Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 465/2022-T
Data da decisão: 2023-05-22  IMI  
Valor do pedido: € 472.443,61
Tema: AIMI - Terrenos para construção. Impugnabilidade de liquidações de AIMI, por errónea fixação do VPT.
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SUMÁRIO

  1. Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Fernando Borges de Araújo (presidente), Alberto Amorim Pereira e Pedro Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 10-07-2022, acordam no seguinte:

  1. RELATÓRIO

A..., S.A., com o NIPC ..., com sede no ..., concelho e distrito de Faro, ...-... ... (doravante designada por “Requerente”), veio, em 01-08-2022, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, requer a constituição de Tribunal Arbitral Tributário e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra os atos de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 30.12.2021, formados tacitamente em 30-04-2022 (objeto imediato do PPA), e contra as liquidações de AIMI n.ºs 2018..., 2019... e 2020..., referentes aos terrenos para construção detidos pela Requerente e inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... sob os artigos U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-...,  U-..., U-..., U-...,  U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-...,  U-..., U-..., U-..., U-...,  U-...,  U-...,  U-..., U-...,  U-...,  U-..., U-..., U-..., U-...,  U-...,  U-...,  U-...,  U-..., U-...,  U-...,  U-...,  U-...,  U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-...,  U-...,  U-...,  U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-..., referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, (“Liquidações Contestadas”), no montante global de € 472.443,61 (objeto mediato do PPA), pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação, na parte relativa ao AIMI indevidamente liquidado relativamente aos referidos terrenos para construção, bem como o reembolso do referido montante, acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

A Requerente fundamenta o PPA, em síntese, nos seguintes termos:

  1. A Requerente constatou que na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção, que serviram de base às Liquidações Contestadas, a AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente, os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de afetação e de localização) e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, todos aplicáveis exclusivamente relativamente a prédios edificados e a prédios da espécie outros, estes últimos por remissão legal intra-sistemática.
  2. Em concreto, na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção a AT aplicou indevidamente um coeficiente de localização de 2,4 e um coeficiente de afetação de 1,1.
  3. A Requerente constatou que a fórmula de cálculo do VPT utilizada pela AT não expurgou, como se impunha nos termos legais, a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI que é, aplicável exclusivamente aos prédios edificados.
  4. Dos referidos erros na aplicação do direito resultou, em termos muito simplistas, que a Requerente pagou um valor de AIMI manifestamente superior (mais de 50% superior) àquele que seria devido nos termos legais.
  5. O VPT agregado dos referidos Terrenos para Construção por referência a: (i). 1 de janeiro de 2018 devia ter sido fixado pela AT em €16.938.211,39 ao invés do VPT agregado que foi ilegalmente fixado pela AT de €57.027.066,52 (considerando o efeito da aplicação do coeficiente de correção monetária), pelo que o VPT fixado em excesso ascende a €40.088.855,13; (ii). 1 de janeiro de 2019, devia ter sido fixado pela AT em € 17.118.232,51 ao invés do VPT agregado que foi ilegalmente fixado pela AT de €56.507.442,24 (considerando o efeito da aplicação do coeficiente de correção monetária), pelo que o VPT fixado em excesso ascende a € 39.389.209,73; e (iii). 1 de janeiro de 2020, devia ter sido fixado pela AT em € 16.438.040,54 ao invés do VPT agregado que foi ilegalmente fixado pela AT de € 55.070.877,30 (considerando o efeito da aplicação do coeficiente de correção monetária), pelo que o VPT fixado em excesso ascende a € 38.632.836,76.
  6. Sustenta a Requerente que o VPT em excesso corresponde necessariamente um valor de AIMI em excesso de:  (i). € 160.355,42 por referência ao ano de imposto de 2018 (=€40.088.855,13*0,4%);  (ii). € 157.556,84 por referência ao ano de imposto de 2019 (=€39.389.209,73*0,4%); e,  (iii). € 154.531,35 por referência ao ano de imposto de 2020 (=€38.632.836,76*0,4%),  no valor agregado de € 472.443,61.
  7. Defende que as Liquidações contestadas assentam em diversos erros (na aplicação do direito) que são inequivocamente imputáveis à AT e que acarretaram o pagamento, pela Requerente, de um valor de AIMI ostensivamente superior àquele que seria devido se a AT tivesse cumprido as normas legais que regem a avaliação dos terrenos para construção para efeitos fiscais, o que configura, igualmente, uma situação de injustiça grave ou notória.
  8. Tais erros na aplicação do direito exclusivamente imputáveis à AT e que estão na origem de uma situação de injustiça grave ou notória inquinam de ilegalidade e determinam a  anulabilidade das Liquidações Contestadas.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 01-08-2022, e subsequentemente notificado à AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 19-09-2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 07-10-2022, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou Resposta em 14-11-2022, defendendo-se por exceção e impugnação, em síntese, nos seguintes termos:

