Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 644/2022-T
Data da decisão: 2023-10-24   Outros 
Valor do pedido: € 903.540,56
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário – Imposto – Conformidade com a Directiva 2008/118.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A contribuinte A..., S.A., NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 25 de Outubro de 2022, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade dos actos de liquidação que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (doravante, “ISP”), a Contribuição de Serviço Rodoviário (doravante, “CSR”) e outros tributos, referentes ao período decorrido entre Junho e Setembro de 2022, somente na parte que respeita ao montante total de € 903.541,55 liquidado a título de CSR, pedindo o reembolso desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
  5. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
  6. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 3 de Janeiro de 2023; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  7. Por Despacho de 3 de Janeiro de 2023, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
  8. A AT apresentou a sua Resposta em 8 de Fevereiro de 2023, juntamente com o Processo Administrativo.
  9. Por Despacho de 10 de Fevereiro de 2023, concedeu-se à Requerente o contraditório sobre matéria de excepção suscitada na resposta da AT.
  10. Por Requerimento de 22 de Fevereiro de 2023, a Requerente respondeu a essa matéria de excepção.
  11. Por Despacho de 24 de Fevereiro de 2023, dispensou-se a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT. As partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas.
  12. A Requerente apresentou alegações em 14 de Março de 2023, juntando documentos.
  13. A Requerida apresentou alegações em 28 de Março de 2023, igualmente juntando documentos.
  14. Por Requerimento de 20 de Junho de 2023, a Requerente juntou mais um documento, e aludiu a outras decisões com a mesma Requerente e a mesma causa de pedir.
  15. Por Requerimentos de 21 e 22 de Junho de 2023, a Requerida juntou igualmente documentos – uma decisão e um parecer do Ministério Público emitido num processo similar.
  16. Por Despachos de 26 de Junho e de 1 de Setembro de 2023, foi sucessivamente prorrogada a data-limite para a prolação e comunicação da decisão arbitral.
  17. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
  18. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  19. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade que tem por objecto social, entre outros, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
  2. A Requerente é um operador económico detentor do estatuto IEC de destinatário registado, com o n.º PT ..., concedido ao abrigo e nos termos do regime previsto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho – actuando na área dos produtos petrolíferos e energéticos, sob a jurisdição da Alfândega de Braga.
  3. Com base nas declarações de introdução no consumo (“DIC”) realizadas pela Requerente, a AT procedeu a actos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, relativos aos meses entre Junho e Setembro de 2022, nos termos resumidos no quadro anexo:

 

  1. Dos actos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos resultou um montante global de € 3.109.008,41, e destes a parcela correspondente à liquidação de CSR tem o valor total de € 903.541,55.
  2. Em 25 de Outubro de 2022, a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

II. B. Matéria de facto não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar (dado o standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7 de Fevereiro de 2022 (processo nº C-460/21), nomeadamente vedando presunções):

  1. Que a CSR tenha sido efectivamente repercutida, ou não, sobre terceiros.
  2. Qual o grau de repercussão da CSR, caso ela tenha existido.
  3. Quais os efeitos económicos da repercussão da CSR no sujeito passivo, caso ela tenha existido (num qualquer grau).
  4. A existência, ou não-existência, de prejuízos associados à diminuição do volume das vendas do sujeito passivo, caso a repercussão da CSR tenha existido (num qualquer grau).

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  5. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. Sobre a Matéria de Excepção

 

III. A. Posição da Requerida na Resposta

 

  1. A Requerida, na sua resposta (arts. 11 segs.) começa por invocar a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal arbitral, a partir da premissa de que a CSR não é um imposto, mas sim uma contribuição financeira (art. 3º da LGT), o que a subtrairia à jurisdição dos tribunais arbitrais, nos termos do RJAT e da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março – a “Portaria de vinculação”.
  2. Em apoio da sua tese sobre a natureza da CSR, assinala o carácter de contrapartida que presidiu à criação da CSR (pela Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto), a sua funcionalização ao princípio do utilizador-pagador – nos quais descortina uma carácter comutativo, ainda que correspondendo a uma bilateralidade difusa.
  3. Em consequência, a verificação de uma tal excepção dilatória deveria acarretar a absolvição da Requerida, nos termos dos arts. 576º, 1 e 577º, a) do CPC.
  4. A Requerida sustenta que também por outra via se verificará a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria: é que a Requerente não pretende a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR – quer antes, com muito maior amplitude, a declaração de ilegalidade, por desconformidade com o Direito Europeu, da totalidade do regime jurídico da CSR.
  5. Atacando assim, genérica e indiscriminadamente, a natureza do regime jurídico da CSR, colocando em crise a respectiva conformidade jurídico-constitucional, o que a Requerente pretenderia seria, segundo a Requerida, a suspensão de eficácia de actos legislativos. E isso mais uma vez extravasaria do âmbito da jurisdição arbitral, fixada no art. 2º do RJAT – na qual não cabe a apreciação da legalidade de normas em abstracto.
  6. Da procedência desta outra excepção resultaria igualmente a absolvição da instância, nos termos dos arts. 99º, 1 e 576º, 2 do CPC.
  7. Uma última excepção dilatória decorreria, alegadamente, da ilegitimidade da Requerente: no exercício da sua actividade, a Requerente teria actuado como uma espécie de substituto tributário no pagamento da CSR, visto que esta é devida pelos automobilistas pela utilização da rede rodoviária, em contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela Infraestruturas de Portugal aos utentes das vias, medindo-se o valor devido da CSR em função do consumo de combustíveis.
  8. Sendo assim, argumenta a Requerida, o encargo da CSR é suportado pelo consumidor do combustível, não pelo vendedor – e não haveria forma de a Requerente fazer prova do contrário, ou seja, de ter sido ela a suportá-la, sem a ter repercutido, sem a incluir no preço final de venda dos combustíveis.
  9. Aferida a legitimidade pelo art. 30º, 1 a 3, do CPC, resultaria claro que, não tendo a Requerente suportado o peso económico da CSR, ela não teria interesse relevante – causa – para requerer a anulação dos actos de liquidação de CSR, e a resultante devolução do imposto redundaria em enriquecimento sem causa.
  10. Inexistindo legitimidade activa da Requerente, inexistiria causa de pedir, resultando dessa circunstância a necessária absolvição da instância, nos termos dos arts. 278º, 1, d), 576º e 577º, e) do CPC.

 

III. B. Posição da Requerente quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida

 

  1. Em Requerimento de 2 de Fevereiro de 2023, a Requerente tomou posição quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta.
  2. Quanto ao argumento de que a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, a Requerida rejeita-o integralmente, lembrando que, em termos de incidência objectiva e subjectiva, e de mecânica de aplicação, a CSR é decalcada do ISP, distinguindo-se somente em termos de restrição de incidência objectiva e territorial e de taxas, e pelo facto de ter finalidade própria.
  3. Em suma, para a Requerente a CSR é desprovida de estrutura comutativa, e por isso é genuinamente um imposto, um simples “desdobramento” do ISP, como foi reconhecido pelo TJUE o reconhecimento da desconformidade com o direito europeu, ou especificamente no Despacho Vapo Atlantic S.A. (de 7 de Fevereiro de 2022, Processo nº C‑460/21), e está implícito em vários passos da argumentação da própria Requerida, além de já ter sido reconhecido por uma multiplicidade de acórdãos arbitrais do CAAD, nos quais os tribunais se reconheceram competentes por, entre outras razões, identificarem a CSR como imposto.
  4. Soçobram assim, segundo a Requerente, seja o argumento de que, como a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, a AT não está vinculada a qualquer decisão arbitral, seja a alegação de que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para sindicar os actos de liquidação de CSR impugnados pela Requerente, alegação de cuja procedência decorreria excepção dilatória de incompetência material, que ditaria a absolvição da Requerida da instância.
  5. Quanto ao argumento de que a impugnação da Requerente não visa um concreto acto de liquidação mas antes a fiscalização abstracta da legalidade de normas jurídicas, e a suspensão da eficácia de acto legislativo emanado pelo Parlamento ao abrigo da sua competência, argumento de cuja procedência decorreria a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria, a Requerente repudia-o e sustenta que, em passo algum do pedido arbitral, consegue inferir-se a pretensão de um pedido que excedesse o que está directamente em causa nos autos.
  6. Quanto ao argumento de que a repercussão do imposto retiraria à Requerente a sua legitimidade activa no processo, além de inexistir um interesse legítimo de agir, a Requerente sustenta que, por um lado, não está feita prova dessa repercussão da CSR sobre os consumidores finais; e que, por outro, mesmo que tal prova estivesse feita, isso não interferiria com a legitimidade activa, visto que esta se prende com o interesse na apreciação do mérito de uma pretensão e nasce da alegação de uma titularidade (contestada), não requerendo a verificação incontestada da titularidade que só o desfecho do processo eventualmente propiciará.
  7. A Requerente foi sujeito passivo de CSR e isso confere-lhe legitimidade activa, nos termos do art. 9º, 1 e 4, do CPPT; quanto ao interesse legítimo em agir, a Requerente é a titular da relação material controvertida, para efeitos do art. 9º, 1 do CPTA.
  8. Improcederiam, assim, todas as excepções dilatórias das quais a Requerida pretendia que decorresse a sua absolvição da instância.

