.000,00, com vencimento em Abril de 2011; em 12 de Janeiro de 2011 a compradora pagou €35.000,00; em 28 de Abril de 2011 a compradora reformou um título de crédito, substituindo-o por outro no valor de €90.000,00, com vencimento a 90 dias e por um cheque no valor de €10.000,00; em 23 de Maio de 2011 a compradora entregou 2 letras com valor total de €420,000,00, com vencimento em Agosto de 2011, tendo no entanto o pagamento das letras ocorrido somente no final de 2013; em 23 de Maio de 2011 a compradora pagou €12.500,00

g)       O incumprimento por parte da “C” determinou a interposição de uma acção judicial do Requerente contra ela, concluída por uma transacção, datada de 1 de Fevereiro de 2012, na qual se estabeleciam formas, novamente faseadas e parceladas, de pagamento do remanescente do preço.

h)       Das importâncias previstas no termo de transacção, a compradora só pagou €65.000,00.

i)         A compradora “C” declarou na sua Modelo 4 – Aquisição e/ou alienação de valores mobiliários que a data de transmissão das acções é a da data da outorga do contrato de compra e venda, ou seja 12 de Março de 2010; também na IES – Informação Empresarial Simplificada da “C” é mencionado que a posse das acções da “B” ocorreu somente em 2010.

j)        Por outro lado, a IES – Informação Empresarial Simplificada da “B” indica a existência, em 2009, de um mero adiantamento por conta de investimentos financeiros no valor de €108.000,00.

k)       Pelo ofício n.º …, datado de 17 de Janeiro de 2014, emitido ao abrigo do princípio da colaboração e do disposto nos artigos 59.º e 63.º da LGT, e 29.º/4 do RCPIT, a AT dirigiu ao Requerente um pedido de elementos com vista à obtenção de vários documentos; na resposta apresentada em 3 de Fevereiro de 2014 pelo Requerente àquele pedido de elementos formulado pela AT, foi junto um documento e apresentada procuração a favor de mandatário judicial.

l)         As notificações feitas no procedimento inspectivo foram dirigidas ao Requerente, e por ele recebidas.

m)     Elaborado o relatório de inspecção, o direito de audição prévia foi exercido pelo próprio requerente, que assina pelo próprio punho, e não por terceiro, nomeadamente por mandatário judicial.

 

II.B. Factos que se consideram não provados

 

a)      Não está provado que por força do contrato promessa celebrado em 13 de Março de 2009 tenha ocorrido, à data da sua celebração, uma transferência da posse das acções, do Requerente para a “C”. Efectivamente, não foi disponibilizado o contrato-promessa celebrado ou, sequer, referido que no mesmo constasse qualquer cláusula relativa à tradição das acções. Por outro lado, os restantes elementos documentais, apontam no sentido de que a mesma só se tenha dado no momento da outorga do contrato definitivo (cfr. pontos e), i) e j) dos factos provados). Também a circunstância de, com a assinatura do contrato-promessa não ter sido feito qualquer adiantamento do preço, corrobora o juízo de não-prova deste facto. Contra este juízo, apenas depõe o acordo de transacção outorgado a 1-2-2012, em data muito posterior à ocorrência dos factos, sendo que tal documento apenas prova o que foi, nessa data, declarado pelas partes, e não o que realmente ocorreu, pelo que é, manifestamente insuficiente para superar as fundadas dúvidas que os elementos que apontam em sentido oposto, suscitam.

b)      Não está, igualmente, provado que o início do procedimento inspectivo deu-se a 18 de Fevereiro de 2014, porquanto, não obstante alegado pela AT, nenhum documento foi junto nesse sentido.

 

III – Fundamentação: a matéria de Direito

 

III.A. Posição do Requerente

 

a)      O Requerente sustenta que, tendo ocorrido a transferência da posse das acções da “C” por decorrência imediata do contrato promessa, por nele estar estipulado esse efeito, essa transferência para a titularidade da promitente-compradora teve lugar, portanto, à data do contrato promessa, ou seja em 13 de Março de 2009, e não à data do contrato prometido, a 12 de Março de 2010.

b)      A ser assim, a incidência do tributo deveria reportar-se a 2009 e não a 2010, por aplicação da al. a) do nº 3 do art 10º do CIRS.

c)      Mas, a reportar-se a 2009, ter-se-ia verificado entretanto a caducidade do direito à liquidação do imposto.

