Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 462/2022-T
Data da decisão: 2023-06-06  IMI  
Valor do pedido: € 44.002,46
Tema: IMI e AIMI – Revisão do ato tributário; Impugnação do valor patrimonial tributário de «terrenos para construção» imóveis; artigo 64.º do Código do IRC; artigo 12.º, n.º 1 do Código do IMT.
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Sumário:

I – Os atos de fixação da matéria tributável, nos quais se incluem os atos de avaliação de valores patrimoniais, designadamente os de avaliação do valor patrimonial tributável, nos termos e para efeitos do Código do IMI, podem ser sujeitos a revisão, ao abrigo do artigo 78.º, n.º 4, da LGT;

II – O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço encontra-se previsto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT e é de três anos posteriores ao do ato tributário, terminando no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário;

III – Pode ser apreciada a legalidade dos atos de liquidação de IMI e AIMI com fundamento no erróneo apuramento do valor patrimonial tributário dos prédios que lhe deram origem, no seguimento da formação do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados quanto a tal pedido;

IV – Na determinação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção não podem ser aplicados os coeficientes de afetação, qualidade e conforto, e localização, bem como a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. Relatório

A..., S.A., sociedade anónima, com o número de identificação fiscal ... e com sede na Avenida ..., n.º ..., ..., Lisboa, ...-... Lisboa (“Requerente”), veio requerer a constituição de tribunal arbitral singular, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na sua atual redação (“RJAT”) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), com vista à pronúncia de decisão arbitral de anulação da decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados e, em consequência, à anulação parcial das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.º 2017..., de 21.04.2018, e de Adicional ao IMI (“AIMI”) n.º 2018..., de 30.06.2018.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

  1. Constituição do Tribunal Arbitral

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente tribunal arbitral singular em 7 de outubro de 2022, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.

  1. História Processual

A Requerente pretende, em síntese, que seja anulada a decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados e, em consequência, se proceda (i) à anulação, parcial, das liquidações de IMI n.º 2017..., de 21.04.2018, e de AIMI n.º 2018..., de 30.06.2018; (ii) ao reembolso das quantias pagas em excesso a título de IMI e de AIMI no valor agregado de € 44.002,46 (i.e., € 18.858,20 de IMI e € 25.144,26 de AIMI); e (iii) ao reconhecimento do direito da Requerente a juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor de 4% sobre as quantias indevidamente pagas a título de IMI e AIMI, contados desde o dia 30.12.2022 (um ano após a apresentação dos pedidos de revisão oficiosa) até integral reembolso.

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente invoca, sumariamente, que estão preenchidos os pressupostos legais de revisão oficiosa das liquidações em crise quer com fundamento em erro imputável aos serviços quer com fundamento em injustiça grave ou notória, porquanto a fórmula de cálculo do Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) dos terrenos para construção assumida automaticamente pelo sistema informático da AT e que serviu de base às avaliações dos prédios subjacentes às liquidações de IMI e AIMI, bem como a consideração de afetações potenciais e futuras para os terrenos para construção, são ilegais, devendo ser determinada a sua anulação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável ex vi do artigo 29.º, alínea d), do RJAT e com todas as consequências legais.

A 17.05.2023, foi proferido despacho tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.

A Requerida respondeu, alegando, em síntese, que a pretensão da Requerente não pode proceder, porquanto não está legalmente prevista a revisão oficiosa dos atos de avaliação do VPT. Ademais, considera a Requerida que, ainda que assim não fosse, os pedidos de revisão oficiosa apresentados não podem considerar-se tempestivos, estando o ato que fixou o VPT, em vigor no período de tributação em referência, consolidado na ordem jurídica. Segundo entende a Requerida, eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo. A Requerida conclui que não pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, mas apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos, pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado e a sua, consequente, absolvição de todos os pedidos.

