Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 467/2022-T
Data da decisão: 2023-01-20  IMI  
Valor do pedido: € 126.006,61
Tema: Adicional ao IMI - Revisão do ato tributário. Determinação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção.
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Sumário: 

I. A circunstância de o ato de fixação do VPT ser autonomamente impugnável não obsta a que o sujeito passivo lance mão do pedido de revisão oficiosa para impugnar o ato de liquidação de IMI, podendo fazê-lo tanto ao abrigo do n.º 1 do artigo 78 da LGT, com fundamento em “erro imputável aos serviços”, como ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78 da LGT, com fundamento em “injustiça grave ou notória”. 

II. O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção.

III. Não tem aplicação no cálculo do VPT dos terrenos para construção os coeficientes de afetação, localização, qualidade e conforto a que se refere do artigo 38 do CIMI, nem a majoração prevista no artigo 39 do CIMI, por estes serem elementos da fórmula de cálculo do VPT dos prédios edificados, e não dos terrenos para construção. 

 

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DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Regina Almeida Monteiro (Árbitro-presidente), Marta Vicente (Árbitro-adjunta Relatora) e David de Oliveira Silva Nunes Fernandes (Árbitro-adjunto), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-07-2022, acordam no seguinte:

 

I - Relatório

1. FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO A... (doravante, abreviadamente designado por “Requerente”), com o número de identificação fiscal ..., com sede na ..., ..., ..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2, n.º 1, al. a), e 10, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária (doravante, RJAT), com as alterações subsequentes, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, alterada pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, que vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa. 

 

2. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pede: 

(i) A anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 30-12-2021;

(ii) A anulação parcial do ato de liquidação de AIMI n.º 2018..., de 30-06-2018, com referência ao ano de 2018; 

(iii) A condenação da Autoridade Tributária no reembolso do montante de €126006,61, suportados, em excesso, pelo Requerente, acrescidos de juros indemnizatórios, devidos nos termos conjugados do artigo 43 da Lei Geral Tributária (doravante, LGT) e do artigo 61 do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante, CPPT), contados desde 30-12-2022, um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, até integral reembolso. 

 

3. É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, AT ou Requerida). 

 

4. O pedido de constituição de Tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT, em 07-10-2022.

5. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6, n.º 2, alínea a) e do artigo 11, n.º 1, al. a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os Signatários como Árbitros do Tribunal arbitral coletivo, tendo estes comunicado a aceitação do encargo no prazo devido. 

6. Foram as partes notificadas dessa designação, em 19-09-2022, não tendo manifestado vontade de a recusar (cf. artigo 11, n.º 1, al. b) e c) do RJAT, em conjugação com o disposto nos artigos 6 e 7 do Código Deontológico do CAAD), pelo que, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 11 do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 07-10-2022. 

7. Em 07-10-22, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional (cf. artigo 17 do RJAT). O Despacho foi notificado na mesma data. 

8. A Requerida veio apresentar resposta, em 07-11-2022, juntando documentos, mas não remeteu o Processo Administrativo. 

9. Em 17-11-2022, foram as partes notificadas de despacho arbitral a dispensar a reunião prevista no artigo 18 do RJAT, e concedendo às partes o prazo simultâneo de 20 dias, contados a partir da data da notificação do referido Despacho, para a produção de alegações escritas, podendo o Requerente pronunciar-se sobre a exceção invocada pela Requerida na Resposta.

10. Em 13-12-2022, o Requerente apresentou as suas alegações escritas, reiterando os argumentos já expostos no PPA e aduzindo outros, melhor identificados infra, em face da exceção invocada pela AT na resposta apresentada. 

11. A Requerida não apresentou alegações escritas no prazo concedido. 

 

II - Síntese da posição das partes

 

12. Compulsado o pedido arbitral, o Requerente considera, em síntese, que: 

(a) A liquidação de AIMI n.º 2018..., de 30 de junho de 2018, está ferida de ilegalidade, porquanto na determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção que serviram de base à liquidação contestada, a Autoridade Tributária aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados os coeficientes de localização, qualidade e conforto previstos no artigo 38 do CIMI e a majoração constante do artigo 39, n.º 1 do CIMI, inaplicáveis a terrenos para construção, e dos quais resultou o pagamento de um montante de imposto superior ao legalmente devido (cf. os pontos 203.º a 304.º do PPA e os pontos 194.º a 248.º das alegações do Requerente).

(b) O facto de não ter contestado administrativa ou judicialmente o resultado de eventuais avaliações dos Terrenos para construção não obsta ao exercício do seu direito de pedir a revisão oficiosa do ato de liquidação de IMI, seja com base em erro imputável aos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 78 da LGT, seja com base em injustiça grave ou notória, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78 da LGT, devendo, por isso, ser anulada a decisão de indeferimento tácito que recaiu sobre aquele pedido (cf. pontos 33.º a 202.º do PPA e pontos 39.º a 193.º das alegações do Requerente ).

(c) São devidos juros indemnizatórios pela Administração Tributária nos termos do artigo 43, n.º 3, al. c) da LGT, ou seja, decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa até ao integral reembolso do imposto pago em excesso (cf. pontos 305.º a 312.º do PPA e pontos 249.º a 253.º das alegações do Requerente). 

(d) Não procede a intempestividade do pedido de revisão oficiosa invocada pela AT, porquanto, mesmo admitindo que a revisão oficiosa só é admissível nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78 da LGT – o que o Requerente não concede – sempre haveria de concluir-se que aquele pedido foi apresentado nos “três anos posteriores ao do ato tributário” (cf. pontos 128.º a 182.º das alegações do Requerente).

