Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 198/2015-T
Data da decisão: 2015-10-16  IRS  
Valor do pedido: € 43.998,90
Tema: IRS - Método indireto; competência do tribunal arbitral; caso julgado; repetição de procedimento externo de inspeção.
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  Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Tema: Método indireto; Competência do tribunal arbitral; Caso julgado; Repetição de procedimento externo de inspeção.

 

I – Relatório

 

1. No dia 18.03.2015, a Requerente, A..., contribuinte Fiscal nº …, com domicilio Fiscal na Avenida … …, nº …, 1º esquerdo, em ..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de IRS do ano 2005 e respetivos juros compensatórios consubstanciados nos atos da liquidação de IRS nº 2012 …, referente ao ano de 2005, liquidações de juros compensatórios nºs 2012 … e 2012 … e declaração de acerto de contas número 2012 …, de que resultou o valor total a pagar de 43.998,90 €, na sequência da decisão de indeferimento de recurso hierárquico deduzido contra a decisão de indeferimento de reclamação graciosa previamente apresentada com o mesmo objeto.

A Requerente alegando, ainda, que suportou o valor total de 49.017,39 €, em consequência de ter pago, além do valor das liquidações, juros de mora e custas de processo executivo instaurado para cobrança dos valor liquidados, peticiona, também, a condenação da Requerida a pagar estes valores, acrescido de juros indemnizatórios sobre tais montantes.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

 

O tribunal arbitral foi constituído em 28.05.2015.

 

3. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

a.       A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção externa levada a cabo pelos serviços de Investigação de Fraude e de Ações Especiais da Direção- Geral dos Impostos (DSIFAE), para consulta, recolha e cruzamento de elementos, relativamente aos anos de 2005 a 2007 em cumprimentos dos Despachos nº D1 … e D1 … exarados pelo Senhor Diretor do DSIFAE.

 

b.      No âmbito daquela inspeção, foi a Requerente visitada por técnicos daquela DSIFAE em 25 de Junho de 2008, tendo sido notificada para comparecer nas instalações daquela direção dos Serviços para, ao abrigo do princípio da colaboração prevista no artigo 59º da Lei Geral Tributária, e do artigo 34º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, prestar esclarecimentos relacionados com movimentos efetuados em contas bancárias.

 

 

c.       O que a Requerente fez, prestando todos os esclarecimentos solicitados e conferindo autorização para o levantamento do sigilo bancário.

 

d.      Em 25 de Julho de 2008 foi a Requerente notificada do encerramento do procedimento inspetivo à data de 23 de Julho.

 

e.       Por carta datada de 21 de Abril de 2010, foi a Requerente notificada de que, ao abrigo da Ordem de Serviço nº O…/…/…, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., a muito curto prazo se iriam deslocar à sua residência de então técnicos daqueles serviços com vista à verificação do IRS referente aos anos de 2005, 2006 e 2007 no âmbito de ação externa parcial referente a IRS e IVA dos anos de 2005, 2006 e 2007.

 

f.       Na sequência daquela inspeção foi fixado à Requerente um rendimento tributável nos termos da alínea f) do artigo 87º e nº 5 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, no valor de € 109.430,00, correspondente aos depósitos efetuados na referida conta do B…, por entenderem os Serviços de Inspeção Tributária, existir uma divergência não justificada entre o consumo evidenciado pela referida conta bancária e os rendimentos declarados pela Requerente para o ano de 2005 em apreço, tendo o respetivo relatório final sido notificado à Requerente em 25 de Novembro de 2010.

 

g.      Não se conformando com esta decisão, contra a mesma, viria a Requerente a interpor Recurso para o Tribunal Tributário de ..., o qual correu termos junto daquele Tribunal sob o nº .../10.2BELRS.

 

h.      Entretanto, foi a Requerente notificada por ofício da divisão de Processos Criminais Fiscais da Direção de Finanças de ... de que deveria comparecer no dia 13 de Outubro de 2010 junto das instalações daquela divisão para ser ouvido como arguida em processo de Inquérito o que a Requerente fez, tendo então sido constituído arguida.

 

i.        Em Maio de 2005, foi a Requerente notificada da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de ..., na qual, considerando não se estar em presença de qualquer incremento no património daquela que habilite a AF a fixar-lhe o rendimento tributável por avaliação indireta, julgou aquele Tribunal totalmente procedente o recurso judicial apresentado pela Requerente, anulando a decisão de fixação do rendimento tributável.

 

j.        Contra aquela decisão, viria o Diretor de Finanças de ... a interpor recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul, o qual, considerando que a Requerente havia apresentado o recurso previsto no nº 7 do artigo 89º-A da LGT fora do prazo previsto no art. 146º-B, do CPPT, veio a determinar, por acórdão de 23 de Julho de 2012, a anulação da decisão do Tribunal Tributário de ... e absolver do pedido a Administração Tributária com fundamento em extemporaneidade da petição.

 

k.      Em 20 de Setembro de 2012 foi a Requerente notificada das liquidações de IRS objeto do presente processo.

 

l.        Não se conformando com aquelas liquidações, a Requerente apresentou reclamação graciosa e, no seguimento desta, recurso hierárquico para sua Exa., o Ministro das Finanças o qual viria a ser indeferido por despacho da Exma. Senhora Diretora dos Serviços do IRS datado de 2 de Dezembro de 2014.

 

m.    Tal como dispunha o nº 3 do art. 63º da Lei geral Tributária, à data dos factos (atual nº 4), “ O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.”

 

n.      O objetivo desta proibição é, desde logo, evitar que um mesmo sujeito passivo seja sobrecarregado com mais que uma vez com os incómodos que as ações de fiscalização são suscetíveis de lhe provocar e conjugando esta norma com as do artigo 36º, nºs 2 e 3 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, que estabelecem a regra da continuidade da inspeção e o prazo máximo de conclusão do procedimento inspetivo e respetivas prorrogações, conclui-se que que os efeitos da proibição são amplificados no sentido de assegurar ao contribuinte de que não possa ser alterada a definição jurídica da sua situação efetuada na sequência da conclusão do procedimento de inspeção externo, com base nos mesmos factos que foram apurados pela Administração Tributária durante a inspeção.

 

o.      No caso em apreço as correções efetuadas na sequência da inspeção levada a cabo pelo Serviço de Finanças de ... não se baseiam em quaisquer «factos novos», mas, ao invés, nos mesmos exatos factos relativamente aos quais a Requerente já havia sido ouvida no âmbito do procedimento levado a cabo pela DSIFAE, sem que relativamente aos mesmos tenha resultado qualquer juízo de censura.

 

p.      De onde se conclui que a atuação da Administração Tributária ao elaborar o novo relatório de inspeção e praticar os atos subsequentes não se compagina com tal regime legal e ofende o direito da Requerente a não ver alterada a situação jurídica definida na sequência da ação inspetiva.

 

q.      Ao proceder à «reanálise» dos mesmos elementos fornecidos pela Requerente, depois de o primeiro procedimento inspetivo se encontrar findo, concluindo em sentido diametralmente oposto ao que resultava da primeira análise, incorreram os serviços da Administração Tributária numa clara e grosseira violação dos artigos 36º, nº 2, 3 e 4, do RCPIT e do art. 63º, nº 3, da LGT, entendidos não só com o seu alcance procedimental, mas também do direito à segurança jurídica que da conjugação dos respetivos regimes emana.

 

r.        A violação destas normas constitui vício de violação de lei, que se repercute necessariamente nos consequentes atos de fixação do rendimento tributável e de liquidação de IRS e juros compensatórios, que têm como pressuposto e fundamento aquela atuação ilegal, devendo por isso ser anulados.

 

Por outro lado,

 

s.       Na redação à data dos factos, dispunha o nº 1, do artigo 45º, da LGT, que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

 

t.        Por seu turno, dispunha ainda o nº 4 do mesmo artigo 45º da LGT, que o referido prazo de caducidade se conta, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, pelo que, qualquer liquidação corretiva deveria, sob pena de caducidade, ser notificada à Requerente até 31 de Dezembro de 2009.

