Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 793/2014-T
Data da decisão: 2015-07-20  IRS  
Valor do pedido: € 6.489,39
Tema: Mais-valias na alienação de imóvel; revisão oficiosa; não tributação
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DECISÃO ARBITRAL

REQUERENTE:A..., NIF.:..., residente em …, Montreal, Quebec, … Montreal, Canadá

REQUERIDA: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada AT) representada pela Dr.ª … e pela Dr.ª …, conforme despacho de designação do Director Geral da AT, de 30-12-2014.

I – RELATÓRIO

1.     AREQUERENTE apresentou pedido de pronúncia arbitral mencionando que requer a constituição de tribunal arbitral com o fundamento de, juntamente com o seu marido, terem vendido no ano de 2009 um imóvel adquirido a 27 de Junho de 1988 e ter tido conhecimento a 7 de maio de 2013 que o serviço de finanças teria emitido uma nota de liquidação de imposto (liquidação nº 2013 ...), onde, em sede de mais-valias aquele teria tributado, o produto da venda sem considerar a data de aquisição do imóvel – 1988;

2.     Enquadra-se o pedido no disposto no disposto nos artigos 2.º, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante designado RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, porquanto vem, a final, aREQUERENTE a peticionar que este Tribunal Arbitral se pronuncie no sentido:

Da anulação da liquidação efetuada, por aquela enfermar de ilegalidade e, consequentemente, inexistir qualquer imposto a entregar, por a venda do imóvel adquirido em 1988 não estar sujeita a tributação;

Do levantamento da penhora efectuada sobre o depósito bancário no Banco Santander Totta e os juros devidos desde a data da penhora até ao seu efectivolevantamento, sendo que tal originou uma injustiça grave e notória, bem como o enriquecimento sem causa por parte da Administração Tributária.

3.     OREQUERENTE apresentou Pedido de constituição do Tribunal Arbitral, a 27-11-2014, o qual aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 01-12-2014, levou à notificação da AT, em cumprimento do nº 3 do artigoº 10º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT).

4.     Tendo o REQUERENTE optado por não designar árbitro, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, foi o signatário designado árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a 28-01-2015, nomeação que tempestivamente aceite foi notificada às partes que não se opuseram à referida designação.

5.     A Requerida notificada para efeitos do nº 1 do art. 13º do RJAT pronunciou-se pela manutenção do acto controvertido.

6.     O Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 12-02-2015, conjugado o disposto na alínea c), do nº 1, com o nº 8 do artigo 11º, do RJAT, pelo que a 13-02-2015 foi notificada a AT para, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 2 artigo 17º do RJAT, apresentar Resposta e o correspondente processo administrativo;

7.     Em Reposta a AT, a 16-03-2015, vem apresentar defesapor impugnação pugnar pela manutenção do acto tributário de liquidação oficiosa.

8.     A reunião prevista no artigoº 18º do RJAT, não se realizou por ter sido dispensada conforme despacho de 20/05/2015, onde consta a fixação da data de 10-08-2015 para prolação da decisão arbitral.

II – SANEAMENTO

1.     O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º, nº 2 e 6º, nº 1 do RJAT.

2.     As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

3.     O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.

III - POSIÇÃO DAS PARTES

III. A - POSIÇÃO DA REQUERENTE

A REQUERENTE opõe-se à liquidação alegando, em síntese, no PEDIDO de constituição do tribunal arbitral, bem como nas ALEGAÇÕES FINAIS, com relevo para a apreciação, o seguinte:

1.      A REQUERENTE, actualmentecom 80 anos de idade, é casada desde 30 de Janeiro de 1958, em regime de comunhão geral de bens com B..., este com mais de 90 anos, sendo ambos emigrantes no Canadá onde residem entre 40 e 50 anos, tempo em que nunca tiveram problemas com a Administração Tributária, nem lá, nem cá;

2.      A relação conjugal da REQUERENTE com B... está abundantemente comprova pelo averbamento à certidão de nascimento, escritura, contrato promessa de compra e venda, certidão de registo predial e caderneta predial todos juntos ao processo;

3.      A 27 de Junho de 1988 compraram em Portugal o imóvel correspondente à fracção autónoma designada pela letra “I”, terceiro andar frente, do prédio urbano sito na Avenida ... em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ... e na matriz sob o artigo ....

4.      No ano 2009 a REQUERENTE e marido venderam aquele imóvel;

5.      Sabendo a 7 de Maio de 2013 que a AT emitira a nota de liquidação nº 2013 ..., de imposto de mais-valias da venda do imóvel desconsiderando a data da aquisição em 1988, o marido da REQUERENTE reclamou graciosamente da mesma (IRS 2009);

6.      Na decisão de liquidar IRS pela venda do imóvel e nos momentos subsequentes, houve preterição da audiência dos interessados (artigo 121º do CPA) por si só gerador de nulidade por se tratar duma fase essencial para a defesa do contribuinte e corolário do princípio da participação (artigo 12º do CPA) e da colaboração com os particulares (artigo 11º do CPA);

7.      A distância explica que marido e mulher tenham residência fiscal diferente, pois ficam poucos dias em Portugal, pelo que ao reclamar o marido alterou a sua morada para a Rua .., ... – onde habita um amigo que o auxiliou na reclamação, sendo que por serem casados em comunhão geral, assumiu o marido que, ao alterar a sua morada fiscal alteraria a da REQUERENTE e que ao reclamar o fazia pelos dois;

8.      Como a Reclamação não obteve resposta, a REQUERENTE e marido ficaram convictos que o assunto estava resolvido;

9.      Mais tarde tomou a REQUERENTE conhecimento pela instituição bancária portuguesa onde possui uma conta, que esta fora penhorada por ordem do Serviço de Finanças Lisboa ...;

10.   Fruto da penhora realizada pelo Serviço de Finanças, a REQUERENTE ficou impossibilitada de movimentar a conta que possui em Portugal e privada dos montantes que lá se encontram, pelo que pretende o levantamento imediato da penhora sobre a conta bancária;

11.   A REQUERENTE constituiu mandatários e solicitou a consulta do processo o que não sucedeu integralmente por indisponibilidade física do mesmo na Repartição;

12.   Deveria ser do conhecimento oficioso que o imóvel fora adquirido em 1988, antes da entrada em vigor do CIRS, que ao alargar a tributação a ganhos gerados na transmissão onerosa da propriedade imóvel, num regime transitório salvaguardou a não tributação em sede de mais-valias do produto da alienação dos imóveis adquiridos antes da sua entrada em vigor;

13.   Por não poder haver tributação da mais-valia da venda daquele imóvel, havendo erro manifesto, a REQUERENTE efectuou um pedido de revisão de acto tributário por iniciativa da Administração, com entrada no Serviço de Finanças a 26/06/2014, mas não obteve até à data [do pedido de constituição do tribunal arbitral] qualquer resposta;

14.   A LGT prevê um procedimento impugnatório de revisão dos actos tributários que pode ser iniciado pelo sujeito passivo ou pela AT após liquidação, ou a todo tempo se o imposto ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (n.º 1 do artigo 78º), sendo que a “revisão do acto tributário por «iniciativa da administração tributária» pode ser efectuada «a pedido do contribuinte»” no prazo de quatro anos a contar da data da liquidação por erro imputável aos serviços, o qual concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à AT, compreendendo o erro material ou o erro de facto e o erro de direito, podendo ser autorizada quando haja uma injustiça grave ou notória que, in casu está verificada sendo manifesta a injustiça ostensiva e grave;

15.   Nos termos do n.º 1 do artigo 57º da LGT, a AT tem um prazo de 4 meses para dar resposta ao pedido formulado sendo que após o terminus desse prazo se considera indeferida a pretensão do contribuinte (n.º 5 do 57º da LGT), o que, embora seja uma faculdade concedida à AT, não pode deixar de ser vista como um poder-dever, especialmente se considerarmos que a Administração está obrigada ao princípio da colaboração com os particulares e ao princípio da justiça e da boa administração.

16.   A AT não considerando a data de aquisição do imóvel – 1988 - violou o princípio da legalidade, porque pelo regime transitório – artigo 5.º do decreto-lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido (…) antes da entrada em vigor do CIRS que exclui da tributação as mais-valias realizadas que não estavam sujeitas ao imposto de mais-valias que vigorava anteriormente à Reforma Fiscal de 1988, quando tais activos tenham sido adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS, portanto 1/1/1989, sendo a ratio do regime a salvaguarda das expectativas dos sujeitos passivos; cita jurisprudência: Ac STA  no Processo n.º 0179/07, de 06/06/2007, 2ª Secção, Ac do TCASul no Processo n.º 06248/12, de 26/06/2014, Ac. do TCA Sul no Processo n.º 06726/13, de 12/06/2014 do CT – 2ª Juízo. Ac. Do TCA Norte no Processo n.º 00984/04VISEU, de 13/03/2008, do CT – 2ª Secção, Ac. TCA Norte no Processo n.º 00136/00 Porto, de 25/03/2010, do CT – 2ª Secção, Ac. do TCA Sul no Processo n.º 6380/02, de 15/10/2002, do CT;

17.   A liquidação de IRS (…) padece do vício de violação de lei, o que constitui fundamento para a sua anulação, ao que acresce a falta de resposta à Reclamação feita pelo marido da REQUERENTE, que em nome do casal reclamou graciosamente da liquidação de IRS respeitante ao ano de 2009;

18.   Porque casado com a REQUERENTE, em regime de comunhão geral de bens, por ter vendido o imóvel pertencente a ambos e por a penhora afectar os bens comuns do casal, o marido tinha, tal como a REQUERENTE, legitimidade para reclamar da liquidação do imposto;