A Requerente, na sequência da resposta apresentada pela Requerida, exerceu o seu direito de contraditório sobre a matéria de exceção contida na aludida resposta. Nesta sede, a Requerente invocou que os pedidos de revisão oficiosa sempre seriam tempestivos e fundamentados na medida em que, para efeitos do artigo 115.º, n.º 1, alínea c) do Código do IMI não é sequer necessário estarmos perante um caso de erro imputável aos serviços. Ainda que assim não fosse, entende a Requerente que sempre seria os pedidos de revisão oficiosa apresentados tempestivos porque foram apresentados até ao final do terceiro ano seguinte ao das liquidações em crise e com fundamento (ainda que subsidiário) em injustiça grave ou notória. Por outro lado, a Requerente, relativamente à questão da consolidação do ato tributário e da impugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação do VPT, cita diversa jurisprudência que, segundo a mesma, suporta a sua tese da impugnabilidade das liquidações contestadas e em que são apreciados atos de liquidação de IMI aos quais foram imputadas ilegalidades decorrentes da ilegalidade do VPT dos terrenos para construção com base no qual o imposto foi liquidado.

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Questão a decidir

A questão a apreciar e a decidir no âmbito do presente processo, prende-se com decidir a legalidade do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Requerente e, em caso negativo, a legalidade dos atos de liquidação de IMI e de AIMI que tiveram por base a fórmula de cálculo para a fixação do VPT aplicada pela AT aos terrenos para construção.

  1. Matéria de Facto
  1.  Matéria de Facto Provada

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. Em 31.12.2017 e 01.01.2018, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob os artigos matriciais U-... e U-... (“Terrenos para Construção”);
  2. A Requerente foi notificada da liquidação de AIMI n.º 2018... de 30.06.2018, emitida por referência ao ano de imposto de 2018, no montante total de € 43.803.38;
  3. O valor total do AIMI liquidado em 2018 por referência ao ano de imposto de 2018 (i.e., €43.803.38) diz respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação da taxa de AIMI de 0,40%, relativamente aos VPT dos Terrenos para Construção por referência a 01.01.2018, e parte do qual (i.e., € 25.144,26) se requer a respetiva anulação;
  4. A Requerente foi, igualmente, notificada da liquidação de IMI n.º 2017 ... de 21.04.2018, por referência ao ano de imposto de 2017;
  5. Do valor total do IMI liquidado em 2018, por referência ao ano de imposto de 2017 (i.e., € 32.852,54), € 29.493,35 diz respeito à tributação dos Terrenos para Construção e resulta da aplicação de uma taxa de IMI de 0,3% sobre os respetivos VPT, e parte do qual (i.e., € 18.858,20) se requer a respetiva anulação;
  6. A Requerente procedeu ao pagamento integral das liquidações de IMI n.º 2017..., de 21.04.2018, e de AIMI n.º 2018..., de 30.06.2018;
  7. Em 30.12.2021, a Requerente apresentou dois pedidos de revisão oficiosa das liquidações em crise, com fundamento quer em erro imputável aos serviços quer em injustiça grave ou notória e nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.ºs 1, 4 e 5 da Lei Geral Tributária (“LGT”), tendo em vista a anulação das quantias pagas alegadamente em excesso a título de IMI e de AIMI no valor agregado de € 44.002,46 (i.e., € 25.144,26 de AIMI e € 18.858,20 de IMI).
  8. Nos pedidos de revisão oficiosa apresentados, a Requerente:
    1. Suscitou diversos vícios de ilegalidade das referidas liquidações e concluiu pela verificação de erro imputável aos serviços nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, e, a título subsidiário, a verificação de uma situação de injustiça grave ou notória;
    2. Concluiu pela verificação de todos os pressupostos legais de que depende a revisão oficiosa por iniciativa da AT; e
    3. Solicitou a anulação parcial das liquidações contestadas, com todas as consequências legais.
  9. Até à data da constituição do presente Tribunal Arbitral Singular, a Requerente não foi notificada de qualquer projeto de decisão dos pedidos de revisão oficiosa apresentados;
  1.  Factos Não Provados

Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.

Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.

  1. Matéria de direito

O pedido de pronúncia arbitral a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste, primeiramente, em apreciar a legalidade do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Requerente contra a liquidação de AIMI n.º 2018... emitida, em 30.06.2018, por referência ao ano de imposto de 2018 e a liquidação de IMI n.º 2017... emitida, em 21.04.2018, por referência ao ano de imposto de 2017. Em caso de procedência do pedido de anulação total da decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Requerente, cumpre decidir sobre a legalidade dos atos de liquidação de IMI e de AIMI que tiveram por base a fórmula de cálculo para a fixação do VPT aplicada pela AT aos terrenos para construção.