 

u.      E nem se diga, como pretendeu a Direção de Finanças de ... na contestação então apresentada contra o recurso deduzido pela Requerente da decisão de fixação do rendimento tributável, que tal conclusão seria impedida pela aplicação do disposto no nº 5 do referido artigo 45º da LGT – aditado pelo nº 1 do art. 57º da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, mas aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da sua entrada em vigor por força do nº 2 do mesmo preceito – que determina que sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo de caducidade é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de uma ano porque, como é evidente, o âmbito de aplicação da norma em apreço não visa determinar a suspensão da contagem do prazo de caducidade em qualquer circunstância em que se verifique a instauração de um processo de inquérito a uma sujeito passivo de qualquer imposto mas, tão só, às situações em que a aferição dos pressupostos da liquidação desse imposto estejam dependentes do juízo a fixar relativamente aos factos a ser averiguados naquele processo de inquérito, o que decorre, quer da letra, quer do espírito da norma em apreço.

 

v.      De resto, isso mesmo é expressamente referido na atualização de Dezembro de 2005 ao Programa de Estabilidade e Crescimento apresentado pelo Governo que subjaz ao aditamento do citado nº 5 do art. 45º da LGT onde se poder ler que a alteração do regime da caducidade do direito à liquidação está relacionada com o “sentido de se prever que, estando o correcto apuramento do imposto dependente de factos apurados em inquérito criminal aquele prazo é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da respectiva sentença, acrescida de um ano (já aprovado na Lei do Orçamento de Estado para 2006).”

 

w.    Acresce que a Requerente só foi constituída arguida depois de concluída a segunda ação de fiscalização, donde se conclui que a haver alguma relação de dependência entre um e outro processo, esta verifica-se exatamente no sentido oposto àquele que a lei visou estabelecer, não necessitando a Requerida de aguardar pelo desfecho do processo de inquérito para concluir relativamente ao seu pretenso direito tributário.

 

x.      Pelo que, cumpre pois concluir que, ainda que se desconheça a respetiva data, e se admita, em benefício da excussão de quaisquer dúvidas, a instauração do inquérito criminal, em data anterior a 31 de Dezembro de 2009, a instauração do processo de inquérito não se afigura, no caso vertente, determinante para a aplicação da regra do nº 5 do art. 45º da LGT, não impedindo a verificação, na referida data, da caducidade do direito à liquidação

 

y.      Mas, mesmo que assim não fosse e se entendesse que a instauração do processo de inquérito, mesmo quando não notificada ao sujeito passivo, devesse ter aquele efeito suspensivo, o que só por esforçada cautela e esforçado dever de patrocínio se admite, o mesmo só se poderia verificar, obviamente, até à data em que a administração tributária optou por concluir o procedimento inspetivo e fixar o rendimento tributável, abdicando desse mesmo efeito suspensivo o que sucedeu, no caso vertente, em 6 de Setembro de 2006.

 

z.       Donde resultaria que, mesmo descontando o alegado período de suspensão, sempre a notificação da liquidação teria ocorrido em momento posterior ao terminus do prazo legalmente previsto para a liquidação do imposto, verificando-se assim, em qualquer caso, a caducidade do direito à liquidação do imposto.

 

 

aa.   Mesmo que por qualquer razão se considerasse devido o imposto liquidado à Requerente com referência ao ano de 2005 sob reclamação – o que só por mera cautela se admite- deveriam ser anulados os juros compensatórios apurados e liquidados conjuntamente com a coleta pois que, como decorre do art. 35º, nº 1, da Lei Geral Tributária, só haverá lugar àqueles no caso de retardamento da liquidação quanto esta resulte de uma qualquer conduta ou omissão culposa do sujeito passivo.

 

bb.  No caso vertente não pode ser assacada culpa à Requerente pois que, a fixação do rendimento que subjaz à liquidação resulta exclusivamente da aplicação duma presunção legal que abstrai de qualquer convicção ou juízo sobre a culpa do sujeito passivo pelo que deve, sem mais, considerar-se ilegal a liquidação de juros compensatórios sob reclamação, determinando-se de imediato a sua anulação.

 

cc.   Mesmo que assim se não entendesse, os juros em causa sempre se revelariam excessivos pois que desde Julho de 2008 que a Requerida se encontrava habilitada a liquidar o imposto alegadamente devido não podendo a Requerente ser responsabilizada pelo facto de ter sido necessária uma reanálise dos mesmos elementos para atingir conclusão diversa e terem decorrido, entretanto, mais dois anos.

 

dd. Tendo a Requerente pago o valor das liquidações em causa já no âmbito do processo executivo instaurado para cobrança de tais montantes, deverá ser reembolsado do que indevidamente pagou.

 

ee.   Acresce que, decorrendo a liquidação de imposto de manifesto erro imputável aos serviços, cujo reconhecimento expressamente se requer, assiste ainda à Requerente, nos termos do art. 43º, nº 1, da Lei Geral Tributária, o direito a juros indemnizatórios computados sobre aquele montante à taxa legal.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por exceção e por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

DEFESA POR EXCEÇÃO

 

Incompetência material absoluta

 

a.       Os vícios que a Requerente invoca são vícios suscetíveis de afetar a legalidade da decisão do Diretor de Finanças de ... que fixou a matéria coletável referente a IRS de 2005 com recurso a métodos indiretos.

 

b.      Assim acontece com a alegada violação do disposto nos dos artigos 36º, nº 2, 3 e 4 do RCPIT, art. 63º nº 3 da LGT, art. 55º da LGT e art. 266º da CRP.

 

c.       Bem como com a caducidade do direito à liquidação por decurso do prazo previsto no nº 1 do 45º da LGT, o qual a Requerente entende que terá terminado em data anterior ao início do procedimento inspetivo, em violação do disposto no nº 1 do art. 36º do RCPIT.

 

d.      Não tendo a Requerente reagido oportunamente, no prazo expressamente consignado para o efeito, da decisão de fixação da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, conforme acórdão proferido pelo TCA Sul a 23/07/2012, já transitado em julgado, a mesma consolidou-se na ordem jurídica, não podendo ser agora atacada a legalidade do ato de liquidação com fundamento nesses vícios,

 

e.       O Tribunal Arbitral não pode conhecer de “pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão”, conforme dispõe a al. b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.

 

f.       Ou seja, não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral as decisões sobre a avaliação indireta da matéria tributável.

 

g.      Justamente, decorre do pedido e da causa de pedir deduzidos pela Requerente que o presente meio arbitral se destina a reagir contra a correção efetuada à matéria coletável referente a IRS de 2005 com recurso a métodos indiretos.

 

h.      Ora, a decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos constitui um ato destacável do procedimento tributário, suscetível de reação por parte dos sujeitos passivos apenas através de meio próprio, não podendo a liquidação de imposto dela decorrente ser posta em causa através de impugnação judicial ou, no caso que ora interessa, através de pedido de pronúncia arbitral, quando o pedido e causa de pedir pretendem atacar a legalidade daquela decisão de avaliação indireta da matéria coletável, conforme, por exemplo, é referido na jurisprudência plasmada no acórdão do STA n.º 0188/09, de 09/09/2009.

 

i.        Assim, resulta das disposições legais atrás invocadas, nomeadamente o disposto nos artigos 2.º e 4.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º112-A/2011, de 22/03, que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir o pedido da Requerente em tudo o que se prende com a legalidade da decisão de avaliação indireta.

 

j.        Considerando que dúvidas não restam, pelo exposto, de que a pretensão da ora Requerente visa apreciação do ato de liquidação tendo por fundamento vícios suscetíveis de inquinar o procedimento inspetivo e, consequentemente, a decisão de avaliação indireta da matéria coletável.

 

k.      Será, assim, de concluir pela impossibilidade do presente tribunal arbitral decidir o presente litígio, quer se considere que estamos perante a exceção de incompetência material do tribunal arbitral ou perante exceção dilatória inominada por falta de vinculação da AT.

 

l.        A incompetência do tribunal constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância nos termos do artigo 576.º e alínea a) do art.º 577.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, o que desde já se requer.

 

Sem conceder,

Do caso julgado

m.    Conforme resulta provado nos autos, a Requerente reagiu contra aquela decisão de avaliação indireta da matéria coletável interpondo recurso para o Tribunal Tributário de ....

 

n.      Sucede, porém, que por acórdão do TCA Sul, de 23/07/2012, proferido em 2ª instância e já transitado em julgado, foi julgada extemporânea a apresentação da petição de recurso da Requerente e, em consequência, declarado extinto o direito de recorrer contra aquela decisão de fixação da matéria coletável com recurso a métodos indiretos.