 

III. C. Posição da Requerente em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerente retoma o tema das excepções suscitadas na resposta da Requerida, e insiste que não se verifica a incompetência do tribunal arbitral – porque a CSR é um imposto, porque tem finalidade puramente orçamental e não tem estrutura comutativa, porque é tratada como imposto em diversas sedes, incluindo em peças processuais da própria Requerida.
  2. Insiste também que o pedido arbitral visa, de boa fé, a impugnação, por ilegalidade, dos actos de liquidação de CSR, e não, como a Requerida alega, uma fiscalização abstracta da legalidade de normas jurídicas, ou a suspensão da eficácia de acto legislativo emanado pela Assembleia da República.
  3. E insiste ainda que tem plena legitimidade activa, por ser o sujeito passivo da relação controvertida, condição que não se alteraria no caso de ter ocorrido repercussão do imposto – caso que a Requerida alega, mas a Requerente sustenta que não foi provado.

 

IV. Sobre o Mérito da Causa

 

IV. A. Posição da Requerente no Pedido de Pronúncia

 

  1. A Requerente começa por afirmar, em tese geral, que a liquidação de CSR violou o Direito Europeu, por erros de interpretação e aplicação cometidos pela AT.
  2. Sublinha que a CSR segue em parte as regras que disciplinam o ISP, mas constitui um imposto distinto, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprias.
  3. Ao nível europeu, a tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”) harmonizados e pela Directiva n.º 2003/96, de 27 de Outubro de 2003, que cuida especificamente da tributação dos produtos petrolíferos e energéticos.
  4. À luz da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, sendo da iniciativa do legislador nacional e onerando produtos já sujeitos ao ISP, a CSR configura um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados (excisable goods).
  5. Para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, subordina a criação destes impostos não harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de (a) respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de (b) terem como fundamento um “motivo específico” (“specific purpose”).
  6. De acordo com a jurisprudência consolidada do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita.
  7. Para tanto, pode ser relevante a existência de uma afectação da receita a despesas específicas, ou então uma estrutura de imposto demonstrativa de finalidades extrafiscais.
  8. Mas, sublinha a Requerente, desde a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que criou a CSR, não há qualquer funcionalização a um específico objectivo de política ambiental, energética ou social que pudessem afastar a conclusão de que a CSR foi criada por razões puramente orçamentais.
  9. Antes, há uma afectação, uma consignação genérica, da CSR ao financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A..
  10. Ora esse financiamento da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. podia ser assegurado pelo “produto de impostos de qualquer natureza”, e isso afasta a verificação de um “motivo específico” para a tributação, requisito para a admissão da criação de impostos não harmonizados sobre excisable goods.
  11. Conclui a Requerente que o legislador português não fixou uma afectação da receita da CSR que comprove que esta tenha sido criada por “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental.
  12. Lembra a requerente que o TJUE já se pronunciou sobre o tema no despacho Vapo Atlantic S.A., proferido no âmbito do processo C‑460/21, a 7 de Fevereiro de 2022, na sequência de reenvio despoletado no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T, concluindo aquele tribunal que:

“[o] artigo l.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue ‘motivos específicos’, na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.

