Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 464/2022-T
Data da decisão: 2023-04-03   
Valor do pedido: € 542.755,28
Tema: IMI – VPT dos terrenos para construção. Impugnabilidade de atos de liquidação ao abrigo do artigo 78.º da LGT.
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SUMÁRIO

  1. O artigo 45.º do Código do IMI é a norma específica que deve ser aplicada para determinar o valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção, não sendo de relevar para o efeito os coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI nem a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.
  2. Nos termos do Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Douto Supremo Tribunal Administrativo em 23-02-2023, processo n.º 0102/22.2BALSB, “Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”
  3. Apesar da não impugnabilidade (normal) de atos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT que lhes serviu de base, os n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT admitem a possibilidade (excecional) de revisão oficiosa de atos tributários (incluindo liquidações de IMI) “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.
  4. A interpretação da norma contida no n.º 4 do artigo 78.º da LGT que melhor se coaduna com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (ínsito no artigo 268.º, n.º 4, da CRP), o princípio da legalidade em matéria tributária (ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP), que exige que a AT apenas arrecade as quantias de imposto exigíveis nos termos da lei, e o princípio “pro actione”, ou “in dubio pro favoritate instanciae”, decorrente do artigo 7.º do CPTA (aplicável ex vi artigo do 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), determina que o prazo de três anos nela estabelecido tenha a data das liquidações de IMI impugnadas como termo inicial.

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dr. José Nunes Barata e Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Tributário em 07-10-2022, acordam no seguinte:

  1. RELATÓRIO

A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede no ..., concelho e distrito de Faro, ...-... ... (“Requerente”), na sequência do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado relativamente às liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.ºs 2017 ... de 07-03-2018, 2017 ... e 2017 ... de 08-06-2018, relativas ao ano de 2017, 2018 ... de 23-03-2019, 2018 ... de 23-03-2019, e 2018 ... de 14-09-2019, relativas ao ano de 2018, 2019 ..., 2019 ... e 2019 ... de 08-04-2020, relativas ao ano de 2019, 2020 ... de 07-04-2021, 2020 ... e 2020 ... de 16-06-2021, relativas ao ano de 2020 (“Liquidações Contestadas”), emitidas com referência aos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de..., concelho de Lagos, sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (“Terrenos para Construção”), veio, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), e 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitra (“PPA”) com vista à anulação total do referido ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (objeto imediato do PPA) e à anulação parcial das referidas liquidações de IMI, a ele subjacentes, no montante de € 542.755,28 (objeto mediato do PPA), bem como ao reembolso deste valor, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor de 4%.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral e o PPA foram apresentados no dia 01-08-2022, tendo sido aceites pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificados à Requerida.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 07-10-2022.

Em 14-11-2022, a Requerida apresentou resposta com defesa por exceção, juntando cópia de várias decisões arbitrais.

Em 18-11-2022, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho:

“(1) Considerando que as partes não arrolaram testemunhas nem requereram a produção de prova adicional, fica dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT;

(2) Notifique-se a Requerente para, querendo, e no prazo de 10 dias, responder às exceções invocadas pela Requerida na sua Resposta de dia 14 de novembro de 2022;

(3) Notifique-se as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas (i) no prazo (simultâneo) de 10 dias a contar da apresentação pela Requerente de requerimento em resposta às exceções invocadas pela Requerida, ou (ii) caso a Requerente assim não proceda, até o dia 10 de dezembro de 2022;

(4) Notifique-se as partes de que a decisão arbitral será proferida até ao final do prazo estabelecido no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT;

(5) Notifique-se a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até o dia 10 de dezembro de 2022.”

Em 02-12-2022, a Requerente pronunciou-se sobre a matéria de exceção contida na Resposta da Requerida, e em 12-12-2022 apresentou as suas alegações finais escritas.

Em 16-03-2023, a Requerida juntou aos autos o Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 23-02-2023 no processo 0102/22.2BALSB.

 

  1.  POSIÇÃO DAS PARTES

A Requerente fundamentou o PPA, em síntese, nos seguintes termos:

31º. Conforme adiantado supra, os Terrenos para Construção que foram objeto das Liquidações Contestadas foram avaliados de acordo com uma fórmula de cálculo ilegal da qual resultou um excesso bastante relevante de VPT e, por consequência, de IMI a pagar por referência aos anos de imposto de 2017, 2018, 2019 e 2020.”

“32º  As Liquidações Contestadas assentam em diversos erros na aplicação do direito que são inequivocamente imputáveis aos serviços da AT e dos quais resultou, igualmente, uma situação de injustiça grave ou notória, o que motivou a apresentação de um pedido de revisão oficiosa, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 78.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LGT, 44.º, n.º 1, alínea c), do CPPT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, cuja decisão de indeferimento tácito está na origem do presente pedido arbitral.”

2.1. QUESTÃO PRÉVIA: DA COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL PARA CONHECER DOPRESENTE PEDIDO ARBITRAL

“35º  O artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT estabelece que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.”

“36º  O mesmo resulta do artigo 2.º, n.º 1, al. a), da Portaria n.º 112-A/2011, através da qual a AT se vinculou à jurisdição arbitral.”

“40º  Do exposto resulta que o artigo 2.º, n.º 1, do RJAT abrange inequivocamente a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos de pedidos de revisão oficiosa que corresponde precisamente ao objeto imediato do pedido arbitral apresentado pela Requerente.”

“46º  Acresce que já foram proferidas diversas decisões arbitrais em processos cujos objetos mediatos eram precisamente decisões de indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa e cujas questões analisadas eram idênticas às que aqui se discutem, sendo inequívoca a competência material dos tribunais arbitrais para esse efeito - cf. V. a título meramente exemplificativo, as decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais 487/2020-T, 483/2020-T, 500/2020-T e 485/2020-T, 486/2020-T, 504/2020-T, 535/2021-T, entre muitos outros que serão objeto de análise detalhada adiante.”

2.2. DO RECURSO AO MECANISMO DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA

“64º  No caso em apreço, e tal como anteriormente referido, todos os pressupostos de revisão oficiosa estão preenchidos uma vez que: (i) o pedido de revisão oficiosa é da iniciativa da AT (embora a pedido da Requerente); (ii) o pedido de revisão oficiosa foi apresentado até ao termo do terceiro ano seguinte ao das Liquidações Contestadas que é o prazo mais curto estabelecido no n.º 4 do artigo 78.º da LGT; e (ii) os erros (na aplicação do direito) que inquinam de ilegalidade e determinam a anulabilidade das Liquidações Contestadas são erros imputáveis aos serviços (sendo certo que no caso em análise e como veremos adiante, nem seria necessário demonstrar que as Liquidações Contestadas assentam em erros imputáveis aos serviços para que a AT estivesse obrigada a promover a revisão oficiosa de tais liquidações ao abrigo do artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI) e, ainda que assim não se entenda, a situação em análise configura uma situação de injustiça grave ou notória que não é imputável a qualquer comportamento negligente da Requerente (o que se alegou no pedido de revisão oficiosa e que se alega no presente pedido arbitral a título subsidiário).”