 

o.      Assim sendo, a decisão de avaliação da matéria coletável com recurso a métodos indiretos consolidou-se na ordem jurídica, não podendo ser atacada a liquidação dela decorrente com fundamento em vícios do procedimento inspetivo que culminou com aquela decisão, sob pena de violação do caso julgado.

 

p.      Nos termos supra expostos, deve ser julgada procedente a exceção do caso julgado, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido.

 

Sem conceder,

POR IMPUGNAÇÃO

Quanto ao princípio da proibição da repetição de procedimento inspetivo externo

 

q.      Não se verifica, ao contrário do alegado pela Requerente, qualquer violação do princípio da não repetição do procedimento de inspeção tributário, previsto nos nº 2, 3 e 4 do art. 36º do RCPITA, e nº 3 do art. 63º da LGT, pois que a ação inspetiva efetuada pela DSIFAE, ao abrigo dos despachos DI2007 … e DI2007 …, teve como objetivo a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos, cfr. a) do nº 4 do art. 46º do RCPIT e destinou-se à preparação prévia do procedimento inspetivo a efetuar em momento posterior.

 

r.        Desta simples conjugação de normas que disciplinam o regime do procedimento inspetivo resulta que a sucessão daquele tipo de ações inspetivas é perfeitamente legítimo, não constituindo qualquer violação ao disposto no nº 3 do art. 63º da LGT.

 

s.       De outro modo, a Requerida ficaria especialmente diminuída nas prerrogativas de que dispõe para acautelar a eficiência e eficácia da sua intervenção no controlo e verificação do cumprimento das obrigações tributárias.

 

t.        Afinal, o que o nº 3 do art. 63º da LGT pretende não é diminuir as prerrogativas da AT mas antes acautelar que o uso dessas prerrogativas seja especialmente atentatório das garantias dos contribuintes.

 

u.      As ações de mera consulta, recolha e cruzamento de elementos, ainda que possam ter a colaboração dos contribuintes, não dispõem das prerrogativas das ações inspetivas de natureza externa, destinadas a proceder ao controlo e verificação da situação tributária dos contribuintes, sendo que é relativamente a estas que o legislador, através do nº 3 do art. 63º da LGT, entendeu acautelar a violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação que devem nortear a atividade da administração tributária.

 

v.      Em suma, aquela ação da DSIFAE não se destinou a verificar a situação jurídico-tributária da ora Requerente com vista à proposta de correções suscetíveis de originar a liquidação de imposto,

 

w.    Porque assim é, o procedimento inspetivo efetuado ao abrigo da ordem de serviço 2010 …, de 14/04/2010, da Direção de Finanças de ..., não constituiu uma qualquer repetição de atos inspetivos para efeitos do nº 3 do art. 63º nº da LGT, inexistindo qualquer violação deste normativo legal, ou do disposto no previsto nos nº 2, 3 e 4 do art. 36º do RCPITA, do art. 55º da LGT ou art. 266º da CRP.

 

x.      Deste modo, não é verdade que em Junho de 2008 a Requerente tenha sido objeto de uma ação inspetiva no âmbito da qual prestou declarações e foram analisadas as contas por si detidas nos mesmos exatos termos posteriormente acorridos em 2010.

 

y.      Nos termos supra expostos, deve ser julgado improcedente a alegada violação dos artigos 36º, nº 2,3 e 4 do RCPIT, art. 63º nº 3 da LGT, art. 55º da LGT e art. 266º da CRP, absolvendo a entidade Requerida do pedido.

 

Quando à caducidade do direito à liquidação,

 

z.       A tese da Requerente carece de fundamentação quer quanto aos factos quer quanto à interpretação do nº 5 do art. 45º da Lei Geral Tributária.

 

aa.   Resulta quer do elemento literal da norma, quer do seu elemento teleológico, que a introdução desta causa de suspensão do prazo para liquidação do imposto se destina a evitar que a AT fique impedida de liquidar o imposto nas situações em que a prazo de caducidade termina no decurso do processo de inquérito, sem que a AT tenha acesso a todos os elementos indispensáveis para o efeito, situação agravada pelos obstáculos decorrentes do segredo de justiça na fase do inquérito.

 

bb.  O nº 5 do art. 45º da LGT alarga o prazo para liquidar o imposto, não impedindo a AT de, até ao termo desse prazo, proceder às correções e liquidações que se afigurem devidas, com base nos elementos que tenha ao seu dispor.

 

cc.   Ao encerrar os atos inspetivos e ao concluir a ação inspetiva, notificando a Requerente do Relatório Final, a AT não está a abdicar do alargamento do prazo previsto naquele nº 5, uma vez que não fica impedida de, com fundamento nos elementos colhidos em sede de processo de inquérito, abrir uma ordem de serviço interna para propor mais correções à matéria coletável em IRS, com a posterior liquidação adicional de imposto.

 

dd. No caso dos autos, resulta evidente que o direito à liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, uma vez que ambos os processos, quer a ação inspetiva quer o processo de inquérito, visam matéria de facto referente a rendimentos obtidos em 2005 que indevidamente tenham escapado a tributação.

ee.   Na verdade, o efeito suspensivo previsto no nº 5, do art. 45º da LGT, ao alargar o prazo de caducidade do direito a liquidar imposto, acautelou, por um lado, o direito da AT a liquidar imposto com base em elementos apurados em sede de processo de inquérito, dos quais não tenha tido conhecimento, e também acautelou, por outro lado, a liquidação de imposto com base em factos apurados pela inspeção tributária no mesmo prazo.

 

ff.    Foi essa a opção inequívoca do legislador ao introduzir aquele nº 5 no art. 45º da LGT com o OE 2006.

 

gg.  Nos termos supra expostos, deve ser julgado improcedente o vício de caducidade do direito à liquidação, uma vez que à data em que a Requerente foi notificada da liquidação ora controvertida ainda não tinha caducado o direito à liquidação do imposto, cujo prazo alargado pelo nº 5 do art. 45º da LGT só viria a terminar um ano após o arquivamento do processo de inquérito ocorrido a 24/04/2013, devendo, em consequência, absolver-se a entidade Requerida do pedido.

 

Dos Juros compensatórios

hh.  A manter-se a liquidação controvertida na ordem jurídica, conforme entendimento pugnado pela AT, serão de manter os correspondentes juros compensatórios, falecendo de base legal a tese da Requerente, segundo a qual, a liquidação de imposto decorrente da aplicação de métodos indiretos não comporta a liquidação de juros compensatórios.

 

ii.      Na verdade, e ao contrário do que entende a Requerente, existindo uma presunção legal que não é ilidida, não logrando alcançar o ónus probatório que sobre ela impende, tudo se passa como se a Requerente tivesse auferido aqueles rendimentos!

 

jj.      Resulta forçoso que a declaração modelo 3 de IRS inicialmente entregue pela Requerente omitiu rendimentos sujeitos a tributação, o que se conclui do facto de a Requerente não ter logrado alcançar o ónus da prova consignado no nº 3 do art. 89º-A da LGT.

 

kk.  Da aplicação de métodos indiretos resulta ser imputável à Requerente o retardamento da liquidação do imposto devido, a qual não cumpriu com o dever que lhe incumbia de declarar a totalidade dos rendimentos auferidos.

 

ll.      Impende, assim, sobre a conduta da Requerente, um juízo de censura que justifica a liquidação de juros compensatórios sobre o montante de imposto cujo retardamento na liquidação lhe é imputável.

 

mm.                     O facto de o imposto apurado resultar de uma presunção legal não afasta o correspondente juízo de censura sobre a conduta da Requerente no que toca ao retardamento da liquidação do imposto.

 

nn.  Nos termos supra expostos, deve ser julgado improcedente o pedido para anulação dos juros compensatórios liquidados à Requerente, absolvendo a entidade Requerida do pedido.

 

 

Juros indemnizatórios

 

oo.  Sobre o pedido de juros indemnizatórios a acrescer ao imposto indevidamente pago, caso a pretensão da Requerente à anulação do ato tributário em crise venha a ser julgada procedente, seja por vício de forma por incumprimento das normas que regem o procedimento inspetivo, seja por vício de caducidade do direito à liquidação, entende-se que os mesmos não são devidos por não estarem preenchidos os pressupostos do nº 1 do art. 43º da LGT.