  1. Assim sendo, a CSR criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, deve considerar-se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, e, nos termos da jurisprudência firmada no TJUE, os Estados-membros estão obrigados a reembolsar os montantes de imposto indevidamente cobrado em violação do Direito Europeu – salvo quando se comprove que o reembolso conduz ao enriquecimento sem causa dos contribuintes, por ter ocorrido a repercussão do imposto sobre terceiros (sem que essa repercussão tenha determinado quebra de vendas e rendimentos do contribuinte); caso em que se exige que uma norma de direito interno preveja essa excepção do enriquecimento sem causa.
  2. Ora, sustenta a Requerente, todos os requisitos se verificam: a violação do Direito da União, a não repercussão do imposto, o suporte pelo contribuinte da quebra do volume de vendas em resultado do imposto, a falta de uma base legal no direito interno para a invocação de uma excepção de enriquecimento sem causa.
  3. E a Requerente invoca, em seu apoio, a decisão favorável no Processo arbitral nº 564/2020-T, um processo com as mesmas partes, pedido e causa de pedir, apenas com anos diferentes.
  4. A Requerente sublinha que a incidência objectiva da CSR se sobrepõe em parte à incidência objectiva do ISP, abrangendo os mais importantes combustíveis rodoviários que àquele estão sujeitos, nos termos do artigo 88.º, do Código dos IEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho.
  5. Contudo, a CSR possui base de incidência objectiva própria e base de incidência territorial própria, muito mais estreitas que o ISP, como se comprova pela leitura da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto.
  6. Por outro lado, a incidência subjectiva da CSR é construída por remissão para as regras e categorias com que o Código dos IEC estrutura a incidência subjectiva do ISP – pelo que são sujeitos passivos da CSR, a título principal, os depositários autorizados e os destinatários registados que o Código dos IEC enquadra.
  7. Também a CSR possui taxas próprias, distintas das taxas do ISP não só no valor, mas também no modo de fixação; e a CSR possui tratamento orçamental e financeiro próprio, distinto do que é dado ao ISP.
  8. Acrescenta a Requerente que a CSR é um imposto criado por “desmembramento” do ISP no momento em que se reviu a concessão da rede rodoviária nacional à Estradas de Portugal, E.P.E., como deixa ver o artigo 8.º, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto.
  9. Concluindo a Requerente que, ainda que se sirva em parte das regras que estruturam o ISP, a CSR é um imposto distinto, com enquadramento, estrutura e finalidade próprias.
  10. A nível europeu, os instrumentos jurídicos fundamentais sobre tributação de produtos energéticos são:
  • a Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, que fixa o regime geral dos impostos especiais de consumo, dita “Directiva Horizontal”; e
  • a Directiva n.º 2003/96/CE, de 27 de Outubro, que estabelece o quadro da tributação dos produtos energéticos e da electricidade, dita “Directiva da Tributação Energética”.
  1. Quanto à Directiva n.º 2008/118, enquanto o n.º 2 do seu artigo 1º cuida dos impostos não harmonizados sobre excisable goods, o n.º 3 desse art. 1º cuida dos impostos não harmonizados sobre non-excisable goods.
  2. Quanto à Directiva n.º 2003/96, o imposto harmonizado que a concretiza no Direito interno português é o ISP.
  3. Já quanto à CSR, por contraste, a Requerente sustenta que ela constitui um imposto de iniciativa nacional, que não assenta nem apela no seu fundamento a qualquer normativo europeu: é um tributo não-harmonizado sobre produtos que já estão sujeitos a impostos especiais de consumo harmonizados.
  4. E é nesses termos, conclui, que a CSR cai no âmbito do art. 1º, 2 da Directiva n.º 2008/118.
  5. Lembra que a criação de tais impostos pelos Estados-membros reclama a) a sua justificação por um “special purpose”; b) a sua compatibilidade com as regras essenciais do IVA e das accises harmonizadas – sendo que este segundo requisito se verifica através da aproximação da CSR à estrutura e mecânica do ISP.
  6. Quanto ao requisito da “special purpose”, trata-se fundamentalmente da circunstância, sujeita a verificação, de o tributo não ter um objectivo orçamental, o que pode ser aferido, seja atendendo à afectação da receita, seja à estrutura do imposto - sendo que, em todo o caso, o que procura impedir-se é que um imposto não-harmonizado sobre produtos sujeitos aos impostos especiais de consumo harmonizados tenha uma finalidade puramente orçamental.
  7. Lembrando que o TJUE expressamente estabeleceu que “é preciso que o imposto em causa tenha por objecto, por si mesmo, assegurar a realização do motivo específico invocado e que, portanto, exista um vínculo directo entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo” (Acórdão Statoil, proferido no âmbito do processo C-553/13, em 5 de Março de 2015).
  8. Por outro lado, a Requerente sustenta a excepcionalidade do nº 2 do art. 1º da Directiva n.º 2008/118 face às regras harmonizadas que regem os IEC no espaço europeu, o que implica a adopção de um standard restritivo de interpretação.
  9. Lembra a Requerente que, ao criar a CSR, o legislador não invocou “motivo específico” algum, de política energética ou ambiental, pelo que as razões orçamentais se evidenciam como preponderantes – nomeadamente, a garantia de que haveria um financiamento das Estradas de Portugal fora do perímetro de consolidação orçamental, numa desorçamentação que visou facilitar o cumprimento das metas do défice público: o legislador deixa claro que a CSR é instrumental no financiamento da empresa Estradas de Portugal, e que a sua existência e aplicação não se justificam por qualquer outra ordem de razões.
  10. Ou seja, na expressão do TJUE as despesas que a CSR visa financiar são “despesas gerais susceptíveis de ser financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza”. Significa isso que não existe ligação directa entre a utilização das receitas da CSR e a finalidade orçamental que ela possui, uma vez que a CSR incide genericamente sobre a introdução no consumo dos combustíveis rodoviários, independentemente da utilização que lhes seja dada: razão pela qual o Tribunal de Contas e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental concebem a CSR como imposto.
  11. A Requerente recorda que o TJUE, no despacho Vapo Atlantic S.A., proferido no âmbito do processo C‑460/21, a 7 de Fevereiro de 2022, concluiu que as finalidades invocadas pela AT para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico para efeitos da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental.
  12. Concluindo a Requerente que a CSR deve considerar se um imposto desconforme ao Direito Europeu, em concreto, ao artigo 1.º, 2, da Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro.
  13. E que, em consequência, os actos de liquidação emitidos pela AT, na parte em que respeitam à CSR, são ilegais por violação do Direito Europeu.
  14. A Requerente peticiona, por isso, o reembolso do imposto ilegalmente cobrado, relativo à CSR, por violação do Direito da União – invocando a inaplicabilidade da excepção de enriquecimento sem causa do contribuinte, quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento do imposto o repercutiu efectivamente noutras pessoas (ponto n.º 26 do Acórdão do TJUE Hans Just, proferido no âmbito do processo n.º 68/79, em 27 de Fevereiro de 1980).
  15. E a Requerente insiste que não pode presumir-se que a repercussão do imposto tenha ocorrido, sendo, pois, necessário prová-lo – sendo vedado aos Estados-membros o estabelecimento de presunções (mesmo quando o imposto tenha sido concebido para ser repercutido) ou a exigência de prova negativa por parte do contribuinte (ponto n.º 14 do Acórdão San Giorgio, proferido no âmbito do processo nº C-199/82, em 9 de Novembro de 1983).
  16. Mais ainda, sustenta a Requerente que, mesmo quando se demonstre a repercussão, não se pode presumir que haja enriquecimento sem causa do sujeito passivo; isto porque o operador pode ter sofrido um prejuízo pela própria circunstância de ter repercutido a jusante o imposto cobrado pela administração em violação do direito comunitário, por o acréscimo de preço do produto provocado pela repercussão do imposto ter implicado uma diminuição do volume de vendas (Acórdão Comateb e.o, proferido pelo TJUE no âmbito do processo nº C-192/95, em 14 de Janeiro de 1997).
  17. A Requerente faz notar ainda que, por um lado, o Direito Europeu não proíbe que os Estados-membros introduzam, no seu Direito interno, uma excepção de enriquecimento sem causa, mas tão pouco a impõe; e que, por outro lado, a excepção do enriquecimento sem causa exige norma de Direito interno que a preveja.
  18. Argumenta que, na medida em que uma excepção de enriquecimento sem causa traduz “uma restrição de um direito subjectivo resultante da ordem jurídica comunitária”, não pode admitir-se que o reembolso de um imposto contrário ao Direito da União seja recusado ao contribuinte sem base legal clara e precisa de Direito interno (ponto n.º 95 do Acórdão do TJUE Weber’s Wine World, proferido no âmbito do processo C-147/01, em 2 de Outubro de 2003). O que significa, no seu entender, que o Estado português pode adoptar disposições que excluam o reembolso de impostos não harmonizados sobre o consumo sempre que a AT comprove o enriquecimento sem causa do contribuinte, mas não pode excluir o reembolso sem disposições legais claras e precisas que o habilitem para esse efeito.
  19. Ora, observa, não se encontram no Código dos IEC disposições que permitam excluir o reembolso do ISP quando se prove que este gera o enriquecimento sem causa do sujeito passivo.
  20. Lembrando que a negação do direito ao reembolso de imposto especial de consumo nacional que se mostre contrário ao Direito da União sem fundamento em norma de direito interno que expressamente preveja a excepção do enriquecimento sem causa — norma em falta no Código dos IEC — consubstancia uma violação do princípio do primado do Direito Europeu e, consequentemente, inconstitucionalidade indirecta por lesão do artigo 8.º da CRP, além da inconstitucionalidade directa por violação do princípio da legalidade tributária consagrado no artigo 103.º, 2, da CRP.
  21. Ao reembolso do CSR indevidamente pago, acresce, no pedido da Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 24.º do RJAT, 35.º, 43.º e 100.º da LGT, 61.º do CPPT, 559º do Código Civil; e ainda nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

IV. C. Posição da Requerente em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerente retoma as posições expressas do seu Pedido de Pronúncia, a que adita argumentos novos.
  2. Com relevância, assinala que o Governo, confrontado com a invalidação da CSR pelo TJUE, apresentou uma proposta de lei (nº 31/XV) com vista à sua eliminação no Código dos IEC, tendo sido já aprovada pelo Parlamento, entretanto, a Lei (Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro) que eliminou definitivamente a CSR, e a integrou no ISP – o que, no entender da Requerente, seria o reconhecimento da ilegalidade da liquidação de CSR, e da insustentabilidade de argumentos a apoiar a legalidade da CSR.
  3. Sustenta ainda que, contra o ónus da prova que sobre ela recaía, a Requerida não foi capaz de provar a repercussão da CSR sobre os consumidores finais – e que, em consequência, ficou por comprovar que o reembolso da CSR indevida conduzisse ao enriquecimento sem causa da Requerente.
  4. Depois de retomar argumentos sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida na sua resposta, a Requerente recapitula as razões que levam à conclusão de que a CSR contraria o Direito da União, tornando ilegais ao actos de liquidação de CSR: a ausência de “motivo específico” exigido pela Directiva nº 2008/118, o reconhecimento dessa desconformidade pelo TJUE e pelos tribunais arbitrais.
  5. Insiste também na ilegalidade da recusa de reembolso da CSR indevida, sobretudo com uma alegação de enriquecimento sem causa, que a Requerente tem por infundada e não-provada – além de ter sido escamoteada, no seu entender, a questão da diminuição do volume de vendas que decorreria, e terá decorrido, da repercussão que possa ter havido.
  6. Especificamente, desmente que por via contabilística, nomeadamente através do recurso ao conceito de “custo das mercadorias vendidas” (CMV) possa fazer-se prova da repercussão económica do imposto.
  7. E o mesmo sustenta quanto à existência de margens mínimas, ou quanto à menção expressa ao imposto em facturas, não bastando a alusão feita, pela Requerida, à Lei nº 5/2019, de 11 de Janeiro.
  8. E sustenta que a nova redacção do art. 2º do Código dos IEC, com o seu intuito de revestir “natureza interpretativa” ao mencionar que os impostos especiais de consumo são repercutidos sobre os consumidores, tenta retroactivamente resolver uma questão que – por isso mesmo – se reconhece que constituía uma lacuna legal. Só que – adianta – tal solução de estabelecer uma repercussão por via legal não chega para satisfazer os critérios da jurisprudência do TJUE, que exige a comprovação de uma repercussão efectiva.
  9. A Requerente entende que fica por provar a alegação de enriquecimento sem causa efectivo – e que, mesmo que isso tivesse sucedido, faltaria ainda norma legal interna que permitisse à Requerida fazer uso da excepção do enriquecimento sem causa para afastar o direito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do Direito Europeu, normal legal que não se encontra no Código dos IEC (Acórdão TJUE, Weber’s Wine World, Proc. nº C-147/01, Ponto nº 95).
  10. A Requerente observa que o Código do IVA tem disposições relativas a enriquecimento sem causa, mas que o mesmo não sucede no Código dos IEC – uma razão adicional, pois, para a Requerida não poder negar o reembolso da CSR indevida, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade directa por violação do princípio da legalidade tributária consagrado no art. 103.º da CRP.

