Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 210/2015-T
Data da decisão: 2015-10-05  IRS  
Valor do pedido: € 5.691,75
Tema: IRS - ajudas de custo, alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 210/2015-T

Tema: IRS, ajudas de custo, alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS

 

Partes

 

Requerente – A…, NF …, com domicílio na …, lote … – … ..

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

I.         RELATÓRIO

 

a)      Em 23-03-2015, o Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

b)      O pedido está assinado por advogado em representação do Requerente.

 

O PEDIDO

 

c)      O Requerente pede a anulação de uma liquidação oficiosa de IRS, do ano de 2010, com o nº 2014… (segundo a resposta da AT) e nº … com data de 21-11-2014 (segundo o pedido de pronúncia arbitral) geradora de uma colecta de 4 649,92 euros e de juros de mora de 1 041,93 euros, o que perfaz 5 691,75 euros.

d)     Aduz a sua desconformidade com a lei pelo facto da AT ter considerado valores que auferiu no ano de 2010 como constituindo rendimentos do trabalho e não como ajudas de custo como os considerou. Peticiona ainda, consequentemente, que seja considerada anulada a liquidação dos juros moratórios.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

e)      O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 25.03.2015.

f)       Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 23.04.2015. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

g)      Pelo que o Tribunal Arbitral Singular (TAS) se encontra, desde 02.06.2015, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

h)      Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 02.06.2015 que aqui se dá por reproduzida.

i)        Logo em 02.06.2015 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 02.07.2015 juntando o PA.

j)        O Requerente veio a prescindir da audição de duas testemunhas arroladas no pedido de pronúncia. Ambas as partes prescindiram da realização da reunião de partes a que se alude no artigo 18º do RJAT mas não da produção de alegações escritas.

k)      Por despacho de 16.07.2015 o TAS fixou o prazo para a produção de alegações escritas e sucessivas.

l)        O Requerente apresentou alegações em 14.09.2015 e a Requerida em 23.09.2015.

 

 

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

m)                Legitimidade, capacidade e representação - As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

n)                  Contraditório - A AT foi notificada nos termos do inciso i). Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD.

o)                  Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT. Com efeito,

O Requerente alegou no exórdio do pedido “o conhecimento da existência em seu nome de liquidação oficiosa” juntando como elemento de comprovação um “print” de uma consulta de liquidação de IRS com data de 10.03.2015. Explicita que foi pela citação para o processo executivo que tomou conhecimento da liquidação do IRS. A AT não colocou em crise esta factualidade. Não existindo no processo qualquer elemento que permita concluir que a entrega do pedido de pronúncia no CAAD no dia 23-03-2015 foi intempestiva, o TAS considera verificado este pressuposto processual.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DO REQUERENTE

 

p)      O Requerente, com residência em Lisboa, alega que é trabalhador dependente da B… Sucursal em Portugal, com estabelecimento estável em ..., empresa cuja actividade consiste na realização de trabalhos sobre solos em áreas marítimas e costeiras (defesa de costa, reforço de areia em praias, dragagem de leitos de rio e fundos marinhos),

q)      Alega que exerce funções que implicam “com frequência a deslocação e permanência em estaleiros de obra da sua entidade patronal, tanto em Portugal como no estrangeiro”, auferindo o salário de 800,00 euros por mês a que acrescem as ajudas de custo.

r)       Para o indemnizar “aproximadamente” das despesas de alimentação e alojamento que essas deslocações implicam, a B… atribui-lhe, como é política da empresa, determinados montantes a título de ajudas de custo.

s)       No ano de 2010 essa atribuição foi de 1 633,00 euros em 14 pagamentos, o que perfez 22 862,00 euros durante o ano.

t)       Facultou à AT os recibos de vencimento (que expressam o acima referido) e um documento onde constam os locais onde esteve deslocado durante o ano de 2010 (contendo o mês, o local da obra, o país, o nº da obra e os dias em que lá terá estado deslocado).