(e) Não procede o argumento, que a AT funda no artigo 168 do Código de Procedimento Administrativo, nos termos do qual estaria esgotado o prazo (de cinco anos) para anulação administrativa do ato que fixa o VPT, uma vez que o que o Requerente contesta é a legalidade do ato de liquidação de IMI e a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que manteve tal liquidação na ordem jurídica, atos estes que têm, no seu entender, uma antiguidade inferior a cinco anos (cf. pontos 184.º a 193.º das alegações do Requerente).

 

13. Requerida (AT) respondeu nos seguintes termos: 

(a) Não há litígio quanto à questão substantiva, isto é, quanto ao entendimento, confirmado por vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de que na determinação do VPT de terrenos para construção releva a regra específica constante do artigo 45 do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes de localização, afetação, qualidade e conforto (cf. pontos 13.º e 14.º da Resposta da AT). 

(b) Contudo, entende que não assiste razão ao Requerente porquanto: (i) não está legalmente prevista a dedução de pedido de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores, pelo que a pretensão do Requerente carece de fundamento legal; (ii) o ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica, tendo força de caso julgado; (iii) eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pelo que o ato de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade; (iv) mesmo que assim não se entendesse, o pedido de revisão oficiosa sempre seria intempestivo face aos prazos previstos no artigo 78 da LGT; (v) a final, sempre seria de concluir já ter decorrido o prazo de 5 (cinco) anos  em que seria possível a anulação administrativa do ato (cf. pontos 15.º a 65.º da Resposta da AT).

(c) Não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, por inexistir erro imputável aos serviços, uma vez que não estava na disponibilidade da Administração Tributária decidir de modo diferente daquele que decidiu. Ainda que assim não se considere, o direito a juros indemnizatórios deveria fazer-se nos termos do artigo 43, n.º 3, al. c), de acordo com o qual, nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão (cf. pontos 66.º a 72.º da Resposta da AT). 

 

 

III – Saneamento

14. O Tribunal arbitral foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 2, n.º 1, al. a) do RJAT. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4 e 10, n.º 2 do RJAT e artigo 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades. 

 

 

IV – Matéria de facto

§1 – Factos provados  

15. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos: 

1.º - Em 01-01-2018, o Requerente era proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, identificados nas cadernetas prediais com os artigos U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (cf. Doc. n.º 2, junto com o PPA). 

2.º - Na sequência de avaliação da Administração Tributária, o VPT dos prédios inscritos nos artigos matriciais suprarreferidos foi fixado nos seguintes termos (cf. Doc. n.º 2, junto com o PPA). 

Artigo matricial

Tipo de imóvel

VPT

Data da avaliação

U-...

Terreno para construção

€ 6.730.2010,00

30-09-2015

U-...

Terreno para construção

€ 6.880.930,00

30-09-2015

U-...

Terreno para construção

€ 3.895.580,00

30-09-2015

U-...

Terreno para construção

€ 3.398.530,00

30-09-2015

U-...

Terreno para construção

€ 5.341.340,00

30-09-2015

U-...

Terreno para construção

€ 6.239.630,00

30-09-2015

U-...

Terreno para construção

€ 4.319.340,00

30-09-2015

U-...

Terreno para construção

€ 4.429.740,00

30-09-2015

U-...

Terreno para construção

€ 2.997.460,00

30-09-2015

U-...

Terreno para construção

€ 3.105.290,00

02-02-2018

U-...

Terreno para construção

€ 3.190.860,00

01-10-2015

U-...

Terreno para construção

€ 284.560,00

01-10-2015

 

 

3.º - O Requerente foi notificado da liquidação de AIMI n.º 2018..., de 30-06-2018, relativa ao ano de 2018, no valor agregado de € 203.253,00, relativa aos prédios com artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-..., e que teve por base os VPT mencionados supra (cf. Doc. n.º 1, junto com o PPA). 

4.º - As liquidações de IMI identificadas no ponto anterior tiveram por base, para efeitos de determinação do VPT e do correspondente montante de IMI a pagar pelo Requerente, os VPT dos terrenos para construção de que o Requerente era titular, valores que estavam fixados segundo a fórmula que considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, e (iv) a majoração prevista do artigo 39 do CIMI (cf. Doc. n.º 2, junto com o PPA).

5.º - O Requerente não requereu segunda avaliação do valor patrimonial dos prédios nem impugnou judicialmente o ato de fixação do valor patrimonial. 

6.º - O Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, do IMI subjacente à liquidação de 30-06-2018. 

7.º - O Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa daquele ato de liquidação no dia 30-12-2021 (cf. Doc. n.º 1, junto com o PPA).

8.º - O referido pedido de revisão oficiosa não foi objeto de qualquer decisão expressa dentro do prazo de 4 meses previsto no artigo 57, n.º 1 da LGT.

9.º- O Requerente apresentou, o pedido de pronúncia arbitral em 29-07-2022, que foi aceite em 01-08-2022.

 

§2 – Factos não provados 

 

16. Não existem factos não provados com relevo para a causa. 

 

§3 – Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

17. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123, n.º 2, do CPPT e artigo 607, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29, n.º 1, a) e e), do RJAT).

No que se refere à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pela Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Não se deram como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica.