19.   Existindo uma violação do dever de decidir e informar os cidadãos, pois o Serviço de Finanças “tem o dever legal de decidir os pedidos”[1]; constituindo, também, uma violação do princípio da colaboração, plasmado no artigo 59º da LGT e artigo 7º do CPA e do princípio do respeito pelas garantias dos obrigados tributários, artigo 55º LGT;

20.   Há um dever de pronúncia “que existe face a qualquer petição” e de decisão, pois a pretensão visa a “defesa de interesses próprios”, ficando, ainda, violado o dever de fundamentação dos actos administrativos que decidam reclamação ou recurso, artigoº. 124º, n.º 1, alínea a) do CPA;

21.   Pelo artigo 15º do CIRS os cidadãos não residentes penas são tributados sobre os rendimentos obtidos no território nacional, pelo que como emigrantes e tendo adquirido o imóvel em 1988 sendo a mais-valia não tributável, como a AT o reconhece para o marido (cf. ponto 5.8. da resposta da AT) também o é para a mulher, pensou o casal não teria de pagar qualquer tipo de imposto sobre aquela, logo a Requerente não estava obrigada a declarar o produto da venda, nem a entregar declaração de IRS de 2009;

22.   Existiu um erro dos Serviços não confirmando a data da aquisição do imóvel, não tendo a data de venda passado despercebida, e erro quanto à qualidade de casada da REQUERENTE, já que tal facto é de conhecimento oficioso,

23.   Os Serviços alegam que não tiveram antes conhecimento da data de compra do imóvel, mas quando o marido da Requerente fez a reclamação e juntou prova da data de aquisição, aí a AT passou a estar informada, bem como através da prova junta aquando do pedido de revisão do ato tributário feito pela REQUERENTE;

24.   Embora a prova junta ao pedido de revisão oficiosa do acto tributário fosse apresentada depois da liquidação oficiosa, face ao artigo 59º do CPPT o procedimento de liquidação é, a priori, declarativo, ou seja, os Serviços devem considerar todos os dados e informações prestadas pelos contribuintes, bem como aqueles que a Administração não possa ou deva desconhecer entre os quais figura, à cabeça, o estado civil da REQUERENTE, constante de documentos oficiais como sendo a escritura de compra e venda, registos, caderneta predial;

25.   A Requerente nunca negou ou omitiu qualquer colaboração com a AT, dentro das suas limitações, de idosa e não residente, portanto, mesmo tendo a prova sido apresentada depois da liquidação oficiosa – e note-se que é a mesma nota de liquidação que está na base da Reclamação deferida ao marido e da penhora da mulher -, que tinha de ter sido valorizada pelos Serviços, mas não parece ter sido considerada em sede de defesa da Requerente, pelo que houve injustiça grave e notória na ignorância da prova apresentada e falta de consulta dos dados relevantes, constantes da documentação;

26.   Se a AT reconhece na Resposta que a Reclamação do marido da Requerente foi deferida a 13-05-2013 pelo Serviço de Finanças de ..., tendo a liquidação oficiosa sido anulada, então não existiu uma comunicação entre os Serviços, pois a mesma liquidação não pode ser anulada por um Serviço e servir de base a um processo de execução por outro, pois seria clamoroso que a mesma liquidação anulada ao marido seja válida para a mulher, ou seja, que por aplicação da lei seja o marido isento do pagamento de imposto sobre a venda de imóvel adquirido em comunhão geral, ficando a mulher, em violação da lei, sujeita a esse pagamento, pelo que nunca o Serviço de Finanças de Lisboa... poderia ter avançado com o processo de execução fiscal contra a Requerente;

27.   Se a Reclamação Graciosa foi deferida e inexistindo a figura do meio deferimento, então, deve considerar-se que o Serviço de Finanças de ... a deferiu também relativamente à REQUERENTE com quem o Reclamante era e é casado desde 1958.

28.   Vindo a querer:

28.1. A anulação da liquidação efectuada por ilegalidade e inexistir qualquer imposto a entregar por a venda do imóvel adquirido em 1988 não estar sujeita a tributação;

28.2. O levantamento da penhora efectuada sobre o depósito bancário no Banco Santander Totta;

28.3. A condenação em juros, devidos desde a data da penhora até ao seu efectivo levantamento, pois a situação controvertida originou uma injustiça grave e notória e o enriquecimento sem causa por parte da Administração Tributária.

 

III. B - POSIÇÃO DA REQUERIDA

Embora a REQUERIDA não tivesse apresentado defesa por excepção, veio fazê-lo nas suas ALEGAÇÕES FINAIS.

III. B.1 -POR EXCEPÇÃO

Embora a REQUERIDA não tivesse apresentado defesa por excepção, veio fazê-lo nas suas ALEGAÇÕES FINAIS referindo deduzir a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral, e subsidiariamente, a excepção da caducidade do direito de acção arbitral, relativamente à parte do pedido dirigida à anulação do acto tributário com fundamento em injustiça grave e notória, alegando, em síntese, e com relevo para a apreciação, o seguinte:

Da incompetência material do Tribunal Arbitral relativamente a parte do pedido

1.     Na parte em que o pedido e a causa de pedir pretendem a anulação do acto não com base na apreciação da legalidade de um acto de liquidação, mas sim com base nos pressupostos de que depende a revisão oficiosa dos actos tributários quando, como vem a ser o caso dos autos, respeitem à existência de injustiça grave e notória, prevista no nº 4 e 5 do artigo 78º da LGT, nessa parte o pedido de pronúncia arbitral não está abrangido pela competência dos tribunais arbitrais expressamente prevista no artigo 2º do RJAT,

2.     Que neste sentido, se pronunciou Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, 2011, p. 54: «no que concerne aos actos proferidos em processo de revisão oficiosa [...] a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade do acto de liquidação», pelo que

3.     Deverá este Tribunal Arbitral, relativamente àquela parte do pedido, julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material, absolvendo a REQUERIDA da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com a consequente redução da instância à parte restante do pedido de pronúncia arbitral.

Da caducidade do direito de acção relativamente a parte do pedido

4.     Que há uma intempestividade do pedido e consequente caducidade do direito de acção arbitral, uma vez que o prazo de 90 dias para apresentar pedido de pronúncia arbitral começa a contar-se dos factos previstos no nº 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, conforme dispõe a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT,

5.     Sendo que no caso dos autos a liquidação controvertida tinha como data limite para pagamento 26/11/2013, donde resulta que à data de 27/11/2014 tinha precludido o prazo para reagir contra a mesma através da presente via arbitral.

6.     Devendo este Tribunal Arbitral julgar procedente a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a autoridade Recorrida da instância.

III. B.2 -POR IMPUGNAÇÃO

7.     O pedido de pronúncia arbitral é deduzido contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação nº 2013..., de 20/04/2013, referente a IRS de 2009, tendo como causa de pedir o alegado erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 78º da LGT, e ainda injustiça grave e notória para efeitos do nº 4 e nº 5 do mesmo normativo legal, pugnando pela manutenção na ordem jurídica dos actos controvertidos.

8.     A REQUERIDA apresenta, o seu entendimento da matéria de facto com interesse para a boa decisão da causa, atentos os articulados das partes e a prova documental junto aos autos, e considera como matéria assente para efeitos de probatório:

8.1.  A 06/07/2009 a Requerente vendeu a fracção autónoma designada pela letra I do prédio inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, a qual havia adquirido por escritura de 27/06/1988;

8.2.  A REQUERENTE tem domicílio fiscal na Av. …, Lisboa, do Serviço de Finanças de Lisboa..., o marido na Rua …, em ..., Serviço de Finanças de ... ...;

8.3.  A Requerente não entregou declaração de rendimentos modelo 3 referente a IRS de 2009;

8.4.  O Serviço de Finanças de Lisboa..., com base na informação obtida através da modelo 11, em cumprimento do disposto no nº 3 e alínea b) do nº 1 do artigo 76º do CIRS, e o artigo 70º, a al. a) do nº 1 do artigo 79º e nº 3 do artigo 97º do CIRS, liquidou oficiosamente o imposto controvertido tendo por base os elementos disponíveis:

8.4.1.     O referido domicílio da REQUERENTE, à data;

8.4.2.     A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos a 31/12/2009 (artigo 13º, nº 7 do CIRS) inexistindo elementos nos serviços a comprovar a composição do agregado familiar da Requerente mulher e a qualidade que os Requerentes invocam e não comprovam, de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, de acordo com o nº 2 e alínea a) do nº 3 do artigo 13º do CIRS;

8.4.3.     Porque os Serviços não conheciam nem tinham obrigação de conhecer a data e o valor de aquisição do imóvel, foi considerada a data mais antiga de 01/01/1989 e o valor patrimonial em vigor;

8.4.4.     A liquidação oficiosa de imposto foi efectuada em nome da Requerente, na qualidade de sujeito passivo não casado, considerando 50% do valor de aquisição e do valor de alienação para efeitos do cálculo da mais-valia obtida em sede de IRS;

8.5.  A liquidação oficiosa controvertida foi notificada através do registo postal nos CTT RY...PT, de 29/04/2013, recebido a 08/05/2013 e porque a não foi paga, foi instaurado processo de execução fiscal nº ...2013..., para cobrança coerciva do total apurado, o qual se encontra parcialmente regularizado;

8.6.  A liquidação oficiosa efectuada em nome do Requerente marido foi anulada na sequência da reclamação graciosa apresentada a 07/05/2013, no Serviço de Finanças de ......, autuada com o nº...2013... e deferida por despacho de 13/05/2013;

8.7.  A 27/06/2014, pelo registo postal RD...PT, a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa ... um pedido de revisão oficiosa, autuado com o nº .../2014-..., remetido à Direcção de Finanças de Lisboa a 04/07/2014 e posteriormente à Direcção de Serviços de IRS a 25/11/2014, não tendo até à data sido proferida qualquer decisão;

 

IMPUGNA os restantes factos aduzidos pela REQUERENTE na PI, em particular:

9.     No artigo 1º por não corresponde ao domicílio fiscal comunicado pelos Requerentes à AT;

10.  No artigo 6º pornão corresponde à realidade, pois a liquidação oficiosa efectuada em nome do Requerente marido foi anulada;

11.  Nos artigos 9º e 16º por a REQUERENTE, pessoalmente ou através de mandatários constituídos para o efeito, nunca ter sido impedida de consultar o seu processo administrativo.