u)      É contra a não-aceitação pela AT dos valores referidos em s) como ajudas de custo que se insurge, alegando que se verificam todos os pressupostos legais para que essa atribuição seja considerada como “indemnização aproximada” das despesas em que incorreu

v)      Pela razão de que os valores auferidos ficaram aquém do limite máximo de ajudas de custo não tributável, correspondendo a 56% do máximo admissível.

w)    Alega que este sistema de atribuição de ajudas de custo adoptado pela entidade patronal (um valor fixo pago em 14 mensalidades iguais) visa a simplicidade documental retirando esse encargo aos trabalhadores, em razão das suas tarefas, uma vez que trabalham num estaleiro de obra.

x)      Expressa que esse mecanismo de atribuição das ajudas de custos (por valor aproximado) tem em vista “…criar mecanismos de normalização tendentes a reduzir o número de variáveis com que o processamento de salários tem que lidar” e acrescenta “Só desta forma o requerente pode, a todo o momento, dispor dos fundos necessários para sobreviver quando é deslocado repentina e abruptamente para locais tão diversos como aqueles em que se situam as obras da sua entidade patronal”

y)      Conclui: “Essa … vantagem patrimonial deverá ser sujeita a IRS e SS, sempre em obediência ao referido princípio da justiça material, ou primado da substância sobre a forma” quando “os montantes atribuídos excedam a indemnização necessária para os trabalhadores deslocados fazerem face às despesas com alimentação e transporte, aferindo-se tal excesso pela ultrapassagem dos limites legais das ajudas de custo”.

z)      Em alegações sustentou este entendimento e quanto ao ónus da prova refere que a AT “deveria ainda provar que os montantes auferidos pelo trabalhador destacado em serviço não revestem natureza compensatória ou indemnizatória, mas antes uma situação de enriquecimento do trabalhador”.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

aa)   AT expressa que a “prova produzida e constante do processo administrativo, demonstra inequivocamente que aquele montante, de €1.633,00, que é pago 14 vezes por ano, e sempre no mesmo exacto valor, não corresponde ao pagamento de ajudas de custo (segundo o requerente … para “despesas com alimentação e alojamento”), para efeitos da sua dedução fiscal, porquanto não se mostram cumpridos os requisitos legais que permitam a sua consideração como ajudas de custo”.

bb)  Propugna no sentido de que “nem o requerente, nem a entidade patronal cumpriram” a “… 2ª parte da alínea d) do nº 3 do art. 2º do CIRS (…) consideram-se rendimentos do trabalho dependente (…) as ajudas de custo (…) quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.”

cc)   Considera o documento referido na parte final do inciso t) supra “… atende apenas aos encargos dedutíveis fiscalmente em sede de IRC, e não à matéria dos autos” e “ tal documento nada permite aferir, porque se mostra incompreensível: i. Números de dias de trabalho/deslocações mensais diferentes, produzem sempre a mesma remuneração mensal; ii. Deslocações quer em Portugal, quer em Espanha, produzem também, e sempre, a mesma remuneração mensal; iii. Meses de Julho e de Novembro são pagos a dobrar, tal como a remuneração base”.

dd) E conclui: “O que efectivamente resulta claro e inequívoco é que a remuneração em causa não está matematicamente dependente dos dias de trabalho deslocados fora do seu local habitual”.

ee)   Refere ainda: “… quer os servidores do Estado, quer as empresas estão obrigados a cumprir pressupostos de ordem formal, designadamente de ordem documental. Em ambos, os mapas hão-de permitir o controlo das importâncias pagas. Tais mapas, além de visarem o controlo interno, como refere o recorrente, visam igualmente aferir do cumprimento dos pressupostos que determinam, ou não a sua tributação”.

ff)      Em concreto aduz o seguinte quanto ao documento referido na parte final de t) supra: “… o mapa em causa, sequer permite aferir do valor diário pago a título da suposta ajuda de custo, e sequer permite perceber se o valor é o mesmo quando a deslocação é feita para fora de Portugal, ou dentro de Portugal, o que sempre se mostra imprescindível para aferir se ultrapassam, ou não os limites a partir dos quais há tributação do excedente” – 2ª parte da alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS.