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega, como ponto prévio, que estavam preenchidos todos os pressupostos de que dependia o recurso aos procedimentos de revisão oficiosa no caso em análise (quer com fundamento em erro imputável aos serviços quer com fundamento em injustiça grave ou notória) e que as liquidações contestadas padecem de diversas ilegalidades resultantes de diversos erros imputáveis aos serviços da AT, em conformidade com o disposto nos artigos 78.º, n.º 1, 4 e 5, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c) do Código do IMI, bem como com os princípios constitucionais da justiça, igualdade e legalidade tributárias, previstos na Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

Ademais, a Requerente invoca que, ao contrário do que sucede no caso da avaliação dos prédios da espécie «Outros» em que existe uma remissão expressa para as regras gerais / fórmula geral de avaliação prevista no artigo 38.º do Código do IMI, a avaliação de «terrenos para construção» é realizada de acordo com regras especiais, não existindo, no artigo 45.º do Código do IMI, qualquer remissão para o disposto no artigo 38.º do Código do IMI.

A Requerente conclui a este respeito que da comparação das normas legais previstas nos artigos 45.º e 46.º do Código do IMI, aplicáveis à avaliação de «terrenos para construção» e dos prédios urbanos da espécie «Outros», resulta que aos terrenos para construção não deve aplicar-se a fórmula geral do artigo 38.º do Código do IMI e os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto.

Para sustentar a sua tese a Requerente cita, ainda, diversos acórdãos dos tribunais superiores e decisões arbitrais, dos quais resulta que na fórmula de cálculo do VPT de «terrenos para construção» é de afastar a fórmula geral prevista no artigo 38.º do Código do IMI e que a majoração de 25% estabelecida no artigo 39.º do Código do IMI aplica-se exclusivamente aos prédios edificados, não devendo ser considerada na fórmula de cálculo do VPT de «terrenos para construção», sendo, por isso, ilegal a sua consideração, por parte da AT, na fórmula utilizada para a determinação do VPT dos «terrenos para construção».

Por seu turno, e em resposta ao alegado pela Requerente, entende a Requerida que não está legalmente prevista a revisão oficiosa dos atos de avaliação do VPT e que, ainda que assim não fosse, os pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Requerente não podem considerar-se tempestivos, estando o ato que fixou o VPT consolidado na ordem jurídica.

Segundo entende a Requerida, os vícios próprios e exclusivos do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo. A Requerida conclui que não pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, mas apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos, pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado e a sua, consequente, absolvição de todos os pedidos.

A Requerente, exerceu o seu direito de contraditório, alegando que os pedidos de revisão oficiosa sempre seriam tempestivos e fundamentados na medida em que, para efeitos do artigo 115.º, n.º 1, alínea c) do Código do IMI, não é sequer necessário estarmos perante um caso de erro imputável aos serviços. Ainda que assim não fosse, entende a Requerente que sempre seria os pedidos de revisão oficiosa apresentados tempestivos porque foram apresentados até ao final do terceiro ano seguinte ao das liquidações em crise e com fundamento (ainda que subsidiário) em injustiça grave ou notória.

Por outro lado, a Requerente, relativamente à questão da consolidação do ato tributário e da impugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação do VPT, cita diversa jurisprudência que, segundo a mesma, suporta a sua tese da qual resulta a impugnabilidade das liquidações contestadas e em que são apreciados ato de liquidação de IMI aos quais foram imputadas ilegalidades decorrentes da ilegalidade do VPT dos «terrenos para construção» com base no qual o imposto foi liquidado.

Assim, cumpre apreciar a questão controvertida que se traduz, no essencial, em determinar se estavam preenchidos todos os pressupostos legais de revisão oficiosa das liquidações apresentadas e, subsequentemente, a apreciação da legalidade dos atos de liquidação de IMI e de AIMI que tiveram por base a fórmula de cálculo para a fixação do VPT aplicada pela AT aos «terrenos para construção».

