Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 786/2014-T
Data da decisão: 2015-05-29   
Valor do pedido: € 7.261,32
Tema: IUC – Incidência subjetiva
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

A – RELATÓRIO

 

1.    A…, LDA., pessoa colectiva n.º …, com sede na Avenida …, …, …-… Lisboa, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos art. 2º, n.º 1, a) e 10º, n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no DL 10/2011, de 20 Janeiro, doravante designado “RJAT” e dos artigos 1º e 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação, referentes aos anos de 2013 e 2014, e o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”).

 

2.    Admitido o pedido de constituição do tribunal arbitral singular, e não tendo a requerente optado pela designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro.

 

       As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, tendo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral ficado constituído em 02-02-2015.

 

3.    Notificada, a AT veio apresentar resposta em que não suscitou qualquer excepção.

 

4.    Foi dispensada, com a anuência das partes, a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

* * *

 

5.    Pretende a requerente que seja declarada a ilegalidade e inerente anulação dos actos de liquidação do Imposto Único de Circulação referentes aos anos de 2013 e 2014, com a consequente restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, alegando em síntese:

 

       a) É uma sociedade comercial que exerce a atividade de aluguer de veículos automóveis e a prestação de serviços conexos.

       b) No âmbito da sua atividade, celebra contratos de aluguer de veículos e, no termo do contrato, procede diversas vezes à sua venda aos clientes.

       c) Os veículos indicados nas liquidações sub judice foram objeto de venda, conforme cópia das respetivas faturas de venda que se juntam..

       d) Sempre que esteve ao seu alcance, entregou aos novos proprietários os formulários de registo automóvel devidamente assinados, por forma a que estes procedessem ao averbamento do registo em seu nome junto da competente Conservatória do Registo Automóvel.

       e) As vendas ocorreram em anos anteriores aos de 2013 e de 2014 e em data anterior ao facto gerador do imposto nos anos em causa.

       f)  Foi notificada pela administração tributária para exercer o direito de audição prévia à emissão das liquidações de IUC supra melhor identificadas, que exerceu.

       g) Procedeu oportunamente ao pagamento voluntário do imposto e juros compensatórios.

       h) Incidindo o IUC sobre os proprietários do veículo à data do facto gerador do imposto e tratando-se a regra prevista no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IUC de uma presunção legal ilidível mediante prova em sentido contrário, a demonstração pela requerente de que alienou as viaturas em causa em data anterior à verificação do facto gerador do imposto nos anos de 2013 e 2014 é quanto basta para concluir não ser a ora requerente o sujeito passivo do imposto.

       i)  O que importa aferir é se, à luz daquela norma, são sujeitos passivos do IUC os proprietários dos veículos em nome dos quais os mesmos se encontram registados ou, ao invés, se aquela norma estabelece apenas uma presunção legal ilidível no sentido de que são sujeitos passivos os proprietários dos veículos, considerando-se como tal aqueles em nome dos quais os veículos se encontram registados.

       j)  Há uma presunção legal no sentido de que aqueles que constam no registo automóvel como proprietários serão, em princípio e presumivelmente, os atuais proprietários dos veículos, não se fazendo depender a incidência subjetiva do IUC da circunstância de a propriedade estar registada a favor de um determinado sujeito passivo.

       k) Quer o elemento literal da norma prevista no artigo 3.º do Código do IUC, quer ponderação do seu elemento teleológico, apontam no sentido de uma presunção de que o proprietário do veículo é aquele em nome de quem o veículo se encontra registado, e não de que o registo automóvel é condição e evidência absoluta da propriedade do veículo para efeitos de IUC

       l)  Por outro lado, a ratio legis aponta no sentido de se pretender tributar os reais proprietários e utilizadores dos veículos, facto a que não é despiciendo, pois, o mencionado princípio da equivalência.

       m)                                                         Tal presunção é, necessariamente, uma presunção ilidível, tendo designadamente presente o disposto no artigo 73.º da LGT.

       n) Se o contribuinte demonstra que não é o proprietário do veículo, independentemente do registo, e sendo evidente que o IUC deve incidir e pretende tributar aqueles que são os proprietários do veículo, impõe-se aos serviços da administração tributária que relevem a situação real que lhes chega ao seu conhecimento, sob pena de desvirtuarem as finalidades do imposto.

       o) Entendimento que é igualmente justificado à luz das regras relativas à transmissão da propriedade e do registo da propriedade automóvel, atendendo a que o registo da propriedade não é facto constitutivo do direito e limita-se a presumir a sua existência, podendo ser afastado mediante prova em contrário.

       p) Os veículos em apreço foram alienados por meio de contratos de compra e venda entre a Requerente e os seus clientes, nos termos do disposto no artigo 874.º do Código Civil.