12.  Por não provado e por não ser matéria que a AT conheça ou tenha o dever de conhecer, que a 31/12/2009 os Requerentes fossem casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.

13.  Entende que só releva como matéria de facto controvertida saber se estão preenchidos os pressupostos legais da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa do acto tributário apresentado depois de esgotado o prazo para reclamar graciosamente, concretamente, atendendo à causa de pedir, se houve erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 78º da LGT, ou se houve erro grave e notório para efeitos do nº 4, o que contraria explicitando quanto:

Ao erro imputável aos Serviços

14.  Que a tese dos Requerentes carece de sustentação legal, pois a liquidação oficiosa resulta do incumprimento do artigo 57º do CIRS no prazo do artigo 60º, pelo que à falta de entrega da declaração de rendimentos, a AT procedeu à emissão da liquidação oficiosa de imposto, considerando os elementos disponíveis nos Serviços.

15.  O erro praticado no acto tributário em apreço, consubstanciado na tributação da mais-valia obtida com a alienação de um imóvel adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, excluída de sujeição a IRS pelo regime transitório do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/1, a que acresce a alegada tributação da Requerente na qualidade de sujeito passivo solteiro, divorciado ou separado de facto, não pode, pois, considerar-se imputável aos Serviços, sustentando esta conclusão ainda no nº 2 daquele artigo 5º, segundo o qual “cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código”.

16.  A situação pessoal e familiar do sujeito passivo do imposto a 31/12/2009 não é do conhecimento dos Serviços, constituindo um facto constitutivo de um direito à tributação conjunta dos rendimentos cujo ónus da prova recai sobre quem o invoca (artigo 74º da LGT).

17.  Para efeitos da parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT, discute-se se o erro praticado no acto tributário é imputável ao contribuinte ou aos serviços, e não, como parecem pretender os Requerentes, se a apresentação do pedido de revisão oficiosa depois do prazo da reclamação administrativa é ou não imputável aos serviços; logo, para o nº 1 do artigo 78º da LGT não releva o facto de o Requerente marido ter apresentado uma reclamação graciosa a 07/05/2013 junto do seu Serviço de Finanças, pois a prova efectuada quanto aos factos aí invocados é posterior à emissão da liquidação oficiosa efectuada em nome da Requerente mulher, de 20/04/2013.

À Injustiça grave ou notória

18.  Sobre a revisão oficiosa nos três anos posteriores ao do acto tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória no apuramento da matéria colectável, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte, também aqui a pretensão dos Requerentes carece de sustentação legal, pois:

Quanto ao comportamento negligente do contribuinte

19.  Embora a mais-valia obtida não estivesse sujeita a IRS, atento o ano de aquisição do imóvel, é inequívoco o comportamento negligente dos Requerentes quanto às suas obrigações fiscais, cujo incumprimento originou o pedido de revisão oficiosa depois de esgotado o prazo da reclamação graciosa: incumprimento da obrigação acessória de entrega da modelo 3 de IRS e anexo G1 (mais-valias não tributáveis), nos termos do artigo 57º do CIRS, obrigação não dispensada pelo artigo 58º do CIRS; incumprimento da actualização do domicílio fiscal (artigo 19º da LGT) sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária (nº 4 do artigo 19º da LGT).

20.  Face ao artigo 6º do CC “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”, pelo que os alegados erros do acto tributário, cuja revisão oficiosa foi pedida ao abrigo do artigo 78º da LGT, resultam da falta dos deveres de cuidado que lhe incumbiam, o que, a ter sucedido, resultaria no cumprimento da sua obrigação declarativa e, consequentemente, na inexistência da liquidação oficiosa, ou, no limite, na recepção atempada da nota de liquidação para efeitos de reclamação graciosa, com fundamento em qualquer ilegalidade.

21.  Do incumprimento decorreu o tratamento da situação jurídico-tributária dos Requerentes por Serviços de Finanças distintos e o envio das notas de liquidação para as moradas constantes do registo de contribuintes, ainda que não coincidentes com o local efectivo da sua residência habitual, circunstância que só aos contribuintes é imputável.

22.  Ainda que assim não se entenda, os pressupostos de injustiça grave ou notória do nº 4 do artigo 78º da LGT não estão preenchidos, pois este “consagra uma possibilidade de revisão excepcional do acto tributário para além dos prazos normais de reclamação ou impugnação judicial, mesmo quando não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação. Visa resolver apenas os casos mais escandalosos e gritantes de injustiça fiscal, não devendo constituir um meio sistemático de o contribuinte obter a revisão dos actos tributários para além dos prazos normais de reclamação ou impugnação, o que comprometeria a eficácia e racionalidade do actual sistema de garantias dos contribuintes”, sendo que “é o contribuinte quem tem de provar a gravidade ou notoriedade da injustiça, sob pena de liminar indeferimento do pedido de revisão da matéria tributável”.

23.  Procura a REQUERIDA expor por artigos, a sua apreciação quanto à:

 

d) Injustiça grave, dizendo que,

24.  Pelo nº 5 do artigo 78º da LGT apenas se considera grave a injustiça “resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade”, i.e, “em termos de criar sérias perturbações na vida do contribuinte ou da sua empresa”, sucedendo que os Requerentes não alegaram nem comprovaram que a injustiça que invocam lesou gravemente os seus interesses.

 

e) Injustiça notória dizendo que,

25.  Pelo nº 5 do artigo 78º da LGT apenas se considera notória a injustiça que seja simultaneamente ostensiva e inequívoca, o que se afigura não ser de todo o caso, pois muito embora tal previsão “não queira forçosamente dizer sabida ou conhecida de muita gente” ainda assim, a alegada injustiça nestes autos constitui uma questão controvertida.

26.  Sobre a noção de erro imutável aos serviços, ínsita na parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT, a doutrina referida pelos Requerentes inclui no erro imputável aos serviços também o erro de direito, mas não defende que todo o erro de direito é imputável aos serviços, o que, de todo o modo, para o que aos autos importa não se afigura relevante pois o erro praticado na declaração é um erro de facto quanto à data de aquisição do imóvel, e não um erro de direito.

27.  Sobre o aduzido no artigo 33º da PI, a Reclamação Graciosa do Requerente marido obteve decisão expressa de deferimento, não resultando do requerimento que tenha sido feito “em nome do casal”, pois não identifica a REQUERENTE mulher nem refere a qualidade de casado, não sendo despiciendo o facto de não existir na base de dados da AT qualquer declaração ou liquidação de IRS em nome dos dois relativamente a este ano de 2009 ou qualquer outro.

28.  Embora os Requerentes não exponham um pedido explícito de juros indemnizatórios sobre as importâncias pagas ao abrigo da penhora de contas bancárias no respectivo processo de execução fiscal, caso a pretensão dos Requerentes seja julgada procedente, o direito a juros indemnizatórios devidos tem o seu enquadramento na alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT.

29.  Pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral mantendo-se na ordem jurídica:

29.1.                O indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por não estarem reunidos os pressupostos legais do artigo 78º da LGT,

29.2.                E o acto tributário de liquidação de imposto.

 

Nas ALEGAÇÕES FINAIS a REQUERIDA apresenta a defesa por excepção que consta supra e por impugnação, destacando-se, quanto:

 

Ao pedido de revisão do acto tributário ao abrigo do nº 4 e nº 5 do artigo 78º da LGT

30.  Em síntese, a inexistência de informação de que a AT devesse ter conhecimento, bem como o incumprimento pelos Requerentes da obrigação acessória de alteração do domicílio fiscal e nomeação de representante fiscal, com a consequente falta de esclarecimentos da sua situação tributária, reconduzindo-se a uma situação de negligência que impede a anulação pretendida ao abrigo de injustiça grave e notória.

Ao pedido de revisão do acto tributário ao abrigo do nº 1 do artigo 78º da LGT com fundamento em erro imputável aos serviços

31.  Em nome de cada um dos Requerentes foi emitida uma liquidação de imposto sobre a sua quota-parte no imóvel alienado em 2009, existindo, por conseguinte, duas liquidações diferentes e autónomas, sendo que a liquidação nº 2013..., em nome do marido foi anulada na sequência da Reclamação Graciosa apresentada e a liquidação nº 2013..., em nome da Requerente, é a liquidação objecto dos autos, a qual foi notificada através do registo postal nos CTT RY...PT, de 29/04/2013, recebido a 08/05/2013 e porque não foi paga, foi instaurado processo de execução fiscal nº ...2013..., para cobrança coerciva do total apurado, o qual se encontra parcialmente regularizado;

32.  A 27/06/2014, através de registo postal RD...PT, a REQUERENTE apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa ... um pedido de revisão oficiosa, autuado com o nº .../2014-..., o qual foi remetido à Direcção de Finanças de Lisboa a 04/07/2014 e, posteriormente, à Direcção de Serviços de IRS a 25/11/2014, não tendo até à data sido proferida qualquer decisão;

33.  A liquidação de IRS em nome da Requerente considerou a informação da modelo 11 entregue pelos notários onde consta a identificação dos imóveis contratados e nomes dos contratantes, aí referindo a escritura de compra e venda de 06/07/2009, da fracção em apreço, identificando os ora Requerentes como alienantes, com os NIF ... e ..., e a quota-parte de ½ de cada um deles.