 

pp.  De harmonia com o disposto no nº 1 do art. 43º da LGT, os juros indemnizatórios são devidos apenas quando há erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

qq.  É jurisprudência consolidada que o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do art. 43º da LGT pressupõe a existência de erro nos pressupostos de facto e de direito em que assentou a liquidação do imposto, o que não sucede quando o ato de liquidação impugnado é anulado apenas por vício de forma ou por falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade.

 

6. Notificada para o efeito, veio a Requerente responder às exceções suscitadas pela Requerida, em síntese, nos seguintes termos:

 

a.       Não tem a ATA razão, relativamente a nenhuma das exceções que invoca

 

b.      No pedido de pronúncia arbitral a Requerente não coloca em causa o teor da decisão de correção da matéria coletável por métodos indiretos, que se consolidou na ordem jurídica no seguimento do trânsito em julgado do acórdão do TCA Sul de 23 de Julho de 2012.

 

c.       Em parte alguma do Requerimento arbitral é posto em causa ao valor do rendimento coletável fixado, ou vícios da respetiva decisão de fixação.

 

d.      O que a Requerente pretende ver reconhecidos, única e exclusivamente, são vícios formais próprios do ato de liquidação que nele se subsumiram e que o inquinam de ilegalidade.

 

e.       Vícios esses que só agora puderam ser invocados, quer em razão do âmbito do processo especial de recurso previsto no nº 7 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, cujo único objeto é a decisão de avaliação por recurso a métodos indiretos, constituindo nessa única medida, um ato destacável, quer em função do princípio da impugnação unitária vertido no artigo 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

 

f.       Isso mesmo decorre inequivocamente do teor do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 554/2009 que acompanha o acórdão recorrido (Acórdão do STA de 24.09.2008, proc. 0342/08) que salienta a possibilidade, oferecida pelo ordenamento jurídico, de o contribuinte impugnar judicialmente o ato final da liquidação, que tenha tido como pressuposto uma decisão de avaliação indireta da matéria coletável e entende que o que já não pode ser questionado, no âmbito da impugnação judicial da liquidação, é a decisão de avaliação, enquanto ato destacável, suscetível de impugnação judicial imediata e autónoma, nos termos do preceito em apreço.”

 

g.      No caso dos autos trata-se, no que para as exceções deduzidas diz respeito, dos vícios de violação do princípio da irrepetibilidade do procedimento de inspeção tributária e dos vícios de caducidade que afetam a validade do próprio ato de liquidação ao abrigo do referido princípio da impugnação unitária e que não poderiam constituir objeto do recurso referido no mencionado nº 7 do art. 89º-A da LGT, mesmo que na base da ilegalidade se encontrem vícios do procedimento inspetivo que subjaz à decisão de fixação da matéria coletável por métodos indiretos.

 

h.      No que respeita à questão da caducidade do direito à liquidação, é inequívoco que se trata de um vício da liquidação, independentemente do momento a que se reporta a sua verificação pelo que só com a emissão desta o mesmo poderá ser invocado.

 

i.        Acresce que, ainda que assim não fosse, decorre inequivocamente do alegado nos artigos 56º e seguintes do Requerimento arbitral que a Requerente imputa ao ato vício de caducidade por facto verificado após a decisão de fixação do rendimento coletável por métodos indiretos o que, só por si, impediria o vencimento da tese sustentada na douta resposta da ATA, no que à utilização prévia do recurso daquela decisão e ao caso julgado concerne.

 

j.        Pelo que, devem improceder as alegadas exceções invocadas pela ATA, prosseguindo os autos arbitrais para o conhecimento das questões de fundo.

 

 

6. Requerente e Requerida apresentaram alegações nas quais, no essencial, mantiveram as suas posições.

 

7. O Tribunal encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

8. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Se se verifica a exceção incompetência material do Tribunal arbitral.

b) Se se verifica a existência de caso julgado.

No caso de improcedência destas exceções,

c) Se são ilegais os atos de liquidação impugnados, com fundamento nos vícios apontados pela Requerente.

d) Em caso de anulação das liquidações, se devem proceder o pedido de condenação nos montantes peticionados e,

e) Se deve ser a Requerida ser condenada a pagar à Requerente juros indemnizatórios.

 

II – A matéria de facto relevante

 

9. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

9.1.A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção levada a cabo pelos serviços de Investigação de Fraude e de Ações Especiais da Direção- Geral dos Impostos (DSIFAE), para consulta, recolha e cruzamento de elementos, relativamente aos anos de 2005 a 2007 em cumprimentos dos Despachos nº D1 … e D1 … exarados pelo Senhor Diretor do DSIFAE.

 

9.2. Esta inspeção foi iniciada em 9.07.2007 e teve o seu fim em 23.07.2008.

 

9.3. Em 9.07.2007, a Requerente declarou autorizar a Direção Geral dos Impostos – Direção de Serviços de Investigação da Fraude e Ações Especiais, a consultar ou solicitar junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira, todos os documentos bancários, nomeadamente extratos bancários e respetivos documentos de suporte.

 

9.4. Em 17.07.2007, a Requerida oficiou ao Banco de Portugal para no prazo de 10 dias úteis remeter à Direção de Serviços de Investigação da fraude e de Ações Especiais os extratos bancários das contas da Requerente.

 

9.5. Tais elementos foram fornecidas à Requerida pelas Instituições Bancárias.

 

9.6. Em 25 de Junho de 2008, pelas 15 horas e 30 minutos, no âmbito daquela inspeção, foi a Requerente notificada na rua …, em ..., por técnicos daquela DSIFAE, para comparecer nas instalações daquela direção dos Serviço, sitas na Avenida …, nº …, …º andar, em ..., pela 10 horas do dia 30 do mesmo mês para, ao abrigo do princípio da colaboração prevista no artigo 59º da Lei Geral Tributária, e do artigo 34º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, prestar esclarecimentos relacionados com as seguintes contas bancária:

- Nº …/…, do Banco ....

-Nº …/…,do Banco ....

-Nº …, do Banco ....

 

9.7. Segundo a mesma notificação, a não comparência no dia e hora designados constituía contraordenação punível nos termos do artigo. 117º do Regime Geral das Infrações tributárias.

 

9.8. A Requerente compareceu no dia e hora indicados e prestou os esclarecimentos solicitados.

 

9.9. A Senhora C… foi também ouvida no âmbito daquela inspeção devido ao facto de ser co-titular da conta bancária Nº …/…, do Banco ....

 

9.10. Na sequência da informação recolhida neste procedimento inspetivo, em 15/05/2009 foi registado no Departamento Central de Investigação e Ação Penal o processo de inquérito nº …/……., destinado a averiguar a prática de crimes em matéria tributária, o qual foi remetido ao Departamento de Investigação e Ação Penal a 02/04/2013 e objeto de despacho de arquivamento a 24/04/2013

 

9.11. Em 25 de Julho de 2008, foi a Requerente notificada do encerramento do procedimento inspetivo à data de 23 de Julho.

 

9.12. Por carta datada de 21 de Abril de 2010, foi a Requerente notificada de que, ao abrigo das Ordens de Serviço nº O1 …/…/…, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., a muito curto prazo se iriam deslocar à sua residência de então técnicos daqueles serviços com vista à verificação do IRS referente aos anos de 2005, 2006 e 2007 no âmbito de ação, qualificada pela Requerida como externa e parcial referente a IRS e IVA dos anos de 2005, 2006 e 2007.

 

9.13. A carta aviso foi remetida à Requerente em 21/04/2010 e os atos inspetivos decorreram no período compreendido entre 02/06/2010 e 06/09/2010;

 

9.14. No âmbito do procedimento, a Requerente prestou, por escrito de 5.05.2010, esclarecimentos sobre os rendimentos auferidos nos anos em análise.

 

9.15. Ainda no âmbito das Ordens de Serviço nº O1 …/…/… foi notificada a Requerente a 22.07.2010, nos termos do artigo nº 3 do art. 89ºA da LGT, a fim de prestar esclarecimentos sobre a veracidade dos rendimentos declarados, face aos montantes depositados nas contas bancárias de que é titular nos anos de 2005 e 2006.

 

9.16. Na sequência desta notificação a Requerente prestou esclarecimentos, tendo anexado declaração assinada por D…, onde é afirmado que a Requerente vendeu diversos diamantes à casa E…, entre 1987 e 1988, por um preço aproximado de US $ 350000.