  1. A presente ação não é nem fundamentada em qualquer vício dos atos de  liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
  2. Aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento, o que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato  destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.
  3. Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
  4. Defende a Requerida que não assiste qualquer razão à Requerente  porquanto: A. Não está legalmente prevista a dedução de pedido de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores, pelo que a pretensão da Requerente carece de fundamento legal;  B. O ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica, tendo a força de caso julgado;  C. Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser  impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pelo que o ato de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade. D: E, mesmo que assim não se entendesse, o que por hipótese se admite, o pedido de revisão oficiosa sempre seria intempestivo face aos prazos previstos no artigo 78.º da LGT;  E.  Sendo que a final sempre se concluiria no sentido de já ter decorrido o prazo de 5 anos em que seria possível a para anulação do ato.

Por despacho de 16-11-2022, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e do princípio da livre determinação das diligências de produção de prova necessárias (cfr. artigo 16.º, alíneas c) e e), do RJAT), o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e concedeu prazo para apresentação de alegações escritas finais, e indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral.

A Requerente apresentou as suas alegações em 05-12-2022, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.

A Requerida apresentou um requerimento em 16-03-2023, tendo sido concedido mediante despacho arbitral de 20-03-2023 prazo para a Requerente apresentar resposta ao Requerimento, tendo sido apresentada pela Requerente no dia 14-03-2023.

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

O PPA é tempestivo porque apresentado no prazo de 90 dias referido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (apresentado em 30.12.2021), que se formou em 30.04.2022, nos termos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT.

É admitida a cumulação de pedidos, face ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, sempre que, como é o caso, “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades. As exceções e questões prévias suscitadas pelas partes serão analisadas depois de apreciada a matéria de facto relevante para a decisão da causa.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

§3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

  1. Em 2018, 2019 e 2020, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... sob os artigos U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U- ..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-...,  U-..., U-..., U-...,  U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-...,  U-..., U-..., U-..., U-...,  U-...,  U-...,  U-..., U-...,  U-...,  U-..., U-..., U-..., U-...,  U-...,  U-...,  U-...,  U-..., U-...,  U-...,  U-...,  U-...,  U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-...,  U-...,  U-...,  U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... . (cfr. cadernetas prediais juntas ao PPA como documento 2).
  2. A Requerente foi notificada e procedeu ao pagamento das liquidações de AIMI n.ºs 2018 ..., da qual resultou um valor de imposto a pagar de € 232.279,53, 2019 ... da qual resultou um valor de imposto a pagar de € 226.514,11 e 2020 ... da qual resultou um valor de imposto a pagar de € 220.767,85, (cfr. documento 3 junto ao PPA).
  3. Estas liquidações de AIMI foram emitidas com referência a VPTs calculados com base numa fórmula que incluía coeficientes de localização e de afetação, e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI (cfr. cadernetas prediais juntas ao PPA como documentos 2).
  4. Destas liquidações resultou um AIMI superior àquele que seria devido se não fossem incluídos, no cálculo do VPT dos terrenos para construção em apreço, coeficientes de localização e de afetação, e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, respetivamente:€ 160.355,42 por referência ao ano de imposto de 2018, € 157.556,84 por referência ao ano de imposto de 2019, € 154.531,35 por referência ao ano de imposto de 2020, no valor agregado de € 472.443,61.
  5. Em 30.12.2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contestado a legalidade dos atos de liquidação de AIMI e este pedido não foi decidido até 30.04.2022 (i.e., até ao termo do prazo legal de quatro meses estabelecido no artigo 57.º, n.º 1, da LGT).
  6. Em 01-08-2022, a Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo arbitral. Cf. SGP.