34.  A certidão do registo predial refere o estado civil e regime de comunhão de bens dos Requerentes à data da aquisição do imóvel porser informação relevante para efeitos de compropriedade do mesmo e responsabilidade do imóvel por dívidas dos cônjuges, mas já não refere o seu estado civil à data da alienação, nem refere a data de aquisição do imóvel mas antes a data da apresentação do mesmo a registo, sendo esta data 27/06/1989.

35.  O estado civil dos alienantes, ainda que constasse do registo predial, não se afiguraria decisivo, uma vez que para efeitos de tributação em IRS releva a situação pessoal e familiar a 31/12/2009, pelo que para efeitos de tributação da mais-valia obtida com a alienação do referido imóvel, importa atentar ao estado civil dos alienantes à 31/12/2009 e não à data da escritura.

36.  O facto de o marido, notificado da liquidação em seu nome, ter apresentado uma reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de ... ... sem mencionar o seu estado civil ou identificar a ora Requerente, contribuiu para a falta de informação dos Serviços e para o facto de aquele Serviço de Finanças não ter contactado o Serviço de Finanças de Lisboa ... para esclarecimentos, quanto ao estado civil, e à data de aquisição do imóvel, comprovada pelo Requerente marido mediante a escritura.

37.  Notificados daquelas declarações, cabe aos sujeitos passivos esclarecer a sua situação jurídico-tributária, apresentando os elementos de que dispõem e que a AT não conhece nem tem a obrigação de conhecer, conclusão reforçada pelo nº 2 do artigo 5º do Decreto-lei nº 442-A/88, de 30/11, que aprovou o Código do IRS, segundo o qual “cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código”.

38.  Comprovando-se que os Requerentes são não residentes em Portugal, o seu estado civil não releva para efeitos da tributação que pretendem afastar, pois não releva para efeitos de tributação em IRS a sua situação civil ou familiar;

39.  Embora a aquisição do imóvel seja anterior à entrada em vigor do CIRS, não tendo a REQUERENTE nomeado representante fiscal em Portugal (artigos 19º da LGT e 130º do CIRS), não pode opor à AT a notificação que lhe foi validamente efectuada para o seu domicílio fiscal.

Conclui que:

40.  Não existe erro imputável aos Serviços mas aos contribuintes que ao omitiram a alteração do domicílio fiscal, constam como cidadãos residentes em território português, com a consequente obrigação de declarar em Portugal todos os rendimentos obtidos, inclusive fora do território nacional.

41.  O estado civil não é de conhecimento oficioso, como pretende a REQUERENTE, sendo que o Requerente marido não reportou a sua situação pessoal e familiar quando apresentou a sua Reclamação Graciosa da liquidação de IRS efectuada apenas e em seu nome.

42.  A informação reportada pela modelo 11 refere a quota-parte de ½ a título de propriedade de cada um dos Requerentes, omitindo o estado civil, que tão-pouco poderia resultar indiciado de declarações de rendimentos dos Requerentes de anos anteriores, as quais são inexistentes.

43.  Tendo a liquidação controvertida avançado para cobrança coerciva, assistia à REQUERENTE a faculdade de reagir, o que não fez pela razão que não reclamou graciosamente: não cumpriu o seu dever de alteração do domicílio fiscal, omissão à Requerente é imputável, não à AT.

44.  Ainda que se conclua pela existência de erros praticados da liquidação, os mesmos não resultam imputáveis à AT, devendo o pedido de anulação do acto com fundamento em erro imputável aos serviços, ao abrigo da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, ser julgado improcedente.

45.  Refere, a ser julgada procedente a pretensão dos Requerentes, não estão reunidos os pressupostos do direito a juros indemnizatórios, quer ao abrigo do nº 1 do artigo 43º da LGT, pois nenhum erro praticado na liquidação ora controvertida se afigura susceptível de imputação à AT; quer ao abrigo da alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT, pois os juros indemnizatórios destinados a ressarcir o atraso na decisão do pedido são devidos apenas após um ano sobre o pedido, o que ainda não ocorreu.

46.  Considera, no caso do pedido de pronúncia arbitral ser julgado procedente, que não deve a REQUERIDA ser condenada em custas, pois considerando a falta de esclarecimentos prestados pela REQUERENTE e o incumprimento da sua obrigação de alteração do domicílio fiscal e nomeação de representante fiscal, a AT não podia ter decidido de modo diferente.

IV - MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto relevante, dada como provada para a apreciação e decisão subsequente, é a seguinte:

1.     A REQUERENTE é emigrante no Canadá onde reside entre 40 e 50 anos;

2.     A REQUERENTE, com 80 anos de idade, é casada desde 30 de Janeiro de 1958, em regime de comunhão geral de bens, com B..., de 90 anos;

3.     A 27 de Junho de 1988 a REQUERENTE e marido compraram o imóvel constituído pelafracção autónoma designada pela letra “I”, terceiro andar frente, do prédio urbano sito na Avenida ... em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artigo ... (doravante designado IMÓVEL);

4.     A 06/07/2009 a REQUERENTE e B... venderam o IMÓVEL;

5.     A REQUERENTE tem domicílio fiscal na Av. ..., …, em Lisboa, na área do Serviço de Finanças de Lisboa ..., não tendo procedido à sua actualização nos termos do artigo 19º da LGT;

6.     O marido da REQUERENTE tem domicílio fiscal na Rua …, em ..., na área do Serviço de Finanças de ... ..., conforme alteração de morada realizada ao tempo da Reclamação Graciosa, para morada de pessoa amiga;

7.     Não procederam, a REQUERENTE, ou o marido, à entrega de modelo 3 de IRS de 2009, acompanhada do respectivo anexo G1; nem à nomeação de representante fiscal, embora residindo fora de Portugal;

8.     A 31/12/2009 a REQUERIDA não dispunha de elementos a comprovar a qualidade, entre a REQUERENTE e B..., de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens;

9.     Os factos descritos (§§ 5 a 8)sustentaram o tratamento da situação jurídico-tributária dos REQUERENTEs por Serviços de Finanças distintos e o envio das notas de liquidação para as moradas do registo dos contribuintes, não coincidentes com a efectiva residência habitual;

10.  Houve um acto tributário consubstanciado na tributação da mais-valia obtida com a alienação do IMÓVEL adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, excluída de sujeição a IRS pelo regime transitório do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/1;

11.  Não resulta dos autos que REQUERIDA tenha dado cumprimento ao art.º 60º da LGT;

12.  A Reclamação Graciosa apresentada pelo marido e deferida não expressa que tenha sido realizada “em nome do casal”, pois não identifica a REQUERENTE nem refere a qualidade de casado;

13.  A liquidação de IRS da REQUERENTE considerou a informação da declaração Modelo 11, entregue pelos notários, em cumprimento do disposto no CIMT e no Código do Notariado, da qual consta a compra e venda do IMÓVEL a 06/07/2009, identificando os ora REQUERENTES na qualidade de alienantes, com os NIF ... e ..., bem como a quota-parte de ½ de cada um deles.

14.  A certidão do registo predial refere o estado civil e regime de comunhão de bens da REQUERENTE à data da aquisição do imóvel, e não o estado civil à data da alienação, todavia refere-a como alienante, em 2009, conjuntamente com a pessoa com quem adquirira o mesmo imóvel.

15.  A certidão do registo predial não refere a data de aquisição do imóvel mas sim a da apresentação do mesmo a registo: 27/06/1989.

16.  Os Serviços não conheciam a data e o valor de aquisição do imóvel, pelo que consideram a data de 01/01/1989 e o valor patrimonial em vigor;

17.  Da apreciação da Reclamação Graciosa de B... consta este como divorciado (…). (cfr. fl 37 do PA e §§ 5.3 da informação que sustenta a decisão); 

18.  Nas declarações oficiosas de A... (cfr. fl. 15 do PA) e de B... (cfr. fl. 33 do PA), estes constam como “solteiro, viúvo, divorciado ou separado judicialmente”;

19.  A 7 de Maio de 2013, após conhecimento da nota de liquidação nº 2013 ..., na qual a AT, em sede de mais-valias tributou o produto da venda do IMÓVEL sem considerar a data da sua aquisição, B... reclamou graciosamente da liquidação de IRS de 2009;

20.  A liquidação oficiosa efectuada em nome do marido foi anulada na sequência da Reclamação Graciosa por este apresentada a 07/05/2013, no Serviço de Finanças de ... ..., autuada com o nº ...2013... e deferida por despacho de 13/05/2013 mas manteve-se a liquidação para execução da REQUERENTE;

21.  B... não teve conhecimento do deferimento da Reclamação Graciosa;

22.  Tomou a REQUERENTE conhecimento pela instituição bancária portuguesa onde possui uma conta que esta fora penhorada por ordem da AT;

23.  Fruto da penhora realizada pela AT a REQUERENTE ficou impossibilitada de movimentar a conta que possui em Portugal e privada dos montantes que lá se encontram;

24.  A liquidação oficiosa em nome da REQUERENTE, como sujeito passivo não casado, considerou 50% do valor de aquisição e do valor de alienação para efeitos do cálculo da mais-valia obtida em sede de IRS;

25.  A liquidação oficiosa controvertida, Nº 2013..., de 20/04/2013, foi notificada pelo registo postal nos CTT RY...PT, de 29/04/2013 e recebida a 08/05/2013;

26.  A liquidação oficiosa controvertida, Nº 2013 ..., de 20/04/2013 não foi paga;

27.  Foi instaurado processo de execução fiscal nº ...2013..., para cobrança coerciva do total apurado, o qual se encontra parcialmente regularizado;

28.  A 27/06/2014 a REQUERENTE efectuou um pedido de revisão oficiosa de acto tributário por iniciativa da Administração (cf. registo postal RD ...PT), pedido autuado com o nº .../2014-...;

29.  O pedido de revisão oficiosa de acto tributário foi remetido à Direcção de Finanças de Lisboa a 04/07/2014, posteriormente à Direcção de Serviços de IRS através de ofício de 25/11/2014, não tendo até à data sido proferida qualquer decisão;

30.  Não existe na base de dados da AT qualquer declaração ou liquidação de IRS em nome da REQUERENTE e do marido relativamente ao ano de 2009 ou a qualquer outro.