  1. Da admissibilidade de revisão oficiosa das liquidações

O artigo 115.º, n.º 1, do Código do IMI estabelece que «Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

  1. Quando, por atraso na actualização das matrizes, o imposto tenha sido liquidado por valor diverso do legalmente devido ou em nome de outrem que não o sujeito passivo, desde que, neste último caso, não tenha ainda sido pago;
  2. Em resultado de nova avaliação;
  3. Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;
  4. Quando, havendo lugar, não tenha sido considerada, concedida ou reconhecida isenção.»

Ou seja, ao abrigo do citado normativo, apenas são suscetíveis de revisão oficiosa os atos de liquidação de IMI (e não os atos de avaliação de valores patrimoniais).

Neste sentido, não se encontrando prevista a possibilidade de revisão oficiosa de atos de avaliação de valores patrimoniais no artigo 115.º, n.º 1, do Código do IMI, importa analisar se tal possibilidade se encontra prevista no artigo 78.º da LGT.

O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte:

«1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado)

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.»

Das várias situações em que é possível apresentar a revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, apenas os seus n.ºs 4 e 5 se reportam a atos de fixação da matéria tributável, nos quais se inclui os atos de fixação de valores patrimoniais.

A este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 17-02-2021, proferido no âmbito do processo n.º 39/14.9BEPDL 0578/18, refere que «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».

Acresce que também a decisão arbitral do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 487/2020-T, esclarece que «(…) a limitação de competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao conhecimento de pedidos de declaração de ilegalidade de actos para que é adequado o processo de impugnação judicial, não é obstáculo à apreciação do cumprimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira do dever de efectuar a revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, como também esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo, «a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do acto de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78º nº 3 da LGT e 97º nº 1 al. b) do CPPT)».

Face ao exposto, conclui-se que, nos casos em que o erro se reporta a atos de fixação da matéria tributável, para a respetiva revisão basta que se verifique a existência de uma injustiça grave ou notória e que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte, não se exigindo a verificação da existência de erro imputável aos serviços.

Quanto à exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte, importa salientar que a fixação da matéria tributável foi efetuada pela Requerida, com base numa fórmula prevista lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente forneceu qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.

No que concerne ao requisito de o apuramento da matéria tributável consubstanciar uma «injustiça grave ou notória», refira-se que o artigo 78.º, n.º 5, da LGT clarifica que «(…) apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».

Considerando que as erradas avaliações dos prédios alegadas pela Requerente sempre consubstanciariam uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada, resultante de uma injustiça ostensiva e inequívoca, entende este Tribunal que tal facto resultaria claramente numa situação de injustiça grave e notória para a Requerente.

Em conformidade, não colhe o entendimento da Requerida, segundo o qual não está legalmente prevista a revisão oficiosa dos atos de avaliação do VPT, porquanto o artigo 78.º, n.º 4, da LGT prevê a possibilidade da revisão de atos de fixação da matéria tributável, nos quais se incluem os atos de avaliação de valores patrimoniais, designadamente os de avaliação do VPT, nos termos e para efeitos do Código do IMI, demonstrando-se que estavam preenchidos todos os pressupostos legais de que dependia a revisão oficiosa das liquidações contestadas pela Requerente.

  1. Da tempestividade do pedido de revisão oficiosa

O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço encontra-se previsto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT e é de «três anos posteriores ao do acto tributário», terminando no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário.

A este respeito, alega a Requerida que os pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Requerente não podem considerar-se tempestivos.

Vejamos:

A liquidação de AIMI n.º 2018..., referente ao ano de imposto de 2018, e ora em crise foi emitida em 30.06.2018. Deste modo, a Requerente podia apresentar pedido de revisão oficiosa até 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário (i.e., até 31-12-2021).

Por sua vez, a liquidação de IMI n.º 2017..., referente ao ano de imposto de 2018, foi emitida em 21.04.2018. Assim, a Requerente podia apresentar pedido de revisão oficiosa até 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário (i.e., até 31-12-2021).

Face ao exposto, e contrariamente ao alegado pela Requerida, é questão isenta de dúvidas que os pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Requerente não são intempestivos.