 

 

V – Matéria de direito

 

18. O thema decidendum do presente pedido de pronúncia arbitral consiste em saber se na determinação do valor patrimonial tributário de um terreno para construção deverão ser tomados em consideração os coeficientes de afetação, de localização, e de qualidade e conforto, a que se refere o artigo 38 do Código do IMI, e a majoração a que se reporta o artigo 39, n.º 1 do mesmo Código. 

19. Porém, antes de proceder à análise e decisão desta questão de direito temos de nos debruçar sobre as questões que a Requerida suscita na sua Resposta, que contendem com a admissibilidade de revisão oficiosa do ato de liquidação e, nessa medida, com a validade da formação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa. 

 

 

§1. Da inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais e da consolidação na ordem jurídica do ato de fixação do VPT, com força de caso decidido

 

20. Invoca, num primeiro momento, a Requerida que os atos de avaliação patrimonial não podem ser objeto de revisão oficiosa, nem ao abrigo do n.º 1 do artigo 78 da LGT, nem ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do mesmo dispositivo legal. Entende que não é admissível o pedido de revisão oficiosa nos termos do n.º 1 do artigo 78 da LGT porque este tem por objeto atos de liquidação, e não atos de avaliação patrimonial, e também porque não há “erro imputável aos serviços”, ou seja, a AT procedeu à liquidação de IMI com base no VPT que, à data, constava da matriz predial. Tal pedido tão-pouco é admissível à luz dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78 da LGT (revisão oficiosa excecional), uma vez que, segundo a Requerida, tal normativo não tem por efeito derrogar o disposto no CIMI e no CPPT quanto à impugnabilidade autónoma de atos de fixação de valores patrimoniais, mormente do ato de fixação do VPT de um prédio. Uma vez que este fundamento de improcedência, identificado sob a letra A do ponto 15.º da Resposta da Requerida, tem ligação com os seguidamente invocados sob as letras B e C do mesmo ponto 15.º, o Tribunal Arbitral procederá à apreciação conjunta destes fundamentos. 

21. Importa recuperar os alicerces normativos e dogmáticos dessa argumentação. No artigo 54 do CPPT está consagrado um princípio do processo tributário – o princípio da impugnação unitária – segundo o qual a impugnação judicial deverá recair sobre a decisão final do procedimento tributário, e não sobre os atos interlocutórios ou preparatórios, salvo quando exista disposição expressa em contrário ou tratando-se de atos imediatamente lesivos dos particulares. Em coerência, na impugnação contenciosa do ato de liquidação poderão, via de regra, ser invocadas ilegalidades cometidas no decurso do procedimento.[1]

22. Ora, uma das exceções a este princípio reside, precisamente, no ato de fixação do VPT de prédios. Trata-se, com efeito, de um ato administrativo em matéria tributável, que a lei destaca para efeitos de impugnação contenciosa, ou seja, que pode ser objeto de impugnação contenciosa autónoma relativamente aos atos de liquidação (de IMI, de IMT ou de IS) que o levem pressuposto (cf. artigo 113, n.º 1 do CIMI, segundo o qual o IMI é liquidado “com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios”). É isto que resulta do artigo 77, n.º 1 do CIMI, do artigo 134 do CPPT e do artigo 86, n.º 1 da LGT. Segundo o n.º 7 do artigo 134 do CIMI, a impugnação (imediata) do ato de fixação do valor patrimonial de um prédio só pode ter lugar “depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”, entenda-se, depois de o sujeito passivo contestar a avaliação administrativa requerendo uma segunda avaliação do valor do prédio (cf. artigo 76 do CIMI, para os prédios urbanos). 

23. A partir deste quadro normativo, firmou-se jurisprudência no STA no sentido de que, em face da impugnabilidade autónoma dos atos de fixação de valores patrimoniais, a invocação dos vícios de que enfermem tais atos só pode ser feita em sede de impugnação do ato de fixação do VPT e já não em sede de impugnação do ato de liquidação, a qual terá de estear-se em outros fundamentos que não na ilegalidade daquele ato (cf., entre outros, o acórdão do STA de 19-09-2012, processo 0659/12). 

24. Esta jurisprudência assenta, por um lado, em razões de coerência do sistema tributário, uma vez que o ato de fixação do VPT é pressuposto de vários atos de liquidação – de IMI, de IMT e de IS – não sendo viável que da discussão da validade destes atos pudesse resultar a fixação, para o mesmo prédio, de valores patrimoniais tributários divergentes entre si (cf., na jurisprudência deste Centro, a decisão proferida em 30-04-2021, no Processo 540/2020-T, e a decisão proferida em 10-05-2021, no Processo 487/2020-T). Adicionalmente, no plano dos princípios fundamentais, sempre se poderá argumentar que, subsistindo a possibilidade de impugnação contenciosa do ato de fixação do valor patrimonial do prédio, se mostra preservado o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva em matéria administrativa e tributária (artigos 20 e 238, n.º 4 da Constituição), afigurando-se a solução legal subjacente àquela interpretação normativa suficientemente justificada no plano da segurança jurídica. Trata-se, como disse o Tribunal Constitucional a propósito de situação com alguns pontos em comum, tão-só “de (mais) uma concretização do princípio, comum a tantas soluções processuais, segundo o qual a não impugnação de um determinado ato dentro do prazo para o efeito fixado implica a respetiva consolidação na ordem jurídica, com consequente preclusão da faculdade de invocação dos vícios que lhe correspondam no âmbito da impugnação de um ato ulterior” (cf. acórdão do TC n.º 718/2017 de 15-11-2017, processo n.º 723/16, 3.ª secção). 