“65º  Nestes termos, não pode a Requerente deixar de concluir pela verificação de todos os pressupostos da revisão oficiosa das Liquidações Contestadas por iniciativa da AT (embora a pedido da Requerente) e, consequentemente, pela idoneidade do pedido de revisão oficiosa apresentado, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 78.º da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI.”

“66º  Note-se que a possibilidade de apresentação de pedido de revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços e em injustiça grave ou notória em casos idênticos àquele que ora se analisa resulta não só (de forma clara) das normas legais acima reproduzidas como já foi confirmado TCA Sul em Acórdão proferido em 31.10.2019 no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS disponível para consulta em www.dgsi.pt e, mais recentemente, nas decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais 487/2020-T, 483/2020-T, 500/2020-T, 41/2021-T, 485/2020-T, 673/2021-T, 535/2021-T, 602/2021-T, 385/2021-T, 634/2021-T, 297/2021-T e 759/2020-T que serão objeto de análise mais detalhada no ponto 2.3.1 infra.”

2.2.2. Da tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado

“73º  Relativamente ao segundo requisito acima identificado, a Requerente dispunha:

  1. de um prazo de quatro anos a contar da data das liquidações para solicitar a revisão oficiosa dos atos tributários com fundamento em erro imputável aos serviços ; e,
  2. de um prazo até ao final do terceiro ano seguinte ao ano em que foram emitidos os atos tributários para solicitar a revisão oficiosa dos atos tributários com fundamento em injustiça grave ou notória.”

“76º   Ora conforme demonstrado, as Liquidações Contestadas foram emitidas em 2018, 2019, 2020 e 2021, pelo que é evidente que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro dos prazos ao dispor da Requerente nos termos legalmente previstos – cf. artigo 78.º, n.º s 1 e 4, da LGT – sem aplicação da suspensão dos prazos que vigorou entre os dias 08.03.2020 e 02.06.2020 nos termos da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03.2020, que estabeleceu diversas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS – CoV -2 e da doença COVID -19.”

“77º  Já no caso da apresentação de pedido de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória, o prazo para o efeito apenas terminaria em 31.12.2021, 31.12.2022, 31.12.2023 e 31.12.2024 relativamente às liquidações de IMI emitidas em 2018, 2019, 2020 e 2021 por referência aos anos de imposto de 2017, 2018, 2019 e 2020, respetivamente (sempre sem aplicação da suspensão dos prazos que vigorou entre os dias 08.03.2020 e 02.06.2020 nos termos da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03.2020, que estabeleceu diversas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS – CoV -2 e da doença COVID -19).”

“80º  Tendo a Requerente apresentado pedido de revisão oficiosa no dia 30.12.2021 – cf. Doc. 1 junto – é evidente que o mesmo foi apresentado no prazo legal que a Requerente dispunha para o efeito sendo, por conseguinte, evidente que o segundo pressuposto de recurso ao mecanismo do pedido de revisão oficiosa está verificado.”

2.2.3. Dos fundamentos do pedido de revisão oficiosa

(A) Do fundamento principal do pedido de revisão oficiosa: Do erro imputável aos serviços

“84º  Como entende a Requerente que ficou demonstrado, no pedido de revisão oficiosa apresentado, as Liquidações Contestadas assentam em erros grosseiros na aplicação do direito inequivocamente imputáveis aos serviços da AT.”

“85º  Erros esses que são, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, fundamento da apresentação do pedido de revisão oficiosa.”

“108º  Neste contexto, cumpre reiterar que a posição da Requerente nesta matéria já foi confirmada no Acórdão proferido pelo TCA Sul em 31.10.2019 no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS acima enunciado e, mais recentemente, pelos tribunais arbitrais nas decisões arbitrais (i) de 24 de junho de 2021 proferida o processo arbitral n.º 500/2020-T, (ii) de 30 de junho de 2021 proferida no processo arbitral n.º 483/2020-T, e (iii) de 10 de agosto de 2021 proferida no processo arbitral n.º 485/2020-T; (iv) de 27 de maio de 2022 proferido no processo 673/2021-T; (v) de 6 de maio de 2022 proferido no processo 535/2021-T; (vi) de 29 de abril de 2022 proferido no processo 602/2021-T; (vii) de 19 de abril de 2022 proferido no processo 385/2021-T; (viii) de 13 de abril de 2022 proferido no processo 634/2021-T; (ix) de 22 de fevereiro de 2022 proferido no processo n.º 297/2021-T; (x) de 4 de outubro de 2021 proferido no processo 759/2020-T; (xi) de 19 de julho de 2022 proferida no processo 807/2021-T; (xii) de 24 de junho de 2022 proferido no processo 670/2021-T; (xiii) de 22 de junho de 2022 proferido no processo 663/2021-T; (xix) de 21 de junho de 2022 proferido no processo 55/2022-T; (xv) de 5 de maio de 2022 proferido no processo 532/2021-T; (xvi) de 4 de maio de 2022 proferido no âmbito do processo n.º 497/2021-T; (xvii) de 6 de abril de 2022 proferido no âmbito do processo 664/2021-T; (xviii) de 24 de março de 2022 proferido no âmbito do processo 615/2021-T; (xix) de 9 de março de 2022 proferido no âmbito do processo 540/2021-T, (xx) de 4 de março de 2022 proferida no processo 395/2021-T; (xxi) de 25 de fevereiro de 2022 proferida no processo 617/2021-T; (xxi) de 12 de janeiro de 2022 proferida no processo n.º 408/2021-T, que serão objeto de análise detalhada no ponto 2.3.1 infra.”

(B) Do fundamento subsidiário do pedido de revisão oficiosa: Da situação de injustiça grave ou notória

“109º  Conforme referido supra, dos erros na aplicação do direito (exclusivamente imputáveis à AT) resultou uma coleta em IMI bastante superior àquela que seria devida nos termos legais, o que é igualmente suscetível de configurar uma situação de injustiça grave ou notória.”

“110º  Por conseguinte, a Requerente tinha, igualmente, a faculdade de apresentar pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, com fundamento em injustiça grave ou notória, o que fez nos termos e no prazo previsto na lei (ainda que a título meramente subsidiário).”

“120º  No caso em apreço, resulta patente que existe uma desproporção bastante relevante entre o IMI que a Requerente deveria ter pago por referência aos anos de imposto de 2017, 2018, 2019 e 2020 e o IMI que a AT liquidou e que a Requerente se viu forçada a pagar por referência a tais anos de imposto.”

“122º  O excesso da coleta em IMI resultante dos erros na fórmula de cálculo utilizada pela AT para avaliar os Terrenos para Construção consubstancia ademais uma situação de injustiça ostensiva na medida em que acarreta, de forma evidente e clara, uma tributação ostensivamente desproporcionada com a realidade.”