  1. Da impugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT

Entende a Requerida, em suma, que os vícios da fixação do VPT não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica, não sendo, segundo a Requerida, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.

Ora, conforme se decidiu, a este respeito, na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 487/2020-T, e não havendo razão para este Tribunal se afastar dessa orientação, «[…] por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos e directa e, por isso, ela é “susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa” (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, “a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”.

Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que

– “os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade” (n.º 1); e

– “a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação” (n.º 7).

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previsto no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI). Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguinte acórdãos:

– de 30-06-1999, processo n.º 023160 (6):

– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;

– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;

– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 (7)

– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;

– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;:

– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI. Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os princípios da legalidade tributária, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da igualdade, não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais. Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (8), IRC (9) e Imposto do Selo (10), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT) […]»

«[…] Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador. Por isso, em princípio, as liquidações de IMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios. No entanto, apesar da não impugnabilidade normal de actos de liquidação com fundamento em vícios dos actos de avaliação de valores patrimoniais, os n.ºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais, a título excepcional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». (11)

Neste mesmo sentido, a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 500/2020-T, quando aí se refere que «[s]endo o pedido de revisão oficiosa meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação, mesmo quando inquinada por vicio de quantificação da matéria colectável que lhe serve de base, é meio próprio para conhecer tais questões o recurso judicial ou arbitral interposto no seguimento do silêncio administrativo quanto a tal pedido».

Na Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo Arbitral n.º 760/2020- T é expresso também o entendimento de que uma das concretizações do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva é o princípio pro actione, consagrado no artigo 7.º do CPTA, afirmando-se que este princípio «aponta para a interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal, evitando situações de denegação de justiça por excessivo formalismo: as regras processuais são um instrumento para a realização da justiça e não (devem ser) um obstáculo a que ela aconteça». Na mesma Decisão Arbitral é manifestado o entendimento de que «a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê», concluindo-se que «[a]ssim, tal previsão legal não deve ser entendida – salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso –como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação)».

No mesmo sentido decidira já o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), em Acórdão de 31-10-2019, proferido no âmbito do Processo n.º 2765/12.BELRS. Neste Acórdão pode ler-se o seguinte «sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação, impugnação essa que no caso era permitida pelo artigo 20.º do Dec.-Lei 287/2003.

Portanto, não tendo sido impugnada a fixação do VPT, facto que a recorrida aceita, parece que a consequência seria a de aceitar que as liquidações feitas a coberto desse VPT, enquanto não fosse alterado, não podiam também ser alteradas com tal fundamento.

Mas o problema pode ser olhado de outro prisma.

Em regra, os actos da Administração, com excepção dos actos viciados de nulidade, consolidam-se juridicamente se não forem impugnados nos prazos estabelecidos na lei.

Todavia, mesmo fora das situações de nulidade o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.

É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária. O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.

Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo(2). O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.

Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.

O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.

Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável.

O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal».

Assim, ao contrário do que conclui a Requerida, e na esteira das decisões ora reproduzidas, considera este Tribunal que não pode ser prejudicada a apreciação da legalidade das liquidações de IMI e AIMI em crise com fundamento no erróneo apuramento do VPT dos prédios que lhe deram origem, sendo de improceder a conclusão da Requerida no sentido da inimpugnabilidade das referidas liquidações em crise.

  1. Do erro na fixação do VPT dos Terrenos para Construção

O artigo 38.º do Código do IMI, sob a epígrafe «Determinação do valor patrimonial tributário», estabelece o seguinte:

«1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.

2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.

3 - Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º.

4 - A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos.»

O artigo 45.º do Código do IMI, sob a epígrafe «Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção», dispunha, à data relevante dos factos, o seguinte:

«1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

[…]».

Por seu turno, o artigo 46.º do Código do IMI, sob a epígrafe «Valor patrimonial tributário dos prédios da espécie «Outros», define o seguinte:

«1 - No caso de edifícios, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38.º, com as adaptações necessárias.

2 - No caso de não ser possível utilizar as regras do artigo 38.º, o perito deve utilizar o método do custo adicionado do valor do terreno.

[…]».

