Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 478/2022-T
Data da decisão: 2023-06-09  IRS  
Valor do pedido: € 10.077,04
Tema: IRS - mais-valias imobiliárias; valor de aquisição; demonstração dos custos de construção e encargos com a valorização.
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SUMÁRIO:

 

  1. Os custos de construção têm de ser aferidos em função da concreta edificação empreendida e há-de relevar para o efeito tudo o que tenha sido incorporado na habitação construída e no respetivo terreno e todas as despesas inerentes ao processo construtivo.
  2. Os gastos a que alude o artigo 51.º, alínea a) e 46.º, nº3, ambos do Código do IRS, podem ser demonstrados pelo contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, não estabelecendo a lei qualquer remissão genérica para o Código do IVA nem, muito menos, especificamente dirigida às exigências formais das faturas impostas por esse diploma.
  3. O artigo 58.º da LGT, impõe à administração tributária o dever de realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. Relatório

 

A..., NIF ... e B..., NIF ..., ambos residentes na Av. ..., lote ..., ..., doravante “Requerentes”, requereram a constituição de Tribunal Arbitral Tributário e apresentaram pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) em 01-08-2022, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”) contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022..., de 2022-03-04, no valor de € 34.246,83, referente ao ano de 2020, requerendo a declaração de ilegalidade da referida liquidação, com a consequente devolução do montante indevidamente liquidado e pago pelos Requerentes, acrescido de juros compensatórios e indemnizatórios.

Os Requerentes fundamentam o PPA, em síntese, nos seguintes termos:

  1. A AT não aceitou parte das despesas contabilizadas pelos Requerentes, para efeitos de apuramento das mais-valias imobiliárias realizadas no ano de 2020, que incluem as seguintes situações específicas:

a) PRÉDIO 2:

i. Facturas referentes a despesas tidas com a elaboração, apresentação e aprovação do projecto de construção, no valor global de 1.848,99€.

b) PRÉDIO 1:

i. Factura emitida pela sociedade C... Unipessoal, Lda. e declaração, referentes à instalação de caixilharia e portão de entrada, no valor de 1.111,20€;

ii. Factura emitida pela sociedade D..., referente à aquisição de bombas submersíveis, no valor de 392,00€;

iii. Facturas emitidas pela sociedade E..., Lda., bem como diversos registos fotográficos, referentes à aquisição de materiais de obra e respetiva instalação, no valor global de 1833,29€;

iv. Facturas e contratos celebrados com o F... e com a sociedade G..., Lda., bem como diversos registos fotográficos, relativos à aquisição, transporte e montagem de uma cozinha e dois roupeiros, no valor global de 8.368,12€;

v. Facturas emitidas pelas sociedades H... e I..., bem como diversos registos fotográficos, referentes à aquisição de mobiliário fixo ou amovível, vendido como parte integrante do imóvel alienado, no valor global de 5.310,42€;

vi. Facturas emitidas pela J..., bem como diversos registos fotográficos, referentes à aquisição de electrodomésticos vendidos como parte integrante do imóvel alienado, no valor global de 5.526,00€;

vii. Facturas referentes ao arranjo dos painéis solares, no valor global de 438,27€.