       q) O registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, presunção esta que é ilidível, admitindo, portanto, prova em contrário, conforme resulta da lei e a jurisprudência vem assinalando.

       r)  A administração tributária não pode prevalecer-se da ausência de atualização do registo do direito de propriedade para exigir o pagamento do imposto ao anterior proprietário em nome do qual o veículo se encontra registado se, por qualquer meio, lhe for apresentada prova bastante da respetiva venda.

       s)  A administração tributária não é terceiro para efeitos de registo, pelo que não tem legitimidade para invocar a falta de registo como óbice à eficácia dos contratos de compra e venda.

       t)  As faturas de venda dos veículos que a requerente juntou aos autos beneficiam da presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, razão pela qual se deve considerar ilidida a presunção prevista no artigo 3.º do Código do IUC, concluindo-se, por conseguinte, que a Requerente não era sujeito passivo do IUC referente a estes veículos nos anos de 2013 e de 2014.

       u) Tendo procedido ao pagamento do imposto liquidado deve ser reembolsada do montante indevidamente pago e, decorrendo a liquidação sob apreciação de erro imputável aos serviços do qual resultou pagamento de imposto totalmente indevido, assiste-lhe o direito a juros indemnizatórios.

 

 

6.    Por seu turno a requerida veio em resposta alegar, em síntese:

 

       a) O entendimento propugnado pela requerente decorre não só de uma enviesada leitura da letra da lei, como da adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e, por último, decorre de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC.

       b) O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3º, nº 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no nº 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontram registados.

       c) Realça que o legislador não usou a expressão “presumem-se”, como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados.”.

       d) O normativo fiscal está repleto de previsões análogas à consagrada na parte final do nº1 do artigo 3º, em que o legislador fiscal, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, expressa e intencionalmente consagra o que deve considerar-se legalmente, para efeitos de incidência, de rendimento, de isenção, de determinação e de periodização do lucro tributável, para efeitos de residência, de localização, entre muitos outros.

       e) O legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que se consideram como tais (como proprietários ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas) as pessoas em nome das quais [os veículos] se encontrem registados, porquanto é esta interpretação que preserva a unidade do sistema jurídico-fiscal.

       f)  Trata-se de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.

       g) Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real, nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente, que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

       h) À luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel, o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que o que o legislador fiscal pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como consta do registo automóvel.

       i)  A interpretação veiculada pela requerente mostra-se contrária à Constituição, na medida em que viola o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.

       j)  Além de ser ofensiva do princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português.

       k) Ainda que se admitisse o princípio da admissibilidade da ilisão da presunção à luz até de jurisprudência já entretanto firmada neste Centro de Arbitragem, importará, ainda assim, apreciar os documentos probatórios juntos pela requerente, e o seu valor, com vista à ilisão da presunção, conclui que os mesmos não são de forma alguma suficientes para comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois não revelam, por si só, uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade.

       l)  A requerente considera, e mal, serem facturas demonstrativas da alienação dos veículos, os documentos que juntou aos autos.

       m)                                                         Um conjunto considerável desses documentos aparecem em papel timbrado de uma outra empresa, que não a requerente, e outro não contém os elementos legais imprescindíveis que possam ser considerados facturas, não contendo, designadamente a identificação e NIF do respectivo emitente.

       n) Mais defende não estarem reunidos os pressupostos legais que conferem o direito peticionado a juros indemnizatórios.

                                                          

* * *

 

7.    O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

       O pedido de cumulação de pedidos é legal.

 

       O processo não enferma de nulidades.

 

B. DECISÃO

 

1. MATÉRIA DE FACTO

 

1.1. FACTOS PROVADOS

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A requerente é uma sociedade que exerce a atividade de aluguer de veículos automóveis e a prestação de serviços conexos.

b)    No âmbito da sua atividade, celebra contratos de aluguer de veículos e, no termo do contrato, procede diversas vezes à sua venda aos clientes.

c)    Foi notificada das notas de liquidação de IUC objecto dos autos, tendo pago o respectivo imposto.

d)    Foi notificada pela AT para exercer o direito de audição prévia à emissão das liquidações de IUC em causa, direito que exerceu.

e)    A requerente apresentou, em 24-11-2104, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem aos presentes autos.

 

1.2  Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos ao processo pela requerente, bem como pelo processo administrativo junto pela requerida.

 

1.3  FACTOS NÃO PROVADOS

      

       Não se deu por provado que a requerente tenha vendido os veículos automóveis a que respeitam as liquidações impugnadas.