25. Tal entendimento jurisprudencial, apesar de estável, não resulta abertamente de nenhum dos normativos supra assinalados. O seu substrato teleológico não colhe adesão plena na jurisprudência, seja administrativa (e arbitral), seja constitucional. Efetivamente, numa outra perspetiva, a impugnação contenciosa autónoma do ato de fixação do VPT é concebida como uma faculdade (e não como um ónus) do sujeito passivo, apenas se justificando no quadro de um reforço das suas garantias processuais. Deste prisma, o artigo 134, n.º 1 do CPPT é uma garantia processual que permite ao contribuinte reagir atempadamente contra atos que podem ter consequências altamente gravosas na sua esfera patrimonial, obstando a que aquele tenha de impugnar tantos atos de liquidação quantos aqueles que tenham tido por base um certo ato de fixação de VPT ilegal (cf., na jurisprudência, o acórdão do TC n.º 410/15 de 29-09-2015, processo n.º 592/14, 1.ª Secção, o acórdão do TCAS de 31-10-2019, processo 2765/12.8BELRS). 

26. Trata-se de um entendimento normativo alicerçado num princípio de interpretação das normas legais em linha com os direitos fundamentais, nos termos do qual “as normas legislativas que contendem ou contactam com os direitos fundamentais devem ser interpretadas criticamente em função do sentido próprio das normas constitucionais respetivas”.[2] Como se lê na decisão proferida pelo Tribunal Arbitral em 07-07-2021, no processo n.º 760/2020-T, “a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê. Assim, tal previsão legal não deve ser entendida (...) como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação)” (cf., em sentido idêntico, a decisão arbitral de 24-03-2022, processo 615/2021-T). 

27. Seja qual for a posição a adotar sobre esta questão hermenêutica (e constitucional) – leia-se, sobre o modo como há-de ser interpretado o arco normativo resultante da conjugação dos artigos 77, n.º 1 do CIMI, 134 do CPPT e 86, n.º 1 da LGT – a argumentação avançada pela AT não procede. Essa improcedência prende-se, precisamente, com o sentido a dar ao instituto da revisão dos atos tributários previsto no artigo 78 da LGT. 

28. Recorde-se, com efeito, que o Requerente apresentou pedido revisão oficiosa nos termos conjugados dos artigos 78, n.ºs 1, 4 e 5 da LGT. 

29. Ora, é pacífico que a revisão dos atos tributários prevista e regulada no artigo 78 da LGT contempla várias situações: a situação de revisão com fundamento em “erro imputável aos serviços” (n.º 1), a situação de revisão “excecional” com fundamento em “injustiça grave ou notória” (n.ºs 4 e 5), e ainda a situação de revisão do ato tributário por motivo de duplicação da coleta (n.º 6). 

 

Vejamos.

 

§1.1. Da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa com base no artigo 78, n.º 1 da LGT 

 

30. De acordo com o artigo 78.º, n.º 1, da LGT, «A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços». 

Daqui resulta que a revisão do ato tributário prevista naquele n.º 1 constitui um meio de correção de erros na liquidação de tributos levado a cabo pela própria administração tributária (a revisão é da competência de quem praticou o ato tributário), e que pode partir da iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa (reclamação graciosa) e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou da iniciativa da administração, no prazo de 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços

31. É entendimento pacífico da jurisprudência do STA que, para efeitos do n.º 1 do artigo 78 da LGT e em face da teleologia que subjaz ao instituto da revisão, este não abrange apenas os pedidos de revisão oficiosa da iniciativa da administração tributária, mas também a revisão do ato de liquidação requerida pelo sujeito passivo e, como tal abrangida pelo prazo alargado de 4 anos. A revisão é, portanto, um afloramento do dever de revogação de atos tributários ilegais, que encontra arrimo nos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade, que são princípios fundamentais da atividade administrativa (cf. artigo 266.º, n.º 2 CRP e artigo 55 da LGT). E «face a tais princípios, não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do acto quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes» (Acórdão do STA, 11-05-2005, processo n.º 0319/05). 

32. Neste sentido, tal como este Tribunal arbitral a compreende, a revisão do ato tributário prevista no n.º 1 do artigo 78 da LGT é um modo de reação complementar aos meios administrativos e contenciosos gerais, que tem o seu campo primordial de aplicação naquelas situações em que já não é possível a impugnação do ato de tributário, ou seja, em todos os casos em que o contribuinte, não logrou lançar mão, por sua iniciativa, dos processos impugnatórios previstos na lei(cf. decisão arbitral de 24-06-2021, Processo 500/2020-T). Como se lê no acórdão do STA de 08-06-2022, processo 0174/19.7BEPDL, “[e]m função do respetivo, integral, conteúdo normativo, o art. 78.º da LGT consubstancia, no âmbito da proteção dum Estado de Direito, um depósito de garantias, acrescidas, de defesa e reposição da legalidade, concedidas aos sujeitos de relações jurídico-tributárias”. 