 

IV. D. Posição da Requerida na Resposta

 

  1. Na sua resposta, e após invocar diversas excepções, a Requerida começa por recordar as circunstâncias precisas em que foi concebida e introduzida a CSR – como uma espécie de “cisão” do ISP, de modo a especificar-se que uma parte da receita anteriormente gerada pelo ISP passava a estar permanentemente “cativada” como receita da Infraestruturas de Portugal.
  2. E retoma a ideia de, sendo contrapartida de serviços prestados a utentes das vias rodoviárias, a CSR não é um imposto, e a sua liquidação opera através de uma espécie de substituição tributária, que facilita a liquidação e a cobrança, mas não desmente a sua subordinação ao princípio utilizador-pagador.
  3. Por outro lado, a Requerida lembra que, em resultado da Lei n.º 5/2019, de 11 de Janeiro, impendem sobre os comercializadores de energia alguns deveres de informação, nomeadamente a discriminação, em cada factura, das taxas e impostos incidentes sobre os produtos vendidos. E que, em resultado do Regulamento n.º 141/2020, de 20 de Fevereiro, da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), os comercializadores de combustíveis derivados do petróleo e de GPL ao consumidor estão obrigados a deveres informativos, novamente através de facturas detalhadas que discriminem todos os encargos tributários incidentes sobre cada transacção.
  4. Desses deveres infere a Requerida que a CSR é inteiramente repercutida sobre o consumidor – e que é isso que determina o direito de ser detalhadamente informado acerca de tudo aquilo que paga, em termos de tributos embebidos no preço que ele paga.
  5. A Requerida contesta o entendimento da Requerente de que a CSR, ao ter a sua receita destinada ao financiamento da rede rodoviária nacional, está a financiar despesas gerais que poderiam ser financiadas por qualquer imposto, pelo que teria uma finalidade puramente orçamental – e a leitura que a Requerente faz do Acórdão C-553/13 do TJUE (Statoil Fuel & retail), visto que neste caso se trata de uma taxa criada por regulamento, cuja forma de tributação e objetivo subjacente à sua criação, em nada se assemelha à CSR.
  6. Pelo contrário, assinala a Requerida, não só não foi instaurado, no que respeita à CSR, qualquer processo por incumprimento junto do Estado português, como ainda a Lei nº 55/2007, que criou a CSR, é explícita quanto a motivos específicos de criação dessa contribuição especial, particularmente no que se refere a contrapartidas que passam a onerar a Estradas de Portugal, a actual Infraestruturas de Portugal, pelo facto de a CSR ser sua receita própria – pelo que existe uma finalidade não-orçamental nessa afectação de receitas, como decorre também do contrato de concessão, celebrado no quadro do Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro.
  7. A Requerida destaca, em particular, objectivos específicos de redução da sinistralidade rodoviária e de sustentabilidade ambiental, escopos particulares do financiamento através da CSR. Assim, infere a Requerida, há um “motivo específico” para a razão de ser da CSR, não estando por isso em causa despesas gerais, ou finalidades puramente orçamentais – citando em seu apoio o entendimento o acórdão do TJUE, de 25 de Julho de 2018, Processo n.º C-103/17 (Messer France).
  8. Existindo na CSR finalidades não-orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, conclui a Requerida que a CSR é conforme ao direito comunitário.
  9. Em todo o caso, a Requerida assinala que qualquer reembolso de CSR, a ocorrer, determinará, para a Requerente, um claro enriquecimento sem causa.
  10. Quanto ao argumento da Requerente de que a repercussão do imposto não se presume e deve ser provada, a Requerida assinala que a quase totalidade da jurisprudência indicada tem por base a repercussão do IVA, que é um imposto plurifásico e que incide sobre o valor dos bens e não sobre a quantidade, pelo que apresenta uma estrutura tributária de contornos muito diferente da da CSR.
  11. O ISP, e com ele a CSR que é liquidada em simultâneo, é um imposto monofásico, e as taxas de CSR têm um valor fixo, calculado por volume de transacções.
  12. O suporte da carga tributária dependerá da elasticidade-preço entre procura e oferta, sendo que, quando a oferta for mais elástica do que a procura, serão os compradores e suportar a maior carga tributária, ao passo que se a procura for mais elástica do que a oferta a situação se inverterá e os produtores assumirão a maior parte do custo do imposto.
  13. No caso do gasóleo e da gasolina, a procura é altamente é inelástica, pelo que a carga fiscal é repercutida nos consumidores finais, sob a forma de preços mais altos. Pelo seu lado, o vendedor não terá qualquer razão para absorver o custo do imposto e não aumentar o preço quando confrontado com um aumento da taxa de imposto.
  14. A repercussão do imposto é total, e no entender da Requerida é isso que explica a posterior consagração legal do dever de facturação detalhada, o dever de fornecer ao consumidor a informação discriminada das parcelas que compõem o preço, entre elas os elementos tributários como a CSR (Lei nº 5/2019, de 11 de Janeiro, Regulamento n.º 141/2020, de 20 de Fevereiro). Ou seja, o facto de não estar consagrado um mecanismo formal de repercussão não invalida que essa repercussão exista – e em pleno.
  15. Dada esta circunstância, a Requerida lembra que é jurisprudência pacífica do TJUE que o Estado tem o direito de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do direito comunitário, na condição de provar que o encargo fiscal foi efetivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo do imposto, e que o reembolso do imposto a este último determinaria, por isso, uma situação de enriquecimento sem causa.
  16. Ou seja, que nem o direito comunitário nem os princípios do Estado de Direito e da proteção da confiança toleram o enriquecimento sem causa de um sujeito passivo através do reembolso de um imposto que foi repercutido em terceiros – incumbindo às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, mesmo quando nada conste explicitamente a este respeito no direito nacional.
  17. Entendendo a Requerida que está provada a repercussão nos consumidores quando os impostos arrecadados, mesmo os indevidamente arrecadados, foram incluídos no preço das mercadorias vendidas, de forma explícita e destacada nas facturas entregues aos consumidores: a obrigação de emissão das facturas constituiria prova de que a CSR repercute efectivamente no consumidor.
  18. Como não se trata de uma repercussão obrigatória, formal (à semelhança do que sucede normalmente nos impostos especiais sobre o consumo), entende a Requerida que a prova da repercussão económica, efectiva, em cada transacção, é uma prova impossível, que não lhe pode ser exigida – uma impossibilidade, ou onerosidade excessiva, que é similar àquela que, respeitando aos custos da devolução de impostos arrecadados contra o Direito da União, pode exonerar os Estados-membros de proceder a ela.
  19. Por outro lado, a Requerida chama a atenção para a circunstância de, no sistema contabilístico da própria Requerente, a CSR ter sido incluída no preço de venda dos combustíveis vendidos por ela, não tendo sido facturada separadamente nem reconhecida numa conta de rendimentos específica; e que, em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18 – Inventários, o procedimento contabilístico adoptado vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período), fazendo parte do Custo das Mercadorias Vendidas (CMV).
  20. Para a Requerida, a inclusão da CSR no CMV constituiria o reconhecimento por parte da Requerente de que aquela entra no preço de custo – e que é, consequentemente, incluída no preço de venda dos combustíveis, o que acaba de comprovar a repercussão, e o facto de que quem paga o imposto não é quem verdadeiramente o suporta, pelo que o “reembolso”, a acontecer, geraria uma receita para a requerente que não é contrapartida de qualquer despesa que ela tenha ilegalmente suportado, com violação princípios como os da justiça, da neutralidade, e da capacidade contributiva.
  21. Adicionalmente, sendo o valor da CSR superior à margem bruta do contribuinte, se ela não fosse repercutida a venda de combustíveis teria sempre de fazer-se com prejuízo, com preços de venda sistematicamente abaixo dos preços de custo, o que seria comercial e financeiramente insustentável, e aliás é uma prática legalmente proscrita.
  22. Por outro lado, a Requerida entende que se verifica o requisito do “motivo específico” que é exigido pelo Direito da União, já que estão enumerados os fins próprios da tributação, e se verifica uma ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade do imposto – o que transparece desde logo dos motivos da cisão do ISP que fez surgir a CSR, cisão que nem teria que ocorrer se estivesse em causa uma finalidade puramente orçamental.
  23. A Requerida reclama, do Tribunal, que pondere se se mantêm as circunstâncias que ditaram, no processo arbitral nº 564/2020-T do CAAD, o reenvio prejudicial ao TJUE, ou se pelo contrário, como é entendimento seu, essas circunstâncias se alteraram a ponto de a resposta dada pelo TJUE nesse processo ter perdido já a sua validade, a ponto de não dever acatar-se a sua autoridade vinculativa.
  24. Quanto ao pedido de reembolso de quantia certa, a Requerida lembra que, não só a CSR não é um imposto, como as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de actos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão – incumbindo às alfândegas efectuar essas liquidações.
  25. Conclui a Requerida que, não tendo havido erro imputável aos serviços da AT, não há direito a juros indemnizatórios.
  26. Protestou ainda juntar um documento complementar sobre a prova da repercussão da CSR.