d)     Por outro lado, o Requerente argumenta que, mesmo que não tivesse ocorrido a caducidade, a redacção do art. 10º do CIRS anterior a 27 de Julho de 2010 – data de entrada em vigor da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho – determinaria uma solução diversa daquela que passou a vigorar, desde então, em matéria de tributação das mais-valias, nomeadamente a aplicação do regime de não-sujeição tributária das mais-valias obtidas com a alienação de participações sociais detidas há mais de 12 meses: pelo que a posição da AT configuraria a adopção de uma solução retroactiva na aplicação da lei, em violação de princípios legais (mormente o art. 12º da LGT) e constitucionais (art. 103º, 3 da CRP).

e)      E isto porque a tributação das mais-valias segue o princípio da realização, ou seja incide sobre elas quando elas se tenham verificado no seio de uma alienação onerosa – reportando-se portanto a um facto tributário instantâneo, e não a um facto protraído no tempo, de formação sucessiva ao longo de um período anual (embora a sua liquidação possa ser agregada à de operações duradouras ou de formação sucessiva).

f)       Logo, segue o argumento do Requerente, não poderia aplicar-se um regime em vigor somente a partir de 27 de Julho de 2010 a mais-valias instantaneamente verificadas em 12 de Março de 2010: especificamente, procurando antecipar a sujeição tributária das chamadas mais-valias "de longo prazo".

g)      E se pudesse, acrescenta o Requerente, não seria à taxa de 20%  mas à de 10%, por aplicação do art. 43º, 3 do CIRS, visto que, sendo a “C” uma micro ou pequena empresa, o seu saldo deveria ser considerado somente em 50% do seu valor.

h)      O Requerente invoca ainda que existiu, da parte da AT, uma violação de lei procedimental aplicável à prática dos actos finais, nomeadamente do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) e do art. 40º, 1 e 2, do CPPT, por ter desconsiderado um requerimento apresentado pelo mandatário seu, antes do projecto da decisão, daí resultando a ausência de notificação perfeita, a esse mandatário, do projecto de relatório da inspecção tributária.

i)        A sublinhar esta alegação, o Requerente juntou aos autos, por requerimento de 7 de Outubro de 2014, uma resposta, de 3/272014, ao Ofício nº … de 17/1/2014, do Director de Finanças de Coimbra, que faz menção a uma procuração forense a favor do seu actual mandatário judicial.

 

III.B. Posição da Requerida

 

a)      Na sua resposta, a AT esclarece que a presunção contida na al. a) do nº 3 do art 10º do CIRS é uma presunção estabelecida a favor do sujeito activo da relação tributária, e visa apenas impedir que a liquidação do imposto seja indefinidamente protelada pelo expediente de adiamento da data de celebração do contrato (definitivo) de compra e venda.

b)      Assim, caberia ao Requerente ilidir a presunção, se o pretendesse – sendo manifesto que não o pretende, já que quer reportar à data do contrato promessa os efeitos translativos quanto à posse das acções.

c)      Por outro lado, a AT afasta a relevância da data do contrato promessa porque o Requerente jamais o juntou, seja no âmbito do procedimento inspectivo, seja nos presentes autos – não valendo como prova, no seu entender, a remissão para esse contrato promessa e respectivas estipulações contida no acordo alcançado na acção judicial interposta pelo Requerente contra a “C” (ou menos ainda a atribuição de efeitos retroactivos a essa transacção judicial).

d)     A AT sublinha ainda que nenhum outro meio de prova vem colmatar essa lacuna, para efeitos de se confirmar que a “C” era, antes de 12 de Março de 2010, a possuidora efectiva das acções, e que portanto teria havido a tradição das mesmas.

e)      Pelo contrário, insiste a AT, a referência à data de 13 de Março de 2009, como data de transmissão da posse dos títulos, é totalmente deslocada numa transacção judicial que visava exclusivamente regular modos de pagamento do contrato definitivo – pelo que a bizarra consignação do facto indicia um puro propósito retroactivo.

f)       Mais ainda, argumenta a AT, o contrato de compra e venda escusaria de estabelecer expressamente a transmissão das acções, como o faz na sua cláusula 3ª, se esta tivesse já ocorrido por força do contrato promessa.

g)      Além disso, a AT pôde apurar, por várias vias, que a “C” só reportou à data da outorga do contrato definitivo a entrada na posse das acções da “B”.

h)      Quanto à alegada retroactividade da tributação das mais-valias "de longo prazo" para data anterior a 27 de Julho de 2010 (a data de entrada em vigor da Lei nº 15/2010, de 26 de Julho), a AT sustenta que o novo regime se aplicou a todas as realizações de mais-valias durante o ano de 2010, independentemente da data da sua realização durante esse ano – existindo elementos da "mens legislatoris" que apontam no sentido de o momento relevante para o apuramento dessas mais-valias ser sempre o final do período de tributação, ou seja o final de 2010 (mesmo que tal "retrospectividade fiscal" frustrasse expectativas quanto à incidência tributária a ocorrer no final do ano).