33. Entre aquelas situações conta-se precisamente a dos presentes autos, isto é, a hipótese em que o contribuinte não impugnou autonomamente o ato de fixação do VPT, nos termos dos artigos 77, n.º 1 do CIMI, 134 do CPPT e 86, n.º 1 da LGT. Apoiando-nos na fundamentação expendida na decisão arbitral de 10-01-2023, referente ao Processo 32/2022-T, a que aqui aderimos, trata-se de assumir que “em determinadas situações e condições, as leis tributárias permitem que, excecionalmente, haja um desvio à referida regra e possam anular-se liquidações de IMI incidentes sobre o valor patrimonial tributário de prédios em que o único vício que lhe é imputado esteja justamente na determinação desse valor, ou seja, na avaliação fiscal desses prédios. Esta excecionalidade está prevista no artigo 78.º da LGT (...)”. 

Dito de outra forma ainda, se subjacente ao n.º 1 do artigo 78 da LGT está a reabertura da via jurisdicional em casos em que esta estaria à partida fechada, então não se veem razões ponderosas para tratar diferenciadamente situações em que, por força do decurso dos prazos de reação administrativa ou judicial, o ato de liquidação se “estabilizou” (prima facie) no ordenamento jurídico. 

34. Esta modalidade de revisão do ato tributário só é possível nas situações em que haja “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78, n.º 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro (cf., entre outras, a decisão arbitral de 24-03-2022, processo 615/2021-T, e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13). Ora, como melhor se esclarecerá infra, o ato de liquidação de IMI sob apreciação nos presentes autos resultou de uma errada interpretação e aplicação da lei tributária, ou seja, de um erro de direito. É indiferente que essa errada aplicação e interpretação da lei tributária radique originariamente no ato de fixação do VPT ou no ato de liquidação stricto sensu (operação aritmética). Este é o corolário lógico de se vislumbrar no pedido de revisão oficiosa do ato tributário um meio de garantia que acresce aos demais e que assume, por isso, a natureza de “válvula de escape” relativamente à regulação processual dos demais instrumentos impugnatórios. 

35. A revisão oficiosa prevista no n.º 1 do artigo 78 da LGT pode ser efetuada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago. Ora, in casu, tendo o ato de liquidação sido praticado em 30-06-2018, com referência ao ano de 2018, o pedido de revisão oficiosa, deduzido em 30-12-2021, mostra-se tempestivo, sem necessidade de outras elucubrações. 

 

 

§1.2. Da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa com base no artigo 78, n.ºs 4 e 5 da LGT

 

36. Ainda que não se sufragasse este entendimento, isto é, que não em se admitisse a revisão oficiosa do ato de liquidação com base no n.º 1 do artigo 78 da LGT, a idêntica conclusão haveria de chegar-se com recurso à revisão dita “excecional” prevista nos n.ºs 4 e 5 daquele preceito, que o Requerente também invocou aquando da apresentação do seu pedido de revisão oficiosa (cf. Doc. n.º 1 junto ao PPA). O artigo 78, n.ºs 4 e 5 tem a seguinte redação: “4 – O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”; 5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado prejuízo para a Fazenda Nacional”. 

37. A revisão oficiosa prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78 da LGT, ao contrário da regulada no n.º 1, só pode ter por base erro na quantificação da matéria coletável, prescindindo a lei do requisito do erro imputável aos serviços. Apesar de no n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controlo jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo (cf., entre outros, o acórdão do STA de 07-10-2009, processo 0476/09). Com efeito, o dever de rever atos injustos é um corolário do dever de atuação da AT segundo o princípio da justiça, constitucionalmente consagrado (artigo 266, n.º 2, da CRP), pelo que não são legalmente admissíveis casos de dispensa de observância de tal dever. 

38. Mister é que (i) se possa apurar uma injustiça “grave ou notória”, sendo certo que, nos termos do n.º 5 do artigo 78 da LGT, “apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade (...)”, e que (ii) aquela injustiça não tenha origem em erro imputável a comportamento negligente do contribuinte. 

39. Ora, no caso em apreço, afigura-se que se pode considerar que para além de notória, da errada aplicação e interpretação, pela AT, do artigo 39 do CIMI, resultou uma injustiça “grave”, porquanto a tributação em IMI dos prédios referidos nos autos foi consideravelmente superior ao devido, como resulta da quantificação efetuada pelo Requerente e que a Requerida não contesta (cf. os pontos 16.º e 17.º do PPA, que situa a tributação em excesso em 106.694,00€). 

40. Por outro lado, não está em causa um qualquer “comportamento negligente do contribuinte”, que não teve nenhuma intervenção na fixação dos VPTs em causa. Com efeito, a fixação da matéria tributável que deu origem à liquidação foi efetuada pela Administração com base numa fórmula prevista na lei, sem que o Requerente tenha fornecido qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios. Note-se, finalmente, que a “negligência” que a lei se refere é relativa ao contributo do contribuinte para o “erro” e não a negligência na utilização atempada dos meios normais de reação.

 

§1.3. Síntese 

 

41. Atendendo ao exposto, entende o Tribunal arbitral que: 

(i)    A Requerida não tem razão e que do campo de aplicação do pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78 da LGT – seja o previsto no n.º 1, seja o previsto nos n.ºs 4 e 5 – não estão excluídas as situações de liquidação de IMI com base em errada avaliação patrimonial; 

(ii)   a circunstância de o ato de fixação do VPT ser autonomamente impugnável e de, tendencialmente, se estabilizar na ordem jurídica a partir do momento em que não seja tempestivamente contestado (administrativa ou judicialmente) pelo sujeito passivo não obsta a que o sujeito passivo possa lançar mão da garantia acrescida de reposição da legalidade que o artigo 78 da LGT visa, precisamente, proporcionar. 