 

9.17. Em 28.10.2010 foi a Requerida notificada do respetivo projeto para exercer o direito de audição.

 

9.18. O direito de audição foi exercido pela Requerente, em 18.11.2010, tendo as suas posições sido apreciadas, mas não acolhidas, pela Requerida.

 

9.19. A 25/11/2010 foi a Requerente notificada do Relatório Final de Inspeção, sancionado por despacho de 23/11/2010 do Diretor de Finanças de ..., apurando-se rendimento tributável com recurso a métodos indiretos no montante de € 98.082,65 com enquadramento na al. f) do nº 1 do art. 87º e nº 5 do art. 89º-A da LGT, e nº 3 do art. 9º do CIRS.

 

9.20. Não se conformando com a decisão que fixou à Requerente um rendimento tributável nos termos da alínea f) do artigo 87º e nº 5 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária,  a Requerente reagiu contra aquela decisão interpondo recurso para o Tribunal Tributário de ..., que correu termos pela 4º UO daquele Tribunal, sob o nº …/…….,;

 

9.21. Entretanto, foi a Requerente notificada por ofício da divisão de Processos Criminais Fiscais da Direção de Finanças de ... de que deveria comparecer no dia 13 de Outubro de 2010 junto das instalações daquela divisão para ser ouvido como arguida em processo de Inquérito o que a Requerente fez, tendo então sido constituído arguida.

 

9.22. Em Maio de 2012, foi a Requerente notificada da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de ..., na qual, considerando não se estar em presença de qualquer incremento no património daquela que habilite a AF a fixar-lhe o rendimento tributável por avaliação indireta, julgou aquele Tribunal totalmente procedente o recurso judicial apresentado pela Requerente, anulando a decisão de fixação do rendimento tributável.

 

9.23. Contra aquela decisão viria o Diretor de Finanças de ... a interpor recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul, o qual, considerando que a Requerente havia apresentado o recurso previsto no nº 7 do artigo 89º-A da LGT fora do prazo previsto no artigo 146º-B, do CPPT, veio a determinar, por acórdão de 23 de Julho de 2012, a anulação da decisão do Tribunal Tributário de ... e absolver do pedido a Administração Tributária com fundamento em extemporaneidade da petição.

 

9.24. Em 20 de Setembro de 2012 foi a Requerente notificada das liquidações de IRS objeto do presente processo

 

9.25. Não se conformando com aquelas liquidações, a Requerente apresentou reclamação graciosa e, no seguimento desta, recurso hierárquico para sua Exa., o Ministro das Finanças o qual viria a ser indeferido por despacho da Exma. Senhora Diretora dos Serviços do IRS datado de 2 de Dezembro de 2014, notificado à requerente por correio registado enviado em 17.12.2014 e recebida em 18.12.2014.

 

9.26. A Requerente pagou em 18.06.2014, já no âmbito do processo executivo instaurado para cobrança de tais montantes, 43.998,90 € titulo de imposto e de juros compensatórios e, ainda no âmbito de processo executivo instaurado para cobrança do valor das liquidações, 4.376,12 € a titulo de juros de mora, 638,46 € a titulo de taxa de justiça e 3,91 €, a titulo de despesas, tendo a Requerente pago, no total, 49.017,39 €.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

10. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se na análise crítica dos documentos constantes dos autos, quer os constantes do processo administrativo, quer os juntos pela Requerente, que não foram objeto de impugnação pelas partes, sendo de salientar não ter ocorrido discordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

DA MATÉRIA DE EXCEÇÃO

 

Incompetência material do Tribunal

 

11. Sustenta a Requerida que o Tribunal Arbitral não pode conhecer de pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão, conforme dispõe a al. b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.

 

Por sua vez, sustenta a Requerente, que no pedido de pronúncia arbitral a Requerente não coloca em causa o teor da decisão de correção da matéria coletável por métodos indiretos, que se consolidou na ordem jurídica no seguimento do trânsito em julgado do acórdão do TCA Sul de 23 de Julho de 2012 e que o que a Requerente pretende ver reconhecidos, única e exclusivamente, são vícios formais próprios do ato de liquidação que nele se subsumiram e que o inquinam de ilegalidade, vícios esses que só agora puderam ser invocados, quer em razão do âmbito do processo especial de recurso previsto no nº 7 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, cujo único objeto é a decisão de avaliação por recurso a métodos indiretos, constituindo nessa única medida, um ato destacável, quer em função do princípio da impugnação unitária vertido no artigo 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

 

Vejamos.

 

O artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro, na sua redação

inicial, tinha a seguinte redação:

 

1- A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável, e de de actos de fixação de valores patrimoniais;

c) A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior.”

 

Por sua vez, determina o art. 4º nº 1 do mesmo Decreto-lei que “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei

depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da

justiça”.

Tal vinculação concretizou-se com a Portaria n.º 112-A/2011de 22 de Março, cujo artigo 2.º (Com a epigrafe “Objecto da vinculação”), dispõe:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam -se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a)(….)

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) (…)

d) (….) ”.

 

A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro revogou a al. c) do nº 1 do art. 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro e deu nova redação à al. b) do mesmo número que passou a ter a seguinte redação:

“b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê

origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

 

A título prévio, há que observar que entendemos que a matéria de exceção suscitada pela Requerida consubstancia uma exceção dilatória inominada e não incompetência material uma vez que, naturalmente, a portaria não revogou a norma de competência atribuída ao tribunal arbitral pelo Decreto-Lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro. A norma deste Decreto-Lei que atribuiu a competência continua em vigor. O que se verifica é a ausência de vinculação da Administração Tributária no que respeita ao tipo de atos em questão. Em todo o caso, em caso de procedência, a consequência é a mesma: a absolvição da instância arbitral.

 

Essencial para a decisão da exceção em causa é saber se constitui objeto do presente processo a decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto.

 

Resulta claro do pedido de pronúncia arbitral que a Requerente não põe em causa a decisão de avaliação da matéria coletável pelo método indireto. O que a Requerente pretende ver reconhecido é a ilegalidade da liquidação com fundamento na repetição do procedimento externo de inspeção relativamente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação, vedada pelo art. 63º, nº 4 (nº 3 na redação em vigor à data dos factos) da Lei Geral Tributária, inexistindo factos novos e, por outro lado, com fundamento na caducidade do direito à liquidação.

 

Nesta medida, estamos na presença de atos de liquidação, relativamente aos quais a Requerida se encontra vinculada pelo art. 2º da Portaria n.º 112-A/2011de 22 de Março, não se verificando a exceção prevista na al. b) do mesmo artigo.

 

Assim sendo, decide-se julgar improcedente a exceção em causa.

 

Caso julgado

 

12. Sustenta a AT que os vícios que a Requerente invoca são suscetíveis de afetar a legalidade da decisão do Diretor de Finanças de ... que fixou a matéria coletável referente a IRS de 2005 com recurso a métodos indiretos e que, não tendo a Requerente reagido oportunamente, no prazo expressamente consignado para o efeito, da decisão de fixação da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, conforme acórdão proferido pelo TCA Sul a 23/07/2012, já transitado em julgado, a mesma se consolidou na ordem jurídica, não podendo ser agora atacada a legalidade do ato de liquidação com fundamento nesses vícios.

Por sua vez, sustenta a Requerente que no pedido de pronúncia arbitral a Requerente não coloca em causa o teor da decisão de correção da matéria coletável por métodos indiretos, que se consolidou na ordem jurídica no seguimento do trânsito em julgado do acórdão do TCA Sul de 23 de Julho de 2012 e que o que a Requerente pretende ver reconhecidos, única e exclusivamente, são vícios formais próprios do ato de liquidação.

 

Dispõe o art. 580º do Código de Processo Civil:

 

1 - As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado. 
2 - Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. 
3 – (…)

 

Por sua vez o artigo 581º do mesmo diploma tem a seguinte redação:

 

1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 


2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 


3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 

 

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”

 

Como já se referiu, o que a Requerente invoca no presente processo, para além da caducidade do direito à liquidação, é a ilegalidade da liquidação com fundamento na repetição indevida do procedimento externo de inspeção vedada pelo art. 63º, nº 4 (nº 3 à data dos factos) da Lei Geral Tributária.