  1. As despesas relacionadas pelos Requerentes cumprem com os referidos requisitos legalmente impostos para que sejam consideradas para determinação de mais-valias.
  2. Desde logo, porque se tratam de encargos comprovadamente realizados, o que resulta não só de toda a documentação junta, como do facto dessa efectiva realização nunca ter sido contestada ou posta em causa pela própria AT.
  3. Depois, porque se tratam de encargos comprovadamente afectos aos imóveis em questão, estando essa relação também exaustivamente demonstrada por toda a prova documental junta.
  4. Finalmente, porque se tratam de despesas/encargos que, de forma inequívoca, contribuíram para a valorização dos imoveis (seja essa valorização material/física, seja económica).
  5. Não obstante, entendeu a AT – erradamente – que a prova dos encargos teria, forçosa e exclusivamente, que ser feita através de facturas/recibos dos quais constassem os requisitos previstos no art. 36º do Código do IVA, o que não se verificava no caso concreto.
  6. Razão pela qual conclui que «não existe ligação entre os encargos e os imoveis alienados», decidindo-se pela não aceitação das despesas invocadas e subsequente liquidação adicional de IRS.
  7. Ora, a este respeito cumpre esclarecer que o entendimento aqui sufragado pela AT é totalmente desprovido de sustento legal.
  8. De facto, é actualmente absolutamente unanime e pacifico na doutrina e na jurisprudência que os encargos a que alude o artigo 51º, alínea a) do CIRS podem ser demonstrados pelo contribuinte por qualquer meio ao seu alcance.
  9. Não há qualquer imposição legal de que essa demonstração seja feita através de facturas/recibos e, tão pouco, que essas facturas/Recibos tenham que obedecer aos formalismos impostos pelo art. 36º do CIVA.
  10. Nesse sentido, atente-se desde logo no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 09/09/2015, processo nº 028/15, onde se deixa expresso e claro o entendimento de que, em sede de IRS, o documento comprovativo e justificativo dos custos não tem de assumir as formalidades legais exigidas para as faturas em sede de IVA, acrescentando-se que «tratando-se de gastos sem suporte documental externo compete ao contribuinte, por qualquer meio ao seu alcance, a alegação e prova de que se verificou a despesa, não obstante essa omissão ou insuficiência formal».
  11. No mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, vejam-se também os excertos das decisões arbitrais proferidas pelo CAAD, em situações em tudo semelhantes à aqui em causa: a) Processo n.º: 416/2020-T; b) Processo n.º: 407/2020-T; c) Processo n.º: 124/2020-T.
  12. Sendo que, esta última decisão ainda impõe sobre a AT o ónus de, não estando esclarecida com a informação prestada pelo contribuinte, solicitar, ao abrigo do princípio do inquisitório, informações complementares.
  13.  

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Requerida (doravante “AT” ou “Requerida”), em 02-08-2022.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o ora signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 10-10-2022.

Em 14-11-2022, a AT juntou o processo administrativo e apresentou Resposta, defendendo a improcedência do PPA, fundamentando, em síntese, o seguinte:

  1. Em síntese, não está em causa a veracidade dos documentos apresentados pelos Requerentes, os quais correspondem a encargos por eles suportados.
  2. O que se impugna, relativamente aos factos que os Requerentes alegam, é que os mesmos estejam suportados por documentos emitidos de forma a demonstrar a associação da despesa com o imóvel alienado,
  3. E ainda que os encargos respeitem a valorizações dos imóveis, de acordo com o conceito subjacente à alínea a) do art. 51º do CIRS, porque os encargos em si mesmos considerados, e também nos moldes em que estão documentados, não preenchem os requisitos para poderem ser considerados como fazendo parte integrante do imóvel, correspondendo a uma efectiva melhoria ou valorização do imóvel.
  4. Em síntese, reproduz-se quanto se disse em sede de reclamação graciosa, a seguir transcrito:
  5. Importa salientar que as obras que originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do art.º 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos, no entanto é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.
  6. A prova dos encargos deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo constar os elementos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado e isso só se concretiza se dos documentos comprovativos (faturas/recibos) constarem os requisitos previstos no art.º 36.º do Código do IVA.
  7. No caso em apreço, após a análise dos documentos juntos aos autos pela reclamante, conclui-se que os mesmos não cumprem os requisitos elencados no articulado referido no ponto anterior como, também, não existe ligação dos encargos com os imóveis alienados.
  8. A reclamante não logrou demonstrar, de forma inequívoca, que as despesas apresentadas se destinaram a obras de valorização dos prédios urbanos alienados. Em causa está a falta de elementos probatórios, que decorrem efetivamente dos documentos apresentados não só na sua forma, mas também no que respeita ao valor total reclamado.
  9. No caso presente, não se pode estabelecer uma correlação de equivalência direta entre o montante constante das faturas apresentadas e o aumento do valor dos imóveis.
  10. Isto porque não resulta provado que os encargos constantes das faturas relativas ao prédio 2 (assim denominado pelo requerente na petição) foram suscetíveis de incrementar o valor económico do imóvel (melhor identificado nos autos).
  11. Além disso, o imóvel continuou a ser um terreno para construção. Ou seja, nenhuma melhoria (construção) foi efetuada no imóvel para que pudesse considerar-se ter havido encargo e que esse encargo resultou na valorização do bem (era terreno para construção e foi alienado como terreno para construção).
  12. Também relativamente ao prédio 1 (assim denominado pelo requerente na petição) não se pode considerar estar-se perante encargos com a valorização do imóvel (melhor identificado nos autos).
  13. Desde logo porque não podem estar aqui incluídas as meras opções decorativas (como móveis ou eletrodomésticos.
  14. Além disso, os custos com a construção/melhoramento dum imóvel têm de ser devidamente comprovados.
  15. Para que tal aconteça, a prova do encargo deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo do mesmo constar os elementos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado.
  16. E isso só é efetuado se dos documentos comprovativos (faturas/recibos) constarem os requisitos previstos no artigo 36º do Código do IVA.
  17.  