i)        Por outro lado, a AT rebate a ideia da autonomização da tributação das mais-valias, sublinhando que se trata de uma mera categoria de rendimentos para efeitos de IRS, não devendo a sua consideração analítica redundar em prejuízo do carácter unitário da tributação do rendimento, o englobamento de que depende o apuramento de taxas e escalões.

j)        Convoca nesse sentido o art. 43º, 1 do CIRS que, para a determinação da matéria colectável,  remete para o saldo apurado entre mais-valias e menos-valias realizadas no mesmo ano (além do art. 1º, 1 do CIRS que estatui que a incidência do imposto recai sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias), tornando crucial, pois, que se considere o saldo anual.

k)      Conclui haver, no caso, não mais do que uma retroactividade fraca, inautêntica ou imprópria, ou "retrospectividade" que não fere o art. 12º, 1, da LGT, visto que se traduz na aplicação da nova lei a todos os factos e situações ocorridos no período em que ela entra em vigor (afastando tanto a ideia de uma "retroactividade de 2º grau" que exigisse, atento o nº 2 do art. 12º da LGT, uma solução de tributação "pro rata temporis", além do mais inaplicável e violadora da anualidade do IRS, como a ideia de uma "retroactividade de 1º grau" que, essa sim, violaria o art. 103º, 3 da CRP).

l)        Quanto à preterição da formalidade de notificação do relatório de inspecção tributária ao mandatário judicial do Requerente, a AT sustenta que não está feita a prova de que o mandatário tenha sido constituído na pendência do procedimento inspectivo, antes se provando que o direito de audição prévia foi exercido pelo próprio Requerente (o que dispensava a AT de proceder a ulteriores notificações).

m)    Quanto ao erro sobre os pressupostos e a alegada aplicabilidade de uma taxa de 10% e não de 20%, a AT observa que, mesmo que fosse dispensável uma certificação do IAPMEI quanto à natureza de micro ou pequena empresa da “B”, pelo menos alguma prova teria que ser feita relativamente a essa natureza (nomeadamente o preenchimento dos requisitos previstos no Anexo ao Dec.-Lei nº 372/2007, de 6 de Novembro, e que habilitam à certificação pelo IAPMEI), e não o foi. Poder provar por outros meios não significa dispensar de prova, alega a AT.

n)      Em requerimento de 23 de Outubro de 2014, a AT nega que o documento junto aos autos pelo Requerente, através de requerimento de 7 de Outubro de 2014, faça prova de que havia um mandatário judicial constituído na pendência do procedimento inspectivo, até porque se refere a situações anteriores ao início desse procedimento inspectivo.

 

III.C. Questões a decidir

 

III.C.1 Caducidade do direito à liquidação

 

 

O Requerente alegou que a liquidação de IRS a que foi sujeito é ilegal em virtude de, entre outros motivos, à data da mesma ter já ocorrido a caducidade do direito à realização da liquidação em apreço. Argumenta, a este propósito, que as acções por si vendidas à sociedade “C” entraram na posse desta última a 13 de Março de 2009, pelo que, nos termos do artigo 10.º/3-a) do CIRS, a transmissão daqueles títulos mobiliários ocorreu no período de 2009 e não de 2010.

 

Vejamos.

 

Nos termos do previsto no artigo 10.º/1-b) do CIRS, «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (…) alienação onerosa de partes sociais (…)», acrescentando o n.º 3-a) daquele artigo que «os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes: a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato».

 

A presunção constante do artigo 10.º/3-a) do CIRS depende, portanto, da verificação cumulativa de duas circunstâncias: (a) a celebração de um contrato promessa; e (b) a tradição ou posse dos bens objecto do contrato.

 

Ora, conforme foi referido no ponto II. B. do presente Acórdão Arbitral, não está provado que por força do contrato promessa celebrado em 13 de Março de 2009 tenha ocorrido, à data da sua celebração, uma transferência da posse das acções, do Requerente para a “C”. Efectivamente, não foi disponibilizado o contrato-promessa celebrado ou, sequer, referido que no mesmo constasse qualquer cláusula relativa à tradição das acções. Por outro lado, os restantes elementos documentais, apontam no sentido de que a mesma só se tenha dado no momento da outorga do contrato definitivo (cfr. pontos e), i) e j) dos factos provados). Também a circunstância de, com a assinatura do contrato-promessa não ter sido feito qualquer adiantamento do preço, corrobora o juízo de não-prova deste facto. Contra este juízo, apenas depõe o acordo de transacção outorgado a 1 de Fevereiro de 2012, em data muito posterior à ocorrência dos factos, sendo que tal documento apenas prova o que foi, nessa data, declarado pelas partes, e não o que realmente ocorreu, pelo que é, manifestamente insuficiente para superar as fundadas dúvidas que os elementos que apontam em sentido oposto, suscitam.