 

§3.2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

§3.3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

§4.1. Questões a decidir

O PPA tem por objeto imediato os atos de indeferimento tácito das do pedido de revisão oficiosa apresentada pela Requerente em 30.12.2021, ao abrigo dos artigos.º 78.º e seguintes do LGT, e por objeto mediato as Liquidações Contestadas.

Tendo a Requerida suscitado exceções dilatórias e questões prévias suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, o Tribunal apreciará primeiramente estas questões e, seguidamente, caso se pronuncie pela improcedência das mesmas, os vícios alegados pela Requerente suscetíveis de determinar a ilegalidade e consequente anulação dos referidos atos de indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas (cfr. artigo 89.º do CPTA e artigos 278.º e 608.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e), do RJAT).

Tendo em consideração a posição das partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

  1. exceções dilatórias e questões prévias.
  2. da ilegalidade dos atos de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e das liquidações contestadas, por erro no cálculo do VPT dos terrenos para construção.
  3. do reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

4.2 - Exceção da incompetência material do tribunal arbitral

A AT invocou a exceção dilatória da incompetência material deste Tribunal Arbitral defendendo que a Requerente pretende a anulação dos atos impugnados com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o VPT. Na verdade, a presente ação não é nem fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Mais refere  que o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação da matéria tributável e não o ato de liquidação. Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo”.

Assim temos de apreciar o âmbito da competência material dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, e como se trata matéria de ordem pública o seu conhecimento procede o de qualquer outra matéria, atendendo ao disposto no art.º 16.º do CPPT e art.º 13.º do CPTA, que são subsidiariamente aplicáveis pela remissão pelo art.º 29.º, n.º 1 a) e c). Invocada a exceção de incompetência material deste Tribunal Arbitral, impõe-se que esta seja de conhecimento prioritário e, caso esta seja julgada procedente, ficará prejudicado o conhecimento das demais.

Assim, invoca a Requerida que a Requerente pretende a anulação dos atos impugnados com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o VPT.

A Requerente contra-alegou. Está compreendida no âmbito da competência do Tribunal Arbitral, nos termos do estão abrangidos pela alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, a apreciação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, sendo este Tribunal concretamente competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito sub judice e, bem assim, do ato tributário de AIMI subjacente ao mesmo.

Como decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT estão abrangidos no âmbito da jurisdição do Tribunal Arbitral todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, desde que tenham por objecto os actos mencionados nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que é o caso da formação da presunção de indeferimento tácito.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Neste sentido, refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

Por isso, quer tanto a apreciação da legalidade das liquidações como a da legalidade de actos de fixação de valores patrimoniais inserem-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Como decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, a ficção de ato em que consiste o indeferimento tácito, enquanto ato lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, é suscetível de impugnação judicial, nos termos dos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da LGT e 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.

Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, cujo decurso faz presumir o indeferimento para efeitos de reação contenciosa.

Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida, devendo igualmente admitir-se a possibilidade de o contribuinte poder “reagir contra o silêncio que sobre ele recair” . Estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, o meio processual adequado é a impugnação judicial.

Tanto assim é que o legislador admite expressamente que o pedido de pronúncia arbitral seja apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º, do CPPT (artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), entre os quais a “formação da presunção de indeferimento tácito” (artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).

Na realidade, entende-se, maioritariamente, que, perante uma situação de indeferimento expresso, há que distinguir dois tipos situações:

- os casos em que o indeferimento resultou de uma reapreciação da liquidação em causa, tendo a AT concluído, de novo, pela sua legalidade – nestes casos, por o objeto do litígio ser (continuar a ser) a legalidade da liquidação, o meio de reação judicial a utilizar seria o processo de impugnação.