Por despacho de 04-04-2023, o Tribunal Arbitral determinou a prorrogação por dois meses do prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

Posteriormente, em 28-04-2023, o Tribunal Arbitral procedeu à inquirição da testemunha apresentada pelos Requerentes, a qual foi ouvida: K... .

No prazo estabelecido, ambas as partes apresentaram as respetivas alegações escritas, mantendo, no essencial, a posição anteriormente assumida.

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O PPA apresentado pelos Requerentes em 01-08-2022 é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (que ocorreu em 07-07-2022), conforme os artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 102.º do CPPT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, de acordo com o disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades. Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar e decidir.

 

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. No ano de 2020, os Requerentes alienaram os seguintes imóveis, de que eram proprietários – cf. alegado no artigo 5.º do PPA e não contestado pela Requerida:
  1. Prédio urbano, correspondente a moradia unifamiliar de cave para garagem, rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, com o valor patrimonial tributário de 116.357,57 €, pelo preço de 337.000,00€ (PRÉDIO 1) – cf. fls. 51 do Processo Administrativo, cujo teor se dá por reproduzido.
  2. Prédio urbano, constituído apenas por terreno sem qualquer edificação, pelo preço de 70.000,00€ (PRÉDIO 2).
  1. Os Requerentes declararam as respetivas alienações no anexo G da declaração Modelo 3 de IRS, na qual indicaram, no que respeita ao Prédio 1, o valor de aquisição de 169.567,60 € e o valor de despesas e encargos de 30.994,08 €, e no que concerne ao Prédio 2, o valor de aquisição de 42.331,50 € e o valor de despesas e encargos de 11.941,64 € – cf. alegado no artigo 6.º do PPA, não contestado pela Requerida, e documento n.º 1 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido.
  2. No âmbito de um processo de divergências, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma declaração oficiosa de correção do Anexo G da declaração Modelo 3 de IRS dos Requerentes, relativa ao ano de 2020, nos termos da qual corrigiu, no que se refere ao prédio 1, o valor de aquisição para 133.770,00 € e o valor de despesas e encargos para 26.108,50 €, e quanto ao prédio 2, o valor de despesas e encargos para 10.014,66 € – cf. documento n.º 4 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido.
  3. Parte das despesas contabilizadas pelos Requerentes e não aceites pela AT foram as seguintes – cf. alegado no artigo 21.º do PPA, não contestado pela Requerida:

a) PRÉDIO 2:

i. Facturas referentes a despesas tidas com a elaboração, apresentação e aprovação do projecto de construção, no valor global de 1.848,99€ – cf. alegado nos artigos 24.º e 25.º do PPA, não contestados pela Requerida.

b) PRÉDIO 1 – despesas relacionadas com obras de construção de moradia edificada pelos Requerentes – cf. alegado no artigo 38.º do PPA, não contestado pela Requerida:

i. Factura n.º 000000270, de 08/02/2010, e declaração de 08/03/2022, emitidas pela sociedade C... Unipessoal, Lda.  referentes à instalação de caixilharia e portão de entrada, no valor de 1.111,20€ – cf. fls. 126 e 127 do Processo Administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos;

ii. Factura emitida pela sociedade D..., referente à aquisição de bombas submersíveis, no valor de 392,00€ – cf. fls. 103 do Processo Administrativo, cujo teor se dá por reproduzido;

iii. Facturas emitidas pela sociedade E..., Lda., bem como diversos registos fotográficos, referentes à aquisição de materiais de obra e respetiva instalação, no valor global de 1.833,29€ – cf. alegado no artigo 51.º do PPA, não contestado pela Requerida;

iv. Facturas e contratos celebrados com o F... e com a sociedade G..., Lda., bem como diversos registos fotográficos, relativos à aquisição, transporte e montagem de uma cozinha e dois roupeiros, no valor global de 8.368,12€ – cf. alegado no artigo 57.º do PPA, não contestado pela Requerida;

v. Facturas emitidas pelas sociedades H... e I..., bem como diversos registos fotográficos, referentes à aquisição de mobiliário fixo ou amovível, vendido como parte integrante do imóvel alienado, no valor global de 5.310,42€ – cf. alegado no artigo 59.º do PPA, não contestado pela Requerida;

vi. Facturas emitidas pela J..., bem como diversos registos fotográficos, referentes à aquisição de electrodomésticos vendidos como parte integrante do imóvel alienado, no valor global de 5.526,00€ – cf. alegado no artigo 21.º do PPA, não contestado pela Requerida;

vii. Facturas referentes ao arranjo dos painéis solares, no valor global de 438,27€ – cf. alegado no artigo 74.º do PPA, não contestado pela Requerida.