gg)  Refere ainda ”…os mapas ou os documentos que permitam proceder ao controle que se impõe, não carecem de nenhum formalismo especial, devendo apenas conter os elementos necessários á validação dos montantes pagos”. Expressa ainda: “Não se põe em causa que o requerente se desloque para exercer funções noutros locais”.

hh)  Conclui: “o facto de aqueles montantes serem fixos, não desobriga ao cumprimento dos limites que definem a sua tributação. Tais valores até poderiam fazer sentido, se acaso as deslocações fossem semelhantes todos os meses, ou se fossem por períodos de tal forma longos que se dificultasse o seu apuramento, ou se, no final se procedesse a um acerto”. “Ora, in casu, nada disso se verifica. Ao que acresce o facto de as supostas ajudas de custo serem também pagas a título de subsídio de férias e de Natal”.

ii)      Quanto ao ónus da prova sobre a natureza remuneratória ou compensatória das atribuições em causa conclui: “só poderia recair sobre a AT se ou o recorrente ou a empresa tivessem prestado a informação sobre o montante diário da ajuda de custo, descriminado por deslocação ao estrangeiro ou deslocação dentro de Portugal.”

jj)      Termina, quer na resposta, quer nas alegações, propugnando pela improcedência do pedido de pronúncia.

 

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

 

No fundo o que se discute, em essência, neste processo, é se o documento de folhas 24/121 do PA é suficiente (hábil) para determinar o limite quantitativo não sujeito a IRS (artigo 2º nº 3 alínea d) do CIRS) e o limite qualitativo (as ajudas de custo são tributáveis, quando ou na parte em que, não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado). Sendo que o principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário.

 

A fundamentação do acto impugnado consta do Relatório da Inspecção Tributária a folhas 14/121 do PA e aí se diz a razão de fundo da divergência entre a AT e o contribuinte: “… a entidade patronal não possui por cada pagamento efectuado um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos designadamente respectivos locais, tempo de permanência e objectivo”.

 

Todo o dissídio é construído em volta deste documento (reproduzido em 11) da parte III): o contribuinte e pelos vistos a sua entidade patronal entendem que – face às circunstâncias da actividade – tal documento é elucidativo, mas a AT entende que não, muito embora reconheça que o mesmo não carece de requisitos especiais.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão que se vai adoptar são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Factos provados

1)      A AT procedeu à liquidação oficiosa de IRS, do ano de 2010, com o nº 2014… (segundo a resposta da AT) e nº … com data de 21-11-2014 (segundo o pedido de pronúncia arbitral) geradora de uma colecta de 4 649,92 euros e de juros de mora de 1 041,93 euros, o que perfaz 5 691,75 euros; – exórdio do pedido de pronúncia, artigo 1º da resposta e folha 3/121 do PA;

2)      Tal liquidação oficiosa é consequência de procedimento de inspecção do artigo 46º do RCPIT, OI 2012… de 11.07.2012, dirigido ao contribuinte … residente na Travessa …, lote …, . – ..., uma vez que auferiu o montante de 1 633,00 euros x 14 no ano de 2010, totalizando 22 862,00 euros, a título de ajudas de custo, valor que não foi declarado na declaração de rendimentos do ano de 2010; – artigos 17º e 20º do pedido de pronúncia; segunda parte do artigo 3º da resposta e teor do PA.

3)       O Requerente tomou conhecimento da existência em seu nome de liquidação oficiosa pela citação para o processo executivo – Documentos nºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia.

4)      No relatório da inspecção consta que o salário do Requerente é pago pela B… – Sucursal em Portugal, com estabelecimento em ..., sendo composto por um vencimento base (€800 mensais) acrescido de uma componente paga a título de ajudas de custo, no valor fixo de €1 633,00 por mês, incluindo subsídio de férias e subsídio de natal do mesmo valor -  conforme cópias dos recibos de vencimento - folhas 14 e 17 a 23 do PA.