31.  Antes da decisão de liquidação do imposto sobre a mais-valia obtida pela venda do IMÓVEL, não houve audição dos interessados, nos termos do artigo 121º do CPA, nem em nenhum momento subsequente;

32.  A prova da data da aquisição do IMÓVEL apresentada pela REQUERENTE ocorreu após a liquidação oficiosa do imposto em seu nome;

33.  Em nome de cada um dos membros do casal foi emitida uma liquidação de imposto sobre a sua quota-parte no imóvel alienado em 2009, existindo, duas liquidações diferentes e autónomas, sendo que:

33.1.                A liquidação nº 2013 ..., em nome do marido, foi anulada na sequência da Reclamação Graciosa tempestivamente apresentada no Serviço de Finanças de ... ...;

33.2.                A liquidação nº 2013 ..., em nome da REQUERENTE, é a objecto dos presentes autos.

34.  Tendo a liquidação controvertida avançado para cobrança coerciva a REQUERENTE não reagiu nem previamente reclamou graciosamente da liquidação de IRS;

35.  A REQUERENTE, pessoalmente ou através de mandatários constituídos para o efeito, nunca foi impedida de consultar o seu processo administrativo, todavia,

36.  À REQUERENTE representada por mandatário constituído para o efeito, não foi dado a conhecer todo o processo administrativo; de notar que a REQUERIDA não impugna expressamente o afirmado pela REQUERENTE, antes diz que não foi impedida de consultar o seu processo administrativo; entende-se, assim, das duas afirmações, que uma não infirma a outra, pelo que se tem por válido que a REQUERENTE não tenha sido impedida de consultar o processo administrativo mas não lhe tenha todo ele sido facultado, o que também se compreende, dada a possibilidade de dispersão por distintos serviços; todavia esta situação de facto não tem influência decisiva na decisão.

A matéria de facto dada como provada resulta dos documentos juntos aos autos, quer da P.I., quer da Resposta e respectivo processo administrativo e não contestada pelas partes.

V - APRECIAÇÃO E DECISÃO DAS EXCEPÇÕES INVOCADAS PELA REQUERIDA

Importa apreciar as excepções invocadas pela REQUERIDA da incompetência material deste Tribunal Arbitral, e da caducidade, previamente ao pedido, porquanto se alguma for julgada procedente, determinará a impossibilidade do conhecimento do pedido, cfr. 608º nº 2 do CPC,ex vi, art.º. 29º, nº 1 alínea e) do RJAT.

1.     A segunda excepção contraria a primeira, conforme exposto pela REQUERIDA; na primeira:

Na parte em que o pedido e a causa de pedir pretendem a anulação do acto com fundamento em injustiça grave e notória, especificamente prevista no nº 5 e nº 4 do artigo 78º da LGT, porque não se trata da apreciação da legalidade de um acto de liquidação, entende-se que nessa parte o pedido de pronúncia arbitral não está abrangido pela competência dos tribunais arbitrais expressamente prevista no artigo 2º do RJAT.

2.     Arguiu a segunda excepção nos seguintes termos:

(…) será forçoso concluir pela intempestividade do mesmo e consequente caducidade do direito de acção arbitral, uma vez que o prazo de 90 dias para apresentar pedido de pronúncia arbitral começa a contar-se dos factos previstos no nº 1 e 2 do art. 102º do CPPT, conforme dispõe a alínea a) do nº 1 do art. 10º do RJAT, sendo que no caso dos autos a liquidação controvertida tinha como data limite para pagamento 26/11/2013, donde resulta que à data de 27/11/2014 tinha precludido o prazo para reagir contra a mesma através da presente via arbitral.

3.     Ao que acresce que na sua RESPOSTA a REQUERIDA sustenta o seguinte:

O presente pedido de pronúncia arbitral vem deduzido contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação nº 2013 ..., de 20/04/2013, referente a IRS de 2009, com imposto a pagar no montante de € 5.802,05, acrescido de juros compensatórios no montante de € 687,34, num total de € 6.489,39.

4.     E nas ALEGAÇÕES FINAIS o seguinte:

(…) como resulta do pedido de pronúncia arbitral, o mesmo vem deduzido contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, tendo como causa de pedir o alegado erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 78º da LGT, e ainda injustiça grave e notória para efeitos do nº 4 e nº 5 do mesmo normativo legal.

5.     Isto é, na primeira excepção a REQUERIDA invoca a incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido porque não se trata da apreciação da legalidade de um acto de liquidação – o que vai ao encontro do que sustentara na RESPOSTA, de que o pedido de pronúncia arbitral vem deduzido contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação; e invoca na segunda excepçãoa caducidade do direito de acção arbitral, porque no caso dos autos a liquidação controvertida tinha como data limite para pagamento 26/11/2013, donde resulta que à data de 27/11/2014 tinha precludido o prazo [de 90 dias] para reagir contra a mesma através da presente via arbitral.

Apreciando a primeira excepção, esta terá de improceder, nos termos subsequentes:

6.     Como bem refere a REQUERIDA na sua RESPOSTA, o pedido de pronúncia arbitral vem deduzido contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação nº 2013 ..., de 20/04/2013, referente a IRS de 2009. Mas,

7.     Haveria de dar-se razão à REQUERIDA[2] que «no que concerne aos actos proferidos em processo de revisão oficiosa [...] a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade do acto de liquidação», se a AT se tivesse pronunciado negativamente quanto ao pedido de revisão oficiosa por se ter entendido haver algum obstáculo a isso (como por exemplo intempestividade, ou ilegitimidade ou incompetência[3]), isto é, por uma razão que configurasse uma decisão negativa para a REQUERENTE, porém sem apreciar o mérito do pedido, pois nesse caso a decisão, expressa, negativa, não comportaria a apreciação da legalidade do acto de liquidação.

8.     Importa atentar no que refere o mesmo autor citado pela REQUERIDA, em anotação ao RJAT em sede da apreciação do âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários[4]:

Os actos de liquidação de tributos são actos da administração tributária que apreciam e conformam a relação jurídica tributária.

(…)

As leis tributárias prevêem a possibilidade de o contribuinte impugnar administrativamente os actos e liquidação (em sentido lato, abrangendo os de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), através de reclamação graciosa (…) e impugnar as decisões de indeferimento das reclamações graciosas através de recurso hierárquico (…). Os actos que decidem reclamações graciosas e recursos hierárquicos das decisões sobre reclamações graciosas serão, neste contexto, actos de segundo e terceiro graus, respectivamente, em que pode ser apreciada a legalidade de actos de liquidação, que são actos de primeiro grau. O mesmo se poderá dizer relativamente aos actos que procedem à revisão de actos de liquidação de tributos, no âmbito do artigo 78º da LGT.

(…)

No que concerne aos actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, não resulta do teor expresso do RJAT a possibilidade de serem apreciados pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. (…) No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT, numa mera interpretação declarativa, não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos, pois a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando, com essa confirmação, a sua ilegalidade.

(…)

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o indeferimento do pedido de revisão do acto tributário (…).

9.     Convém referir que nesta anotação, não se faz qualquer diferenciação entre indeferimento expresso e tácito, como é compreensível, pois tendo a AT tido a possibilidade de se pronunciar, indeferindo expressamente o pedido sem apreciar o acto de liquidação por eventualmente ter entendido haver algum obstáculo a isso (se fosse o caso, v.g., intempestividade, ou ilegitimidade ou incompetência), se nada disse, não se pode considerar haver um indeferimento que não comporte a apreciação da legalidade do acto de liquidação, pelo que, se consubstanciou, com este silêncio, um acto de indeferimento, cujo efeito é equivalente ao indeferimento expresso do pedido que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação, já que é conferido ao cidadão o direito de presumir o seu indeferimento para efeitos de (…) impugnação judicial (ex. vi, nº 4 do artigo 57º da LGT).

10.  Claro se torna que entende este tribunal que o acto tácito negativo é por natureza infundamentável[5], pelo que, ao haver uma presunção de indeferimento esta equivale a uma pronúncia de mérito, tal como expresso nos Acórdãos do STA proferidos nos processos nºs 306/09, de 8-7; 1950/13, de 2-7[6]e em idêntica decisão no Processo Nº 01458/13, de 14/5 de 2014[7].

11.  Ora, no caso dos autos, o que a REQUERENTE visa ver apreciado é o vício do acto de liquidação, cuja apreciação suscitou mediante um pedido de revisão que viu tacitamente indeferido, nos termos do nº 5 do artigo 57º da LGT.

12.  Cabendo direito de impugnação ou recurso do indeferimento, expresso ou tácito e total ou parcial, de reclamações, recursos ou pedidos de revisão ou reforma da liquidação, nos termos do artigo 95º, nº 2 alínea d) da LGT, insere-se assim a apreciação suscitada, pelos termos expostos, no pedido de constituição do tribunal arbitral nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT o qual é competente para a apreciar, desde que haja uma presunção de indeferimento tácito, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 102º do CPPT, como é o caso.