Face ao enquadramento legal exposto supra, resulta claro que as normas previstas nos artigos 45.º e 46.º do Código do IMI constituem regras especiais para a determinação do VPT dos terrenos para construção e para os prédios espécie «Outros», significando que nestes casos específicos não deverá ser aplicada a fórmula geral ínsita no artigo 38.º do Código do IMI.

É, assim, evidente que o legislador, ao definir os critérios de determinação do VPT, por referência aos prédios urbanos classificados como «habitacionais», «comerciais, industriais ou para serviços», «terrenos para construção» e «outros», pretende remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código do IMI lhe atribui nos termos das alíneas a) a d) do artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI.

Neste sentido, nos casos dos «terrenos para construção», o VPT tem por base os critérios definidos no artigo 45.º, que remete para o valor da área de implantação do edifício a construir acrescido do valor do terreno adjacente à implantação.

O valor da área de implantação varia numa percentagem entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas e que é fixada tendo em consideração as características mencionadas no artigo 42.º, n.º 3, do Código do IMI, isto é, características relativas a acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

 Por sua vez, o valor da área adjacente à construção é calculado mediante a remissão para o artigo 40.º, n.º 4, do Código do IMI que estipula a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados.

Determinando a lei os termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor da área adjacente à construção, cujo somatório permite fixar o VPT de «terrenos para construção», são esses os específicos critérios a que haverá de atender-se para efeitos da respetiva avaliação.

Ao estabelecer que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, a lei não manda aplicar o coeficiente de localização definido no artigo 42.º do Código do IMI para prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, pretendendo explicitar apenas que, para efeitos de avaliação de «terrenos para construção», deve ser considerado um valor percentual entre esses dois limites, ponderado em função das características atinentes à localização do terreno.

Ao utilizar a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados, para a determinação do valor da área adjacente à construção, o legislador não pretende equiparar os «terrenos para construção» aos prédios edificados, mas unicamente aplicar um mecanismo de cálculo que se encontra previsto numa disposição legal distinta integrada do mesmo diploma legal.

Mostra-se evidente que as referências feitas no artigo 45.º do Código do IMI ao regime específico do n.º 3 do artigo 42.º e do n.º 4 do artigo 40.º, ambos do Código do IMI, não representam uma remissão em bloco para os critérios de avaliação aplicáveis aos prédios edificados, mas apenas a integração no regime próprio de avaliação de «terrenos para construção», por efeito de um expediente de remissão intra-sistemática, de certos fatores que são também considerados na avaliação de outros prédios urbanos.

De resto, não deixa de ser significativo, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, que o mencionado artigo 45.º do Código do IMI não contenha disposição similar à prevista no artigo 46.º desse mesmo Código, que para a determinação do VPT dos prédios da espécie «Outros», manda aplicar, com as adaptações necessárias, no caso de edifícios, os critérios definidos no artigo 38.º do Código do IMI.

No caso de «terrenos para construção», não só não é efetuada essa remissão genérica para o disposto nesse preceito, como também se estipulam critérios próprios para o cálculo do VPT dos prédios.

Por outro lado, uma interpretação do artigo 45.º do Código do IMI com base na similitude de situação entre os «terrenos para construção» e os edifícios construídos não tem o mínimo apoio na letra da lei, não sendo também admissível o recurso à analogia, não só porque não existe nenhuma lacuna normativa que seja suscetível de integração analógica, como também porque a integração por meio de analogia é proibida no tocante a matérias abrangidas pela reserva de lei parlamentar, nos termos do artigo 11.º, n.º 4, da LGT.

No sentido exposto aponta ainda a jurisprudência do STA, que tem vindo a considerar não serem aplicáveis, na avaliação de «terrenos para construção», os coeficientes de afetação e de qualidade e conforto, com base no entendimento de esses fatores apenas podem ser aferidos em relação a prédios já edificados (cfr. acórdãos do STA de 11 de novembro de 2009, Processo n.º 0765/09, de 20 de abril de 2016, Processo n.º 0824/15, e de 16 de maio de 2018, Processo n.º 0986/16).

A jurisprudência do STA tem também afastado o coeficiente de localização, na medida em que se entende que esse fator se encontra já contemplado na percentagem estabelecida no n.º 2 do artigo 45.º do Código do IMI (cfr. acórdãos do STA de 5 de Abril de 2017, Processo n.º 01107/16, e de 28 de junho de 2017, Processo n.º 0897/16).