5)      O requerente é trabalhador dependente da empresa B… – Sucursal em Portugal desde 1 de Abril de 2007, contratado como servente de empreitada, tendo-se mantido ao serviço da empresa desde então – artigo 8º e 10º do pedido de pronúncia, documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia e folhas 13 e 14 do PA

6)      A B… é uma empresa cuja actividade consiste na realização de trabalhos sobre solos em áreas marítimas e costeiras, por exemplo defesa de costa, reforço de areia em praias, dragagem de leitos de rio e fundos marinhos – artigo 9º do pedido de pronúncia.

7)      No âmbito do contrato referido em 5) o local de trabalho do Requerente “será o local da empreitada, prestando o trabalhador, desde já, o seu consentimento à realização de todas as deslocações que se mostrem necessárias ao desempenho da sua actividade profissional” – Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia.

8)      No contrato de trabalho com data de 03 de Abril de 2007 consta como residência do Requerente a Avenida … nº …-… … Lisboa e no pedido de pronúncia consta como sendo a Travessa …, lote … … . – Exórdio do pedido de pronúncia, documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia e notificações constantes do PA.

9)      Em data não determinada entre a B… – Sucursal em Portugal e o requerente foi estipulada a atribuição ao trabalhador de um valor fixo mensal de 1 633,00 euros x 14, com a designação de “ajudas de custo” com o intuito de cobrir as despesas de alimentação e alojamento em deslocações – artigo 15º do pedido de pronúncia e posição global da AT na resposta e alegações.

10)  É política da B… – Sucursal em Portugal, atribuir aos trabalhadores como o requerente montantes a título de ajudas de custo por valor fixo pago em 14 mensalidades – artigo 15 do pedido de pronúncia e anuência tácita da AT face à posição global adoptada na resposta e nas alegações.

11)  O Requerente durante o ano de 2010 esteve deslocado em Espanha durante 246 dias e em Portugal durante 47 dias conforme documento com o seguinte teor (conforme folhas 14 e 24 do PA):

A… – Deslocações 2010

 

Obra

País

Nº da obra

De

Até

Dias no exterior

Dias no país

Janeiro

Espanha

10-…

01/Jan/10

31/jan/10

31

 

Fevereiro

Espanha

10-…

01/Fev/10

25/fev/10

25

 

Março

Espanha

10-…

20/Mar/10

31/mar/10

12

 

Abril

Espanha

10-…

01/Abr/10

30/Abr./10

30

 

 

Maio

Espanha

10-…

01/Mai/10

31/mai/10

31

 

Junho

Espanha

 

 

Portugal

10-…

 

 

10-…

01/Jun/10

 

 

06-Jun/10

05/jun/10

 

 

30/jun/10

 

5

 

 

 

 

 

 

 

25

Julho

Portugal

10-…

10/Jul/10

31/jul/10

 

22

Agosto

Espanha

10-…

01/ago/10

20/ago/10

20

 

Setembro

Espanha

10-…

01/Set/10

30/set/10

30

 

Outubro

Espanha

10-…

10/Out/10

31/out/10

22

 

Novembro

Espanha

10-…

01/Nov/10

30/nov/10

30

 

Dezembro

Espanha

10-…

01/Dez/10

10/dez/10

10

 

 

 

 

 

 

 

246

148,91

47

62,35

 

 

 

 

 

 

 

 

12)  O Requerente entregou o presente pedido de pronúncia no CAAD no dia 23-03-2015 - Registo no SGP do CAAD.

 

Factos não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

***

 

Matéria do inciso 9) – No contrato de trabalho não consta a atribuição da verba fixa mensal que o requerente defende ser “ajudas de custo”. O TAS considera que a ausência de tomada de posição da AT quanto à data em que esse acordo foi firmado, por forma expressa diferente da forma escrita, subsequente à assinatura do contrato de trabalho, revelado pelo teor dos recibos juntos ao processo, significa a aceitação tácita dessa factualidade, ocorrida em data não determinada entre 03 de Abril de 2007 e, pelo menos, Janeiro de 2010.