 

Perante a falta de prova da transferência da posse das acções do Requerente para a “C”, em 2009, e tendo em conta a outorga do contrato de compra e venda dos títulos mobiliários a 12 de Março de 2010, conclui-se que, nos termos do artigo 10.º/3 do CIRS, as mais-valias se consideram obtidas apenas nessa data.

 

Pelo que, à data em que foi realizada a liquidação de IRS a que foi sujeito o Requerente, não se tinha verificado a caducidade do direito à realização da liquidação em apreço.

 

 

III.C.2 Violação do princípio da irretroactividade da lei fiscal

 

É alegado pelo Requerente que a liquidação sofrida viola o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), em virtude de a venda das acções ter ocorrido em momento anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas no CIRS pela Lei 15/2010, de 26 de Julho (o que ocorreu a 27/07/2010).

 

Vejamos.

           

Haverá, fundamentalmente, que apurar se o facto tributário subjacente à tributação de mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais é um facto instantâneo ou, antes, se trata de um facto continuado.

 

O STA, no Acórdão de 03/12/2013, proferido no processo 1582/13, bem como no Acórdão de 08/01/2014, proferido no processo 1078/12, conclui que o facto tributário em questão se reveste de natureza instantânea, pelo que o regime decorrente da Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, apenas seria aplicável às mais-valias ocorridas após a sua entrada em vigor.

 

Ressalvado o (muito) respeito devido, entende-se, todavia, que o facto tributário sub iudice não será de natureza instantânea, ao contrário do que a jurisprudência em questão entende, mas um facto complexo de formação sucessiva, pelo que, dada a essencialidade desta questão, mais não nos restará do que divergir daquela jurisprudência.

 

Com efeito, entende-se que a situação que nos ocupa (tributação de mais valias), é semelhante à julgada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 399/10 (alteração da taxa de IRS no decurso do próprio ano a que a alteração respeita) e distinta da julgada pelo mesmo Tribunal nos acórdãos relativos às tributações autónomas.

 

Cada mais valia realizada será, assim, análoga, por exemplo, a um salário, e não a uma despesa sujeita a tributação autónoma, o que resulta, por exemplo, da circunstância de ser tributado o saldo das mais e menos valias, e não cada uma das mais valias individualmente realizadas e desligadas das restantes variações patrimoniais do mesmo género.

 

Veja-se, por exemplo, que nas tributações autónomas não é tributado qualquer saldo para o qual concorram as despesas a ela sujeitas, mas antes cada uma das despesas individuais, em si, desligadamente das demais. Caso o regime das mais e menos valias se revestisse da mesma natureza, cada uma das mais valias deveria ser tributada de per si, independentemente das restantes mais e, sobretudo, menos valias registadas no mesmo período.

 

Ou seja, e em suma, se a situação fosse de facto análoga às tributações autónomas, desde logo, cada mais valia seria sempre tributada, independentemente de eventuais menos-valias que houvesse, o que não é o caso.

 

O que vem de se dizer será ainda mais evidenciado pela possibilidade de englobamento. De facto, nessa circunstância (de o sujeito passivo optar por englobar o rendimento das mais valias com o seu restante rendimento sujeito a IRS) não se perceberia como é que - por exemplo - o rendimento dos salários auferidos no início do ano estaria sujeito à taxa agravada a meio do mesmo, enquanto que as mais-valias englobadas com aqueles escapariam à "retrospectividade" daquela taxa e da delimitação da base tributável.

 

E, note-se, não se vislumbra motivo para distinguir as mais-valias objecto de englobamento das que não o sejam, uma vez que, para além do mais, a opção de englobamento só ocorre no final do ano/período, pelo que se estaria a "condicionar" a natureza (instantânea ou continuada) do facto tributário a uma opção posterior à sua ocorrência.

 

Conclui-se, assim, também e na mesma linha de raciocínio, que a opção do legislador de tributar as mais-valias do ano de 2010, realizadas antes da entrada em vigor da alteração do respectivo regime, atenta a natureza não instantânea do respectivo facto tributário, não será inconstitucional, no fundo pelas mesmas razões que a aplicação das taxas agravadas aos restantes rendimentos sujeitos a IRS, nos mesmos termos, não o foi.