 

IV. E. Posição da Requerida em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerida esclarece que, com a entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, a CSR passou a integrar o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, ISP, clarificando-se nesse diploma que os Impostos Especiais de Consumo, IEC, nos quais se inclui o ISP, e até agora a CSR, são sempre repercutidos nos consumidores, tratando-se de um esclarecimento ao qual é atribuído carácter interpretativo, e que, por isso, integra a lei interpretada, produzindo efeitos sobre as situações anteriores, porquanto vem fixar e esclarecer o sentido da lei.
  2. Quanto à questão do reembolso, recorda o estabelecido no despacho proferido pelo TJUE no Proc. nº C-460/21, em 7 de Fevereiro de 2022, que exceptua do reembolso as situações em que, tendo havido repercussão integral do imposto, tal reembolso se traduziria num enriquecimento sem causa – devendo entender-se que essa posição do TJUE não acarreta a sujeição do Estado à prova impossível no que respeita a cada caso de efectiva repercussão, em especial aqueles casos de vendas de combustíveis anteriores a 2020, ou seja, anteriores à entrada em vigor da obrigação de emissão de factura detalhada, nos termos definidos na Lei n.º 5/2019, de 11 de Janeiro e no Regulamento n.º 141/2020, de 20 de Fevereiro – sendo que, no seu entender, depois disso a referência desagregada à CSR na factura detalhada constitui, por si só, prova da repercussão económica no consumidor final, através do preço.
  3. Em documentos que juntou à suas alegações, um relatório vertido na Informação 1-CMCN/2023, e duas facturas da Requerente, a Requerida pretende ver provada a repercussão da CSR – visto que a Requerente inscreve a CSR como integrante do custo das mercadorias vendidas (CMV), como inscreve o ISP e a taxa de carbono, o que aliás se coaduna com o enquadramento contabilístico-normativo (NCFR 18), que determina que a totalidade do CMV tenha de reflectir-se no preço praticado à clientela.
  4. Assim, em termos contabilísticos a CSR terá necessariamente que estar incluída na base à qual a Requerente aplica a sua margem de lucro.
  5. Além disso, o elevado peso da CSR no total do CMV (o total de impostos representa mais de 50% do CMV), associado à diminuta margem bruta apurada pela Requerente (uma média que ronda os 5%), inviabilizaria, segundo a Requerida, qualquer argumentação no sentido da não inclusão da CSR no preço de venda dos combustíveis, pois a margem apurada nunca permitiria absorver o impacto do peso da CSR.
  6. Entende a Requerida, por isso, que a prova da repercussão fica feita: a análise e a descrição do tratamento contabilístico e do enquadramento fiscal reservado à CSR pelo sujeito passivo, suportada pela junção da documentação de algumas transacções comerciais reais, corresponde à demonstração objectiva da realidade dos factos, através de elementos que se relacionam com os factores inerentes às transacções comerciais que foram realizadas, nas quais o preço de venda incorporou, de forma clara a CSR.
  7. Não se trata, sublinha a Requerida, do estabelecimento de qualquer presunção – antes da constatação de factos comprovados.
  8. E mesmo que na facturação não aparecesse discriminada a CSR, isso não significaria a ausência de repercussão: se no custo dos inventários da Requerente está incluído o valor da CSR, tal significa que o encargo com a CSR está, em cada venda de combustíveis, a ser transferido para os clientes. E estaria sempre, mesmo que não estivesse detalhadamente documentada cada transacção.
  9. Mas o argumento decisivo, quanto à existência de repercussão, é, para a Requerida, o que se retira da retroacção da norma interpretativa referente à consagração da repercussão dos IEC, com a alteração da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto (Código dos Impostos Especiais de Consumo, CIEC), e do Decreto-Lei nº 91/2015, pela Lei nº 24-E/2022, de 30 de Dezembro.
  10. Na nova redacção do CIEC:

Artigo 2.º

Princípio da equivalência

Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”

  1. A esta consagração legal da repercussão dos IEC no consumidor é conferida natureza interpretativa pelo art. 6º da Lei nº 24-E/2022, de 30 de Dezembro, o que é explicado pela exposição de motivos da correspondente proposta de lei:

(…) respeitando os princípios que nortearam a criação da contribuição de serviço rodoviário, designadamente o desígnio de repercutir nos utilizadores da rede viária os custos inerentes à gestão da rede rodoviária nacional tendo em atenção o percurso que estes realizam consumindo uma unidade de medida de combustível, sanciona-se expressamente a internalização desta como parte do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos. (…)”.

  1. Entende a Requerida que essa retroacção tem que ser decisiva para casos ainda pendentes de decisão, apenas se salvaguardando efeitos de sentenças transitadas em julgado.
  2. No que respeita ao enriquecimento sem causa, a Requerida reitera as razões pelas quais entende que o reembolso de um imposto que considera ter sido integralmente repercutido só pode resultar em enriquecimento sem causa do contribuinte, que não suportou efectivamente o encargo económico do tributo.

 

V. Fundamentação da decisão

 

V.A. A matéria de excepção.

 

Temos a encarar as seguintes questões:

 

  1. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”).
  2. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da causa de pedir (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter por objeto a apreciação em abstracto da legalidade da CSR, e não a mera anulação de actos de liquidação da CSR).
  3. A excepção de ilegitimidade processual da Requerente.

 

V.A.1. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter como objecto actos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”).

 

Vimos que a Requerida, em sede de excepção, sustentou que o presente Tribunal Arbitral seria incompetente na medida em que a CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que estabelece que a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo outros tributos, como aqueles que devam ser qualificados como contribuições financeiras.

Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa[1]).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008:

Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança. 

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano. (...) Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.

Essa qualificação surge também em Casalta Nabais, que assevera:

estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal[2].

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.

Segue-se, portanto, que, sendo a CSR um imposto, a competência deste tribunal não é afastada por essa circunstância, nos termos do art. 2º do RJAT, e a AT não se desvincula, pela mesma razão, da jurisdição dos tribunais arbitrais, nos termos do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Esta excepção da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na qualificação da CSR como contribuição financeira improcede, pois, sendo este tribunal competente para apreciação do litígio e encontrando-se a AT vinculada à decisão que vier a ser proferida.

 

V.A.2. A excepção da incompetência absoluta do Tribunal em razão da causa de pedir (pelo facto de o pedido de pronúncia arbitral ter por objeto a apreciação em abstracto da legalidade da CSR, e não a mera anulação de actos de liquidação da CSR).