“123º  Assim, a situação resultante dos erros na avaliações dos Terrenos para Construção é, para além de grave, também notória, verificando-se ser patente, ostensiva e inequívoca.”

“124º  Para além do exposto, cumpre ainda reiterar que a situação de injustiça grave ou notória acima descrita resulta exclusivamente da atuação (ilegal) da AT na medida em que é a AT que concretiza os procedimentos de avaliação dos prédios para efeitos fiscais, que tem a competência de fixar os VPTs dos mesmos e de emitir as liquidações de IMI com base nos VPTs inscritos, pela AT, na matriz predial após a conclusão dos procedimentos de avaliação.”

“127º Tendo a AT aplicado uma fórmula de cálculo dos VPTs dos Terrenos para Construção ostensivamente ilegal (conforme já foi confirmado, mais de vinte vezes, pelos tribunais superiores e arbitrais), é evidente que a situação de injustiça grave ou notória em análise não é imputável a qualquer comportamento negligente da Requerente mas antes e exclusivamente aos erros na aplicação do direito cometidos pela AT.”

“129º  Em face do exposto e estando preenchidos todos os pressupostos de que depende a revisão oficiosa das Liquidações Contestadas com fundamento em injustiça grave ou notória (fundamento este que, conforme assinalado supra, foi suscitado a título subsidiário e sem conceder no fundamento de erro imputável aos serviços), a AT estava obrigada a emitir pronúncia no prazo legal de 4 meses a contar da apresentação do pedido de revisão oficiosa por parte da Requerente.”

“131º  Neste contexto, cumpre reiterar que a posição da Requerente nesta matéria já foi confirmada no Acórdão proferido pelo TCA Sul em 31.10.2019 no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS acima enunciado e, mais recentemente, pelos tribunais arbitrais nas decisões arbitrais (i) de 10 de maio de 2021 proferida no processo arbitral n.º 487/2020-T, (ii) de 24 de junho de 2021 proferida o processo arbitral n.º 500/2020-T, (iii) de 30 de junho de 2021 proferida no processo arbitral n.º 483/2020-T, (iv) de 27 de julho de 2021 proferida no processo arbitral n.º 41/2021-T; (v) de 10 de agosto de 2020 proferida no processo arbitral n.º 485/2020-T; (vi) de 27 de maio de 2022 proferido no processo 673/2021-T; (vii) de 6 de maio de 2022 proferido no processo 535/2021-T; (viii) de 29 de abril de 2022 proferido no processo 602/2021-T; (ix) de 19 de abril de 2022 proferido no processo 385/2021-T; (x) de 13 de abril de 2022 proferido no processo 634/2021-T; (xi) de 22 de fevereiro de 2022 proferido no processo n.º 297/2021-T; (xii) de 4 de outubro de 2021 proferido no processo 759/2020-T; (xiii) de 19 de julho de 2022 proferida no processo 807/2021-T”.

2.3. DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES CONTESTADAS E DA DECISÃO DE INDEFERIMENTO TÁCITO DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA APRESENTADO

“155º  Do exposto resulta que o facto de a Requerente não ter contestado o resultado de eventuais avaliações dos Terrenos para Construção que tenham sido concretizadas, pela AT, em violação grosseira das normas legais que postulam a avaliação dos terrenos para construção, não faz precludir o seu direito de solicitar a revisão oficiosa da liquidação emitida por referência a VPTs fixados de forma ilegal, quer com fundamento em erros imputáveis aos serviços quer com fundamento em injustiça grave ou notória, e assim recuperar (pelo menos) o imposto pago em excesso por referência aos últimos quatro anos.”

“169º  Note-se que a posição da Requerente nesta matéria é não só aquela que resulta, de forma clara, das normas aplicáveis nesta matéria - maxime, dos artigos 78.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI - como também a interpretação das referidas normas que, entre eventuais interpretações possíveis, se afigura mais conforme à CRP, tendo já sido confirmada quer pelo TCA Sul quer pelos tribunais arbitrais nos processos acima enunciados sem qualquer pretensão de análise exaustiva.”

 

  1. Da exigência de uma interpretação dos artigos 78.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI conforme à CRP

172º  Conforme salienta RUI DE MEDEIROS, a interpretação conforme à CRP impõe que, na interpretação da lei, o intérprete opte por “(...) aquela [interpretação] que torna [a lei] compatível com a Constituição”, ou, na eventualidade de nenhuma das interpretações se afigurar desconforme à CRP, através daquela que “melhor corresponda às decisões do legislador constitucional” impondose sempre uma “interpretação orientada para a Constituição” - cf. do autor, A decisão de inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei, Lisboa, 1999.”

“176º  A CRP, no seu n.º 2 do artigo 266.º, impõe à AT, na sua atuação, o respeito pelos seguintes princípios: (i) igualdade, (ii) proporcionalidade, (iii) justiça, (iv) imparcialidade e (v) boa-fé.”

177º  Em decorrência de tal imposição constitucional, veio o legislador fiscal verter no artigo 55.º da LGT que: “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.

“180º  Resulta assim dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da imparcialidade e da boa-fé que a AT não poderá nunca alhear-se dos resultados práticos da aplicação e interpretação que faz da lei, o que é particularmente evidente em casos como o que ora se analisa em que a AT fez, pelo menos desde a entrada em vigor do Código do IMI, uma aplicação e interpretação ilegais das normas que postulam a avaliação dos terrenos para construção da qual resultou um excesso de coleta de IMI, de Imposto do Selo da Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo e de IMI bastante relevante pago por todos os contribuintes titulares de terrenos para construção.”

“183º  Já no que diz respeito ao princípio da igualdade “(...) a que as autoridades administrativas estão expressamente vinculadas (artigo 266º, n.º 2 da C.R.P)” conforme salientou o TCA Sul em Acórdão de 26.06.2014 proferido no âmbito do processo n.º 07700/14, o mesmo encontra-se genericamente previsto no artigo 13.º, n.º 1, da CRP nos termos do qual: “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”

“187º  Ora, uma interpretação diferente da propugnada pela Requerente e pelos tribunais superiores nos termos da qual, em caso de erros da AT na fórmula de cálculo de ativos imobiliários dos quais tenha resultado um excesso relevante da coleta de IMI, os sujeitos passivos podem lançar mão do mecanismo de revisão oficiosa e a AT está obrigada: (i) a rever oficiosamente as liquidações, (ii) a repor a legalidade; e, (iii) a reembolsar os impostos pagos em excesso pelos contribuintes é ostensivamente desconforme ao princípio da igualdade tributária e deve ser afastada por este douto Tribunal Arbitral, com todas as consequências legais.”

“188º  Com efeito, todos os contribuintes (sem exceção) devem ter o direito de recuperar os impostos pagos em excesso em resultado de erros da AT (ainda que com o limite de quatro anos, que já é suficientemente penalizador dos contribuintes que pagaram impostos em excesso).”