 

§2. Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

42. Invoca adicionalmente a Requerida que, ainda que por hipótese fosse de admitir a aplicação do artigo 78 da LGT à situação em análise, “o prazo para a autorização da revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o do n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos três anos posteriores ao do ato tributário, previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária” (ponto 52.º da Resposta da AT). 

43. Ora, pelas razões que supra se escalpelizaram, entende este Tribunal Arbitral que o ato de liquidação de IMI sob juízo nos presentes autos pode ser objeto de pedido de revisão oficiosa, tanto ao abrigo do n.º 1 do artigo 78 da LGT, leia-se, com fundamento em “erro imputável aos serviços”, como ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do mesmo preceito legal, com fundamento em “injustiça grave ou notória”. 

44. A revisão oficiosa prevista no n.º 1 do artigo 78 da LGT pode ser efetuada, por iniciativa da AT, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago. Como se apontou supra, o pedido de revisão oficiosa apresentado com este fundamento mostra-se tempestivo. Já o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço com base nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78 da LGT é mais reduzido, devendo o pedido ser deduzido nos “três anos posteriores ao do ato tributário”. 

45. Os “três anos posteriores ao do ato tributário” terminam no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário, ou seja, em 31 de dezembro de 2021. O ato de liquidação com origem em erro na quantificação da matéria coletável a que alude o n.º 4 do artigo 78 da LGT foi praticado em 2018. O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30-12-2021, pelo que tem de se concluir que também considerando o prazo estabelecido nesta norma tal pedido foi apresentado tempestivamente, sem necessidade de outros desenvolvimentos. 

46. Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 78 da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efetuado a revisão e anulado parcialmente a liquidação IMI impugnada no prazo que tinha para decidir. 

 

 

§3. O regime da anulabilidade dos atos administrativos

 

47. A Autoridade Tributária alega, a propósito do regime da anulação administrativa, que, por efeito do artigo 168 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo máximo de cinco anos a contar da respetiva emissão, concluindo que, encontrando-se já precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixa valor patrimonial tributário, este ato encontra-se sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.

48. Semelhante argumentação assenta num evidente equívoco. Como se lê, com efeito, no acórdão de 10-01-2023, proferida Processo 32/2022-T, “o novo CPA passou a distinguir entre revogação e anulação administrativa, fazendo corresponder cada uma destas figuras às duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e de revogação anulatória. A anulação administrativa prevista no atual CPA, ainda que com diferentes condicionalismos, não é, por conseguinte, mais do que o antigo instituto da revogação do ato administrativo por iniciativa da Administração, ou a pedido do interessado, mediante a interposição reclamação graciosa ou recurso administrativo, a que se referiam os artigos 138.º e seguintes do CPA de 1991.

O decurso do prazo para a Administração proceder à anulação administrativa de um ato administrativo não sana os vícios de que o ato possa padecer, mas implica apenas que os seus efeitos se tornam definitivos, adquirindo a força jurídica de caso decidido ou caso resolvido. 

Significando que o ato administrativo tem “uma função estabilizadora, já que a decisão, mesmo ilegal, não sendo nula (em regra, de legalidade aparente), se consolida dentro de um prazo relativamente curto como "caso decidido" (se não tiver havido impugnação), assegurando ainda a auto-vinculação da Administração e a limitação dos respectivos poderes de revogação (segurança jurídica), designadamente quanto a decisões constitutivas de direitos para os destinatários (protecção da confiança legítima”(cfr. Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, 5.º edição, Coimbra, 2017, pág. 165).

O caso decidido, no entanto, apenas releva na relação entre a Administração e o particular, e não impede que o interessado lance mão dos meios processuais de impugnação contenciosa contra o ato administrativo, ainda que a Administração não possa já anulá-lo administrativamente.

A anulação administrativa, quando ocorra, apenas tem como consequência que o particular deixa de ter interesse processual em impugnar o ato judicialmente. E caso a anulação administrativa se verifique na pendência de um processo de impugnação judicial, haverá lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Assim se compreende que o mesmo artigo 168.º do CPA, no seu n.º 3, declare que quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão.

A consolidação na ordem jurídica do ato administrativo anulável só opera, por conseguinte, quando tenha decorrido o prazo legalmente previsto para o interessado deduzir o competente meio processual de impugnação, na medida em que só pelo decurso desse prazo é o ato se torna inimpugnável jurisdicionalmente.

Qualquer outra solução constituiria um absurdo, confundindo a atividade administrativa com a função jurisdicional e contrariando flagrantemente o princípio da tutela jurisdicional efectiva.

Uma vez que a anulação administrativa é um ato administrativo que se desenrola no âmbito de procedimento administrativo, e cuja prática se encontra na exclusiva disponibilidade da Administração, é claro que as vicissitudes quanto à possibilidade de o ato ser anulado ainda no âmbito do procedimento, não interfere em nada com o direito processual dos interessados recorreram a uma instância jurisdicional”.

49. E, assim, não só os vícios do ato de fixação valor patrimonial tributário se não encontram sanados com o caso decidido, como também o contribuinte não está impedido de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de IMI, com fundamento na errónea quantificação do valor patrimonial tributário. 

50. Importa ter presente que o dies a quo do prazo de cinco anos a que alude o artigo 168 do CPA é, na compreensão deste Tribunal arbitral, a data da prática do ato de liquidação de IMI (30-06-2018), pelo que, também por esta via, é de rejeitar o fundamento de improcedência invocado pela Requerida. 