Matéria do inciso 10) – Muito embora no relatório da inspecção, na resposta da AT e nas alegações não se tenha encontrado referência ao facto desta forma de pagar as denominadas “ajudas de custo” (verba fixa x 14) por esta concreta empresa, não só a este trabalhador como aos demais em funções idênticas, o TAS face ao referido no artigo 15º do pedido de pronúncia, à posição global do requerente e à posição global da requerida, convenceu-se que se trata de uma forma generalizada de actuação da empresa com uma determinada categoria de trabalhadores, ou seja, aqueles que trabalham nos estaleiros de obras (vidé nºs 1 a 5 das alegações do requerente e artigo 55º a 60º do pedido de pronúncia).

           

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR

 

As questões a dirimir que, no fundo, giram à volta da valoração ou não valoração do conteúdo documento reproduzido em 11) da matéria de facto (parte III) parecem estar simplificadas pela forma clara e aberta como a AT trouxe ao processo a sua leitura da lei e dos factos. Vejamos:

  • Refere que “não se põe em causa que o requerente se desloque para exercer funções noutros locais”;
  • E ainda: “os mapas ou os documentos que permitam proceder ao controle que se impõe, não carecem de nenhum formalismo especial”.
  • E concretiza melhor: “… a entidade patronal não possui por cada pagamento efectuado um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos designadamente respectivos locais, tempo de permanência e objectivo” (sublinhado nosso).

 

Ou seja, no fundo o separa a posição da AT da posição do contribuinte é a inexistência “por cada pagamento efectuado um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos designadamente respectivos locais, tempo de permanência e objectivo”.

 

Sobre o ónus da prova – relativo à natureza remuneratória ou compensatória por gastos em prol da entidade patronal – refere a AT que o mesmo só poderia recair sobre si “se ou o recorrente ou a empresa tivessem prestado a informação sobre o montante diário da ajuda de custo, descriminado por deslocação ao estrangeiro ou deslocação dentro de Portugal”.

 

Ou seja, a questão central é sempre o da valoração ou não do documento reproduzido em 11) da matéria de facto (parte III).

 

Ora, não se discute aqui o limite quantitativo não sujeito a IRS (artigo 2º nº 3 alínea d) do CIRS), nem tão pouco essa questão foi levantada em sede de procedimento de inspecção.

 

O que aqui se discute é o limite qualitativo (as ajudas de custo são tributáveis, quando ou na parte em que, não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado).

 

Ora, o principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência efectiva de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário.

 

Mas este pressuposto, neste caso, está documentado e nem a AT coloca em causa a realização das deslocações. O documento reproduzido em 11) da matéria de facto (parte III) é elucidativo e suficientemente esclarecedor da sua concretização efectiva.

 

Coloca-se então a questão de apurar (seguindo o sumário do acórdão do TCAS, Relator Sr. Desembargador José Correia, processo 4592/11 de 29.03.2011, disponível em www.dgsi.pt) se, neste caso, existem ou não elementos de prova que permitem concluir à AT, no exercício do seu poder-dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, por parte do contribuinte, que

·         Se realizaram efectivamente as deslocações;

·         Que as mesmas são justificativas do pagamento de ajudas de custo;

·         Que muito embora tenha sido paga uma verba fixa X 14 pagamentos, esse valor global, não ultrapassa o limite máximo não sujeito a IRS pelos dias em que ocorreram efectivamente as deslocações (questão que, como acima se referiu nem se discutiu na fundamentação do acto ora impugnado).

 

É que nem se discutiu no Relatório de Inspecção se neste caso se justificava o pagamento ao Requerente de quaisquer importâncias a título de ajudas de custo, tendo em conta o tipo de actividade da empresa e o tipo de serviço prestado pelo contribuinte, necessariamente em portos de mar pela costa portuguesa, espanhola ou de outros países.

 

O documento reproduzido em 11) da matéria de facto dada como provada, no seu elemento literal permite retirar os “respectivos locais, tempo de permanência e objectivo”. Sendo que o objectivo está contido nas próprias funções do contribuinte e na actividade da empresa.