“189º  Por fim, no que diz respeito ao princípio da legalidade tributária, estabelece o 103.º, n.º 3, da CRP que: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

“198º  Em face da absoluta inércia da AT, não restou alternativa à Requerente que não fosse apresentar o presente pedido arbitral contra a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, o que fez nos termos e nos prazos previstos na lei.”

“199º  E não pretendendo a AT repor oficiosamente a legalidade e a justiça no caso em análise, é firme entendimento da Requerente que caberá aos tribunais e, em concreto, a este douto Tribunal Arbitral Coletivo a última palavra e a oportunidade histórica de contribuir para a reposição (ainda que meramente parcial) da legalidade e da justiça material do caso, em cumprimento dos princípios constitucionais da proibição da denegação da justiça e da tutela judicial efetiva, por um lado, e da justiça tributária, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, por outro lado, os quais estão constitucionalmente consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, e 13.º da CRP.”

“200º  Devendo este douto tribunal adotar a interpretação mais conforme à CRP do disposto nos artigos 78.º, n.ºs 1, 4 e 5 da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI e anular quer a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado (ato imediato do presente pedido arbitral) quer as Liquidações Contestadas (ato mediato do presente pedido arbitral) por forma a impedir: (i) que a Requerente seja obrigada a pagar imposto em excesso em resultado de erros da AT; (ii) a manutenção de uma situação de enriquecimento ilícito e sem causa da AT; e (iii) a manutenção de uma situação de injustiça grave ou notória.”

(C) Da interpretação das regras de determinação do VPT dos terrenos para construção à luz da doutrina e da jurisprudência consolidada dos tribunais superiores

“225º  De facto, os tribunais superiores têm vindo a decidir, de forma reiterada e uniforme, que na fixação dos VPTs dos terrenos para construção não será de aplicar a fórmula de cálculo prevista no artigo 38.º do Código do IMI para os prédios edificados.”

“274º  Do exposto resulta que a majoração de 25% estabelecida no artigo 39.º do Código do IMI aplicase exclusivamente aos prédios edificados, não devendo ser considerada na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção.”

“283º  Assim, na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção a AT não poderia ter aplicado os coeficientes multiplicadores do VPT (v.g. coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto), assim como não podia ter aplicado a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI que são, nos termos acima explicitados, exclusivamente aplicáveis aos prédios urbanos edificados.”

(D) Conclusão: Da ilegalidade das Liquidações Contestadas e da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado

“300º  Do exposto resulta que, conforme referido supra, apenas com a Lei do Orçamento do Estado para 2021 (em vigor desde 1 de janeiro de 2021): (i) deixou de existir referência expressa aos prédios edificados nos artigos 39.º e 41.º do Código do IMI; e, (ii) passou a estabelecer-se a possibilidade de aplicação dos coeficientes de afetação e de localização na avaliação dos terrenos para construção ao abrigo do artigo 45.º do Código do IMI, sendo consequentemente ostensiva a ilegalidade dos procedimentos prévios implementados pela AT para servir de base às avaliações dos terrenos para construção e às Liquidações Contestadas.”

“301º  Acresce que, conforme demonstrado no presente pedido arbitral, a interpretação da Requerente do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, é a interpretação que, dentro de eventuais interpretações possíveis, é aquela que mais se conforma com os princípios constitucionais da justiça, da legalidade tributária e da igualdade tributária.”

“302º  Deve, pois, concluir-se que as Liquidações Contestadas e a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que manteve tais liquidações na ordem jurídica padecem de diversos erros grosseiros na aplicação do direito, o que inquina de ilegalidade e deverá determinar a anulabilidade dos referidos atos (tributário e em matéria tributária).”

“303º  Anulação que desde já se requer nos termos e para os efeitos previstos no artigo 163.º do CPA aplicável ex vi do artigo 29.º, alínea d), do RJAT e com todas as consequências legais.”

 

2.4. Do direito da Requerente a juros indemnizatórios

“310º Em face do exposto, dúvidas não deverão restar de que a Requerente têm direito a juros indemnizatórios.”

“311º  Termos em que tendo a Requerente pago um montante de IMI em excesso por referência ao anos de imposto de 2017, 2018, 2019 e 2020 no valor agregado de € 542.755,28, e devendo as Liquidações Contestadas (e a decisão de indeferimento tácito que manteve tais liquidações na ordem jurídica) ser anulada, são devidos juros indemnizatórios sobre o valor do imposto pago em excesso, calculados à taxa legal em vigor de 4% por ano nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, desde 30 de dezembro de 2022 (um ano após a apresentação de pedido de revisão oficiosa) até integral reembolso.”

 

A Requerida respondeu, defendendo-se por exceção, em síntese, nos seguintes termos:

“A. Não está legalmente prevista a dedução de pedido de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores, pelo que a pretensão da Requerente carece de fundamento legal;

B. O ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica, tendo a força de caso julgado;

C. Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pelo que o ato de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade.

D. E, mesmo que assim não se entendesse, o que por hipótese se admite, o pedido de revisão oficiosa sempre seria intempestivo face aos prazos previstos no artigo 78.º da LGT;

E. Sendo que a final sempre se concluiria no sentido de já ter decorrido o prazo de 5 anos em que seria possível a para anulação do ato.”

            Em resposta a estas exceções, a Requerente argumentou, no essencial, o seguinte:

Da falta de enquadramento legal de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais

9º  Ora, conforme ficou demonstrado quer no pedido de revisão oficiosa apresentado quer no pedido arbitral na origem do presente processo arbitral, a possibilidade de apresentação de pedido de revisão oficiosa em casos como o que ora se analisa foi expressamente confirmada em acórdão do TCA Sul, de 31.10.2019, proferido no âmbito do processo 2765/12.8BELRS junto ao pedido arbitral como Doc. 4 e objeto de análise detalhada no pedido arbitral apresentado.”

Da consolidação do “ato que fixou o VPT” e da inimpugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação do VPT

“32º  O facto de os atos de fixação do VPT serem autonomamente sindicáveis (o que é uma evidência) não permite concluir (nem a Requerida esclarece como chega a tal conclusão) que os atos de liquidação com base neles emitidos – os verdadeiras atos lesivos de direitos e interesses e cuja tutela jurisdicional efetiva a CRP garante – não sejam naturalmente sindicáveis.”

“45º  Acresce que o regime regra que vigora no ordenamento jurídico-tributário é o da impugnação unitária, pelo que a ser aplicável alguma exceção a tal regime no caso em análise sempre teria de ter como finalidade o reforço das garantias dos contribuintes que passariam a poder reagir imediatamente contra atos lesivos, e não, como a Requerida parece pretender, a eliminação total das garantias dos contribuintes e do direito que lhes assiste de solicitar à AT que reveja atos tributários ostensivamente ilegais onde se constate que foi liquidado imposto em excesso aos contribuintes em resultado de atos prévios ou preparatórios dos procedimentos de avaliação.”