 

Sobre esta possibilidade pode ler-se no acórdão do Tribunal constitucional Nº 554/2009, de 27 de Outubro de 2009[1], proferido em recurso incidente sobre acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.09.2008, processo 0342/08, o seguinte:

 

“O recurso fica, assim, limitado à questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 87.º-A, n.º 7, da LGT, quando interpretado no sentido de aí se prever o “único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir contra a decisão de avaliação e, por antecipação, contra a liquidação que se baseie nessa avaliação.”

A este respeito, escreve-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ora recorrido, o seguinte (cfr. fls. 108 dos autos):

«Os impugnantes, ora recorrentes, concluem que não existe “qualquer impedimento ou obstáculo à impugnação judicial contra liquidação de IRS efectuada na sequência de avaliação indirecta nos termos do indicado art. 89.º-A. E concluem bem.

Na verdade, a liquidação pode ser impugnada com fundamento em “qualquer ilegalidade”. Acontece, porém, que a questão (prejudicial) do valor da matéria colectável tem autonomia na presente situação. Com efeito, e como decorre do regime legal e da doutrina acima apontados, a decisão de avaliação da matéria colectável, porque se trata de um acto destacável, volve-se em caso decidido ou caso resolvido, se não for atacada por meio de “recurso para o tribunal tributário”, como no caso não foi.»

E, mais à frente, conclui-se o seguinte (cfr. fls. 108 v. dos autos):

«A decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.»

Verifica-se que a interpretação adoptada na decisão recorrida não corresponde, integralmente, à indicada pelos recorrentes. De facto, o Supremo Tribunal Administrativo não considerou que o recurso previsto no artigo 89.º-A, n.º 6, da LGT, era o único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir, por antecipação, contra a liquidação que se baseie nessa avaliação.

Pelo contrário, o acórdão recorrido salienta a possibilidade, oferecida pelo ordenamento jurídico, de o contribuinte impugnar judicialmente o acto final da liquidação, que tenha tido como pressuposto uma decisão de avaliação indirecta da matéria colectável. E entende que o que já não pode ser questionado, no âmbito da impugnação judicial da liquidação, é a decisão de avaliação, enquanto acto destacável, susceptível de impugnação judicial imediata e autónoma, nos termos do preceito em apreço.[2]

 

No mesmo sentido, decidiu o STA no recurso proferido no processo 0188/09, de 09-09-2009[3], que:

 

“(…) a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária constitui acto que, embora preparatório da liquidação (em sentido estrito), assume a natureza de acto prejudicial ou acto destacável pois que, desde logo, define uma situação jurídica, inserindo-se nas relações inter-subjectivas e condicionando irremediavelmente a decisão final.


Como assim, é tal decisão de avaliação da matéria colectável, desde logo, susceptível de «recurso para o tribunal tributário», constituindo-se sobre a questão, e na falta desse «recurso», caso decidido ou caso resolvido, de efeitos similares aos do caso julgado judiciário, consolidando-se a decisão na ordem jurídica, pese embora as ilegalidades de que porventura enfermasse, determinantes da sua anulabilidade (actos meramente anuláveis) – conforme, aliás, é o entendimento da jurisprudência reiterada e pacífica do Supremo

Tribunal Administrativo.

Ora, no caso sub judicio, a impugnação judicial vem deduzida da «liquidação adicional de IRS n.º 2006 …, emitida pelo Serviço de Finanças de Santo Tirso, referente ao ano de 2004, no valor de 31.648,36 euros».


Os impugnantes, ora recorrentes, concluem que não existe «qualquer impedimento ou obstáculo à impugnação judicial contra liquidação de IRS efectuada na sequência de avaliação indirecta nos termos do indicado art.° 89.°-A».

 
E concluem bem. 


Na verdade, a liquidação pode ser impugnada com fundamento em «qualquer ilegalidade». Acontece, porém, que a questão (prejudicial) do valor da matéria colectável tem autonomia na presente situação.

 

Podemos assim concluir, acompanhando a jurisprudência citada, que a decisão de avaliação da matéria coletável prevista nos números 5 a 11, do art. 89º-A, da Lei Geral Tributária não impede a impugnação da liquidação que tenha tido por base a determinação da matéria coletável pelo método indireto aí previsto, desde que tal impugnação não tenha por base a ilegalidade da decisão de avaliação da matéria coletável. O que já não pode ser questionado no âmbito da impugnação da liquidação, é a decisão de avaliação.

 

No caso em apreço, uma da ilegalidades apontadas, a alegada caducidade do direito à liquidação, seria um vício próprio do ato final de liquidação (devido ao facto de, na tese da Requerente, a liquidação ter sido efetuada em data posterior à da ocorrência da caducidade[4]), portanto, exterior e posterior à decisão de avaliação da matéria coletável.

A outra ilegalidade apontada, consistente na alegada ocorrência de duas inspeções externas sobre o mesmo sujeito passivo, imposto e período tributário, em violação do artigo 63º, nº 3 da Lei Geral Tributária, na redação à data dos factos, a mesma é, também, exterior à decisão de avaliação da matéria coletável, uma vez que resulta da conjugação da existência de duas inspeções externas, vedada naquela norma, cuja ilegalidade está sujeita ao princípio da impugnação unitária previsto no artigo 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

 

Assim sendo e porque que não constitui fundamento do pedido de pronúncia arbitral a decisão de avaliação, não se verifica a existência de caso julgado, uma vez que estamos na presença de causas de pedir diferentes, pois como dispõe o art. 581º, nº 4, do Código de Processo Civil, “(…) a causa de pedir (…) nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”

Decide-se, assim, Julgar improcedente a exceção de caso julgado suscitada pela Requerida.

 

DO MÉRITO DA CAUSA

 

Proibição da repetição do procedimento externo de fiscalização

 

14. A Requerente sustenta que foi alvo de duas inspeções externas respeitantes a imposto sobre o Rendimentos das Pessoas singulares, relativas ao mesmo período tributário, não se tendo baseado o segundo procedimento em quaisquer «factos novos», mas, ao invés, nos mesmos exatos factos relativamente aos quais a Requerente já havia sido ouvida no âmbito do primeiro procedimento levado a cabo pela DSIFAE.

 

Por sua vez a Requerida sustenta não se verifica qualquer violação do princípio da não repetição do procedimento de inspeção tributário, previsto nos nº 2, 3 e 4 do art. 36º do RCPITA, e nº 3 do art. 63º da LGT, pois que a ação inspetiva efetuada pela DSIFAE, ao abrigo dos despachos DI2007 … e DI2007 …, teve como objetivo a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos, nos termos da a) do nº 4 do art. 46º do RCPIT e destinou-se à preparação prévia do procedimento inspetivo a efetuar em momento posterior.

 

Há, pois, que indagar se ocorreram, ou não, duas inspeções externas respeitantes a imposto sobre o Rendimentos das Pessoas singulares, relativas ao mesmo período tributário, não baseadas em factos novos pois, como dispunha o nº 3, do art. 63º da Lei geral Tributária, à data dos factos (atual nº 4), que “ O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.”

 

É a seguinte a redação do art. 13º do Regime complementar do Procedimento de Inspeção Tributária:

 

Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso

 

Sobre a distinção entre procedimento interno e externo escrevem Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira:

Note-se que para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em actos, todos eles, praticados exclusivamente nos seus serviços, instalações ou dependências, designadamente através da análise formal e de coerência dos documentos. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos), estaremos perante um procedimento externo).

O procedimento interno é uma espécie de inspecção cadastral, efectuada dentro dos próprios serviços de inspecção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba actividades de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimentos por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos.

Nestes casos a Administração tributária limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata portanto de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo. No quadro desse procedimento interno pode a inspeção tributária solicitar informações e esclarecimentos aos sujeitos passivos, podendo ser feitas correções em resultado do que for apurado[5] [6]

 

21. Na jurisprudência pode ler-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul, de 20.03.2012, processo 04371/10:

 

Em face do conteúdo do relatório e dos fundamentos que serviram de base às correcções efectuadas, não é possível dizer-se que o procedimento inicial visou apenas a recolha de informação. Não visou; na verdade, foi muito mais do que isso, pois foi nessa informação que se fundamentou toda a acção inspectiva.