  1. Em 2022-03-04, a Autoridade Tributaria e Aduaneira emitiu a liquidação adicional de IRS n.º 2022..., da qual resultou um valor a pagar pelos Requerentes de 34.246,83 € – cf. documento n.º 9 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido.
  2. Promovido o necessário acerto de contas, em face do valor pago pelos Requerente por conta da liquidação de IRS originária, foi apurado um saldo devedor de 10.077,04 €, pago pelos Requerente em 25-04-2022 – cf. documentos n.ºs 10 e 11 juntos ao PPA, cujos teores se dão como reproduzidos.
  3. Em 2022-03-23, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra a referida liquidação adicional de IRS – cf. documento n.º 5 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido.
  4. Do ofício 2022..., de 27-05-2022 da Diretora de Finanças de Viseu consta o projeto de decisão de indeferimento desta reclamação graciosa, bem como a respetiva informação – cf. documento n.º 5 junto ao PPA, cujo teor se dá como reproduzido –, na qual se pode ler:

3.14. Importa salientar que as obras que originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do art.º 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor da aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos, no entanto é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.

3.15. A prova dos encargos deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo constar os elementos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado e isso só se concretiza se dos documentos comprovativos (faturas/recibos) constarem os requisitos previstos no art.º 36.º do Código do IVA.

3.16. No caso em apreço, após a análise dos documentos juntos aos autos pela reclamante, conclui-se que os mesmos não cumprem os requisitos elencados no articulado referido no ponto anterior como, também, não existe ligação dos encargos com os imóveis alienados.

3.17. A reclamante não logrou demonstrar, de forma inequívoca, que as despesas apresentadas se destinaram a obras de valorização dos prédios urbanos alienados. Em causa está a falta de elementos probatórios, que decorrem efetivamente dos documentos apresentados não só na sua forma, mas também no que respeita ao valor total reclamado.

  1. Em 07-07-2022, os Requerentes foram notificados da decisão definitiva de indeferimento da reclamação graciosa– cf. documento n.º 8 junto ao PPA e processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido.
  2. Em 2022-08-01-08, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral e o PPA que deram origem ao presente processo – cf. registo de entrada do PPA no SGP do CAAD.

 

  1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado. O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

Os factos foram dados como provados com base no declarado e nos documentos juntos com o PPA e que também constam do processo administrativo, cuja realidade não foi posta em causa pelas partes.

 

  1. Matéria de Direito

 

A questão decidenda nestes autos é a de saber se as despesas incorridas pelos Requerentes, sejam aquelas que respeitam às obras de construção do Prédio 1 (instalação de caixilharia e portão de entrada, aquisição de bombas submersíveis, aquisição e instalação de diversos materiais de obra, aquisição, transporte e montagem de cozinha, roupeiros e estante, aquisição de mobiliário vendido como parte integrante do imóvel, aquisição de electrodomésticos, reparação dos painéis solares), sejam as despesas havidas com a elaboração, apresentação e aprovação de projeto de construção junto da Câmara Municipal de Sintra, podem ser aceites para efeitos de tributação de mais-valias, ao abrigo da alínea a) do art. 51º do CIRS, disposição invocada pelos Requerentes.

 

Vejamos:

 

Tendo em conta o facto D. do probatório, as despesas incorridas pelos Requerentes, na sua larga maioria, respeitam à construção de imóvel pelos próprios, sendo também de convocar, para esta sede, o disposto no artigo 46.º do Código do IRS que estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 46.º

Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

 

1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

3 - O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.  