Importa, por fim, referir que este entendimento jurisprudencial foi sufragado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em recurso por oposição de julgados, através do acórdão de 21 de setembro de 2016, no Processo n.º 01083/13, no qual se pode ler o seguinte:

«Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios [terrenos para construção] a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros

Nestes termos, a fixação do VPT de «terrenos para construção» com base na aplicação de coeficientes de afetação, qualidade e conforto, e localização mostra-se ser ilegal por violação do artigo 45.º do Código do IMI.

Acresce que, para além do exposto a respeito dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, a fórmula de cálculo utilizada pela Requerida na avaliação dos Terrenos para Construção considerou o valor base dos prédios edificados ao invés do valor médio de construção, por metro quadrado, em vigor sem aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, o qual estabelece que «o valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor».

Como resulta do teor daquele artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI a majoração de 25% nele prevista reporta-se apenas a «prédios edificados».

Ademais, o artigo 45.º do Código do IMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, não remete para o artigo 39.º do Código do IMI e não alude ao «valor base dos prédios edificados». Assim, é forçoso concluir que inexiste suporte legal para a aplicação da majoração prevista no artigo 39.º do Código do IMI na avaliação do VPT dos «terrenos para construção».

O que significa que na determinação dos VPT dos Terrenos para Construção pela Requerida não podiam ter sido aplicados os coeficientes do VPT (i.e., os coeficientes de afetação, qualidade e conforto, e localização), assim como não podia ter sido aplicada a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI que são, nos termos acima explicitados, exclusivamente aplicáveis aos prédios urbanos edificados.

Em conclusão, os atos tributários de liquidação de IMI e de AIMI, objeto da presente ação e identificados supra são parcialmente anuláveis por vício substantivo de erro nos pressupostos de direito, na parte em que tiveram como pressuposto um VPT em que foram considerados coeficientes de afetação, qualidade e conforto, e localização ao abrigo da fórmula do artigo 38.º do Código do IMI, bem como na parte em que foi aplicada a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.

Do quanto fica exposto resulta claro que esta conclusão tem por base a aplicação da lei, e não qualquer juízo de equidade.

Deve, assim, proceder integralmente o pedido efetuado pela Requerente, de anulação dos atos tácitos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido de anulação dos atos de liquidação de IMI e AIMI sub judice.

  1. Dos juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda a condenação da Requerida no reembolso dos montantes de IMI e AIMI indevidamente pagos pela Requerente, acrescidos dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor de 4% por ano sobre o valor de imposto pago em excesso, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, desde 30 de dezembro de 2022 (um ano após a apresentação de pedido de revisão oficiosa) até integral reembolso.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto pago em excesso.

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Em relação aos juros indemnizatórios, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT institui uma disciplina específica para os casos de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, constituindo-se a obrigação de indemnizar na esfera da Requerida somente depois de decorrido um ano a contar do pedido de revisão, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, salvo se o atraso não for imputável à AT (cf. acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 038/19, de 4 de novembro de 2020).

No caso sub judice, está em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de incidência tributária e ficou demonstrado que as liquidações de IMI e de AIMI padecem de erro de direito imputável à AT, vício para o qual o Requerente em nada contribuiu.

Assim, são devidos juros indemnizatórios, depois de decorrido um ano, contado da apresentação dos pedidos de revisão oficiosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, calculados com base nos valores de imposto indevidamente pago, a apurar em sede de execução da presente decisão arbitral.

  1. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:

  1. Julgar totalmente procedente o presente pedido arbitral, anulando totalmente as decisões de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados e anulando parcialmente as liquidações contestadas de IMI e AIMI supra identificadas nos termos acima expostos;
  2. Julgar totalmente procedente o pedido de condenação da Requerida ao reembolso das prestações tributárias de IMI e AIMI pagas em excesso;
  3. Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos prescritos supra.
  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de  44.002,46, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 2.142,00 de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, ficando o referido montante, na íntegra, a cargo da Requerida.

Notifique-se.

Lisboa, 6 de junho de 2023

O Árbitro,

 

Sérgio Santos Pereira