 

O raciocínio que se vem de expor, restringe-se, todavia, ao plano constitucional, que é aquele que, naturalmente, foi objecto de pronúncia pelo Tribunal Constitucional. Ou seja, conclui-se, em suma, pelos mesmos fundamentos que sustentaram o Acórdão do Tribunal Constitucional 399/10, que não será contrária à CRP[2] a aplicação do regime resultante da revogação do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS, no decurso do ano de 2010, às mais valias auferidas no decurso desse mesmo ano[3].

 

Não sendo inconstitucional, resta, então, apurar se será legal tal aplicação.

 

A primeira dúvida que se poderá colocar, agora, decorrerá do disposto no artigo 10.º do CIRS, que refere que: “Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no nº 1”.

 

Esta norma, contudo, deverá ser compreendida como tendo unicamente o fito de fixar o período de tributação a que deverá ser imputado o ganho, e não de tomar posição quanto à natureza do facto tributário sujeito, sendo, por exemplo, análoga ao art.º 24.º/4 do CIRS, que tem uma redação semelhante àquele artigo 10.º/3[4], mas em relação ao qual não se questionará, seguramente, que se reporta a factos tributários da mesma natureza dos restantes sujeitos a IRS, e não a factos instantâneos.

 

Uma outra dúvida, mais consistente, poderá emergir do artigo 12.º/2 da LGT, que diz que "Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor".

           

Efectivamente, a alternativa a considerar que o rendimento em causa no presente processo é um facto tributário instantâneo (como considerou o STA nos termos acima abordados), será considerá-lo, então, um facto tributário análogo ao restante rendimento sujeito a IRS, ou seja, um facto tributário de formação sucessiva.

 

Sendo esse o caso, como não parece haver dúvidas razoáveis que seja, estará preenchida a previsão normativa do artigo 12.º/2 da LGT.

 

Contudo, devidamente interpretado o regime legal da tributação das mais-valias resultante da entrada em vigor das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho, tal como explanado no voto de vencido proferido no processo 135/2013T do CAAD[5], conclui-se pela intencionalidade deste tributar o saldo resultante da totalidade das mais e menos valias realizadas no período de tributação em curso na data da entrada em vigor daquela lei.

 

Como se escreveu, para além do mais, na referida declaração de voto, “O texto da proposta de lei corresponde, nesta parte, inteiramente ao texto aprovado que ficou a constar da Lei n.º 15/2010. Impõe-se, pois, concluir que o objectivo do legislador foi o de subordinar todas as mais-valias auferidas com a alienação de participações no ano de 2010 ao novo regime (tributário e de isenção)”. Aliás, reforçando-se tudo o mais laboriosamente expendido naquela mesma declaração, diga-se que não faria sentido, nem seria coerente, que o legislador pretendesse, como foi pacificamente aceite desde a publicação do Acórdão 399/10 do Tribunal Constitucional, que a taxa de IRS introduzida no decurso do exercício de 2010 tivesse uma eficácia “retrospectiva”, e não tratasse da mesma maneira a matéria que nos ocupa, produzida, precisamente, no mesmo contexto e com as mesmas finalidades.

 

Conclui-se assim, aqui como ali, que “aquela disposição do n.º 2 do art. 12.º entra em contradição com a determinação resultante do artigo 43.º, n.º 1 do CIRS”, no sentido emergente do quadro normativo resultante da entrada em vigor das alterações introduzidas no CIRS pela Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho, “, bem como com o princípio geral do próprio n.º 1 do art. 1.º do CIRS.”, ou seja, que tais normas “colidem no seu sentido prescritivo ou nas consequências jurídicas que produzem”, detectando-se, portanto, uma antinomia normativa.

 

Reconhecido isto, e tendo em conta os doutrinalmente sedimentados critérios da hierarquia, especialidade e cronologia, concluir-se-á, como, uma vez mais, detalhadamente se demonstra na declaração de voto citada, que apenas o critério da especialidade poderá resolver a antinomia surpreendida, dado que nem se verifica qualquer relação de hierarquia entre a LGT e o CIRS, nem o artigo 12.º/2 daquela Lei Geral é posterior ao regime legal de tributação das mais-valias em IRS, decorrente da entrada em vigor da Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho.

 

Ora, face àquele referido critério - da especialidade – não restarão dúvidas que o regime do CIRS é especial em relação ao regime da LGT, pelo que haverá de afastar a aplicação da norma desta lei, ao caso convocada.

 

Deste modo – em conclusão – entende-se que o regime legal da tributação em IRS das mais-valias, resultante das alterações àquele Código introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 2 de Julho, teve em vista a sujeição ao novo regime da totalidade das mais-valias auferidas no exercício de 2010, não enferma de qualquer inconstitucionalidade, nem é afastado por qualquer outra norma legal que com ela se encontre numa relação de antinomia.