“82º  Note-se que tendo em conta a particularidade do caso em análise em que está em causa a ilegalidade de uma fórmula de cálculo, sem assento legal, criada pela AT e assumida no sistema de avaliações de todos os terrenos para construção e da qual resultou que os contribuintes estiveram a pagar impostos em excesso pelo menos durante dezassete anos, o precedente do TCA Sul invocado pela Requerente no seu pedido arbitral e a jurisprudência fiscal arbitral proferida em casos idênticos ao que ora se analisa e que foi objeto de análise pela Requerente não podem deixar de ser tidos em conta nos presentes autos na medida em que, naqueles processos, o TCA Sul e os Tribunais Arbitrais decidiram que os contribuintes têm efetivamente direito a solicitar a revisão oficiosa de liquidações através do mecanismo previsto nos termos do artigo 78.º da LGT, com fundamento em erro imputável aos serviços e / ou com fundamento em injustiça grave ou notória (como fez a Requerente que apresentou pedido de revisão oficiosa com os dois fundamentos).”

“83º  No presente caso, nenhum erro pode ser imputado à Requerente na medida em que a mesmo declarou corretamente todos os elementos dos terrenos para construção nas Declarações Modelo 1 do IMI submetidas e confiou que a fórmula pré-fixada pela AT e assumida automaticamente pelo sistema como ato preparatório dos atos de avaliação teria sido criada em conformidade com a lei (importa não esquecer que, como a própria Requerida alega na sua Resposta, a AT está efetivamente vinculada ao princípio da legalidade tributária, com assento constitucional).”

Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa

“102º  Em primeiro lugar, cumpre desde logo assinalar que as Liquidações Contestadas cuja revisão oficiosa foi pedida e cujo indeferimento tácito nesta sede se contesta foram emitidas em 2018, pelo que o pedido apresentado pelo Requerente em 30.12.2021 sempre respeitaria o referido prazo mais curto previsto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT.”

“103º  Não compreende, pois, a Requerente (e a Requerida não esclarece na sua Resposta), como conclui, mesmo naquela sua teoria de aplicação do prazo mais curto previsto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, pela intempestividade do pedido de revisão oficiosa.”

“104º  Na verdade, e mesmo que assim fosse (aplicando-se o prazo mais curto previsto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT para apresentação de pedidos de revisão oficiosa), o Requerente dispunha de um prazo até ao termo do terceiro ano subsequente ao ano das liquidações (atos tributários, na terminologia legal), pelo que se estas foram emitidas em 2018, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa apenas terminaria em 31.12.2021.”

“111º  Em todas as referidas decisões os tribunais arbitrais confirmam que, mesmo em casos como o que ora se analisa, o prazo para apresentação de pedido de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória conta-se a partir do ano em que são emitidas as liquidações de imposto (i.e., os atos tributários cuja revisão foi solicitada), sendo totalmente irrelevante a data de emissão dos eventuais atos de fixação do VPT.”

 

Nas alegações finais escritas, a Requerente reiterou a sua posição vertida no PPA e neste requerimento.

 

  1.   SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

O PPA apresentado em 01-08-2022 é tempestivo, porquanto foi apresentado no prazo de 90 dias referido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (de 30-12-2021) que se formou a 30-04-2022, nos termos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT.

É admitida a cumulação de pedidos, face ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, sempre que, como é o caso, “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

O processo não enferma de nulidades. As exceções suscitadas pela Requerida serão analisadas depois de apreciada a matéria de facto.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

§1. Factos provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A avaliação pela AT dos rerrenos para construção com o artigo matricial identificado infra, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lagos, e a fixação dos respetivos VPTs ocorreu nas seguintes datas (cf. alegado no artigo 11.º da Resposta da AT, e não contestado pela Requerente):

- 19-02-2009: U-...;

- 16-11-2012: U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... .

- 17-11-2012: U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... .

- 18-11-2012: U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... .

- 11-12-2012: U-... .

- 22-04-2016: U-... .

- 18-03-2017: U-... .

  1. Em 31.12.2017 a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lagos, sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (cf. cadernetas prediais juntas ao PPA como Documento 2).
  2. Por referência a 31.12.2018 a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de..., concelho de Lagos, sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (cf. cadernetas prediais juntas ao PPA como Documento 2).
  3. Em 31.12.2019 a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lagos, sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (cf. cadernetas prediais juntas ao PPA como Documento 2).
  4. Por sua vez, em 31.12.2020 a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lagos, sob os seguintes artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (cf. cadernetas prediais juntas ao PPA como Documento 2).
  5. A AT fixou o VPT destes Terrenos para Construção tendo em consideração coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI (nomeadamente, coeficientes de localização e de afetação), bem como a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI (cf. cadernetas prediais juntas ao PPA como Documento 2).
  6. A Requerente foi notificada e procedeu ao pagamento do valor indicado nas liquidações de IMI n.ºs 2017 ... de 07-03-2018, 2017 ... e 2017 ... de 08-06-2018, relativas ao ano de imposto de 2017, no valor de € 205.409,19; 2018  ... de 23-03-2019, 2018 ... de 23-03-2019 e 2018 ... de 14-09-2019, relativas ao ano de imposto de 2018, no valor de € 200.426,24; 2019 ..., 2019 ... e 2019 ..., de 08-04-2020, relativas ao ano de imposto de 2019, no valor de € 195.379,13; 2020 ... de 07-04-2021, 2020 ... e 2020 ... de 16-06-2021, relativas ao ano de imposto de 2020, no valor de € 187.180,89 (cf. liquidações de IMI e respetivos comprovativos de pagamentos juntos ao PPA como Documento 3).
  7. Caso o VPT dos Terrenos para Construção supra identificados tivesse sido fixado sem considerar coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, ou a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, o montante do IMI liquidado e pago com referência aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 teria sido inferior ao referido na alínea (g), sendo a diferença de € 542.755,28 (cf. alegado pela Requerente nos artigos 14.º e 18.º do PPA, e não contestado pela Requerida).
  8. Em 30-12-2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra as Liquidações Contestadas, com fundamento quer em erro imputável aos serviços, quer em injustiça grave ou notória (nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LGT), solicitando a anulação parcial das mesmas liquidações por entender que assentaram em VPTs determinados com base numa fórmula de cálculo ilegal (cf. Documento 1 junto ao PPA).
  9. A AT não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro meses referido no artigo 57.º, n.º 1, da LGT (cf. alegado pela Requerente no artigo 26.º do PPA, e não contestado pela Requerida).
  10. A Requerente apresentou o PPA no dia 01-08-2022.

 

§2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

 

 

§3. Fundamentação da matéria de facto

            Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

            Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação. 

Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos ao PPA. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questões a decidir

            O PPA tem por objeto imediato a apreciação da legalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 30-12-2021, ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 1, 4 e 5 da LGT, e por objeto mediato a apreciação da legalidade das Liquidações Contestadas.

            Tendo a Requerida suscitado exceções suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, o Tribunal apreciará primeiramente tais exceções, e, seguidamente, caso se pronuncie pela improcedência das mesmas, os vícios alegados pela Requerente suscetíveis de determinar a ilegalidade e consequente anulação do referido indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas (cf. artigo 89.º do CPTA e artigos 278.º e 608.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e), do RJAT).