Por seu turno, o artigo 51.º do Código do IRS estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 51.º
Despesas e encargos

1- Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: 
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;

 

A Requerida recusa a dedutibilidade das despesas em causa com fundamento no não cumprimento dos formalismos impostos pelo artigo 36.º do Código do IVA, os quais devem constar da fatura para que esta seja considerada como estando emitida nos termos legalmente exigíveis, formalismos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado,

Como é bom de ver, o que o Código do IRS exige é que tanto os custos de construção, como os encargos com a valorização dos imóveis, sejam comprovados. Não há nenhuma remissão genérica para o Código do IVA nem, muito menos, especificamente dirigida às exigências formais das faturas impostas por esse diploma. Não havendo essa remissão, como não há, não se pode, pura e simplesmente laborar como se ela existisse.

O que se exige, antes, no Código do IRS, é que tanto os custos de construção, como os encargos com a valorização sejam comprovados de maneira a não oferecerem qualquer dúvida quanto ao facto de terem sido despendidos naquela edificação concreta. Quer isto dizer que a prova dos custos suportados pode ser efetuada por qualquer meio ao alcance do sujeito passivo, que não apenas as faturas ou faturas-recibo.

O n.º 1 do artigo 128.º do Código do IRS prescreve que as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a autoridade tributária e aduaneira os exija. Assim, tendo a AT solicitado aos Requerentes que comprovassem os custos alegados, estes apresentaram os documentos que, no seu entender, os demonstravam, nos termos e para os efeitos do artigo 74.º da LGT.

Note-se que a AT em momento algum pôs em causa a veracidade dos documentos apresentados pelos Requerentes, nem tão pouco que a obra de construção de moradia (Prédio 2) teve efetivamente lugar. O que é questionado pela AT, como acima se disse, é o não cumprimento dos formalismos impostos pelo artigo 36.º do Código do IVA. Este entendimento não colhe qualquer enquadramento legal, pois, o que a lei exige é que os custos sejam comprovadamente demonstrados, não impondo qualquer meio de prova em particular. Como se diz na decisão arbitral proferida no processo n.º 416/2020-T, de 2021-09-24, “A sua comprovação pode ser efetuada por qualquer meio de prova ao seu alcance. Este entendimento, vai ainda de encontro ao sufragado pelos Acórdãos do TCA Norte de 04-05-2017, proferido no processo nº. 00314/06.6BEBRG e de 29-3-2012, proferido no processo nº. 00011/04.7BEMDL e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00926/08.3BEBRG, de 25 de março de 2021, todos alinhados com o entendimento que vinha sido seguido pelo Supremo Tribunal Administrativo.” 

A habitação construída pelos Requerentes (Prédio 2) é uma realidade física apreensível pelos sentidos, mensurável e a AT, querendo, teria oportunidade de verificar se os custos de construção alegados eram ou não compatíveis com a realidade física que foi alienada. Não consta que o tivesse feito. O que não pode a Requerida é optar por ignorar o enquadramento e o contexto da realidade que pretende analisar. Bastou-se apenas com a análise que fez dos documentos, como se fossem os documentos, eles próprios, o fim último dessa análise. Ora, o artigo 58.º da LGT, impõe à administração tributária o dever de realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.

Acompanhando o entendimento do Tribunal Arbitral no Processo nº 191/2021-T, de 2021-10-19, os documentos que titulam as despesas são meramente instrumentais. E a sua instrumentalidade cinge-se à demonstração de que as despesas que titulam dizem efetivamente respeito à construção em causa. Mesmo que na fatura dos materiais de construção não se diga que eles se destinam a ser aplicados numa obra determinada numa precisa morada, é razoável admitir-se que a obra em causa precisou daqueles materiais. E se o sujeito passivo apresenta uma fatura referente a materiais que sempre seriam precisos numa obra daquela natureza, e não se lhe conhecendo outra qualquer obra que tivesse estado simultaneamente a realizar, então, o mais certo, é que à dita obra respeite. Tanto mais que os Requerentes vieram, depois, apresentar declarações complementares de vários fornecedores, referindo-se à obra em questão. E se a AT acredita que assim não é cabia-lhe o ónus de demonstrar isso mesmo, o que não fez.

Portanto, forçoso será concluir que a Requerida exigiu dos Requerentes o que lhes não era legalmente exigível, em face dos elementos por eles carreados para o processo, não podendo com base nessa exigência, se tivermos em conta, claro está, a concreta factualidade vertida nos autos, pôr em causa um direito que lhes assiste.