 

 

III.C.3 Preterição do dever de notificação do mandatário

 

Alega igualmente o Requerente (artigos 53.º a 73.º do requerimento inicial) que “No decurso do procedimento administrativo o Requerente outorgou procuração forense a mandatário que, por sua vez, procedeu à apresentação do requerimento antes do projecto de decisão.”, e que “no caso sub judice, o projecto e o relatório de inspecção, pese embora tenha sido emitidas notificações para o contribuinte na sua residência fiscal, não foi notificado ao advogado constituído pelos requerentes no procedimento administrativo-tributário e tinha de sê-lo por força do art.º 40.º , n.º 1, do CPPT.”.

 

Com relevo para esta matéria, encontram-se provados os seguintes factos:

i. Pelo ofício n.º …, datado de 17 de Janeiro de 2014, emitido ao abrigo do princípio da colaboração e do disposto nos artigos 59.º e 63.º da LGT, e 29.º/4 do RCPIT, a AT dirigiu ao Requerente um pedido de elementos com vista à obtenção de vários documentos; na resposta apresentada em 3 de Fevereiro de 2014 pelo Requerente àquele pedido de elementos formulado pela AT, foi junto um documento e apresentada procuração a favor de mandatário judicial;

ii. As notificações feitas no procedimento inspectivo foram dirigidas ao Requerente, e por ele recebidas;

iii. Elaborado o relatório de inspecção, o direito de audição prévia foi exercido pelo próprio requerente, que assina pelo próprio punho, e não por terceiro, nomeadamente por mandatário judicial.

Não se provou que o procedimento de inspecção tributária se tivesse iniciado a 18 de Fevereiro de 2014.

 

O artigo 40.º/1 do CPPT, dispõe que “As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório.”. Tal norma, contudo, e o próprio Requerente o reconhece[6], é uma norma procedimental, própria de um concreto procedimento.

Ou seja: a norma do artigo 40.º/1 do CPPT não pode, sob pena, até, do absurdo, ser entendida como uma norma que imponha que, apresentada uma procuração à AT, todas as notificações, daí em diante, em todos os procedimentos, hajam de ser endereçadas ao mandatário constante daquela. Antes, a razoabilidade o impõe, deverá a norma em questão ser entendida como impondo unicamente que, sendo junta procuração no quadro de um dado procedimento, todas as notificações no quadro desse mesmo procedimento sejam endereçadas ao mandatário constituído.

Deste modo, entende-se que apenas haveria obrigação da AT proceder às notificações relativas ao procedimento de inspeção tributária, na pessoa do mandatário, caso a procuração haja sido junta no âmbito de tal procedimento.

 

Tendo isto presente, verifica-se que resulta do elenco de factos dados como provados que a junção da procuração se deu na sequência de uma notificação efectuada, para além do mais, no quadro do artigo 29.º/4 do RCPIT, o que indicia o curso de um procedimento de inspecção em curso, ainda que de forma, eventualmente irregular.

Nada mais se provando, designadamente através das comunicações a que aludem os artigos 49.º e 51.º do RCPIT que, a terem ocorrido, não foram juntas, aceitar-se-á que aquando da notificação datada de 17/01/2014, correria já o procedimento de inspecção, ainda que, como se disse, de forma irregular.

Deste modo, concluindo-se que no caso assistia à AT o dever de proceder às comunicações relativas ao procedimento de inspecção tributária na pessoa do mandatário constituído pelo Requerente, e que, face aos factos dados como provados, tal dever não foi cumprido, designadamente, no que diz respeito à audiência do contribuinte prévia ao relatório final, e à notificação do próprio relatório final, resta apurar quais as consequências de tal incumprimento.

 

Nesta matéria, cumprirá, antes de mais, ter presente que “O procedimento de inspecção tributária tem um carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários ou em matéria tributária” (artigo 11.º do RCPIT), sendo que tem sido o entendimento do STA (cfr. Ac. proferido no processo 0955/07, em 27-02-2008) que “Os procedimentos inspectivo e de liquidação são distintos entre si, ainda que este tenha carácter meramente preparatório ou acessório, o que não significa que as ilegalidades nele cometidas se projectem, fatalmente, na liquidação, invalidando-a.”.

 

No caso, o incorrecto cumprimento das normas relativas à notificação de actos pela AT (que é, desde logo, diferente do não cumprimento, in totum, de tais normas), não se reflectiu, em concreto, patentemente, por qualquer forma significativa, nos direitos e interesses legalmente protegidos do Requerente.