13.  Termos em que improcede a excepção da incompetência material deste tribunal Arbitral, suscitada pela Requerida nas suas ALEGAÇÕES FINAIS.

Apreciando a segunda excepção, importa referir:

14.  Dispõe o artigo 57º da LGT, sobre prazos:

1 - O procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses (…);

3 - No procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do Código Civil.

5 – (…) o incumprimento do prazo referido no n.º 1, contado a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial. 

15.  Dispõe a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT sobre o pedido de constituição de tribunal arbitral que esteé apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos números 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, quanto aos actossusceptíveis de impugnação autónoma (…), vindo a alínea d) do nº 1 do artigo 102º do CPPT a dispor que a impugnação será apresentada em prazo contado a partir da formação da presunção de indeferimento tácito;

16.  Termos em que, sendo o pedido de constituição do Tribunal Arbitral realizado a 27/11/2014, tendo por base a presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa do acto de liquidação nº 2013..., o qual foi apresentado a 26/06/2014, a presunção de indeferimento considera-se verificada decorridos quatro meses, a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, pelo que o presente pedido é tempestivo, dado não ter esgotado o prazo de 90 dias que a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT confere.

17.  Termos em que improcede assima segunda excepção invocada.

Improcedendo as excepções, importa agora conhecer do pedido de constituição do tribunal arbitral.-

VI - APRECIAÇÃO DA QUESTÃO

Para analisar o pedido da REQUERENTE quanto à constituição do tribunal arbitral há a apreciar:

1.      Se se verificam os pressupostos do artigo 78º da LGT para o pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação nº 2013..., de 20/04/2013, referente a IRS de 2009, esgotado o prazo para reclamar graciosamente do mesmo; Com efeito se não se verificarem tais pressupostos não poderia haver tal pedido de revisão nem impugnação judicial do seu indeferimento.

2.      A admitir-se o pedido de revisão oficiosa, e considerando o seu indeferimento tácito equivalente a uma pronúncia de mérito denegatória do pedido de declaração da ilegalidade da tributação suscitada - a ilegalidade do acto tributário em apreço, consubstanciado na tributação da mais-valia obtida com a alienação de um imóvel adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, excluída de sujeição a IRS pelo regime transitório do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, importa apreciar se assiste razão à REQUERENTE, isto é, se a liquidação oficiosa é ou não ilegal;

Pressupostos do pedido de revisão oficiosa do acto tributário – erro imputável à REQUERIDA:

3.      A apreciação da questão objecto de decisão implica se tenha presente, em primeiro lugar, que a LGT adoptou na sua construção a relação jurídica tributária. E eliminando as dúvidas que ainda poderiam existir sobre a necessidade de produção de um acto tributário para a existência de uma obrigação tributária veio determinar, no nº 1 do seu art. 36º que “a relação tributária constitui-se com o facto tributário”[8].

4.      Ora, para que haja facto tributário, necessário se torna que o facto jurídico encontre previsão nas normas jurídicas tributárias de incidência (normas de conteúdo afirmativo) e não seja aquela previsão afastada por uma outra norma negativa ou restritiva, dita norma de isenção. Esta terá assim “natureza de mera excepção a uma determinada regra (…)[9]. Todavia, no caso subjudice, face à letra e espírito da lei – o nº 1 do art. 5º do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de Novembro – não estamos perante uma norma de isenção, antes sim, dum “espaço perante o qual se deteve a previsão operada pela norma – um espaço juridicamente vazio – tornando pois impossível a formulação da excepção[10]:

4.1.   Face à letra, pois refere que os ganhos (…) só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código; o que significa, a contrario, que se a aquisição dos bens ou direitos a que os ganhos respeitem forefectuada antes da entrada em vigor do CIRS, os mesmos se encontram não sujeitos. É o caso.

4.2.   Face ao espírito – com um mínimo de sustento na letra da lei (nº 2 do art.º 9º do CC) ao referir que os ganhos que não eram sujeitos (…) só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código, pois este mínimo textual emana elementos teleológicos, de não tributar o que antes não era tributado; só tributar para o futuro. Daí se trate não duma isenção, mas duma não tributação, dum já referido espaço vazio de tributação.

5.      Trata-se, destarte, no caso em apreço, duma mais-valia não sujeita a tributação, pelo que, o facto jurídico não constitui um facto tributário, para efeitos do artigo 36º da LGT. O mesmo é dizer que no caso em apreço não há uma obrigação jurídica tributária. Se não, vejamos:

6.      Segundo Gianninia dívida tributaria tem a sua fonte na lei, mais precisamente, na situação de facto que é idónea, segundo a lei, para a fazer surgir. (…) Portanto, entende Giannini que a divida tributária nasce com a realização do facto legal. O acto ou o procedimento de liquidação terá uma eficácia meramente declarativa e não constitutiva, pois não é ele que dá origem à obrigação. Serve unicamente para a tornar certa e, consequentemente exigível.[11]

7.      Este sentido, ínsito à relação jurídica tributária, presente no artigo 36º da LGT, não permite sustentar a tese da REQUERIDA de que, devido à falta de declaração da REQUERENTE (§ 5.4, 10 a 14 e por todos, 23 da RESPOSTA) desconhecia  fora o IMÓVEL adquirido antes de 1989 e como tal, a liquidação oficiosa ora em discussão resulta de negligência imputável aos ora Requerente, pois se os mesmos tivessem actuado com os deveres de cuidado que lhe incumbiam, teriam cumprido atempadamente a sua obrigação declarativa e, consequentemente, evitado a liquidação oficiosa ora em discussão.

8.      Com efeito, a obrigação tributária não emerge da liquidação, que tem uma eficácia meramente declarativa e não constitutiva, pois não é ela que dá origem à obrigação.

9.      A AT teve como pressuposto, dada a falta de declaração dos contribuintes, que a mais-valia fora gerada num IMÓVEL adquirido a 01/01/1989[12], todavia,

10.   Não sustenta a AT a base para essa presunção, sendo que mesmo as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário – artigo 73º da LGT, nem faz prova do facto constitutivo do direito nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT; nem colhe o argumento de que haveria uma inversão do ónus da prova por falta de declaração do contribuinte (ex. vi, nº 3 do mesmo artigo e artigo 87º da LGT), por duas ordens de razões:

10.1.                 Pela falta de verificação dos pressupostos legais do artº 87º da LGT;

10.2.                 Mas também, a AT não referiu nem fez prova de que notificou a REQUERENTE para que nos termos do nº 2 do artigo 5º do decreto-lei que aprovou o CIRS comprovasse o IMÓVEL fora adquirido antes de 01/01/1989; nem colhe o argumento de que se a tivesse notificado, esta, por ausência do domicílio fiscal conhecido da AT, não teria tido conhecimento e não teria vindo ao procedimento fazer a prova devida, pois o que se apura é se a AT diligenciou o que lhe era devido e não se as diligências cumpririam o seu desiderato, este o de contribuir para a verdade material, até porque poderia dar-se o caso de a REQUERENTE por algum motivo se deslocar a Portugal e tomar conhecimento; raciocínio que todavia não releva porquanto não se cura de apurar juízos de prognose, mas factos, reveladores, ou não, do estrito cumprimento da lei, a qual, não se encontra cumprida, como resulta dos autos.

11.   Por outro lado, não se encontra qualquer registo, ou mera menção, de que, dada a falta de declaração da REQUERENTE, a AT tenha procedido, como refere (§11 da RESPOSTA), à emissão da competente liquidação oficiosa de imposto, porém mediante a prévia audição da REQUERENTE, como se lhe impunha, ex vi, art. 60º da LGT. Com efeito, a mesma razão que, nos casos previstos no (…) nº 2 (do artº 60º da LGT), leva a dispensar a audição, exige-a quando o contribuinte não fez a sua declaração[13], como emana da alínea b) do nº 2 do art.º 60:

2 - É dispensada a audição:

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

12.   E não é o facto de o contribuinte faltar a um dever para com a administração que legitima esta a, por sua vez, desrespeitar um direito dele[14] uma vez que a via sancionatória para o incumprimento das obrigações referidas pela REQUERENTE, declarativas e de nomeação de representante fiscal, tem o devido enquadramento no RGIT (artºs 116º e 124º).

13.   Acresce que a REQUERIDA devia procurar carrear para o procedimento provas dos factos, ainda que não aproveitassem à sua posição, pois nessa matéria, mantém-se o seu dever, derivado do princípio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que tenham como objectivo provar factos invocados pelos interessados (art. 58º da LGT)[15].

14.   Constata-se que a REQUERIDA não fez prova de ter feito tudo o que podia e devia[16] para carrear aos autos os elementos necessários à prova dos factos constitutivos do direito a tributar a referida mais-valia, e que estavam ao seu alcance, nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 63º da LGT, de forma a determinar com rigor a data da aquisição do IMÓVEL pela REQUERENTE, v.g.:

14.1.                 Requerer junto do Notário onde fora celebrada a escritura de compra e venda do IMÓVEL que gerou a mais-valia, os elementos que aquele dispusesse - e que indiscutivelmente dispunha: a escritura pela qual se titulava a propriedade que a REQUERENTE alienou em 2009;

14.2.                 Ou junto da competente Conservatória do Registo Predial, cuja peça, agora junta aos autos pela REQUERENTE, vem demonstrar que a mesma adquirira o imóvel em compropriedade com o seu marido e Reclamante duma outra liquidação oficiosa que obteve provimento por parte da REQUERIDA, e comprova, ainda, que os então adquirentes foram também os agora alienantes, factos estes, aliás, reconhecidos pela REQUERIDA nas suas ALEGAÇÕES FINAIS (§ 21 a 23).