 

Na tese da Requerida, o pedido e respectiva fundamentação extravasam o âmbito da acção arbitral prevista no art. 2º do RJAT, uma vez que, no seu entender, não estaria em causa a apreciação da ilegalidade concreta de actos de liquidação de impostos, mas antes, e muito mais amplamente, a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa, mais precisamente a apreciação abtracta da natureza, e conformidade jurídico-constitucional, do regime jurídico da CSR, plasmado na Lei n.º 55/2007 e legislação subsequente.

Ao fundamentarmos a escolha e demarcação da matéria de prova, já tínhamos assentado que não daríamos como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, e insusceptíveis de prova.

Cremos ser o caso com a invocação desta excepção.

O pedido de pronúncia que fez nascer este processo indica claramente o seu propósito, que é o de obter a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de CSR. É desse objecto bem identificado, e concreto, que nasce o pedido de reembolso, que nasce a reivindicação de juros indemnizatórios, que nasce o cálculo do valor da causa.

A Requerente não pede ao Tribunal que declare a ilegalidade da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, nem que decrete a sua ineficácia.

A ilegalidade abstracta, ou seja, a desconformidade da Lei nº 55/2007 com o Direito da União Europeia, mais precisamente com o art. 1º, 2, da Directiva 2008/118, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, é um dos alicerces da argumentação que conduz à ilegalidade específica que é objecto do pedido de pronúncia arbitral – impondo-se reconhecer que, sem se estabelecer aquela desconformidade, sem sindicar a conformidade da lei nacional com o direito da União, não se poderia inferir esta ilegalidade dos actos de liquidação.

Estamos aqui perante o que se designa por ilegalidade abstracta, ou absoluta, da liquidação, que se distingue da ilegalidade em concreto pela circunstância de na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo, e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação. Na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação se consumou, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada, nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.

Por essa mesma razão, a própria ilegalidade abstracta pode ser objecto de impugnação em tribunal arbitral, na medida em que “qualquer ilegalidade” – entenda-se, tanto a concreta como a abstracta – pode ser fundamento de impugnação judicial, nos termos do art. 99º do CPPT; e essa possibilidade é expressamente reconhecida nas decisões arbitrais dos Processos n.os 275/2016-T, 656/2016-T e 48/2017-T do CAAD.

Se o que a Requerida pretende, ao apresentar esta excepção, é alegar que está vedado ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre uma questão de constitucionalidade, como a questão da articulação abstracta do direito nacional com o direito da União – especificamente a vigência directa, na ordem interna, do direito derivado da União (art. 8º da CRP), também aqui a alegação laboraria em equívoco.

Lembremos que a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (art. 204.º da CRP) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, ou apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (art. 280.º, 1 da CRP). Pelo que a desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por suscitação das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para a qual os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade, ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (art. 281.º da CRP).

Ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, o art. 204º da CRP refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais, e o artigo 280° da CRP, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.

E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os tribunais arbitrais dispõem do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral, e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais (entre outros, o Acórdão n.º 181/2007, de 8 de Março de 2007, Processo n.º 343/2005).

Logo, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o tribunal arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204.° da CRP. Por maioria de razão, estando em causa, no caso vertente, a desconformidade da CSR com a Directiva nº 2008/118, não pode deixar de se concluir pela competência contenciosa do tribunal para a apreciação do litígio.

Logo, mesmo que fosse verdadeira e susceptível de prova a alegação de que o objecto do processo não é aquele que foi expresso no pedido de pronúncia, mas algo que está meramente implícito nela, ainda assim não decorreria dessa circunstância a incompetência absoluta deste tribunal.

Pode vislumbrar-se, subjacente à alegação desta excepção, um outro argumento – o de que a Requerente está a impugnar toda a aplicação da CSR através do meio arbitral, parcelando-a em pequenos períodos de liquidação que permitam não atingir os valores-limite de competência da jurisdição arbitral e de vinculação da AT às decisões arbitrais, logrando resolver por via arbitral, parcela a parcela, questões que, num cômputo agregado, estariam reservadas ao âmbito judicial estrito: mas o facto é que isso não foi expressamente invocado, e é um problema de configuração legal e de iure condendo (entretanto transcendido com a entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro), que não pode ser apreciado no próprio âmbito arbitral.

Verifica-se, pois, que o pedido formulado pela Requerente, nos termos em que foi formulado e em que configurou o presente processo, se insere dentro da competência material do tribunal arbitral, tal como definida no RJAT, pelo que improcede a excepção de incompetência material invocada pela Requerida.

 

V.A.3. A excepção de ilegitimidade processual da Requerente.

 

A Requerida alega a ilegitimidade da Requerente, com o argumento de que, embora o sujeito passivo da CSR seja aquele que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição é suportado pelo consumidor do combustível, por repercussão da CSR no preço pago pelo consumidor final, redundando numa forma de substituição tributária; sendo, portanto, este o contribuinte da CSR, e, como tal, a parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos respectivos actos de liquidação; faltando à Requerente o interesse em agir.

Na verdade, a legitimidade activa no processo arbitral tributário é reconhecida aos sujeitos passivos, designadamente contribuintes directos, demais obrigados tributários e outras pessoas que provem um interesse legalmente protegido, nos termos do art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT. E isto independentemente de qualquer fenómeno de repercussão a jusante, que permita identificar um suporte económico do imposto por alguém que não é o sujeito passivo.

Por outro lado, a repercussão da CSR no consumidor final, por efeito do disposto no art. 2.º do CIEC, na redacção dada pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, não corresponde a uma forma de substituição tributária, visto que não só não é o consumidor final que responde pela prestação tributária, como também é a própria lei que exclui do conceito de sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Por outras palavras, não ocorre nesta situação uma deslocação da obrigação tributária, do contribuinte directo para um terceiro, o contribuinte “de facto” – aquele que, por repercussão, suporta o peso do imposto. E sem essa deslocação da obrigação, sem essa vinculação jurídica do contribuinte “de facto”, não pode ocorrer uma verdadeira substituição tributária, nos termos dos arts. 20º e 28º da LGT.

A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a legitimidade processual da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou coletiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.

A Requerente, enquanto depositário autorizado, é sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC, e, consequentemente, é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007.

Não pode deixar de concluir-se, por isso, que, na qualidade de contribuinte directo, é titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9º, 1 do CPTA).

Sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR em causa nos presentes autos, e, como tal, parte legítima, sendo ela que retira utilidade da demanda, improcede, pois, a invocada excepção de ilegitimidade processual da Requerente.

 

V.B. O mérito da causa.

 

Improcedendo todas as excepções suscitadas, estamos em condições de nos pronunciarmos sobre quatro tipos de questões relativas ao mérito da causa:

 

  1. A ilegalidade das liquidações da Contribuição de Serviço Rodoviário e o eventual direito ao seu reembolso.
  2. Desvinculação da posição assumida pelo TJUE em sede de reenvio prejudicial.
  3. A Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, como lei interpretativa.
  4. O direito a juros indemnizatórios.

 

V.B.1. A ilegalidade das liquidações da Contribuição de Serviço Rodoviário e o eventual direito ao seu reembolso.

 

A ilegalidade invocada pela Requerente consistiria no seguinte:

A CSR configura um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados (excisable goods).

A Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro, permite ao legislador nacional que onere produtos já sujeitos ao ISP.

Mas, para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a aludida Directiva subordina a criação destes impostos não harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de

  1. respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA;
  2. terem como fundamento um “motivo específico”.

No entender da Requerente, esse motivo específico não se verifica, visto que a CSR foi criada por razões de ordem puramente orçamental, não fazendo a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que cria a CSR, qualquer apelo a objectivos de política ambiental, energética ou social.

Pelo contrário, as razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR reportam-se à necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., encontrando-se a receita da CSR genericamente consignada ao referido financiamento.

No âmbito do Proc. nº 564/2020-T, decidiu-se colocar ao TJUE questões a esse respeito, em sede de reenvio prejudicial:

"1. O artigo 1.º, n.º 2, da Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, e designadamente a exigência de “motivos específicos”, deve ser interpretado no sentido de que a finalidade de um imposto é meramente orçamental quando a sua criação é feita com o objectivo de financiar empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, por ocasião da renovação da sua concessão, e à qual a receita do imposto fica genericamente afectada, e a sua estrutura não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo? 