 

§4. A proibição legal de pronúncia arbitral conforme a equidade 

 

51. Os tribunais arbitrais julgam de acordo com o direito constituído, estando-lhes vedado o recurso à equidade – artigo 2, n.º 2 do RJAT. Ora, a fundamentação expendida (e a expender) por este Tribunal assenta exclusivamente na interpretação e aplicação do direito constituído, mormente do artigo 78, n.ºs 1, 4 e 5 da LGT e dos artigos 38, 39, 41, 42 e 45 do CIMI, sempre alumiada pelos princípios fundamentais da atividade administrativa (artigo 266, n.º 2 da CRP) e do procedimento tributário (artigo 55 da LGT), pelo que não tem qualquer cabimento a invocação pela Requerida do princípio da proibição legal do julgamento segundo a equidade. 

 

§5. Da ilegalidade parcial da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) 

 

52. O Requerente alega que o ato de liquidação de IMI com data de 30-06-2018 é ilegal, porquanto, na fixação do VPT dos prédios em causa, qualificados como terrenos para construção, a AT aplicou os coeficientes de localização, qualidade e conforto previstos no artigo 38 do CIMI, bem como a majoração prevista no artigo 39 do mesmo Código, concebidos para terrenos edificados, violando o preceituado no artigo 45 do CIMI quanto à fórmula de cálculo dos terrenos de construção. A Requerida avança, por seu turno, não haver dissenso quanto à questão substantiva. 

53. O artigo 38 do CIMI prevê uma fórmula de cálculo para os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, onde são tidos em conta, para além do valor base dos prédios edificados, diversos coeficientes como os de afetação, localização, qualidade e conforto. O preceito tem a seguinte redação: 

“(...)

Artigo 38.º - Determinação do valor patrimonial tributário

1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv, em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.

3 - Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º.[3]

4 - A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos”.[4]

(...)”

54. Os artigos 39 a 44 do CIMI definem e disciplinam os critérios de apuramento do valor base dos prédios edificados (artigos 39) e áreas brutas de construção (artigo 40), e bem assim os critérios de apuramento dos coeficientes a que alude a fórmula de cálculo inscrita no artigo 38 do CIMI, a saber o coeficiente de afetação (artigo 41), o coeficiente de localização (artigo 42), o coeficiente de qualidade e conforto (artigo 43) e o coeficiente de vetustez (artigo 44). 

55. Por sua vez, o artigo 45 do CIMI dispõe sobre a fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção, que assentava, na redação anterior à que lhe foi conferida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (e que releva para os presentes autos), nos seguintes elementos: 

“(...)

Artigo 45.º - Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

“1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º. 

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente”.

(...)”

56. Isto dito, a questão de direito que importa aquilatar é a de saber se o artigo 45 do CIMI deve ser interpretado no sentido de que, ao referir o valor das edificações autorizadas ou previstas, contém uma remissão para o valor que resulta da aplicação de todo o sistema de avaliação dos prédios edificados e, portanto, também para o disposto nos artigos 39, 40, 41, 42 e 43 do CIMI. Ora, a esta questão de direito já o Supremo Tribunal Administrativo deu cabal e reiterada resposta, afirmando que a fórmula prevista no artigo 38, n.º 1 do CIMI – e os valores e coeficientes disciplinados nos artigos 39 a 44 – apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados, ou seja, aqueles já edificados e afetos a habitação, comércio, indústria ou serviços, salvo havendo uma remissão expressa do artigo 45 para essas normas legais (eg. artigo 45, n.º 3 do CIMI). Conforme se lê, com efeito, no acórdão daquele colendo Tribunal, com data de 20-04-2016, tirado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário no recurso n.º 0824/15: 

“(...)

Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.

Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.

O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.

Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.

A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.

Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.

A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.

A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38 com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.

É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.

O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.

(...)”

57. Aquele Tribunal retomaria esta argumentação no acórdão de 21-09-2016, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário no processo 01083/13, acrescentando, com relevo para os presentes autos, o seguinte: 

“(...)

Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.

(...)”

58. Este entendimento jurisprudencial foi retomado e reafirmado em vários arestos do Supremo Tribunal Administrativo, entre os quais destacamos os acórdãos de: 

– 05-04-2017, processo n.º 01107/16 «Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;

– 28-06-2017, Processo n.º 0897/16: «II – Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI».

– 16-05-2018, Processo n.º 0986/16: «O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;

– 14-11-2018, Processo n.º 0133/18: «No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;

– 23-10-2019, Processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17: «os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).» 

– 13-01-2021, Processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17: «Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».

- 07-04-2021, Processo 0919/07.8BEBRG: “Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção a que seja aplicável o artigo 45.º, n.º 2, do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 392.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, não se consideram os coeficientes de afetação [Ca] e de qualidade e conforto [Cq]”.

59. Este vem sendo, igualmente, o entendimento expresso em inúmeras decisões do CAAD, entre as quais destacamos as proferidas nos Processos n.º 41/2021-T, n.º 760/2020-T, n.º 487/2020-T, n.º 485/2020-T e n.º 483/2020-T, n.º 32/2022-T, 511/2022-T, que acolhemos.

60. Em síntese, na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para construção deveria ter sido efetuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação. 

