Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 219/2015-T
Data da decisão: 2015-10-05  IRC  
Valor do pedido: € 698.546,41
Tema: IRC - Tributação autónoma, SIFIDE
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 219/2015-T

Tema: IRC, tributação autónoma, SIFIDE

 

 

            Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Vasco Valdez e Dr.ª Maria Isabel Guerreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-06-2015, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A… - SGPS, S.A., doravante designada “A” ou “Requerente”, pessoa colectiva número …, com sede no Edifício …, … …, Lote …, … …, Lisboa, em 2011 sociedade dominante do Grupo constituído pela sociedade dominante e, entre outras, pelas empresas B…, C… - …, S. A., e D…, S.A., sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto no (na numeração actual) artigo 69.º e seguintes do Código do IRC, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade o indeferimento da reclamação graciosa que apresentou da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, relativa ao exercício de 2011 e, bem assim, a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, do grupo fiscal Requerente, relativa ao exercício de 2011, no que respeita ao montante de taxas de tributação autónoma em IRC de € 698.546,41, com a sua consequente anulação nesta parte, para além de reembolso à Requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 31-05-2012 até integral reembolso.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-03-2015.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 26-05-2015 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11-06-2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a sua absolvição do pedido.

Por despacho de 15-07-2015, decidiu-se dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

As partes apresentaram alegações.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)      A Requerente era, em 2011, a sociedade dominante de um grupo de sociedades (o Grupo constituído pela sociedade dominante e, entre outras, pelas empresas B…, C… - …, S. A., e D…, S.A.), sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS);

b)      A Requerente entregou, no dia 31-05-2012, a sua declaração agregada de IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2011, tendo, nesse momento, procedido à autoliquidação do de tributações autónomas em IRC, no montante de € 698.546,41 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

c)      A Autoridade Tributária e Aduaneira comunicou à Requerente a existência de erros na declaração referida relativos à «soma dos valores de derrama das empresas do grupo» (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

d)     A Requerente

e)      A Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto a autoliquidação relativa ao exercício de 2011, em que solicitou o reembolso do valor de € 698.546,41, correspondente às tributações autónomas, alegando que têm a mesma natureza do IRC e, por isso, deveria ser deduzido o benefício fiscal relativo ao SIFIDE (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

f)       A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 30-12-2014, do Senhor Director de Finanças Adjunto de Lisboa (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)      A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à Requerente em 02-01-2015;

h)      O valor do IRC, incluindo tributações autónomas, e da derrama consequente, autoliquidado, encontra-se pago (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

i)        O montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização no exercício de 2011, é o a seguir indicado, por referência às seguintes sociedades integrantes do grupo fiscal, e contando apenas o SIFIDE obtido do exercício fiscal de 2008 em adiante (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e quadro que consta do artigo 19.º do pedido de pronúncia arbitral, cuja correspondência à realidade não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira):

 

C…

B…

D…

 

j)        O lucro tributável da Requerente e das sociedades do grupo, no exercício de 2011, não foi apurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base em métodos indirectos (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

k)      As empresas integrantes do grupo da Requerente que originaram o benefício fiscal do SIFIDE não são e não eram então entidades devedoras ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

l)        A declaração Modelo 22 do IRC e sistema informático da AT impediam que a Requerente deduzisse benefícios fiscais à colecta derivada da aplicação das taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração Modelo 22;

m)    Em 27-03-2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

 2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

No que concerne ao sistema informático, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que ele não permita deduzir os créditos do SIFIDE à colecta de IRC, antes defende que esse é o funcionamento adequado (artigos 56.º e 57.º da Resposta).

 

 

3. Matéria de direito

 

Em 2011, vigorava o Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDEII) que foi aprovado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.

Este diploma estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 5.º:

 

Artigo 4.º

 

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

 

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

 

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

 

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que sejam PME de acordo com a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 10 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

 

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

 

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

 

5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de usufruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.

 

6 - A taxa incremental prevista na alínea b) do n.º 1 é acrescida em 20 pontos percentuais para as despesas relativas à contratação de doutorados pelas empresas para actividades de investigação e desenvolvimento, passando o limite previsto na mesma alínea a ser de (euro) 1 800 000.

 

7 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de actos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Artigo 5.º

 

Condições

 

Apenas podem beneficiar da dedução a que se refere o artigo 4.º os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:

 

a) O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indirectos;

 

b) Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer impostos ou contribuições, ou tenham o seu pagamento devidamente assegurado.

