Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 480/2022-T
Data da decisão: 2023-02-05  IRS  
Valor do pedido: € 11.162,00
Tema: IRS; Impossibilidade superveniente da lide; Responsabilidade pelas custas.
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SUMÁRIO:

 

1. Da revogação, pela AT, do acto tributário impugnado pelo Requerente, resulta a impossibilidade da lide, por perda de objecto - artigo 277.º, alínea e), do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.

 

2. Revogado o acto para além do prazo de 30 dias, constante do artigo 13.º, n.º 1, do RJAMT, as custas são da responsabilidade da Requerida AT, por lhe ser imputável a impossibilidade superveniente da lide - artigos 527.º e 536.º, nrs. 3 e 4, ambos do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro, Martins Alfaro, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 10-10-2022, profere a seguinte Decisão Arbitral:

 

A - RELATÓRIO

 

A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): A..., contribuinte fiscal n.º..., residente em Rua ..., n.º ...,  ...,  ..., Setúbal.

 

A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A.3 - Objecto do pedido de pronúncia arbitral: Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2022..., relativa ao ano de 2021, da qual resultou o valor total a pagar de € 16.967,44.

 

A.4 - Pedido: A declaração de ilegalidade, a inconstitucionalidade e a consequente anulação da liquidação de IRS objecto do pedido de pronúncia arbitral, na medida em que não considerou aplicáveis ao Requerente as regras de tributação dos rendimentos decorrentes do estatuto RNH e que o Requerente considerou resultar num excesso de imposto, no valor de € 11.162,00 e a restituição, ao Requerente, do valor que venha a ser indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legalmente previstos.

 

Posteriormente, por requerimento atravessado nos autos em 03-02-2023, o Requerente veio aos autos dizer que «considerando que já foi declarada a ilegalidade da liquidação de IRS de 2021 e feito o reembolso do imposto pago em excesso, parece estar verificada uma situação de inutilidade superveniente da lide, causada pela Requerida».

 

A.5 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:

 

Notificada, em 10-10-2022, para apresentar Resposta, a Requerida não o fez, tendo vindo posteriormente a juntar aos autos diversa documentação, em resultado do determinado pelo Tribunal.

 

B - SANEAMENTO:

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto dos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea b), ambos do RJAMT, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAMT, o Tribunal Arbitral foi constituído 10-10-2022.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atenta a conformação do objecto do processo e face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, ambos do RJAMT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

 

 

C - QUESTÃO PRÉVIA: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA ARBITRAL:

 

Em face da revogação expressa, ainda que parcial, do acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral, cumpre apreciar se ocorre a impossibilidade superveniente da lide, por perda de objecto.

 

A Requerida foi notificada, em 10-10-2022, da aceitação do pedido arbitral, pelo que tomou conhecimento, em 13-10-2022 - data em que a notificação se tornou perfeita -, do pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído em 10-10-2022.

 

Em 03-02-2023, veio a Requerente apresentar requerimento aos autos onde requereu nos seguintes termos:

«1. Em 10.11.2022, veio a Requerida juntar aos autos cópia do despacho do Director de Serviços de Registo de Contribuintes, de 07.11.2022, o qual deferiu o pedido de inscrição como Residente Não Habitual (RNH) do Requerente, com efeitos ao ano de 2020.

2. Na presente data, o Requerente foi já reembolsado do IRS pago em excesso relativamente ao ano de 2021, em consequência de lhe ter sido reconhecido o estatuto de RNH a partir de Janeiro de 2020.

3. Considerando que já foi declarada a ilegalidade da liquidação de IRS de 2021 e feito o reembolso do imposto pago em excesso, parece estar verificada uma situação de inutilidade superveniente da lide, causada pela Requerida.

4. Pelo que, muito respeitosamente, se requer a V. Exa. que se pronuncie sobre a referida questão, e decida como entender conveniente».

 

Do referido requerimento decorre que ocorreu revogação, ainda que parcial, do acto tributário, objecto do pedido de pronúncia arbitral, já que a Requerente foi reembolsada do imposto liquidado em excesso e que constituia justamente a medida do seu pedido quanto à liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Deste modo, a presente lide arbitral perdeu o respectivo objecto, uma vez que a revogação dos actos administrativos determina a cessação dos respectivos efeitos - artigo 165.°, n.º 1, do CPA.

 

Tal circunstância conduz à impossibilidade do prosseguimento do processo arbitral.

 

Com efeito, «a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar   além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio».[1]

 

Da impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide resulta a extinção da instância arbitral, nos termos do artigo 277°, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea e), do RJAMT.

 

 

D - DECISÃO:

 

Este Tribunal Arbitral declara extinta a instância arbitral, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.°, alínea e) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea e), do RJAMT.

 

 

E - VALOR DA CAUSA:

 

O Requerente indicou como valor da causa o montante de € 11.162,00, correspondente à parte da liquidação de IRS, objecto do pedido de pronúncia arbitral, que o Requerente pretendia ver anulada.

 

O valor indicado pelo Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 11.162,00.

 

F - CUSTAS:

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00.

 

A impossibilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância arbitral, é imputável à Requerida.

 

Com efeito, a Requerida foi notificada do pedido de constituição do Tribunal Arbitral em 10-10-2022, e de tal facto tomou conhecimento, em 13-10-2022 - data em que a notificação se tornou perfeita -, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído em 10-10-2022.

 

A Requerida apenas veio a revogar o acto, objecto do pedido de pronúncia arbitral, muito para além do prazo de 30 dias, previsto no artigo 13.°, n.º 1, do RJAMT.

 

Termos em que se condena a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, nas custas do processo, por ter sido esta entidade que deu causa à impossibilidade superveniente da lide, nos termos dos artigos 527.º e 536.º, nrs. 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 05 de Fevereiro de 2023.

 

O Árbitro,

Assinado digitalmente

 

 

 

(Martins Alfaro)

 



[1] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, Código de Processo Civil Anotado,
Volume 1.°, 2.a edição, Coimbra Editora - Coimbra, 2008, pág. 555.