61. Como se viu, o Requerente considera ainda que a AT fez uma errada interpretação do artigo 39 do CIMI, aplicando indevidamente o valor base dos prédios edificados (€ 609,00) ao invés do valor médio de construção, por metro quadrado (€482,40), em vigor entre os anos de 2010 e 2018,[5] mantendo, para os anos de 2019 e 2020, aquele valor de € 609,00, ao invés de aplicar o valor médio de construção, por metro quadrado, de € 492,00.[6] O artigo 39 do CIMI, na redação anterior à conferida pela Lei n.º 75-B/2020, tem a seguinte redação

“(...)

Artigo 39.º – Valor base dos prédios

1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25/prct. daquele valor.  

2 - O valor médio de construção é determinado tendo em conta, nomeadamente, os encargos diretos e indiretos suportados na construção do edifício, tais como os relativos a materiais, mão-de-obra, equipamentos, administração, energia, comunicações e outros consumíveis.

(...)”

62. Por identidade de razão, entende-se que, no cálculo do VPT de terrenos para construção, também não deverá ser levada em conta a determinação do artigo 39, n.º 1 do CIMI. É inequívoco que, na redação anterior à conferida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, esta norma apenas abrangia prédios edificados, sendo que o artigo 45 do CIMI, que estabelece as regras de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não remetia, na redação então vigente, para o artigo 39, nem continha qualquer alusão ao “valor base dos prédios edificados” (cf. decisão arbitral de 24-06-2021, Processo 500/2020-T). 

63. Assim, adaptando mutatis mutandis a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre os coeficientes, é de entender que não havia in casu suporte legal para aplicar a majoração prevista no artigo 39 do CIMI à fixação do VPT de terrenos para construção. Por isso, não tendo nas avaliações em causa sido aplicado aquele valor médio da construção por metro de € 482,40 (até 2018), mas o valor com a majoração de 25%, os atos de avaliação são também ilegais por violação dos artigos 39, n.º 1 e 45 do CIMI, nas redações a que supra se fez referência. Esse entendimento, para além de colher a adesão de numerosas decisões arbitrais (cf., por exemplo, decisão arbitral de 10-05-2021, processo 487/2020-T, decisão arbitral de 31-01-2022, processo 533/2021-T, decisão arbitral de 19-10-2022, processo 806/2022-T), mereceu também a concordância do TCA-S, em acórdão tirado em 06-09-2021, proferido no processo 105/07.7BELRS.

64. Pelo exposto, concluímos pela procedência do pedido de anulação da formação do indeferimento tácito, objeto imediato deste processo arbitral, e do pedido parcial do ato de liquidação de IMI relativo ao ano de 2018, objeto mediato do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

§6. Do reembolso da quantia paga em excesso e pedido de condenação em juros indemnizatórios

65. A par do pedido de anulação parcial do ato de liquidação, e do consequente reembolso da importância que indevidamente pagou em excesso, o Requerente pede ainda que se lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43 da LGT. 

66. Dispõe o n.º 1 do artigo 43 da LGT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Na al. c) do n.º 3 do mesmo preceito pode ler-se o seguinte: “3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (...) c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

67. Assim, tendo o sujeito passivo pedido a revisão oficiosa do ato de liquidação (agora parcialmente anulado), os juros indemnizatórios são devidos desde da data em que se se tenha completado um ano sobre a formulação do pedido, de acordo com o disposto na al. c) do n.º 3 do mesmo preceito, conforme jurisprudência firmada (cf., entre outros, o Acórdãos do STA de 20-05-2020, processo 05/19.8BALSB, prolatado pelo pleno da Secção de contencioso tributário, Relator: Nuno Bastos; e de 03-06-2020, processo 018/10.5BELRS 095/18, Relator: José Gomes Teixeira). 

68. Alicerça o Supremo Tribunal Administrativo este arrazoado na circunstância de o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do ato de liquidação, se ter temporariamente desinteressado da recuperação do que foi liquidado em excesso pela administração tributária, até à apresentação do pedido de revisão oficiosa «(...) A reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação» - cf. Acórdão do STA de 11-12-2019, processo 058/19.9BALSB, Relator: Ascensão Lopes. 

69. Neste conspecto, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30-12-2021, conclui-se que são devidos juros indemnizatórios a partir de 31-12-2022

 

VI – Decisão

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide: 

a) Julgar procedente o pedido arbitral;

b) Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;

c) Anular parcialmente o ato de liquidação de AIMI n.º 2018..., de 30-06-2018; 

d) Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago no valor global de € 126.006,61; 

e) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, devidos desde 31-12-2022. 

f) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

VII – Valor do processo

Em conformidade com o disposto no artigo 306, n.º 2 do CPC, no artigo 97-A, n.º 1, al. a) do CPPT « 1- Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende (...)», e no artigo 3, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária «O valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário», fixa-se o valor do processo em € 126.006,61, valor atribuído pelo Requerente, sem contestação da AT. 

 

VIII – Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12, n.º 2 e 22, n.º 4 do RJAT, no artigo 4, n.º 4 e na Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante de custas é fixado em € 3.060.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de janeiro de 2023

Os Árbitros

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(Regina Almeida Monteiro - Árbitro Presidente)

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(David de Oliveira Silva Nunes Fernandes - Árbitro Adjunto)

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(Marta Vicente - Árbitro Adjunta Relatora)



[1] Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, p. 135 ss.

[2] J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 192. 

[3] Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março. 

[4] Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março. 

[5] Cf., por último, a Portaria n.º 379/2017, de 19 de dezembro (ano de 2018). 

[6] Cf., para o ano de 2019, a Portaria n.º 330-A/2018, de 20 de dezembro, e, para o ano de 2020, a Portaria n.º 3/2020, de 13 de janeiro.