2. O Direito da União e os princípios da legalidade e segurança jurídica permitem que o reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, seja recusado pelas autoridades nacionais com fundamento no enriquecimento sem causa do sujeito passivo quando não haja disposições legais específicas de Direito interno que o prevejam?

3. O Direito da União permite que, ao fundamentar a recusa do reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, as autoridades nacionais presumam a repercussão do imposto e o enriquecimento sem causa do sujeito passivo, obrigando-o a demonstrar que estes não se verificam?

O TJUE, em decisão de 7 de Fevereiro de 2022 (despacho no processo nº C-460/21), respondeu:

"1. O artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.

2. O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo".

Os tribunais nacionais estão obrigados a seguir a posição do TJUE no que se refere à interpretação e aplicação do Direito da União Europeia: a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo nestes domínios, até por força do primado do Direito da União Europeia, previsto no artigo 8º, 4 da CRP.

A jurisprudência arbitral subsequente acatou essa vinculação, ainda quando tenha procurado adensar e particularizar a formulação encontrada pelo TJUE.

Assim, no respeitante ao “motivo específico”, reconheceu-se que a Lei nº 55/2007 enunciava finalidades próprias para a CSR, mas que isso não bastava para preenchimento dos requisitos estabelecidos pela Directiva nº 2008/118, e retomados pelo TJUE: a CSR tinha por finalidade própria o financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais – e isso denota por si mesmo a ausência de “motivos específicos” para a criação daquele tributo, ferindo-o de ilegalidade abstracta.

Por outras palavras, a afectação da receita a despesas determinadas, podendo constituir um indicador de um motivo específico, não é comprovação suficiente desse motivo específico, exigindo-se a prova de uma ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade do imposto – a demonstração de que, por exemplo, a estrutura do imposto serve para desmotivar economicamente condutas que o imposto visa prevenir ou contrariar.

Mas tal comprovação torna-se impossível quando, como no caso da CSR, a receita do imposto esteja destinada a cobrir despesas susceptíveis de serem financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza – sendo que é manifesto que o financiamento da Infraestruturas de Portugal pode ser obtido pelo produto de impostos de qualquer natureza, é um financiamento decorrente de um motivo meramente orçamental, de obtenção de receita.

Como salientou o próprio TJUE, a ligação directa entre a utilização da receita e a finalidade da CSR ficaria demonstrada se o produto desse imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto – mas não é o caso, e daí o ponto 1 da conclusão a que o TJUE chegou, em resposta ao pedido de decisão prejudicial.

A finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme com o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova de que tenham sido cumpridos os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão.

Conclui-se que a CSR é ilegal, por violação da Directiva n.º 2008/118, sendo, em consequência, ilegais as liquidações impugnadas.

Especificamente, seguindo a jurisprudência vinculativa do TJUE, tem este tribunal de concluir pela inexistência de motivos específicos na criação da CSR, o que conduz à sua ilegalidade, por violação do disposto na Directiva 2008/118/CE do Conselho, que submete a possibilidade de o Estado criar impostos não harmonizados sobre IEC harmonizados à dupla condição de estes respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA, e de terem como fundamento um motivo específico.

Sendo as liquidações ilegais, e sendo-o por erro imputável aos serviços da Requerida, o imposto foi indevidamente pago.

Nos termos do n.º 1 do art.º 100.º da LGT, a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Esta obrigação de reconstituição da situação ex ante tem raiz no princípio da responsabilidade civil do Estado, e demais entidades públicas, por acções ou omissões, praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Uma vez que os sujeitos passivos, ou os particulares em geral, têm o direito fundamental de serem tributados em estrito cumprimento da legalidade, pode também dizer-se que, de uma liquidação tributária ilegal, resulta uma violação de um direito fundamental.

O princípio da obrigatória restituição dos impostos pagos indevidamente ao abrigo do Direito da União vale também naquele ordenamento, como decorrência do princípio do efeito directo das normas de Direito da União.

Além disso, nesta matéria, vigora ainda o princípio da equivalência, e que significa que as condições em que o sujeito passivo pode obter a restituição de um imposto pago indevidamente em violação do Direito da União não podem ser menos favoráveis do que as que são aplicáveis para obter a restituição de um imposto indevidamente pago por violação do direito interno.

No que respeita ao reembolso, ao enriquecimento sem causa e à repercussão do imposto, na fundamentação da sua resposta de 7 de Fevereiro de 2022, o TJUE considerou que:

39. A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas. […]

42. Por conseguinte, um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.

43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo.

44. Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos.

45. Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção.

46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão.

47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.”

Daqui decorre, novamente em consonância com o decidido pelo TJUE, que o Estado não pode recusar a restituição do imposto com fundamento numa presunção de repercussão do mesmo, e consequente enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

Não havendo prova concreta de efectiva repercussão do imposto, mas meros juízos presuntivos, e não havendo prova de que a repercussão que tenha existido não tenha redundado numa quebra de vendas e de receitas da Requerente, e que portanto a restituição redunde necessariamente em enriquecimento sem causa da Requerente – sendo que estas provas incumbiam à Requerida –, não existe fundamento para recusar o reembolso do imposto indevidamente pago, sendo essa a consequência natural da declaração de ilegalidade das liquidações.

Assim, para recusar o reembolso da CSR paga, teria a Requerida que demonstrar, por um lado, que a Requerente, pese embora tenha pago a CSR, a repercutiu efectivamente a terceiros, em concreto aos adquirentes das mercadorias por si vendidas; e, por outro lado, que o reembolso da CSR paga constituiria um efectivo enriquecimento sem causa da Requerente.

No caso dos autos, não resultou provada a repercussão da CSR paga, pelo que, não podendo tal repercussão ser presumida, não poderá este tribunal acolher a tese defendida pela Requerida. Não tendo resultado provada a repercussão, é evidente que não se verificam os pressupostos de que a lei faz depender o enriquecimento sem causa, que a Requerida também não logrou demonstrar.

Resta acrescentar, secundando o TJUE, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo, e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, e o grau em que o foi, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas: pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.

Contudo, a Requerida não aduz quaisquer argumentos, ou faz qualquer prova, no sentido de que as margens de lucro da Requerente não se reduziram no período em análise, por comparação com outros períodos em que a taxa da CSR tenha sido mais baixa – pois uma tal redução, a verificar-se, poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados.

A Requerida também não faz qualquer prova de que o volume de vendas dos distintos produtos não sofreu uma redução no mesmo período, por comparação com períodos em que a taxa da CSR foi mais baixa, o que também poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados.

Em qualquer dos casos, ficaria fortemente posta em causa a hipótese de enriquecimento sem causa – voltando-se a sublinhar que a repercussão do imposto, seja ela legal ou económica, não é, só por si, suficiente para alicerçar a excepção de enriquecimento sem causa.

Lembremos que, entre a matéria de facto não-provada, elencámos a existência, ou não, de repercussão efectiva da CSR, o respectivo grau, os efeitos económicos do grau de repercussão que possa ter ocorrido, e as quebras nas vendas que um aumento de preço por repercussão da CSR possa ter causado.

Assim, o tribunal arbitral, tendo em consideração o princípio da tutela jurisdicional efectiva, interpretando restritivamente a excepção de enriquecimento sem causa, e considerando ser sobre a Requerida que impende o ónus de provar esse enriquecimento sem causa, considera não provada essa excepção ao princípio do reembolso integral do imposto.

Por todo o exposto, não pode opor-se ao pedido de reembolso do imposto indevidamente liquidado uma suposta situação de enriquecimento sem causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.

 

V.B.2. Desvinculação da posição assumida pelo TJUE em sede de reenvio prejudicial.

 

Na sua Resposta, a Requerida sustenta não só que se verifica a condição de “motivo específico” exigível pelo Direito da União, como também que fez prova plena da repercussão integral a jusante da CSR, tornando visível o enriquecimento sem causa que beneficiaria a Requerente em caso de reembolso daquela contribuição.

Concluindo que, portanto, está removido qualquer fundamento para a alegada desconformidade da Lei nº 55/2007 com a Directiva nº 2008/118.