            Tendo em consideração a posição das partes e a matéria de facto dada como provada, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Exceções:
  1. Da falta de enquadramento legal de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais;
  2. Da consolidação do “ato que fixou o VPT” e da inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação do VPT;
  3. Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa;
  4. Do regime de anulação do ato administrativo.
  1. Da anulação do ato de indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas.
  2. Do pedido de reembolso e dos juros indemnizatórios.

 

§2. Exceções dilatórias

  1. Da falta de enquadramento legal de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais

A Requerente veio, através do PPA que apresentou a 01-08-2022, impugnar o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou em 30-12-2021, e as Liquidações Contestadas objeto deste pedido, com fundamento em vícios dos atos de fixação dos VPTs dos Terrenos para Construção identificados supra, pedindo a respetiva anulação. A Requerente não pediu a anulação dos atos de fixação do VPT dos referidos Terrenos para Construção.

A Requerida alega que os atos de avaliação patrimonial não são atos tributários, nem atos de apuramento da matéria tributável, pelo que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente ao abrigo do artigo 78.º da LGT não constitui meio impugnatório idóneo.

A este respeito, cumpre sublinhar que os atos de avaliação patrimonial constituem atos de apuramento da matéria tributável. Acresce que, no caso sub judice, não está em causa um pedido de revisão oficiosa de atos de avaliação patrimonial (como parece sugerir a Requerida), mas um pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI, ou seja, de atos tributários. Consequentemente, o pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT constitui um meio idóneo para a Requerente impugnar as liquidações de IMI em causa.

Improcede, assim, a primeira exceção suscitada pela Requerida.

 

  1. Da consolidação do “ato que fixou o VPT” e da inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação do VPT

Defende a Requerida que (i) o ato de fixação do VPT é um ato destacável, autonomamente impugnável, que se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, se não for impugnado nos termos e prazos legalmente fixados (i.e., mediante o pedido de uma 2.ª avaliação e subsequente impugnação da mesma), e que (ii) os vícios dos atos de fixação do VPT não são sindicáveis aquando da impugnação das liquidações de imposto neles baseadas, ou da impugnação das decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa que versem sobre as referidas liquidações de imposto (conforme resulta da exceção contida nos artigos 86.º da LGT e 134.º do CPPT ao princípio da impugnação unitária).

Por sua vez, a Requerente defende que os atos de liquidação de IMI podem ser impugnados com fundamento na errónea fixação do VPT, citando o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31-10-2019, processo n.º 2765/12.8BELRS, bem como inúmeras decisões arbitrais.

Sintetizadas as posições das partes, cumpre sublinhar que, até à data, a jurisprudência arbitral não é unânime quanto a estas questões. Aliás, foi a oposição entre duas decisões arbitrais que deu origem ao Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 23-02-2023, processo n.º 0102/22.2BALSB. Mais precisamente, a oposição entre o Decisão Arbitral proferida em 20-06-2022, no processo n.º 652/2021-T (decisão recorrida), e a Decisão Arbitral proferida em 05-05-2022, no processo n.º 835/2021-T (decisão fundamento), que cumpre analisar.

Na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 835/2021-T (decisão fundamento), o Tribunal concluiu que a legalidade dos atos de liquidação de AIMI pode ser apreciada no âmbito de um pedido de revisão oficiosa com base em vícios imputáveis aos atos de fixação do VPT. O Tribunal Arbitral Coletivo considerou o prazo de quatro anos para apresentação do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º da LGT.

Na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 652/2021-T (decisão recorrida), o Tribunal concluiu que:

“I – Não é admissível a impugnação de liquidações de IMI ou AIMI com fundamento em ilegalidade na fixação, sem contestação, dos valores patrimoniais tributários constantes da matriz em 31 de dezembro dos anos a que respeitavam essas liquidações. II – A fixação de valor patrimonial tributário constitui ato destacável que não pode ser apreciado em processo de impugnação de liquidações de IMI e AIMI emitidas com base nesse valor.”

Para o Tribunal Arbitral Coletivo, a legalidade dos atos de liquidação de IMI e AIMI não podia ser apreciada no âmbito de um pedido de revisão oficiosa:

“se os VPT’s tinham sido consolidados, não pode o contribuinte a posteriori vir por em causa a legalidade das liquidações com fundamento na ilegalidade dos VPT’s.

Isto porque os atos de avaliação de valores patrimoniais (VPT’s) previstos no CIMI são atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa e que, como tal, sujeitos a impugnação autónoma, daí resultando, como consequência, que não tendo havido essa impugnação autónoma, a alegada ilegalidade do ato de liquidação não pode ser fundada em pretensa ilegalidade na fixação dos VPT’s em que se fundou.”

Mas o Tribunal Arbitral neste processo arbitral acabou por admitir a possibilidade legal de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT (concluindo, no entanto, pela intempestividade do pedido de revisão oficiosa com base nestes preceitos).

Foi desta Decisão Arbitral que o sujeito passivo interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 25.º, n.ºs 2 a 4, do RJAT, por entender que a mesma se encontrava em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 835/2021-T (decisão fundamento). E foi no âmbito deste recurso que, recentemente, o Douto Supremo Tribunal Administrativo proferiu o Acórdão de uniformização de jurisprudência no processo n.º 0102/22.2BALSB.

No sumário deste Acórdão pode ler-se o seguinte:

“Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”

O Supremo Tribunal Administrativo identificou a questão decidenda no âmbito deste recurso como a questão “de saber se deixando um contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, poderá ainda assim arguir a ilegalidade das liquidações de AIMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPT’s que serviram de base às liquidações”. E a este propósito o Douto Tribunal disse seguir “a posição deste Tribunal sobre a matéria, no sentido de não ser possível invocar na impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação, vícios inerentes ao ato de fixação do valor patrimonial do imóvel que lhe serviu de base tributável (cf. entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13/07/2016, proferido no processo 0173/16, consultável em www.dgsi.pt).” Esta posição foi sustentada nos seguintes termos:

“Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. O primeiro dispositivo legal estabelece que os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária (n.º 1), mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 2). O segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece que “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.

Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).

No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7).

Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.

Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.

O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.

Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.

Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).

Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.

De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.

O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).

Aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 472) “Neste caso da avaliação directa da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do at.º 86.º da LGT, embora a contrario, que a invocação das ilegalidades de actos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86.º da LGT da impugnação de actos de avaliação directa e de avaliação indirecta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indirecta, a possibilidade de invocação das respectivas ilegalidades na impugnação do acto de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tal é possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referência cumulativa à generalidade de actos de avaliação da matéria tributável.”

Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.”

Da leitura deste Acórdão de uniformização de jurisprudência resulta claro e evidente que o Douto Supremo Tribunal Administrativo pretendeu afastar a possibilidade dos sujeitos passivos contestarem a legalidade de liquidações de IMI e AIMI, com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT a elas subjacente, através de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT.