 

Com efeito, o mesmo exerceu, de forma exaustiva e em grande parte coincidente, no essencial, com a sua posição em sede contenciosa, incluindo a citação de normas, doutrina e jurisprudência. Aliás, uma das principais diferenças (senão a principal) entre uma e outra a falta de alegação, em sede de direito de audição, da falta de notificação ao mandatário.

Acresce ainda que, em matéria de direito de audição assiste à AT um certo grau de discricionariedade na forma – oral ou escrita – de o mesmo ser exercido, sendo certo que no primeiro caso – forma oral – sempre o direito de audição teria de ser exercitado pelo próprio contribuinte, ainda que com assistência de advogado.

 

Quanto à irregularidade de notificação do relatório final, considera-se que “caso a notificação do relatório final da inspecção tivesse sido remetida para o mandatário (...), não facultaria a esta qualquer possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo do acto de liquidação, sobre as quais a mesma recorrente não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar.”[7]

Assim, “(i) considerando que estão em causa apenas correcções técnicas e que, por isso, não poderia o contribuinte reclamar ou impugnar directamente o conteúdo de tal relatório (ao contrário do que sucederia se estivesse em causa a fixação do lucro tributável por métodos indirectos, em que poderia formular, ao abrigo do art. 91º da LGT, pedido de revisão da matéria tributável); (ii) considerando que não decorre da notificação do relatório final qualquer prazo para reclamar ou impugnar ou reagir por qualquer forma (tal prazo apenas se inicia com a notificação da liquidação e do relatório da acção inspectiva; (iii) e considerando que o cumprimento da formalidade preterida (notificação do relatório ao mandatário, em vez da notificação feita à contribuinte) em nada iria alterar o conteúdo do acto tributário (liquidação), que sempre teria o mesmo conteúdo; (iv) é de concluir que a preterição de tal formalidade não integra acto directamente lesivo, tendo havido apenas preterição de formalidade que se degradou em não essencial, ou seja, é de concluir que estamos perante uma mera irregularidade.”[8].

Neste sentido, embora em situação não totalmente análoga, decidiu o STA no Ac. do processo 0841/11 de 08-05-2013[9], em cujo sumário se pode ler:

“III – O artº 49º do RCPIT aplica, no domínio tributário, o princípio da comunicação previsto no art. 55.°, n.° 1 do C. P. Administrativo.

IV – No entanto o não cumprimento de tal formalidade não gera a anulabilidade da decisão do procedimento, degradando-se tal formalidade em mera irregularidade, sem efeitos invalidantes, se ao interessado foi dado conhecimento do procedimento e do seu objecto a tempo de nele participar e se lhe foi dada a possibilidade legal de exercer o seu direito de audição durante o procedimento inspectivo.”.

 

Pelo exposto, entendendo-se que a formalidade imperfeitamente cumprida, relativa à notificação na pessoa do Requerente, em vez do seu mandatário, dos actos em causa no procedimento de inspecção tributária, não ocorreu em termos de gerar a anulabilidade da liquidação subsequente, degradando-se em mera irregularidade, improcede também este vício imputado ao acto tributário objecto dos presentes autos.

 

 

III.C.4 Erro sobre os pressupostos quanto à taxa aplicável

 

Alega o Requerente que, a concluir-se pela aplicação ao caso sub judice da Lei 15/2010, de 26 de Julho, sempre seria aplicável uma taxa de 10% e não de 20%, em virtude das acções por si vendidas respeitarem a uma micro ou pequena empresa, nos termos do Decreto-Lei 372/2007, de 6 de Novembro, pelo que a liquidação padeceria de ilegalidade.

 

Vejamos, então.

 

O Decreto-Lei n.º 372/2007 cria e regula um regime de certificação electrónica das micro, pequenas e médias empresas, a cargo do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI). Conforme se assinala no seu preâmbulo, a finalidade da certificação é a de permitir “a desburocratização e desmaterialização no relacionamento das empresas com os serviços públicos responsáveis pela aplicação das políticas destinadas às PME”(itálico nosso).

 

O que o legislador fiscal quis, no n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, foi apenas importar, para efeito da aplicação do n.º 3, os conceitos de micro e de pequena empresa e não importar um meio de prova da condição de PME. O desiderato do legislador é o de que a remissão seja feita especificamente para o Anexo, por ser no anexo que se contém as definições de micro-empresa e de pequena empresa. A lei não exige qualquer requisito formal consistente na apresentação da certificação eletrónica.

 

Impõe-se, portanto, concluir que, para beneficiar da exclusão tributária prevista no artigo 43.º/ 3 do CIRS, o titular de mais-valias obtidas na alienação de participações sociais de PME não precisa de exibir necessariamente a certificação emitida nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007.

 

Mas precisa, claro está, de demonstrar que a empresa em questão é uma micro empresa ou pequena empresa, nos termos definidos no anexo ao referido decreto-lei. É isso que resulta do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS.