Entende, por isso, que algo mudou relativamente ao contexto que suscitou, no processo arbitral nº 564/2020-T, o reenvio prejudicial para o TJUE, e a decisão tomada pelo TJUE em 7 de Fevereiro de 2022 (processo nº C-460/21) – procurando, em suma, que a decisão no presente processo não se vincule às directrizes resultantes desta decisão do TJUE:

Passa-se que os contornos do presente caso concreto diferem daqueles que são objeto de análise no processo n.º 564/2020-T do CAAD, dado que neste caso a AT faz prova cabal de que o montante pago pela Requerente a título de CSR, relativamente a introduções no consumo efetuadas durante o ano de 2022, foi efetivamente repercutido no preço de venda ao público dos combustíveis e que, assim sendo, como é, o reembolso do montante em causa ao sujeito passivo determinam o seu enriquecimento sem causa, o que se mostra inadmissível.” (art. 176 da Resposta da Requerida no presente processo – sublinhado no original).

A questão suscitada tem uma resposta que é evidentemente prejudicada pelo entendimento que este tribunal adopta sobre a situação sub iudice e sobre o respectivo enquadramento normativo.

Não vislumbrando as diferenças fundamentais que a Requerida alega, não se vê razão para se afastar, no caso presente, a orientação que resulta da tomada de posição do TJUE, e que por isso permanece vinculativa.

Sendo uma questão prejudicada pela solução dada a outras questões, apenas a destacamos para que não ficasse a ideia de que, tratando-se de um ponto que envolve a consideração de outras jurisdições, o tribunal não a tinha considerado, ou a tinha omitido.

 

 

V.B.3. A Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, como lei interpretativa

 

Tanto nas alegações da Requerente como nas da Requerida, assinala-se a entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262).

O art. 3º dessa Lei dá nova redacção ao art. 2º do Código dos IEC:

(…) Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

E o art. 6º dessa Lei nº 24-E/2022 estabelece o seguinte:

A redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC tem natureza interpretativa.

O tema, há muito controvertido, das leis interpretativas na lei fiscal permite dois caminhos para uma tal lei:

  1. o de tornar certo direito que era incerto, aclarando ou declarando direito preexistente, preenchendo alguma lacuna, caso em que temos uma retroactividade puramente formal;
  2. o de modificar direito preexistente e certo, intervindo em disputas doutrinárias ou jurisprudenciais, violando expectativas quanto à continuidade desse direito preexistente, colidindo com prerrogativas jurisdicionais, caso em que temos retroactividade material.

Deste modo, leis e normas autodeclaradas como interpretativas, mas que sejam inovadoras, são materialmente retroactivas.

Ora, como lapidarmente se estabelece no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021, Proc. nº 843/19,

a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição”.

A Requerente encara a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, como um reconhecimento da invalidação da CSR pelo TJUE, e a consequente ilegalidade da CSR – e daí a abolição da CSR através da sua “reincorporação” no ISP, consumada naquele diploma.

Para a Requerida, a Lei nº 24-E/2022 determina que a repercussão dos IEC nos consumidores é um efeito legal, ou seja, passa a presumir-se “iuris et de iure” que a repercussão é inerente à tributação especial do consumo – sustentando a Requerida que a retroacção que essa norma interpretativa acarreta terá necessariamente de se fazer sentir nos casos pendentes, como nos presentes autos, tendo por único limite as sentenças transitadas em julgado.

Só que essa leitura do art. 6º da Lei nº 24-E/2022 é inconstitucional, como resulta claramente do supracitado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 25 de Janeiro de 2021.

Além disso, mesmo que essa leitura não fosse inconstitucional, ainda assim ficariam por satisfazer alguns dos critérios estabelecidos no despacho de 7 de Fevereiro de 2022 do TJUE: nomeadamente, ficaria por realizar-se a comprovação da repercussão efectiva da CSR nos consumidores através da subida de preços; e, por implicação, a comprovação da medida efectiva do enriquecimento sem causa, se este existisse e pudesse ser provado.

Adicionalmente, e em observância da jurisprudência do TJUE (Acórdão Weber’s Wine World, Proc. nº C-147/01, Ponto nº 95), faltaria ainda uma norma interna que permitisse à Requerida fazer uso da excepção do enriquecimento sem causa para afastar o direito ao reembolso de um imposto cobrado em violação do Direito Europeu, norma essa que encontramos no Código do IVA, mas que não se encontra no Código dos IEC – uma razão adicional para não se poder excepcionar ao reembolso da CSR indevida, porque uma tal atitude de “excepção sem lei” constituiria violação do princípio da legalidade tributária consagrado no art. 103.º da CRP.

 

V.B.4. O direito a juros indemnizatórios.

 

A Requerente solicitou ainda o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos arts. 24.º do RJAT, 35.º, 43.º e 100.º da LGT, 61.º do CPPT, 559º do Código Civil; e ainda nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

Decorre do art. 43º, 1 da LGT que são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

Nos termos do art. 24º, 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Tudo isso condicionado pela existência, ou não, de erro imputável aos serviços.

Mas já concluímos que se verifica, neste caso, ilegalidade abstracta das liquidações de CSR, em virtude da sua desconformidade com o Direito da União Europeia, o que se traduz na existência de erro imputável aos serviços.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, e em aplicação do art. 24º, 1, b9 e 5 do RJAT, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V.B.5 – Aplicação uniforme do Direito.

 

Na fundamentação da decisão, e em obediência ao princípio geral consagrado no art. 8º, 3 do Código Civil, seguimos de perto as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 564/2020-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 665/2022-T e 113/2023-T, todos do CAAD[3].

 

V.B.6 – Questões prejudicadas.

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.

 

VI. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegais e anulando parcialmente as liquidações ..., ..., ... e ..., de Imposto sobre Produtos Petrolíferos, de Contribuição de Serviço Rodoviário e de outros tributos referentes ao período entre Junho e Setembro de 2022, na parte liquidada a título de Contribuição de Serviço Rodoviário;
  2. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição da importância indevidamente recebida com base nessas liquidações;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito;
  4. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.

 

VII. Valor do processo

 

Na sua resposta, a AT apresenta uma ínfima divergência quanto ao cálculo do valor da causa, sustentando que o valor que, em alternativa, apresenta – € 903.540,56 –, é aquele que deve ser considerado, por corresponder mais precisamente ao montante de CSR pago pela Requerente, sendo esta a utilidade económica do pedido.

Verificar-se-ia, pois, quando muito, uma divergência de meros € 0,99, negligenciável face aos valores totais daquilo que está em causa – eventualmente atribuível, se provado, a um lapso de cálculo.

Sucede, no entanto, que a Requerida suscita esse incidente do valor da causa invocando que existe um erro de cálculo, mas não procede à prova adequada daquilo que alega.

Tendo, pelo contrário, a Requerente documentado a base e a forma de cálculo do valor total do que efectivamente pagou, fixa-se o valor do processo em € 903.541,55 (novecentos e três mil, quinhentos e quarenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

Em reforço desta solução de aceitarmos a indicação inicial da Requerente, lembremos que o único valor possível a considerar é o montante que motivou a constituição do tribunal arbitral – devendo atender-se ao princípio geral de que, nos termos do art. 296º do CPC, o valor da acção representa a utilidade económica imediata do pedido, determinado no momento da propositura da acção nos termos do art. 299º, 1 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.

 

VIII. Custas

 

Custas no montante de € 12.852,00 (doze mil, oitocentos e cinquenta e dois euros) a cargo da Requerida (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 24 de Outubro de 2023

                                                                                                                      

Os Árbitros

 

Fernando Araújo

 

Nina Aguiar

 

Francisco Carvalho Furtado

 



[1] Sérgio Vasques (2015), Manual de Direito Fiscal, Coimbra, p. 287.

[2] Casalta Nabais, José (2019), Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Coimbra, Almedina, p. 15.

[3] Processos n.os 564/2020-T (Carlos Fernandes Cadilha, Elisabete Louro Martins, Arlindo José Francisco), 304/2022-T (Nuno Cunha Rodrigues, Nina Aguiar, António de Melo Gonçalves), 305/2020-T (Manuel Macaísta Malheiros, Luís Menezes Leitão, Jesuíno Alcântara Martins), 665/2022-T (Regina de Almeida Monteiro, Alberto Amorim Pereira, António Manuel Melo Gonçalves) e 113/2023-T (Carlos Fernandes Cadilha, Sílvia Oliveira, Eva Dias Costa).