 

1.4  O DIREITO

 

A questão de fundo a apreciar reside na interpretação a dar ao n.º 1 do art. 3º do CIUC no sentido de apurar se a norma de incidência subjectiva, nele contida, estabelece uma presunção legal juris tantum – e, como tal, susceptível de ilisão (como sustenta a requerente) ou, pelo contrário, uma definição expressa e intencional da incidência pessoal, no sentido de que é necessariamente sujeito passivo do imposto aquele em nome de quem o veículo automóvel está registado como proprietário.

 

Dispõe o n.º 1 do art. 3º do CIUC: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares e colectivas, de direito público ou privado, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados”.

 

Com base na redacção deste preceito, sustenta a requerida - AT - que a base de incidência pessoal, que este define, não comporta hoje qualquer presunção legal, uma vez que aquele transmite de forma expressa e intencional o pensamento do legislador tributário, no sentido de se considerar, de modo irrefutável, como sujeitos passivos do IUC as pessoas em nome das quais os veículos automóveis se encontrem registados.

 

Aduz em abono da sua tese, razões hermenêuticas de interpretação da lei, com apelo não só à sua literalidade, como aos elementos sistemático e teleológico.

 

Invocação plena de sentido, na medida em que, de acordo com o disposto no art. 11º da LGT, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”. É que, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação a tal artigo, “… sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir”.

 

É, pois, dentro deste quadro de interpretação da lei fiscal, no caso o art. 3º, n.º 1 do CIUC, que teremos de encontrar a resposta ao antagonismo de posições entre a requerente e a AT.

 

Para a AT é decisivo para a determinação do sujeito passivo do IUC o registo de propriedade do veículo automóvel, de modo a que será considerado como tal, de modo irreversível, aquele em nome de quem este está registado.

 

O registo de propriedade de veículos é, face ao disposto no art. 5º, n.º 1, a) e n.º 2 do DL 54/75, de 12 de Fevereiro, obrigatório, pelo que, qualquer direito de propriedade que incida sobre a viatura está sujeito a registo, com o que se pretende a segurança do comércio jurídico, bem como a publicidade da situação jurídica dos mesmos.

 

Tal registo goza, nos termos do disposto no art. 7º do Código do Registo Predial (aplicável ao registo automóvel por força do art. 29º do referido DL 54/75), da “… presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

 

Temos, por isso, que a inscrição de registo de propriedade do veículo é, também ela, uma presunção de que o direito de propriedade sobre o mesmo existe nos termos constantes do registo.

 

Quer dizer, o registo de propriedade automóvel não constitui qualquer condição de validade dos contratos a ele sujeitos, à semelhança do que ocorre com o registo predial (cujo regime, como já apontamos, é extensivo ao registo automóvel); o registo tem uma função meramente declarativa.

 

Acontece que o art. 5º, n.º 1 do Código do Registo Predial, impõe que “os factos sujeitos a registos só produzem efeito contra terceiros depois da data do respectivo registo”. Do que parece resultar que tal bastaria para que a AT invocasse a ausência de registo para fazer funcionar de imediato o art. 3º, n.º 1 do CIUC, exigindo o pagamento do imposto àquele em nome de quem o veículo está registado, por ser o sujeito passivo do imposto.

 

Sucede que o n.º 4 do art. 5º do Código do Registo Predial restringe tal entendimento, ao determinar que “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. Donde resulta que, por essa via, nunca a AT estaria habilitada a invocar a falta de registo, na medida em que não preenche o conceito de terceiro.

 

Posto isto em termos gerais, há que apurar se, pese embora o que vem de referir-se, o n.º 1 do art. 3º do CIUC contém, ou não, uma presunção legal.

 

Tudo está, em suma, em determinar se a expressão “considerando-se”, ali utilizada, tem a natureza de presunção legal.

 

Como ponto de partida, a resposta parece-nos ser negativa.

 

Parece ofensivo à unidade do sistema jurídico-legal – e até, com as devidas adaptações, em oposição aos n.º 2 e 3 do art. 11º da LGT - que um indivíduo venha a considerar-se como não proprietário de um bem para efeitos civis e tenha de o ser necessariamente para efeitos tributários.

 

Ao que acresce o facto de a AT dever nortear a sua actividade pela observância dos princípios da legalidade, do inquisitório e descoberta da verdade material, insíto ao ditame constitucional da capacidade contributiva.

 

Seja como for, parece evidente que, quer do ponto de vista sistemático, quer teleológico, a expressão “considerando-se”, adoptada no n.º 1 do art. 3º do CIUC contempla uma verdadeira presunção, a isso não se opondo a aparente literalidade da expressão, nem o ordenamento tributário.