O que resulta dos autos é precisamente uma sequência de inspecção iniciada com o procedimento de 10/12/2007 e 11/12/2007, que manifestamente se orientou para a identificação de eventuais infracções e análise de contabilidade da impugnante de modo a que pudessem resultar correcções à matéria tributável. Deste modo, deve concluir-se que:
O procedimento de 10/12/2007 e 11/12/2007, não foi apenas de recolha de informação.
(…)

 

Essa inspecção revestiu carácter externo. (…)

 

Na verdade, nos termos do disposto no art° 13° do referido RCIT, quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em: 


a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;

 
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.


Ora, em face do conteúdo do relatório e dos fundamentos que serviram de base às correcções efectuadas, não é possível dizer-se que o procedimento de 10/12/2007 e 11/12/2007, visou apenas a recolha de informação, antes se podendo afirmar que foi muito mais do que isso, pois foi nessa informação que se fundamentou toda a acção inspectiva.
Com efeito, patenteiam os autos que houve uma sequência de inspecção iniciada com o procedimento de 10/12/2007 e 11/12/2007, que se orientou para a identificação de eventuais infracções e análise de contabilidade da impugnante de modo a que pudessem

resultar correcções à matéria tributável.  Impõe-se, por isso, concluir que o procedimento de 10/12/2007 e 11/12/2007, não foi apenas de recolha de informação, antes tendo dado início à inspecção realiza­da ao sujeito passivo, a qual revestiu carácter externo.
 

Em sentido idêntico vai o acórdão do mesmo Tribunal de 01-10-2014, proferido no proc. 04817/11:

Já o dissemos: o procedimento de inspecção interno ocorre quando os actos de inspecção se efectuam exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos.

No entanto, e no caso, não se pode dizer que os actos de inspecção se efectuaram exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos, posto que os elementos que decididamente motivaram a correcção foram obtidos junto de terceiros, por iniciativa da AT e, bem assim, porque como é evidente a correcção efectuada não resultou de uma análise de conformidade de documentos que a AT tivesse em seu poder (a informação/ documentos em causa só ficou disponível para a AT porque esta a recolheu junto de terceiros).

Em bom rigor, só porque esta actividade investigatória não foi integrada na inspecção (no seu período temporal) se pôde denominar como procedimento de consulta, recolha e cruzamento, permitindo, nessa medida, a qualificação da inspecção posterior como «inspecção interna».

Ora, já o dissemos: a qualificação do procedimento como inspecção interna ou externa, não depende da livre qualificação que a AT lhe atribua, antes obedecendo a critérios legais que confirmam, ou não, a designação escolhida. E, uma vez mais, lançando mão do autor e obra citada, a pag. 81, “(…) para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em actos, todos eles, praticados exclusivamente nos seus serviços, instalações ou dependências, designadamente através da análise formal e de coerência dos documentos. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos) estaremos perante um procedimento externo)”.

Ora, concluindo-se, como se concluiu, que a actividade levada a cabo pela AT, concretamente em Março e em Novembro de 2007, não constitui uma mera acção de recolha de informação, antes se traduzindo no início de uma acção de inspecção externa, de óbvio cariz investigatório (…)”.

 

Referem ainda Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, na obra citada[7]:

Na questão da classificação do procedimento de inspecção como interno ou externo importa sublinhar o que denominamos de “aparência de procedimentos”. Esta “aparência de procedimentos” traduz-se nas situações em que embora os procedimentos sejam formalmente classificados pela Administração tributária de determinada forma, na realidade e materialmente, em função dos actos praticados, os mesmos não correspondem à classificação que lhe foi atribuída. Esta desconformidade pode e deve ter efeitos quanto ao resultando final do procedimento, devendo os efeitos ser valorados contra a própria Administração. Uma vez que esta se encontra vinculada ao princípio da legalidade”.

 

No caso em apreço muito embora a primeira inspeção não tenha sido formalmente qualificada pela Requerida como externa, a verdade é que, materialmente, a mesma não pode deixar de ser qualificada como tal.

Com efeito, a inspeção em causa não se consubstanciou em atos de inspeção efetuados exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e coerência dos documentos. Bem pelo contrário, a atividade inspetiva orientou-se no sentido do levantamento do sigilo bancário da Requerente, tendo obtido autorização desta na própria data do início do procedimento e recolhido a informação bancária em causa. Recolheu, também, o depoimento da Requerente sobre as informações obtidas, após notificação efetuada para tal em local diverso das instalações dos serviços que procederam à inspeção.

 

Recolheu, ainda, o depoimento da co-titular da conta bancária.

 

Para Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, que escrevem sobre o nº 4, do art. 63º da Lei Geral Tributária (que corresponde ao nº 3, em vigor à data dos factos) “Com esta restrição dos poderes de fiscalização, visa-se assegurar que um mesmo contribuinte ou obrigado tributário seja sobrecarregado com os incómodos que as acções de fiscalização externa são susceptíveis de lhe provocar”.[8]

 

Não só inexistem dúvidas, face aos atos praticados, de que a primeira inspeção revestiu carácter externo, como os mesmos foram, aliás, de intensidade intrusiva elevada, sendo de salientar, para além dos demais atos mencionados, no âmbito da mesma, foi obtida autorização para consulta da informação bancária da Requerente, após o que a mesma foi efetivamente recolhida junto da instituições bancárias.

Face aos atos praticados no procedimento inspetivo não é, pois, sustentável, estarmos na presença de uma inspeção interna mas, face à matéria de facto provada, indubitavelmente, perante uma inspeção externa.

 

Não colhe, pois, a argumentação da Requerida de que a que a ação inspetiva efetuada pela DSIFAE, ao abrigo dos despachos DI2007 … e DI2007 …, se destinou à preparação prévia do procedimento inspetivo a efetuar em momento posterior sendo certo que nos termos do art. 11º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, o procedimento de inspeção tem, na realidade, “um carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributário ou em matéria tributária”, não estando previsto carácter preparatório para com outros procedimentos inspetivos o que, aliás, sempre seria contrário ao princípio constitucional da eficiência da administração decorrente do art. 267º, nº 5, da Constituição da Republica Portuguesa.[9]

Ora, tendo posteriormente sido efetuada à Requerente nova inspeção, expressamente qualificada e processada pela Requerida como externa relativa ao mesmo imposto e período tributário, onde a mesma foi confrontada com os mesmo factos e informação bancária tendo a Requerente prestado esclarecimentos por duas vezes e exercido direito de audição previamente ao relatório final, não pode a mesma deixar de ser qualificada como externa, tal como qualificada pela Requerida, verificando-se a repetição de procedimento externo de fiscalização, não baseada em factos novos, em violação do art. 63º, nº 3 (atual nº 4), da Lei Geral Tribunal.

 

A ilegalidade em causa consubstancia vício de violação de lei gerador de anulabilidade o que acarreta a anulação das liquidações sub judice, ficando, assim, prejudicadas a apreciação da caducidade do direito à liquidação e a ilegalidade de liquidação de juros compensatórios invocado pela Requerente, com fundamento em ausência de culpa sua no retardamento da liquidação.

 

14. Veio ainda a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas, no valor de 49.017,39 €, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Deste valor, 43.998,90 € corresponde às liquidações sub judice, 4.376,12 € a juros de mora, 638,46 € a taxa de justiça no processo executivo e 3,91 € a despesas, também deste processo.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[10]

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), onde se dispõe que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT dispor que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, caso estejam verificados os respetivos pressupostos.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do valor das liquidações pagas, no montante de 43.998,90 €, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

15. As razões que se acabam de indicar para admitir a competência dos Tribunais Arbitrais para a prolação de decisões condenatórias no que respeita ao pagamento de juros indemnizatórios e ao reembolso das quantias pagas correspondentes às liquidações (competência que, aparentemente não decorreria do art. 2º, nº 1 do RJAT) não têm, todavia, o alcance de atribuir ao tribunal poderes para condenar a Requerida ao pagamento de outras quantias que não decorram da declaração de ilegalidade das liquidações.