 

 

A Requerente defende, em suma, que se a colecta das tributações autónomas é considerada colecta de IRC, ela releva para dedução dos créditos fiscais do SIFIDE.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em suma, que os montantes em que se traduz o SIFIDE são deduzidos aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC e que a colecta a que se refere este artigo, quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (situação que ocorre nos autos), é apurada com base na matéria colectável que conste da declaração em que se traduz essa liquidação, isto é, na autoliquidação, nos termos do artigo 90.º, n.º 1, alínea a) do CIRC. A Autoridade Tributária e Aduaneira entende ainda que «elucidativo da circunstância de que o crédito em que se traduz o SIFIDE é deduzido, e apenas, à colecta assim apurada, ou seja, à colecta apurada com base na matéria colectável, é o disposto no artigo 5º, alínea a), da lei reguladora do SIFIDE, que impede que os créditos dele decorrente sejam deduzidos quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos» e que as tributações autónomas são determinadas de forma autónoma e distinta do apuramento levado a efeito nos termos que decorrem do artigo 90.º do CIRC.

Afirma ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que «as tributações autónomas, de acordo com a sua regulamentação inicial, constituíram como que um sucedâneo do regime da não dedutibilidade anteriormente previsto no CIRC». Estando na sua génese «a não aceitação fiscal de uma percentagem de certas despesas, constituindo as tributações autónomas uma forma alternativa e mais eficaz de correcção dos custos sempre que se trate de áreas mais propícias à evasão fiscal (ajudas de custo, despesas de representação, viaturas, etc.)», pelo que «não seria razoável, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas», situação que ficou mais clara com a nova alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º- A do CIRC.

Refere ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que, contrariamente ao disposto no artigo 12.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º- A do CIRC, nos n.º 1 e 2 do artigo 90.º inexiste qualquer referência a tributações autónomas, o que, desde logo, face à natureza dual do sistema, levanta fundadas objecções quanto à consideração do valor das tributações autónomas para efeitos das deduções previstas no n.º 2 do citado artigo 90.º» e que seria contrário ao espírito do sistema que determinou as tributações autónomas permitir que, por força das deduções a que se refere o n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, fosse retirado, ou pelo menos desvirtuado, às tributações autónomas o carácter antiabusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC.

Refere ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que «a criação de tributações autónomas esteve (e continua a estar) intimamente ligada ao propósito de, com sua presença no ordenamento jurídico, se alcançar maior justiça tributária, assim se respeitando (e dando uma mais precisa execução) ao princípio da tributação do rendimento real e, igualmente, se respeitando os princípios da igualdade e da capacidade contributiva» e que seria ilógico «admitir que um benefício fiscal seja deduzido à colecta das tributações autónomas conduziria ao mesmo resultado de deduzir, como encargos, os valores pagos em sede de tributações autónomas, para efeitos de determinação do lucro tributável», pois, assim, «a tributação pretendida seria mitigada (ou até mesmo eliminada), desfazendo-se por completo o efeito dissuasor que o legislador visou atingir com as tributações autónomas: o de desincentivar a realização de determinadas despesas que promovem o evitamento do imposto e o de alargar a base de incidência da tributação».

Defende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que «é esta a única interpretação que se compatibiliza com os princípios constitucionais da legalidade tributária, da igualdade na repartição da carga tributária, da prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e da tributação pelo lucro real, nos termos do disposto nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1 e 2 da CRP», pelo que será inconstitucional a interpretação defendida pela Requerente.

Assim, a questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se os créditos fiscais que, no ano de 2011, foram reconhecidos à Requerente, em sede de SIFIDE, podem ser deduzidos à colecta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nesse exercício fiscal.

Há tributações autónomas previstas no CIRC (artigo 88.º do CIRC) e tributações autónomas previstas no CIRS (artigo 73.º do CIRS).

A colecta por elas proporcionada constitui colecta do imposto respectivo, estando sujeita à generalidade de normas previstas nos códigos referidos, potencialmente aplicáveis. 

Quanto ao IRC, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Mas, a solução desta questão conceitual da natureza da colecta proveniente das tributações autónomas previstas no CIRC não permite resolver a questão de saber se os créditos provenientes do SIFIDE podem ser deduzidos a essa mesma colecta.

Na verdade, o diploma que aprovou o SIFIDE não refere que os créditos dele provenientes são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes define o âmbito da dedução aludindo, no seu n.º 1 do artigo 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».

O n.º 3 do mesmo artigo confirma que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizer que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Assim, a questão que interessa resolver, é, independentemente da natureza do imposto a que se referem as tributações autónomas, a de saber se o montante das tributações autónomas é «apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC», pois, se o for, terá de se concluir que, para determinar o limite da dedução, se atende à colecta proveniente das tributações autónomas.

O artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).

Por isso, ele aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária nos termos do artigo 90.º do CIRC, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação. A sua autonomia restringe-se às taxas aplicáveis e à respectiva matéria tributável, mas o apuramento do seu montante é efectuado nos termos do artigo 90.º.

As diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o montante resultante do lucro tributável residem na determinação da matéria tributável e nas taxas, previstas nos Capítulos III e IV do CIRC, mas não nas formas de liquidação, que se prevêem no Capitulo V do mesmo Código e são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

Por isso, sendo para o artigo 90.º, inserido neste Capítulo V, que se remete no artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE, não se vê suporte legal para efectuar uma distinção entre a colecta proveniente das tributações autónomas e a restante colecta de IRC, pelo facto de serem distintas as taxas e as formas da determinação da matéria tributável.

O facto de o artigo 5.º do SIFIDE afastar o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC.

Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.

Para além disso, não pode ver-se, na eventual natureza de normas antiabuso que assumem algumas tributações autónomas uma explicação para o seu afastamento da respectiva colecta do âmbito da dedutibilidade do benefício do SIFIDE, pois não há qualquer suporte legal para afastar a dedutibilidade à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização.

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE ser limitada à colecta do artigo 90º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável, designadamente por força das tributações autónomas.

É certo que, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, as tributações autónomas visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.

Mas, também é certo que, como está ínsito naquela afirmação, essas tributações autónomas apenas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais, e os benefícios fiscais concedidos, por definição, são «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, como se infere do facto de estes benefícios serem indicados como estando especialmente excluídos do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC.

             Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a inconstitucionalidade desta interpretação por incompatibilidade «com os princípios constitucionais da legalidade tributária, da igualdade na repartição da carga tributária, da prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e da tributação pelo lucro real, nos termos do disposto nos artigos 13.º e 103.º, n.º 1 e 2 da CRP», não é explicitado pela Autoridade Tributária e Aduaneira porque é entende que essa incompatibilidade existe, nem se vislumbra como possa existir.

Na verdade, quanto ao princípio da legalidade tributária, a interpretação legal é a defendida pela Requerente, pelo que se disse, sendo ilegal a interpretação defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Por outro lado, o princípio da legalidade abrange a forma de liquidação dos tributos, só podendo a sua liquidação ser efectuada «nos termos da lei» [artigos 103.º, n.º 3, da CRP e 8.º, n.º 2, alínea a) da LGT, pelo que, a não ser aplicável o artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas, teria de se concluir que não existiria no CIRC qualquer norma sobre a forma de liquidação destas tributações, o que se reconduziria a que enfermaria de inconstitucionalidade a sua liquidação, por ofensa do em princípio da legalidade, que se não compagina liquidação de tributos sem os termos em que ela se efectua estarem previstos na lei.

No que concerne aos princípios da igualdade na repartição da carga tributária, da prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e da tributação pelo lucro real também não se vê que colidam com a interpretação da Requerente, pois esta é aplicável à generalidade dos contribuintes que estejam na mesma situação e os benefícios fiscais, se é certo que diminuem a carga fiscal, têm justificação em razões de interesse público que se sobrepõem aos interesses da tributação, como se referiu.

Nestes termos, conclui-se que a autoliquidação de IRC do grupo fiscal da Requerente, relativa ao exercício de 2011, na parte em que não foi efectuada dedução das quantias referentes ao SIFIDE ao montante de taxas de tributação autónoma, enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, o mesmo sucedendo com a decisão da reclamação graciosa, na parte em que não reconheceu essa ilegalidade.

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios, contados desde 31-05-2012

 

A Requerente pede, ainda, o reembolso da quantia de € 698.546,41, que pagou, correspondente ao montante das taxas de tributação autónoma sobre que pode ser deduzido o benefício fiscal do SIFIDE.

A Requerente pede ainda juros indemnizatórios pelo pagamento indevido desse montante desde 31-05-2012, data em que efectuou o pagamento da quantia autoliquidada.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

A ilegalidade da decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.

No que concerne à autoliquidação, que foi efectuada pela Requerente, é de entender que o erro que a afecta é imputável à Administração Tributária, pelo facto de se ter provado que a estrutura da declaração Modelo 22 do IRC não permitia à Requerente efectuar a autoliquidação deduzindo o benefício fiscal do SIFIDE ao montante das tributações autónomas.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT desde 01-06-2012.

Os juros indemnizatórios são devidos sobre a quantia de € 698.546,41, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde 01-06-2012, até ao integral reembolso.

 

                       

            4. Decisão

 

            Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

– declarar a ilegalidade do despacho de 30-12-2014, do Senhor Director de Finanças Adjunto de Lisboa que indeferiu a reclamação graciosa e anulá-lo;

– declarar a ilegalidade da autoliquidação e anulá-la na parte em que não foi deduzido crédito do SIFIDE ao montante de € 698.546,41 referente à colecta das tributações autónomas em IRC;

– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 698.546,41;

– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios calculados sobre a quantia de € 698.546,41, desde 01-06-2012 e até integral reembolso da quantia referida, à taxa legal supletiva.

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € € 698.546,41.

 

            6. Custas

 

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10 098,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 05-10-2015

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Vasco Valdez)

 

 

 

(Maria Isabel Guerreiro)