 

A este propósito, referem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, J. Lopes de Sousa – LGT 4ª ed., em anotação ao art. 73º, pag. 651: “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão “presume-se” ou semelhante, como sucede, por exemplo, nos n.º 1 a 5 do art. 6º, na alínea a) do n.º 3 do art. 10º, no art. 19º e 40º, n.º 1, do CIRS. No entanto, as presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real …”, enumerando-se depois um conjunto de exemplos.

 

Entendemos que é precisamente esse o caso que o art. 3º, n.º 1 do CIUC contempla: uma presunção implícita. Presunção, aliás, que sempre existiu no domínio do imposto de circulação automóvel, pese embora anteriormente definido de forma explícita.

 

Por outro lado, em cumprimento dos princípios - com consagração no nosso ordenamento comunitário - do poluidor-pagador e da equivalência, o CIUC importa preocupações de ordem ambiental e energética, pretendendo que os custos decorrentes dos danos ambientais provocados pela utilização dos veículos automóveis sejam suportados pelos reais proprietários (e não pelos presumidos proprietários).

 

É, pois, forçoso concluir que o art. 3º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção de incidência subjectiva.

 

Ora, o n.º 2 do art. 350º do Código Civil estabelece que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos expressamente previstos na lei.

 

E, no que respeita à ilisão das presunções, temos por boa a doutrina a que o STJ recorreu na fundamentação do Assento n.º 1/91 de 03-04-1991 (DR n.º 114, de 18 de Maio) - para classificar como juris tantum uma presunção estabelecida num diploma laboral - defendida por Vaz Serra [Provas (direito probatório material), BMJ 110-112, pag. 35], bem como por Mário de Brito (Código Civil Anotado, pag. 466) e Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, pag. 429): “… as presunções juris tantum constituem a regra, sendo as presunções jure er de jure a excepção. Na dúvida, a presunção legal é juris tantum, por não se dever considerar, salvo referência da lei, que se pretendeu impedir a produção de provas em contrário, impondo uma verdade formal em detrimento do real provado”.

 

Por seu turno, no âmbito do direito tributário, o art. 73º da LGT dispõe que “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. O que significa que todas as presunções em matéria de incidência tributária, como a que o n.º 1 do art. 3º do CIUC consagra, são juris tantum e, como tal, ilidíveis.

 

Posto isto, há que apurar se os elementos probatórios trazidos aos autos pela requerente, têm a virtualidade de afastar tal presunção, por se ter por provado que a requerente não era a proprietária dos veículos a que a respeitam as liquidações objecto do presente pedido arbitral, nas datas limite dos respectivos pagamentos.

 

Neste ponto, a requerida põe em causa que facturas titulando contratos de compra e venda sejam aptas a comprovar a efectiva transmissão de propriedade dos veículos.

 

Avançamos que, nos casos em que não é impugnada a genuidade dos documentos juntos ao processo, atendendo à presunção de veracidade dos elementos da contabilidade dos contribuintes estabelecida no art. 75º da LGT, temos propendido, em decisões anteriores, a considerar como suficiente para esse efeito, a junção de facturas titulando a venda de veículos automóveis.

 

Sucede que, como bem sustenta a requerida, grande parte dos documentos juntos pela requerente dificilmente podem sequer ser apelidados de facturas.

 

Não porque das mesmas se faça a menção à designação comercial B…, - como sustenta a requerida – uma vez que a identificação da requerente é colocada lateralmente, mas pelo facto de muitas delas não terem sequer qualquer menção ao emitente.

 

Quer dizer, é manifestamente insuficiente a prova que a requerente pretende carrear para os autos no sentido de demonstrar não ser proprietária dos veículos automóveis, com o que afastaria a presunção estabelecida no art. 3º do CIUC.

 

Decorre do exposto que a AT actuou no escrupuloso cumprimento da lei, liquidando imposto àquele que presumidamente seria o sujeito passivo do mesmo, nenhuma ilegalidade podendo ser assacada às liquidações objecto dos autos.

 

***

 

 

3. DECISÃO

 

Face ao exposto, decide-se:

a)     julgar totalmente improcedente o pedido de anulação dos actos tributários objecto do pedido arbitral correspondentes às liquidações de IUC referentes aos anos de 2013 e 2014, bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios,

                                             b) condenar a requerida no pagamento das custas do processo.

 

 

 

VALOR DO PROCESSO: De acordo com o disposto nos art. 306º, n.º 2 do Código de Processo Civil, art. 97º-A, n.º 1, a) do Código do Processo e de Procedimento Tributário e art. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 7.261,32 € (cinquenta e seis mil quinhentos e vinte seis euros e cinco cêntimos).

 

 

 

CUSTAS:                            Nos termos do disposto no art. 22.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 612,00€ (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

Lisboa, 29-05-2015

 

                                                                                           O árbitro,

 

                                                                               António Alberto Franco