 

Ou seja, o Requerente não precisa de apresentar a certificação prevista no Decreto-Lei n.º 372/2007. Pode provar a qualidade de PME por qualquer outro meio adequado para o efeito, mas não está dispensado dessa prova, pois efectivamente o regime previsto no artigo 43.º/ 3 do CIRS é um regime de exclusão tributária que afasta o regime regra, que consiste na tributação em 100% do saldo das mais e menos-valias obtidas na alienação onerosa de participações sociais.

 

Desta forma, a qualidade de micro ou pequena empresa, para efeitos da aplicação do artigo 43.º/ 3 do CIRS, necessita de ser comprovada com vista à obtenção do benefício constante daquela disposição legal.

 

Com efeito, impunha-se que o Requerente comprovasse materialmente a qualidade de micro ou pequena empresa de que se arroga relativamente às acções por si vendidas.

 

Cabia, portanto, ao Requerente demonstrar que, à data da alienação das ações, a empresa em causa preenchia todos os requisitos materiais previstos no Decreto-Lei 372/2007, de 6 de Novembro.

 

Ora, tal demonstração não foi feita pelo Requerente, quando tal ónus sobre ele impendia à luz do artigo 74.º/1 da LGT.

 

A este propósito veja-se, designadamente, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 2014-02-27, no âmbito do processo n.º 07088/13, onde se refere que «(…) o pedido e a causa de pedir - que identificam e definem a amplitude do objecto do processo - dependem da iniciativa do autor, que tem o ónus de alegar toda a factualidade de cuja prova seja possível concluir pela existência do direito invocado, de harmonia com o disposto no art.º 5.º, n.º 1, do CPC, e pelo princípio da substanciação que exige a indicação especificada dos factos constitutivos desse mesmo direito, não bastando portanto uma indicação genérica do direito que se pretende fazer valer. Limitado por estes dois princípios o julgador não pode ultrapassar as pretensões jurisdicionalmente afirmadas pelas partes. Decorre do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, que a prova dos factos constitutivos do direito recai sobre aquele que o arroga; inversamente, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos de tal direito recai sobre aquele contra quem a invocação do direito à feita - n.º 2 do mesmo artigo.»

Refere, ainda, o aludido acórdão, a propósito da demonstração da natureza de PME da sociedade, que «a afirmação de que a referida empresa tem essa natureza depende de alegação e prova, porque o julgador - seja ele arbitral ou judicial - não tem poderes pitonísicos que lhe permitam saber sem necessidade de demonstração se certo facto é verídico ou não. E sendo esse facto fundamental para dar guarida à pretensão dos impugnantes era sobre estes que recaía o respectivo ónus de alegação e prova.»

 

Contudo, o Requerente absteve-se de apresentar qualquer documento ou de fazer qualquer alegação e prova que demonstre a natureza de micro e pequena empresa da “B”.

 

Pelo que, não o tendo feito, necessariamente não poderá usufruir da tributação em apenas 50% do valor da mais-valia, o que equivalente à aplicação de uma taxa de IRS de 10% e não de 20%.

 

 

IV. Decisão

Em face de tudo quanto antecede, decide-se:

 

a)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter o actos tributário impugnado nos auto;

b)      Condenar o Requerente nas custas do processo, no montante de €4.284,00, tendo-se em conta o já pago.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 155.588,20, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Custas a cargo do Requerente, dado que o presente pedido foi julgado totalmente improcedente, no montante de € 4.284,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Notifique.

Lisboa, 20 de Novembro de 2014

 

Os Árbitros

 

 

 

José Pedro Carvalho

(Presidente)

 

Paula Rosado Pereira

 

Fernando Borges Araújo

 

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.



[1] Com base nos elementos documentais disponbilizados nos autos, sendo, de resto, consensualmente aceites pelas partes.

[2] Incluindo o princípio constitucional da proteção da confiança, decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático, contido no artigo 2.º da CRP.

[3] Idêntica conclusão havia formulado o Provedor de Justiça, na sua súmula R-3736/10, disponível para consulta em http://www.provedor-jus.pt/archive/doc/sumula__maisvalias_15122010.pdf.

[4] “Os ganhos referidos no n.º 7) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2º consideram-se obtidos, respetivamente:...”

[5] Disponível para consulta em www.caad.org.pt.

[6] Ao iniciar a sua alegação referindo “No decurso do procedimento administrativo”.

[7] Ac. do STA de 19/02/2014, proferido no processo 01094/12, disponível em www.dgsi.pt.

[8] Idem.

[9] Também disponível em www.dgsi.pt.