Essa falta de realização pela administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos interessados de elementos probatórios necessários à instrução do procedimento, constitui vício deste, susceptível de implicar a anulação da decisão nele tomada[17], consubstanciando, assim, um erro imputável aos serviços.

15.   Estão, ademais, a administração tributária e os contribuintes sujeitos a um dever de colaboração reciproco (59º/1), presumindo-se de boa-fé a actuação de ambos (59º/2), compreendendo o dever de colaboração da AT para com os contribuintes a notificação do sujeito passivo ou demais interessados para esclarecimento das dúvidas sobre as suas declarações ou documentos, facto que não demonstra a AT ter realizado.

16.   A presunção de boa-fé do contribuinte – é o caso como sustentado pela REQUERENTE e não impugnado pela REQUERIDA – pois que se encontra a viver fora de Portugal com residência no Canadá há largos anos, deve ser aqui valorada a seu favor pois a falta de entrega de uma declaração não resulta de uma actuação sonegadora de informação, ou falta de colaboração para com a AT, antes sim de não ser tributada em Portugal, por neste pais não ter rendimentos, como aliás a REQUERIDA reconhece (§§ 20 da RESPOSTA), ao que acresce que sendo o IMÓVEL excluído do âmbito de tributação em mais-valias, não haveria imposto a pagar. Termos em que esta presunção de boa-fé tem como efeito que as dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário (que são os pontos essenciais relativamente aos quais há habitualmente divergência entre o contribuinte e a administração tributária) sejam processualmente valoradas a favor do contribuinte, conduzindo à anulação do acto impugnado[18].

17.   Não tendo assim procedido de acordo com a lei, mormente lançando mão do disposto nos artigos supra citados, há um manifesto erro imputável à AT, para efeitos do artigo 78º da LGT, ao subsumir a situação da mais-valia gerada com a alienação do IMÓVEL adquirido em 1988 pela REQUERENTE (e marido) às regras de incidência do CIRS, quando destas se encontrava excluída por força do nº 1 do artigo 5º do decreto-lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, pois, não tendo a AT apurado a realidade material, como podia, e devia, incorreu em erro sobre os pressupostos de facto, ao dar como existente um facto tributário que não existiu[19],

18.   Erro esse que ademais configura uma cobrança inconstitucional, nos termos do nº 3 do artigo 103º da CRP pois ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei, a qual determina a incidência (nº 2), que no caso não se verificava.

19.   O erro sobre os pressupostos de facto constitui vício de violação de lei, uma vez que, sendo os poderes legais exercidos no acto administrativo atribuídos para serem exercidos em determinadas condições, está em dissonância com a lei o seu uso em situações fácticas que não correspondem àquelas que estiveram subjacentes à atribuição de tais poderes[20].

Sobre a relevância da Reclamação Graciosa do outro comproprietário

20.   A liquidação em apreço teve por pressuposto que o IMÓVEL fora adquirido em 1989, e não em 1988, como consta da RESPOSTA de REQUERIDA, porque os Serviços não conheciam nem tinham obrigação de conhecer a data e o valor de aquisição do imóvel, foi considerada a data mais antiga de 01/01/1989 e o valor patrimonial em vigor (cfr. no §5 o 3º § numerado como 5.5.4), argumento apoiado no incumprimento da obrigação de entrega de declaração modelo 3 de IRS de 2009 acompanhada do respectivo anexo G1 (§ 19 da RESPOSTA);

21.   Certo é que, foi fruto desse erro de facto – que o IMÓVEL fora adquirido em 1989, e não em 1988 -, reconhecido pela REQUERIDA, que esta se pronunciou favoravelmente ao pedido efectuado pelo marido da agora REQUERENTE no que concerne à Reclamação Graciosa apresentada;

22.   De notar ainda, que o fez independentemente da apreciação da relação conjugal entre o então Reclamante e a agora REQUERENTE, mas por considerar procedente o pedido, porque a mais-valia obtida com a alienação do imóvel em 2009, se encontrava excluída de sujeição a IRS pelo regime transitório do nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, dado o facto de aquele ter sido adquirido a 27 de Junho de 1988, isto é, antes da entrada em vigor do CIRS.

23.   Quando questionada a REQUERIDA por este Tribunal Arbitral sobre a forma de determinação da percentagem de cada um dos sujeitos passivos, veio referir que fora aferida pelo acto notarial que inscrevera no Modelo 11 a quota-parte de ½ a titulo de propriedade de cada um dos Requerentes, assim confirmando a convicção deste Tribunal da inexistência de quaisquer outros documentos que permitissem aferi-la e, simultaneamente, sustentar a não comunhão conjugal (v.g., uma partilha de divórcio que permitisse aferir a meação). Assim,

24.   Não há qualquer base documental que permita à REQUERIDA sustentar, o estado de “não casado” ou “divorciado”, fosse à data da alienação, fosse à data em que se afere a situação patrimonial e familiar dos sujeitos passivos – 31/12/2009 –, fosse à data da apresentação ou da deliberação que recaiu sobre a Reclamação Graciosa; sendo que, reitere-se, releva mais a compropriedade do que a relação conjugal, embora desta pudesse advir uma particular evidência de compropriedade, mas também o efeito útil para os dois (marido e mulher) do deferimento da Reclamação Graciosa então apresentada.

25.   Importa referir que o erro admitido se consubstancia em tributar uma mais-valia que não estava sujeita a tributação, facto determinante para a apreciação e decisão, atentos os poderes, e deveres, da AT em sede de apuramento da verdade material, que não lhe era estranha ao deferir o pedido de apreciação de um comproprietário do mesmo imóvel em sede de reclamação graciosa, pois refere que a liquidação oficiosa de imposto foi efectuada em nome da Requerente, na qualidade de sujeito passivo não casado, considerando 50% do valor de aquisição e do valor de alienação para efeitos do cálculo da mais-valia obtida em sede de IRS vindo na apreciação da Reclamação Graciosa de B...a referir que à data da alienação o reclamante encontra-se com o estado civil de divorciado, pelo que para efeitos declarativos corresponde a 50% da alienação (…).

26.   Assim, o que releva para a apreciação da questão é a situação objectiva é o facto de o imóvel adquirido pelo sujeito passivo estar excluído de sujeição a IRS, atento o ano de aquisição por este sujeito passivo, mas também por qualquer comproprietário que detivesse os restantes 50%, desde que essa compropriedade fosse contemporânea àquela aquisição.

27.   Razão pela qual seria relevante o conhecimento do estado civil dos alienantes à data da alienação, pois ainda que se divorciassem no dia seguinte, facto este com efeitos a 31/12/2009, conforme dispõe o artigo 13º, nº 7 do CIRS, aquele conhecimento - da compropriedade em comunhão conjugal desde a data da aquisição até à data em que ocorreu o facto jurídico alienação -, era um indício relevante de que a REQUERENTE não podia ser tributada, porque comproprietária abinitio dos restantes 50%.

28.   Todavia, embora a relação conjugal fosse um indício não despiciendo, o que mais releva é o facto de tendo sido deferido o pedido apreciado em sede de Reclamação Graciosa de um comproprietário, de igual forma se impunha que qualquer outro comproprietário que tivesse adquirido a sua quota-parte na mesma data visseigualmente apreciada a exclusão de sujeição a IRS da mais-valia obtida com a alienação da sua fracção.

29.   É certo que argumenta a REQUERIDA que (§§ 5.5.4.) porqueos Serviços não conheciam nem tinham obrigação de conhecer a data e o valor de aquisição do imóvel, foi considerada a data mais antiga de 01/01/1989 e o valor patrimonial em vigor; e com base no nº 2 do artigo 5º do decreto-lei nº 442-A/88, de 30 de Janeiro, cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do CIRS, pelo que importa analisar se este argumento é o bastante para desconsiderar, em sede de apreciação da Reclamação Graciosa, e descorando a relação conjugal, se o outro proprietário - assim figura na escritura de compra e venda apresentada pelo Reclamante -, não deveria obter o mesmo tratamento fiscal, procedendo-se ope legis à anulação da liquidação oficiosa, desde que a AT teve conhecimento de que o IMÓVEL fora adquirido em 1988.

30.   Ainda que a REQUERIDA, ao momento da apreciação da Reclamação Graciosa do marido, não tivesse lançado mão do disposto no artº 63º da LGT, uma vezreconhecido o direito do então Reclamante à obtenção do deferimento do peticionado, nesse momento ficou ciente da inexistência dum facto tributário, na esfera jurídica do outro comproprietário, in casu, mulher daquele, mas igualmente se o não fosse, pelo que se lhe impunha o dever de rever os actos injustos (…) corolário do dever de actuação segundo o princípio da justiça, constitucionalmente consagrado (artigo 266º, nº 2, da CRP)[21], nos termos do art. 78º da LGT.

31.   Ao assim não proceder, a AT manteve na ordem jurídica um acto injusto, que máxime, contraria a CRP, tendo, por tal de ser anulado, pois que os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (artigo 266, nº 2 da CRP e 5º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face á lei[22].

Apreciação da aduzida inexistência de injustiça grave e notória:

32.   Sustenta a REQUERIDA que não há injustiça grave pois que os Requerentes não alegaram nem comprovaram que a injustiça que invocam lesou gravemente os seus interesses.

33.   Argumento que não se acolhe já que por injustiça grave se tem a que resulte de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade[23], logo se a mais-valia gerada pela alienação do IMÓVEL se encontra excluída de tributação o imposto liquidado é injusto, exagerado e desproporcionado e, uma vez penhorada a conta bancária de REQUERENTE, não se vê como não se encontrem gravemente lesados os interesses patrimoniais da mesma.