Independentemente da posição dos ora signatários em Decisões Arbitrais anteriores, os mesmos aceitam o carácter orientador e persuasivo do Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB. Nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”

Para além do âmbito do Acórdão de uniformização de jurisprudência em apreço, e não abrangida pelo seu carácter orientador e persuasivo, ficou a possibilidade (excecional) de impugnar liquidações de IMI e AIMI através de pedido de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave e notória, ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, no qual se pode ler:

“4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. 

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.”

            Tal como referido na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 41/2021-T, em 27-07-2021, “Diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no n.º 3 do artigo 78.º da LGT”.

Ora, o Acórdão de uniformização de jurisprudência em causa apenas rejeita a possibilidade de revisão oficiosa com fundamento em ilegalidade (nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT), não referindo ou excluindo a possibilidade de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave e notória (nos termos do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT).

Conclui-se, assim, que do Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB não resulta uma preclusão absoluta da possibilidade dos sujeitos passivos arguirem a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI e AIMI emitidos com base no mesmo.

Esta questão é relevante no caso sub judice na medida em que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente contra as Liquidações Contestadas é fundado subsidiariamente em injustiça grave e notória, ou seja, no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT.

Neste contexto, interessa relembrar que a possibilidade de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave e notória (nos termos do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT) tem sido suportada por inúmeras Decisões Arbitrais, não obstante existir uma divergência quanto ao termo inicial do prazo de “três anos posteriores ao do acto tributário” referido no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

            Enquanto uma orientação jurisprudencial defende que o termo inicial do prazo de três anos se conta com referência à data das liquidações de IMI / AIMI impugnadas (e.g., Decisão Arbitral de 10-05-2021, processo n.º 487/2020-T; Decisão Arbitral de 24-06-2021, processo n.º 500/2020-T; Decisão Arbitral da 27-07-2021, processo n.º 41/2021-T; Decisão Arbitral da 08-11-2022, processo n.º 339/2022-T; Decisão Arbitral da 09-01-2023, processo n.º 511/2022-T; Decisão Arbitral da 26-01-2023, processo n.º 566/2022-T), outra orientação jurisprudencial defende que termo inicial do referido prazo de três anos se conta com referência às data dos atos de fixação de VPT em causa (e.g., Decisão Arbitral de 30-04-2021, processo n.º 540/2020-T; Decisão Arbitral da 02-12-2022, processo n.º 338/2022-T). Sem surpresa, a Requerente suporta a primeira orientação jurisprudencial nos seus articulados (cf. artigos 111.º do PPA; 104.º, 111.º e 122.º do requerimento de resposta às exceções), enquanto a Requerida favorece a segunda orientação jurisprudencial na sua Resposta (cf. sugerido pela referência à Decisão Arbitral n.º 540/2020-T, de 30-04-2021, no artigo 53.º da Resposta).

            O presente Tribunal Arbitral favorece a orientação jurisprudencial que tem o efeito de melhor concretizar e ampliar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (ínsito no artigo 268.º, n.º 4, da CRP), e o princípio constitucional da legalidade em matéria tributária (ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP), que exige que a AT apenas arrecade as quantias de imposto exigíveis nos termos da lei. E temos que a interpretação do n.º 4 do artigo 78.º da LGT segundo a qual o termo inicial do prazo de três anos é fixado com referência à data das liquidações impugnadas é a que melhor se coaduna com estes princípios constitucionais.

Acresce que, nos termos do artigo 7.º do CPTA (aplicável ex vi artigo do 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”. Também o princípio “pro actione”, ou “in dubio pro favoritate instanciae”, contido neste preceito suporta a interpretação que se apresenta como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos invocados pelo sujeito passivo.

Por todas estas considerações, o Tribunal Arbitral entende que os sujeitos passivos podem contestar liquidações de IMI /AIMI, com fundamento em injustiça grave e notória (ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT), nos três anos posteriores ao ano em que foram emitidas as liquidações impugnadas, desde que verificados os restantes pressupostos de aplicação das normas em causa.

Os pressupostos de aplicação dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT são os seguintes: (i) ocorrência de uma injustiça grave e notória (ou seja, de uma injustiça ostensiva, inequívoca e resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade), e (ii) o erro não é imputável a comportamento negligente do contribuinte.

No caso sub judice, encontram-se verificados ambos os pressupostos. Em primeiro lugar, ocorreu uma injustiça grave: se o VPT dos Terrenos para Construção supra identificados tivesse sido fixado sem consideração dos coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, ou da majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, o montante do IMI liquidado e pago com referência aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 teria sido substancialmente inferior (sendo a diferença de € 542.755,28). A injustiça é também notória uma vez que, como melhor explicitado infra, o cálculo do VPT foi feito pela AT de forma que contraria frontalmente a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo. Em segundo lugar, não está em causa qualquer comportamento negligente da Requerente pois que esta nenhuma intervenção teve na fixação dos VPTs dos Terrenos para Construção em causa.

Constatada a verificação dos pressupostos de aplicação dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, conclui-se que a Requerente podia socorrer-se do mecanismo contido no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT para sindicar as Liquidações Contestadas.

Nestes termos, o Tribunal julga improcedentes a segunda e terceira exceções suscitadas pela Requerida.

Interessa seguidamente apurar se o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 30-12-2021 foi efetivamente apresentado dentro do prazo de três anos referido no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

 

  1. Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa

A Requerida defende que, ainda que fosse de admitir a impugnabilidade de atos de liquidação de IMI, por vícios na fixação do VPT, através de pedido de revisão oficiosa, sempre o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 30-12-2021 seria intempestivo. Contrariamente, a Requerente defende que o pedido de revisão oficiosa que apresentou foi submetido tempestivamente quer se considere o prazo de quatro anos contido no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, quer se considere o prazo de três anos referido no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

Do exposto supra resulta que assiste razão à Requerente quanto à aplicação, no caso sub judice, dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT e de um prazo de três anos (a) cujo termo inicial corresponde à data das liquidações de imposto impugnadas, e (b) cujo termo final corresponde ao dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foram emitidas as liquidações de imposto impugnadas.

Cumpre, assim, determinar se o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 30-12-2021 foi efetivamente apresentado dentro do tal prazo de três anos.[1]

As liquidações de IMI relativas ao ano de 2017 foram emitidas em 2018, sendo este o ano de tais atos tributários. Assim, o prazo de três anos posteriores ao ano destes atos tributários termina em 31-12-2021.

As liquidações de IMI relativas ao ano de 2018 foram emitidas em 2019, sendo este o ano de tais atos tributários. Assim, o prazo de três anos posteriores ao ano destes atos tributários termina em 31-12-2022.

As liquidações de IMI relativas ao ano de 2019 foram emitidas em 2020, sendo este o ano de tais atos tributários. Assim, o prazo de três anos posteriores ao ano destes atos tributários termina em 31-12-2023.