Por outro lado, é forçoso reconhecer que a Requerida adota um conceito excessivamente restritivo de encargos com a valorização, rectius “construção”, excluindo equipamentos, mobiliário – de cozinha, por exemplo – e outras intervenções – nomeadamente, nos painéis solares, que fazem parte integrante da habitação que foi alienada. A Requerida limita-se a excluir essas realidades, impedindo, dessa forma, que essas despesas sejam atendidas no momento de apurar a mais-valia tributável.

Ora, não será absurdo admitir que os montantes despendidos pelos Requerentes com esses equipamentos, mobiliário e outras intervenções tenham sido repercutidos no preço de venda do imóvel, o mesmo é dizer, no valor de realização. De resto, a própria testemunha, no depoimento prestado, referiu, de forma convincente e clara, que o facto de a casa já dispor de equipamentos foi relevante para a aquisição da mesma, até porque na sua anterior habitação esses equipamentos estavam embutidos na parede.

É, de resto, normal e razoável que no caso de venda de uma habitação equipada, essa circunstância – a de já estar apetrechada de todos os equipamentos – se reflita no preço de venda.  

Portanto, nenhum sentido faria admitir, como é de toda a razoabilidade, que os dispêndios a que nos referimos tenham sido refletidos no valor de realização, desconsiderando-os quando se trata de somar os custos de construção (ou encargos com a valorização do bem). Esse exercício postergaria em definitivo o princípio da tributação pelo rendimento real e dispensaria intoleravelmente o princípio da capacidade contributiva. 

No que respeita ao Prédio 1, como se refere no Processo n.º 407/2020-T, de 2021-03-08, “A este propósito, a jurisprudência já sustentou que “a alínea a) do artigo 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, doze], às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efetivamente suportados que os valorizem economicamente” [In Acórdão do STA, de 21 de março de 2012, proferido no Processo n.º 0587/11.]. Ora, um terreno para construção com um projeto de construção aprovado, tem claramente um valor superior de mercado e isto desde logo, porque a capacidade do imóvel ser efetivamente construído é um passo determinante na utilidade económica de um terreno para construção. Nesse âmbito, as faturas pagas com a elaboração e aprovação do projeto são claramente uma despesa de valorização.

Assim, é entendimento deste tribunal arbitral que a liquidação de IRS sindicada nos presentes autos enferma de erro nos pressupostos de facto e de Direito, nos termos e com os fundamentos supra expostos.

 

  1. Pedido de juros compensatórios

 

No que se refere a juros compensatórios, dispõe o n.º 1 do artigo 35.º da LGT que "São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária".

No mesmo sentido determina o número 1 do artigo 98.º do Código do IRS.

Ou seja, impende sobre os sujeitos passivos o dever de pagar ao Estado juros compensatórios sempre que, por facto que lhes seja imputável, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto.

Como está bom de ver, os juros compensatórios são devidos ao Estado, não ao sujeito passivo, além de que, nos autos em apreço, inexiste qualquer retardação da liquidação do imposto, pelo que improcede o pedido dos Requerentes nesta parte.

 

  1. Pedido de juros indemnizatórios

 

De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso: (…) b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito. (…)”.

No mesmo sentido, o artigo 100.º da LGT prevê que “A Administração está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros, nos termos e condições previstos na lei”.

A doutrina e jurisprudência têm defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto à condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida.

Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o n.º 1 do artigo 43.º da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

No caso sub judice, o pedido dos Requerentes é julgado procedente no que se refere à ilegalidade da liquidação de IRS referente ao exercício de 2020, no montante de € 10.077,04.

Por outro lado, é manifesto que, na sequência da ilegalidade da liquidação impugnada, haverá lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago pelos Requerentes, por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, e do artigo 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

Os Requerentes têm direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, relativamente ao valor do imposto e juros indevidamente pagos, contados desde a data em que tais valores foram indevidamente pagos até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

  1. Decisão

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral Singular:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade da Liquidação de IRS com o n.º 2022 ..., de 2022-03-04, no valor de € 34.246,83, e a sua anulação parcial;

b) Julgar improcedente o pedido de juros compensatórios;

c) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, condenando a Requerida a pagar ao Requerentes os juros indemnizatórios que forem liquidados em execução da presente decisão arbitral;

d) Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. Valor da causa

 

Em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.°-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPTA), fixa-se ao processo o valor de € 10.077,04 (dez mil e setenta e sete euros e quatro cêntimos).

 

  1. Custas

 

Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I, do RCPTA, a cargo da Requerida.

 

Porto, 09 de junho de 2023

 

 

 

O Árbitro,

 

 

Francisco Melo