34.   Pretende a REQUERIDA sustentar que a injustiça não é notória pois que determina o nº 5 do artigo 78º da LGT que apenas se considera notória a injustiça que seja simultaneamente ostensiva e inequívoca, o que se afigura não ser de todo o caso dos autos, pois muito embora tal previsão “não queira forçosamente dizer sabida ou conhecida de muita gente”, ainda assim, a alegada injustiça nestes autos constitui uma questão controvertida.

35.   Argumento que também se não acolhe, pois tendo sido deferida a Reclamação Graciosa de um comproprietário do mesmo IMÓVEL, adquirido em compropriedade na mesma data – 1988 -, sempre se pergunta se não há uma injustiça ostensiva e inequívoca, tanto mais que a REQUERENTE se vê envolvida numa penhora de conta bancária em contexto económico-social desfavorável de perda de confiança do sector bancário no cumprimento pontual das obrigações (bem patente a fls 29 do PA), facto que, atento o possível conhecimento de todo o sector poderia, em caso de necessidade, inibir a ora REQUERENTE de se apresentar como fiadora de um qualquer familiar ou amigo; razão pela qual, ainda que a injustiça “não queira forçosamente dizer sabida ou conhecida de muita gente”, sendo conhecida pelo sector bancário é forçosamente uma injustiça ostensiva e inequívoca;

Termos em que

36.   No caso subjudice, porqueos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (artigo 266º, nº 2, da CRP e 55º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei[24], encontram-se preenchidos os pressupostos para a revisão oficiosa do acto tributário nos termos do artigo 78º da LGT, que, não tendo ocorrido acarretará a apreciação positiva do pedido de constituição do tribunal arbitral pela REQUERENTE.

37.   Ademais, tendo a REQUERIDA reconhecido a um comproprietário do mesmo imóvel da ora REQUERENTE a exclusão da tributação em mais-valias, porque adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, encontravam-se preenchidos os pressupostos para a revisão oficiosa do acto de liquidação por iniciativa da AT, pois o dever de rever os actos injustos é um corolário do dever de actuação segundo o princípio da justiça, constitucionalmente consagrado (artigo 266º, nº 2, da CRP)[25], até porque havendo violação de lei, tal erro não pode ser imputável ao contribuinte a titulo de negligência.

38.   Assim, tendo o pedido de revisão oficiosa do acto tributário da liquidação nº 2013 ... sido indeferido por a REQUERIDA decorrido o prazo de quatro meses (nºs 1 e 5 do artigo 57º da LGT) nada ter dito, e sendo peticionada junto deste Tribunal Arbitral a apreciação da legalidade da referida liquidação, mantida na ordem jurídica por esse indeferimento, pelos termos já expostos – exclusão da mais-valia do âmbito de tributação -, terá a mesma de ser anulada, com as legais consequências, mormente de levantamento da penhora e devolução das quantias cobradas.

Importa ainda apreciar duas outras questões peticionadas pela REQUERENTE:

39.   O levantamento da penhora efectuada sobre o depósito bancário no Banco Santander Totta;

40.   E os respectivosjuros devidos desde a data da penhora até ao seu efectivo levantamento.

Apreciando:

41.   Não resulta necessário a determinação na decisão arbitral do levantamento da penhora, pois resulta do nº 1 do artº 24º do RJAT que a AT deve reestabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto desta decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito. Todavia, como sustentado na anotação do RJAT[26] sendo a fixação desses efeitos na decisão arbitral a solução mais acertada, entende-se determinar a obrigação de levantamento da penhora, nos termos peticionados, a realizar pela REQUERIDA.

42.   A REQUERIDA, mormente nas ALEGAÇÕES FINAIS pronunciou-se sobre o enquadramento legal dos juros indemnizatórios, sustentando (§§ 37 a 39) que a ser julgada procedente a pretensão dos Requerentes, ainda assim não estão reunidos os pressupostosdaqueles, pelo que há que considerar o seguinte, em abono do sustentado pela REQUERIDA:

43.   O pedido de constituição de tribunal arbitral sustentou-se no prévio pedido, indeferido, de revisão oficiosa de acto tributário, pelo que, a considerar-se o direito a juros indemnizatórios nos termos do nº 1 do artº 43º da LGT, ficaria precludido o sentido do seu nº 3; com efeito,se a decisão do pedido de revisão oficiosa fosse favorável teria direito a juros nos termos do nº 3 do artigo 43º, todavia, se a decisão fosse desfavorável, bastar-lhe-ia impugnar a decisão do pedido de revisão para obter o direito a juros indemnizatórios que não lhe caberiam por força do nº 3, o que carece de qualquer lógica, face ao sentido da lei, que determina: são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

44.   Assim, teremos de entender que não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, (…) há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão de nota de crédito (arts 43º nº 1 da LGT e 61º nº 5 do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à reclamação graciosa) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43º nº 3, da LGT (…)[27].

45.   Termos em que, sustentando-se este pedido na apreciação da legalidade com base no indeferimento tácito dum pedido de revisão oficiosa, permitir que a REQUERENTE obtivesse juros desde a data do pagamento indevido até à emissão de nota de crédito, seria contrariar o sentido e alcance do art. 43º da LGT, pelo que ter-se-á de entender, com a REQUERIDA, que os juros indemnizatórios seriam devidos apenas nos termos da alínea c) do nº 3 do art. 43º da LGT.

VII - DECISÃO

Termos em que se decide:

1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade da liquidação em causa, procedendo-se à sua anulação;

2.     Determinar o levantamento da penhora junto da instituição bancária.

VIII - VALOR DO PROCESSO

Fixa-se em €6.489,39(Seis milquatrocentos e oitenta e noveeuros e trinta e nove cêntimos).

IX– CUSTAS

Conforme o disposto no Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se as custas em 612,00€, a suportar pela Autoridade Tributária.

 

Lisboa, 20 de Julho de 2015

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigoº 131º, nº 5 do CPC, exvi, artigoº 29º nº 1 alínea e) do RJAT, com verso em branco de cada folha, sendo a ortografia anterior ao último acordo ortográfico.

 

 

O Árbitro

 

 

 

Henrique Curado



[1] Cita o Ac STA no Processo n.º 01009/10 de 22/03/2011, 2ª Secção.

[2]Quando refere para sustentar a incompetência deste Tribunal Arbitral que neste sentido, se pronunciou Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, 2011, p. 54.

[3] Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pgs. 123.

[4] Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pgs. 120-125 (§§ 4.3.2.).

[5]Ac STA de 14-07-93, referencia LGT Anotada e Comentada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, p. 690.

[6] Determina o Acórdão do STA, de 02.07.2014, no Proc. 1950/13 CPPT - impugnação judicial - tempestividade - revisão oficiosa - indeferimento tácito:

I - Não apenas o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa, mas também o pedido de revisão oficiosa da liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços apresentado no prazo de 4 anos, aproveitam ao sujeito passivo para efeitos de lançar mão da impugnação judicial em caso de indeferimento tácito.

II - É que, não estando legalmente estabelecida a distinção entre as duas situações para efeitos de utilização da presunção de indeferimento tácito, não cabe ao juiz distingui-las na tentativa de obviar a que os prazos de impugnação administrativa e contenciosa possam ser “contornados”, antes se lhe impõe o conhecimento das pretensões dos contribuintes feitas valer através dos meios que o legislador coloca ao seu dispor para tutela dos seus direitos.

[7] Vai também neste sentido o Acórdão do STA, de 14 de Maio de 2014, no Processo Nº 01458/13, em que o sujeito passivo, pessoa colectiva, (…) recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento tácito do pedido de revisão do acto de retenção na fonte de IRC (…). Veio STA a, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar procedente a impugnação, anulando o acto de indeferimento (tácito) do pedido de revisão e determinando o reembolso do montante indevidamente retido.

[8] J.L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2ªEd., Coimbra Editora, p.133.

[9] J.L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2ªEd., Coimbra Editora, p.190.

[10]Ibidem, nota anterior.

[11]  LGT Anotada e Comentada, ob. cit., nota 5 ao artigo 36º, onde se explicita que a nossa LGT também acolheu este sentido.

[12] Embora esta data seja referida a §§ 5.5 (e dentro deste o 3º § com a numeração 5.5.4), resulta da Declaração Oficiosa Modelo 3, Anexo G, campo [4]: ano 1989; mês 12.

[13] Acórdão do STA, Proc. Nº 01102/13, de 18-06-2014.

[14] Ibidem.

[15] LGT Anotada e Comentada, ob. cit., nota 3 ao artigo 74º.

[16]Cfr., neste sentido LGT Anotada e Comentada, ob. cit., artigo 78º, nota 8 e à aí referida jurisprudência do STA.

[17] LGT Anotada e Comentada, ob. cit., nota 3 ao artigo 58º.

[18] LGT Anotada e Comentada, ob. cit., nota 5 ao artigo 59º.

[19] Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 170.

[20] Ibidem, nota anterior, p. 170-171.

[21] LGT Anotada e Comentada, ob. cit., artigo 78º, anotação à nota 8.

[22] LGT Anotada e Comentada, ob. cit.,  artigo 78º, nota 8, in fine e AcSTA, de 11-5-2005, proferido no recurso nº 319/05, ali citado.

[23] LGT Anotada e Comentada, ob. cit., artigo 78º, nota 8, p. 710.

[24] Ibidem, nota 8, p. 711.

[25] Ibidem, nota anterior.

[26] Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 110-116.

[27] LGT Anotada e Comentada, ob. cit., nota 3, p. 704 e nota 15, p. 714, ao artº 78º.