As liquidações de IMI relativas ao ano de 2020 foram emitidas em 2021, sendo este o ano de tais atos tributários. Assim, o prazo de três anos posteriores ao ano destes atos tributários termina em 31-12-2024.

Tendo a Requerente apresentado o pedido de revisão oficiosa em 30-12-2021, temos que o mesmo foi apresentado tempestivamente em relações às liquidações de IMI impugnadas relativas aos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021. Não restam assim dúvidas de que é improcedente a exceção de intempestividade suscitada pela Requerida.

  1. Do regime de anulação do ato administrativo

A Requerida argumenta que o regime contido no artigo 168.º do CPA é subsidiariamente aplicável à revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária, incluindo dos atos de fixação dos VPT, pelo que os mesmos só podem ser anulados administrativamente “desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão”. Conclui a Requerida que “as avaliações, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, efetuadas há mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal.”

            Ora, tal como referido supra, não está em causa a anulação de atos de fixação de VPT, não sendo relevante o alegado pela Requerida no que diz respeito ao prazo referido no artigo 168.º do CPA relativo à anulação administrativa.

            Julgadas improcedentes todas as exceções invocadas pela Requerida, importa decidir da anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 31-12-2021, e das liquidações de IMI a ele subjacentes.

 

§3. Da anulação do ato de indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas

A Requerente entende que as Liquidações Contestadas devem ser anuladas, por terem como base um VPT determinado em virtude da aplicação de uma fórmula incorreta, (a) por duplicação de critérios, mormente em virtude da aplicação dos coeficientes de localização e de afetação constantes do artigo 38.º do Código do IMI, especificamente aplicáveis a prédios edificados (e não a terrenos para construção), e (b) por aplicação da majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, também ela aplicável exclusivamente a prédios edificados. Defende a Requerente que o VPT dos terrenos para construção em apreço deveria ter sido determinado pela AT nos termos do artigo 45.º do Código do IMI (na redação vigente à data dos factos).

A Requerida não se defendeu por impugnação, na medida em que não pugnou pela legalidade das Liquidações Contestadas e da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que manteve tais liquidações na ordem jurídica.

Sintetizadas as posições das partes, importa salientar que o entendimento subscrito por ambas relativamente à interpretação e aplicação do artigo 45.º do Código do IMI (sem consideração dos coeficientes ínsitos no artigo 38.º do Código do IMI, ou da majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI) na determinação do VPT dos terrenos para construção segue a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD (e.g., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-04-2016, processo n.º 0824/15; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-07-2019, processo n.º 016/10; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 0170/16.6BELRS; Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 487/2020-T, de 10-05-2021; 500/2020-T, de 24-06-2021; 533/2021-T, de 03-01-2022; 540/2021-T, de 09-03-2022).

Conclui-se, assim, que a AT incorreu em erro ao fixar o VPT dos Terrenos para Construção em apreço, e que tal erro é da sua exclusiva responsabilidade.

Constatada a verificação de todos os pressupostos legalmente exigidos para a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, a AT, ao invés de deixar operar o indeferimento tácito, deveria ter proferido despacho de deferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 30-12-2021, com a consequente anulação parcial das Liquidações Contestadas.

Tal como referido na Decisão Arbitral de 10-05-2021, processo n.º 487/2020-T, da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo resulta que, verificados os pressupostos de aplicação dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, está em causa um verdadeiro “poder-dever”:

“Apesar de neste n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:

– «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»;

– «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».”

Considerando o exposto supra, o Tribunal julga procedente o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 30-12-2021, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT). O Tribunal julga também procedente o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade e anulação parcial das seguintes liquidações de IMI, no montante global de € 542.755,28:

  1. Liquidações n.ºs 2017 ... de 07-03-2018, 2017 ... e 2017 ... de 08-06-2018, relativas ao ano de 2017;
  2. Liquidações n.ºs 2018 ... de 23-03-2019, 2018 ... de 23-03-2019, e 2018 ... de 14-09-2019, relativas ao ano de 2018;
  3. Liquidações n.ºs 2019 ..., 2019 ... e 2019 ... de 08-04-2020, relativas ao ano de 2019;
  4. Liquidações n.ºs 2020 ... de 07-04-2021, 2020 ... e 2020 ... de 16-06-2021, relativas ao ano de 2020.

 

§4. Do pedido de reembolso e dos juros indemnizatórios

Conforme determina a alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Desta forma, em resultado da anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 30-12-2021 e das liquidações de IMI nos termos supra descritos, deverá a Requerida reembolsar a Requerente do montante de imposto indevidamente pago, ou seja, do montante de € 542.755,28.

Tal como referido pelas partes, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, o sujeito passivo tem direito a juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por sua iniciativa se efetuar mais de um ano após o pedido, salvo se o atraso não for imputável à AT (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de uniformização de jurisprudência, de 11-12-2019, processo n.º 051/19.1BALSB; Decisão Arbitral de 09-03-2022, processo n.º 540/2021-T; Decisão Arbitral de 05-05-2022, processo n.º 835/2021-T; Decisão Arbitral de 15-06-2022, processo n.º 57/2022‐T; Decisão Arbitral de 15-09-2022, processo n.º 33/2022-T; Decisão Arbitral de 28-09-2022, processo n.º 56/2022-T).

No caso sub judice, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado pela Requerente em 30-12-2021, os juros indemnizatórios a que a Requerente tem direito começam a contar em 30-12-2022. De acordo com artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, os juros são contados até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

Nestes termos, o Tribunal condena a Requerida a reembolsar à Requerente o montante de € 542.755,28, bem como a pagar-lhe juros indemnizatórios sobre este montante, desde 30-12-2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigos 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

  1. DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida.
  2. Julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
  1. Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 30-12-2021;
  2. Declarar ilegal e anular parcialmente a Liquidações Contestadas, no montante total de € 542.755,28, mais especificamente, as liquidações de IMI n.ºs 2017 ... de 07-03-2018, 2017 ... e 2017 ... de 08-06-2018, relativas ao ano de 2017; 2018 ... de 23-03-2019, 2018 ... de 23-03-2019, e 2018 ... de 14-09-2019, relativas ao ano de 2018; 2019 ..., 2019 ... e 2019 ... de 08-04-2020, relativas ao ano de 2019; 2020 ... de 07-04-2021, 2020 ... e 2020 ... de 16-06-2021, relativas ao ano de 2020;
  3. Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente o valor de € 542.755,28, acrescido de juros indemnizatórios sobre este montante, a contar desde 30-12-2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigos 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT).
  1. VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 542.755,28, correspondente ao valor contestado pela Requerente (conforme indicado no PPA e não contestado pela Requerida).

           

  1.   CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 8.262,00, a cargo da Requerida em razão do decaimento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de abril de 2023

 

A Presidente do Tribunal Arbitral,

 

 

Rita Correia da Cunha

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

José Nunes Barata

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

 

Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz

 

 

 



[1] Conforme fica amplamente demonstrado, não será necessário ter em conta a suspensão dos prazos entre 08-03-2020 e 02-06-2020 que operou por força da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.