- os casos em que o pedido de reclamação graciosa é indeferido por outras razões, nomeadamente por ser considerado intempestivo. Nestes casos, existe um novo ato administrativo, autónomo relativamente ao de liquidação (e não meramente confirmativo, ao invés do que sucede no tipo de casos anterior) – o meio de reação a utilizar seria, então, a ação administrativa, pois o objeto do processo seria este novo ato (e não, ao menos imediatamente, o de liquidação).

No caso do silêncio da administração, a situação é diferente:

- na construção tradicional, a do indeferimento tácito, ficcionava-se um ato de indeferimento o qual, necessariamente, era o de indeferimento do pedido formulado pelo Requerente (cfr. p. ex., ac. do STA. proc. n.º 1171/04, de 2 de fevereiro de 2005). Considerando-se tacitamente indeferido o pedido de reclamação graciosa de uma liquidação, o meio de reação seria, pois, a impugnação judicial.

- no entendimento moderno, não existe mais a figura do indeferimento tácito: com MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a figura do indeferimento tácito foi, contudo, eliminada da nossa ordem jurídica com a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2014, do CPTA (…). Isto mesmo veio a ser clarificado, com a revisão de 2015, no novo art. 129º do CPA, do qual resulta hoje, com clareza, que, fora dos casos em que a lei preveja a formação de deferimentos tácitos, o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir os requerimentos que lhe sejam regularmente submetidos não dá lugar à formação de qualquer ato tácito, mas é tratado como a omissão pura e simples que efetivamente é, ou seja, como um mero facto. Neste sentido é hoje afirmado no art.º 129º do CPA que a falta de decisão administrativa dentro do prazo legal confere ao interessado a faculdade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados.

Pretendendo a Requerente a reapreciação da legalidade das liquidações em causa, o “meio de tutela jurisdicional adequado” é o processo de impugnação. Do que resulta a competência, em razão da matéria, deste tribunal arbitral.

Pelo exposto, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes, à face das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, quer para apreciar a legalidade das liquidações de AIMI.

Pelo exposto, improcede a exceção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

§4.3. Da ilegalidade dos atos de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e das Liquidações Contestadas, por erro no cálculo do VPT dos terrenos para construção

A Requerente alega, em suma, que constatou que na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção, que serviram de base às Liquidações Contestadas, a AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente, os coeficientes multiplicadores do VPT e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, todos aplicáveis exclusivamente relativamente a prédios edificados e a prédios da espécie outros, estes últimos por remissão legal intra-sistemática.

A Requerida contra-alegou que a Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT), e que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

Atendendo às posições das partes, e factualidade assente, a questão que nos é colocada nos presentes autos, resulta da apreciação dos vícios sobre os atos de liquidação de AIMI, vícios que resultam sobre a incorreta determinação do VPT dos terrenos para construção nas avaliações feitas..

Por outras palavras, o thema decidendum do presente pedido de pronúncia arbitral, consiste, em primeiro lugar, em analisar a questão: deixando um contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, poderá ainda assim arguir a ilegalidade das liquidações de AIMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPT’s que serviram de base às liquidações? E em segundo lugar, podendo fazê-lo, trata-se de saber se existe um erro na avaliação do VPTs.

Assim passamos a apreciar.

Sobre a primeira questão, não há dúvidas sobre a impossibilidade de o sujeito passivo poder arguir a ilegalidade das liquidações de AIMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPT’s que serviram de base às liquidações.

Há, sobre esta questão, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no seu Acordão Uniformizador no Processo n.º 0102/22.2BALSB de 23-02-2023, o qual aderimos à fundamentação ali constante, que se passa a reproduzir:

“Tese que será a por nós também sufragada. Vejamos porquê.
Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. O primeiro dispositivo legal estabelece que os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária (n.º 1), mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 2). O segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece que “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.

Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).

No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7).

Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.

Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.

O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.

Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.

Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).

Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.

De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.

O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).

Aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 472) “Neste caso da avaliação directa da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do at.º 86.º da LGT, embora a contrario, que a invocação das ilegalidades de actos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86.º da LGT da impugnação de actos de avaliação directa e de avaliação indirecta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indirecta, a possibilidade de invocação das respectivas ilegalidades na impugnação do acto de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tal é possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referência cumulativa à generalidade de actos de avaliação da matéria tributável.”

Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.”

Conclui o referido Acordão: “Em face do que fica dito é de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”.

Face a jurisprudência citada, a Requerente não tendo arguido a ilegalidade do VPT no momento da sua fixação, não pode posteriormente vir arguir a ilegalidade da liquidação com esse fundamento.

Neste sentido, as liquidações in casu, não se verifica qualquer erro no ato de liquidação, as quais foram calculados com base no VPT constante na matriz predial.

Em consequência, improcede o pedido da requerente.

§4.4. Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença a proferir deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada à questão relativa, a impossibilidade de o Requerente poder vir arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável, em que se conclui que a Requerente não o pode fazer, não se verifica o vicio alegado, julga-se improcedente o pedido. Fica assim prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral quanto aos vícios na avaliação e determinação dos VPTs dos terrenos para construção, concretamente, se a AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente, os coeficientes multiplicadores do VPT e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.

 

§4.5. Do reembolso do AIMI indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios

Peticiona a Requerente o reembolso do AIMI indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios. Atendendo a improcedência do pedido principal da Requerente, improcede igualmente este pedido.

  1. DECISÃO

De harmonia com o exposto, acordam os árbitros, neste Tribunal Arbitral, em

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 472.443,61.

 

  1. CUSTAS ARBITRAIS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente em razão do decaimento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 22 de Maio de 2023

 

Os Árbitros

 

Fernando Araújo (presidente – vencido, junta declaração)

 

Pedro Guerra Alves (relator)

 

Alberto Amorim Pereira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Não obstante a posição que assumi em decisões arbitrais anteriores, tenho de reconhecer e acatar o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo STA no processo n.º 0102/22.2BALSB, também por força do princípio geral contido no art. 8º, 3 do Código Civil.

Dito isto, entendo que a preclusão consagrada no referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência constitui um injustificado enfraquecimento das possibilidades de tutela jurisdicional efectiva face a um erro subsistente, indiscutível, patente e já assumido pela própria AT – e nessa medida pode entender-se que desafia princípios constitucionalmente estabelecidos.

Além disso, a solução a que se chegou no referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência não pode afrontar a lei, nem pode ser lida, sob pena de violação do princípio constitucional da separação de poderes, como acarretando a revogação implícita de uma faculdade legalmente consagrada, que é a da revisão, a título excepcional, de erros dos quais resulte, e subsista, injustiça grave (resultante em tributação manifestamente exagerada e desproporcionada) ou notória (injustiça ostensiva e inequívoca) – faculdade consagrada no art. 78º, 4 e 5 da LGT, pacificamente interpretada, há muito, como podendo também ser exercida por iniciativa do próprio sujeito passivo.

Não tendo essa norma sido revogada, ela aplica-se para lá da preclusão consagrada no referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência – o que é manifesto:

  1. porque vigora para situações excepcionais,
  2. porque depende de uma autorização do dirigente máximo do serviço, e, portanto, não reclama qualquer verificação prévia da prática de actos interlocutórios, e
  3. porque o Acórdão, congruentemente, não versa essa matéria, nem incidentalmente, e não a atinge, directa ou obliquamente – dado que a preclusão veda o recurso à via normal de revisão, estabelecida no nº 1 do art. 78º da LGT, não se estendendo à via excepcional, que tem requisitos próprios.

Insiste-se: o referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência não podia, nem pode, inutilizar o mecanismo consagrado no art. 78º, 4 e 5, mecanismo que não está condicionado pela verificação de qualquer acto interlocutório, até por não depender exclusivamente da iniciativa do sujeito passivo.

Tendo a Requerente, no presente processo, formulado, a título subsidiário, um pedido de revisão dos actos tributários, entendo que essa faculdade subsiste na lei e não está precludida enquanto, nos prazos estabelecidos pelo próprio art. 78º, 4 e 5 da LGT, se verificar factualmente – como considero que se verifica no caso presente – uma injustiça grave e notória.

Assim sendo, estando preenchidos todos os requisitos legais, esse pedido subsidiário devia ter sido considerado procedente.

 

22/5/2023, Fernando Araújo