O pagamento de juros moratórios taxa de justiça e despesas com o processo executivo pelo Requerente não decorre diretamente da prática dos atos de liquidação ilegais, mas da ausência do pagamento voluntário das prestações tributárias, sabendo-se que em procedimento e processo tributário vigora o princípio “solve e repete”, de acordo com o qual, se exige ao contribuinte, nas palavras de Saldanha Sanches, “o pagamento prévio do imposto, com a devolução subsequente da quantia indevida se vier a ganhar o litígio que tem com a administração fiscal, adquirindo, neste caso, o direito a receber juros indemnizatórios[11].Por outro lado, como é consabido, o contribuinte poderá evitar a instauração a execução, prestando garantia nos termos do art. 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário (com o consequente direito a indemnização caso a mesma venha a ser considerada indevida nos termos do art. 53º da Lei Geral Tributária) ou obtendo a sua dispensa caso reúna os requisitos para o efeito, nos termos dos arts. 52º, nº 4 da Lei Geral Tributária e 170º do CPPT.

Assim sendo, mesmo que o Tribunal arbitral dispusesse de competência condenatória para a pretensão em causa, o pedido não poderia deixar de improceder uma vez que os montantes referidos não derivam dos atos declarados ilegais, mas sim, do facto do Requerente não ter requerido a suspensão da execução, nem ter efetuado o pagamento no prazo legal.

Nestes termos improcede esta pretensão do Requerente no que respeita ao pedido de condenação da Administração Tributária a pagar o valor de 4.376,12 € de juros de mora, 638,46 € de taxa de justiça do processo executivo e 3,91 € de despesas do mesmo processo, pagas pela Requerente.

 

16. Resta apreciar a pretensão da Requerente no que concerne aos juros indemnizatórios, sobre o valor das liquidações.

Nos termos do art. 43º, nº 1, da Lei Geral Tributária “ São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Na situação em apreço, a ilegalidade que determinou a anulação das liquidações em causa foi a violação do disposto no art. 63º, nº 3, da Lei Geral Tributária, na redação à data dos factos (atual nº 4) e não a existência de erro nos pressupostos de facto ou de direito dos atos tributários em causa.

Essencial para a apreciação da pretensão da Requerente é, pois, a determinação do significado normativo da expressão “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

No acórdão do STA de 30.5.2012, proferido no processo 0410/12[12], pode ler-se o seguinte: “(…), a declaração de caducidade não implica a existência de um erro – vício sobre os pressupostos de facto ou de direito – que permita a constituição a favor do contribuinte do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do art. 43.º da LGT.
Vejamos:
É certo que no caso sub judice não estamos perante uma simples situação de falta de notificação (válida) da liquidação, caso em que seria inequívoco que tal vício, de natureza procedimental e exterior ao procedimento de liquidação, em nada contenderia com a relação jurídica material tributária e, por isso, seria insusceptível de conferir ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT. Na verdade, se a questão fosse de mera preterição de formalidade legal na comunicação do acto ao Contribuinte, sempre o vício poderia ser sanado mediante a repetição da notificação, com observância da forma legalmente exigida, pelo que nunca se justificaria a concessão do direito a juros indemnizatórios.
No caso, porém, a situação não é de simples falta de notificação da liquidação, mas é de caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal para o exercício desse direito (cfr. art. 45.º, n.º 1, da LGT); ou seja, do facto de a notificação não ter sido validamente efectuada dentro do prazo que a lei fixa para o efeito retirou-se como consequência a perda do direito de liquidar o tributo.
No entanto, se é certo que a falta de notificação no prazo de caducidade extinguiu o direito à liquidação do tributo (e nessa parte a sentença transitou em julgado), a declaração dessa caducidade não significa nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente.


Como é sabido, a caducidade, juridicamente, é mero facto jurídico que releva do tempo e que determina a impossibilidade do exercício de um direito num caso concreto (Prescrição e caducidade têm em comum o facto de serem figuras jurídicas relacionadas com a aquisição ou perda de situações subjectivas pelo mero decurso do tempo: a primeira anda associada aos direitos ou situações jurídicas consolidadas, sendo o seu campo de eleição os direitos subjectivos a se; a segunda reporta-se a situações jurídicas em formação e aos direitos potestativos, cujo exercício está sujeito a prazos curtos.
Em termos sintéticos, podemos dizer que a prescrição determina a extinção de um direito e a caducidade a impossibilidade de o exercitar num caso concreto (Cfr. A caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2005, Coimbra Editora).). Significa isto que a decisão judicial, nos termos em que foi proferida, se limitou a extrair os efeitos jurídicos do decurso do tempo sem que tenha sido efectuada a notificação, o que não implica nenhum juízo sobre a validade da relação material tributária subjacente e, consequentemente, não permite concluir pela existência de um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.
Ora, como resulta do que deixámos já dito, o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que haja erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido. É a existência desse erro que consideramos não poder dar-se como verificada em face da declaração da caducidade

do direito à liquidação.


(…).

 

Não significa isto que o Contribuinte, se entender estar lesado nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação o Contribuinte terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios .

 


No mesmo sentido foi a decisão proferida pelo mesmo Tribunal no processo 01610/13, de 12.02.2015, em cujo sumário de pode ler:

 

I – O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT. 


II – A anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43.º da LGT.


III – Isto, sem prejuízo de o contribuinte poder pedir a indemnização a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado, não só pela Constituição (art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro), mas em processo próprio.

 

Acompanhando esta jurisprudência, entendemos que o direito aos juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT exige que ocorra erro imputável aos serviços do qual tenha resultado (à luz de um nexo de causalidade) o pagamento de imposto indevido, o que apenas se verifica em caso de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do ato tributário, situação que não ocorre no caso dos autos.

 

Pelo que, improcede o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

 

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, nos seguintes termos:

- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral relativamente aos atos de liquidação impugnados declarando a ilegalidade e consequente anulação das mesmas.

- Condenar a Requerida a devolver à Requerente o valor de 43.998,90 €, correspondente ao montante das liquidações pagas.

-Absolver a Requerida do pagamento do valor de 4.376,12 € respeitante a juros de mora, 638,46 € referentes a taxa de justiça e 3,91 € de despesas processuais, montantes pagos pela Requerente no âmbito de processo de execução fiscal.

-Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

 

Valor da ação: 49.017,39 € (quarenta e nove mil e dezassete euros e trinta e nove cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas no valor de 2142,00 € (dois mil cento e quarenta e dois euros) a suportar pela Requerente e Requerida, na proporção de 10,24 % e 89,76 %, respetivamente, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

 

Lisboa, CAAD, 16.10.2015

 

 

 

                O Árbitro

                Marcolino Pisão Pedreiro

                       

 

 



[1] Disponível em “http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/”

[2] Sublinhado nosso.

[3] Disponível em http://www.dgsi.pt/, tal como todos os demais acórdãos adiante citados.

[4] Como explica Jorge Lopes de Sousa:”Há casos em que a própria liquidação é feita após o termo do prazo legal aplicável, casos estes em que a própria liquidação é feita em violação de lei, pelo que pode ser atcado o acto, com esse fundamento” (CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO, Anotado, Vislis, 2003, pag. 904).

[5] REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA ANOTADO E COMENTADO, Coimbra Editora, 1ª Edição, 2013, pags. 81-82.

[6] Pode também ler-se em Martins Alfaro em “REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA Comentado e Anotado, Áreas Editora, 2003, pag. 122, que” O procedimento de inspecção tributária no qual sejam praticados actos de inspecção compreendidos em ambas as alíneas deste artigo é sempre caracterizado como procedimento externo.

Na verdade, na letra da própria norma, o procedimento só será interno quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos.

Desde que tal não suceda, será caracterizado como procedimento externo de inspecção

[7] Pag. 83

[8] LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA, Encontros da Escrita, 4ª Edição, 2012, pag. 549.

[9] Sobre este princípio diz-nos Ana Paula Dourado, na sua obra “O PRINCIPIO DA LEGALIDADE FISCAL: TIPICIDADE, CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS E MARGEM DE LIVRE APRECIAÇÃO, Editora Almedina, Colecção Teses, 2007: “ De grau constitucional e legal são também os princípios da actuação administrativa segundo a (…), eficiência (….)(pag. 685) e “Perante os princípios em presença, a administração deve procurar, se não uma solução óptima de execução da lei, pelo menos uma solução cujas despesas sejam comportáveis. Esta escassez de meios significa que o princípio da eficiência deve ser um princípio orientador da actividade administrativa” (pag. 674).

 

[10] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pags 110-116).

[11] MANUAL DE DIREITO FISCAL, Coimbra Editora, 3ª Ed., 2007, pag. 485.

[12] Em linha, designadamente com os acórdãos do STA de 8.6.2011, rec. 876/09 e de 7.9.2011, rec. 416/11.