 

Também permite apurar o valor diário de referência considerado nas ajudas de custos (para efeito de se apurar o limite não sujeito a IRS e contribuições para a SS), quer em deslocações em Portugal, quer em deslocações no estrangeiro. Aí se expressa o limite considerado: 246 - 148,91 (no estrangeiro); 47 - 62,35 8 (em Portugal).

 

Alega a AT que “a entidade patronal não possui por cada pagamento efectuado um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aqueles encargos designadamente respectivos locais, tempo de permanência e objectivo.

 

Como se referiu o documento em discussão permite apurar o local onde ocorreu a deslocação, o tempo de permanência e o objectivo. O objectivo configura-se óbvio face ao tipo de empresa e tipo de actividade prestada pelo colaborador: a realização da empreitada pelo tempo da sua execução.

 

Não vemos como se possa retirar da lei que seja condição de aceitação material de uma atribuição de uma entidade patronal a um trabalhador, a título de ajudas de custo, que a mesma tenha que estar formalmente documentada num único mapa por cada pagamento.

 

Tal exigência poderá fazer sentido em certas empresas, mas numa empresa como a que surge como entidade patronal do requerente (com obras em locais marítimos pela costa portuguesa e espanhola, em 2010) e quanto ao exercício das funções que incumbem ao trabalhador a prestar nesses estaleiros, não nos parece desajustada em termos de racionalidade económica a opção tomada pela empresa de pagamento de um valor fixo mensal ao trabalhador para o compensar dos custos aproximados que ele venha a ter com as suas despesas de alimentação e estadia.

 

O pagamento de ajudas de custa desta forma a um trabalhador deslocado, não constitui, em si mesmo, indicador de que essas quantias não são ajudas de custo (acórdão do TCAN, processo 237/66 de 13.02.2014).

 

No caso a AT tinha ao seu dispor os elementos documentais e factuais suficientes para poder aquilatar que as atribuições entregues ao contribuinte, ainda que de forma fixa e mensal a título de ajudas de custo, não ultrapassam globalmente os limites máximos que resultam da alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS, correspondem a efectivas deslocações em prol da entidade patronal e sendo a sua atribuição generalizada a todas as funções da empresa, idênticas à do Requerente, a forma de atribuição por valor mensal e fixo, terá justificação em razões de eficiência e simplificação de gestão salarial.

 

Não se questionou sequer se foi a entidade patronal do Requerente que pagou directamente o seu alojamento e alimentação durante as suas deslocações nas diversas obras. Nem se questionou que as deslocações não ocorreram como se documenta no documento do inciso 11) da parte III.

 

Face à prova aqui produzida quanto ao modo como o Requerente exerceu em 2010 o seu trabalho para a entidade patronal, deslocado 246 dias em Espanha e 47 dias em Portugal mas em locais distantes do seu domicílio pessoal; face à ausência de prova de que as deslocações não se realizaram ou a entidade patronal suportou directamente esses custos de alojamento e alimentação ou que foram excedidos os limites legais previstos para a atribuição de ajudas de custo, o TAS conclui que não se encontram preenchidos os requisitos que permitam concluir que as atribuições aqui em discussão tenham natureza de remuneração (acréscimo patrimonial), configurando-se como tendo natureza compensatória pelas despesas de alojamento e alimentação feitas pelo contribuinte ao serviço e em prol da sua entidade patronal.

 

Nesta conformidade considera-se que procede o pedido de pronúncia arbitral uma vez que a liquidação oficiosa de IRS não está de acordo com a norma contida na alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS.

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julga-se:

  1. Procedente o pedido de pronúncia arbitral anulando-se a liquidação oficiosa de IRS, do ano de 2010, com o nº 2014… (segundo a resposta da AT) e nº … com data de 21-11-2014 (segundo o pedido de pronúncia arbitral) geradora de uma colecta de 4 649,92 euros e de juros de mora de 1 041,93 euros, o que perfaz 5 691,75 euros, por estar em desconformidade com a norma contida na alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS.

2.      Anulada fica, consequentemente, a liquidação associada de juros moratórios.

 

***

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 5 691,75 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 05 de Outubro de 2015

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

 

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.