Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 240/2015-T
Data da decisão: 2016-01-07  IUC  
Valor do pedido: € 3.478,36
Tema: IUC – Incidência subjetiva
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Decisão Arbitral

 

I. - RELATÓRIO

 

A - PARTES

 

A..., pessoa colectiva n.º..., com representação permanente na Rua ...n.º ...- Lisboa, doravante designada por “Requerente”, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (que sucedeu, entre outras, à Direcção-Geral dos Impostos) a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.

B - PEDIDO

1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 09 de Abril de 2015 e, na mesma data, notificado à AT.

2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 03-06-2015, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

3 - As Partes foram, em 03-06-2015, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do nº 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 19-06-2015.

5 - Na sequência do despacho proferido pelo tribunal arbitral em 27-11-2015, no sentido de saber se a Requerente pretendia dispensar a realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), e se prescindia da apresentação de alegações, igualmente previstas na referida disposição legal, veio a Requerente dizer que, embora dispensando a realização da referida reunião, não prescindia da apresentação de alegações escritas.

6 - Por despacho proferido pelo tribunal arbitral em 04-12-2015 foi concedido o prazo sucessivo de 5 dias para que a Requerente, no prazo de 5 dias, apresentasse alegações escritas, e para que a Requerida, querendo, no mesmo prazo e de modo sucessivo, contado da notificação das alegações da Requerente, juntasse ao processo as suas contra-alegações.

7 - No dia 04 de Janeiro de 2016, o Tribunal Arbitral considerou dispensada a realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, tendo em conta, quer os despachos a este propósito exarados no SGP, quer a circunstância do litígio respeitar, fundamentalmente, a matéria de direito, quer a vontade das partes em dispensar a dita reunião.

8- A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:

 

a) - Declare a ilegalidade e consequente anulação, quer do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2014..., quer dos actos de liquidação relativos ao Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC), quer dos actos de liquidação dos juros compensatórios (JC) que lhe estão associados, consubstanciados nas liquidações de que foi notificada, que estão referenciadas no processo, referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respeitantes aos veículos identificados nos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

b) - Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso do montante de € 3. 478,36, que indica como valor do pedido.

C - CAUSA DE PEDIR

9 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

10 - Que é uma instituição financeira de crédito que, na sequência de operação de reestruturação ocorrida no decurso de 2011, sucedeu em todos os direitos e obrigações assumidas pelo B ... SA, com o n.º de identificação fiscal... .

11 - Que, enquanto instituição financeira, tem como objecto social a realização de todas as operações e a prestação de todos os serviços permitidos aos Bancos.

12 - Que, no quadro da sua actividade, celebra contratos de locação financeira de viaturas automóveis, sendo que tais viaturas são, em número elevado, adquiridas pelos respectivos locatários, após o termo do prazo do contrato de locação financeira, através do pagamento de determinado montante.

13 - Que foi notificada de diversos actos de liquidações de IUC e dos correspondentes juros compensatórios, referentes aos anos de 2009 a 2012, e respeitantes aos veículos identificados nos autos, no montante total de € 3.478,36.

14 - Que apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IUC, identificadas nos autos, referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respeitantes aos veículos que também estão identificados nos autos.

15 - Que foi notificada, através do ofício n.º..., de 05-01-2015, da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, da decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa, com o n.º ... 2014... .

16 - Que, no quadro da referida reclamação graciosa, demonstrou que as viaturas subjacentes às liquidações de IUC e de juros compensatórios em causa foram objecto de contratos de locação financeira mobiliária com posterior venda, em data anterior ao ano a que respeitam as aludidas liquidações.

17 - Que procedeu ao pagamento de todas as importâncias referentes às liquidações de IUC identificadas no presente processo, com vista a evitar a instauração de processos de execução fiscal.

18 - Que a presunção estabelecida no n.º 1 do art.º 3 º do CIUC não permite concluir, como fez a AT na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que o critério para definição da incidência subjectiva do IUC se resume à propriedade, e respectivo registo das viaturas.

19 - Que, como resulta do disposto no art.º 73.º da LGT as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

20 - Que estamos perante contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, ou seja, estamos perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo como causa o próprio contrato.

21 - Que, os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele.

22 - Que a função legalmente reservada ao registo é a de, por um lado, publicitar a situação jurídica dos veículos e, por outro, permitir a presunção de que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, inscrito no registo.

23 - Que se na data em que o imposto se torna devido vigorar um contrato de locação financeira, ou se a viatura tiver já sido vendida, o sujeito passivo do imposto não é o locador/vendedor, mas sim o locatário/comprador, o qual tem o potencial de utilização da viatura e de provocação dos custos viários e ambientais.

24 - Que se os compradores dos veículos não promoverem o registo do seu direito de propriedade, presume-se que esse direito continua a ser do vendedor, podendo, todavia, essa presunção ser ilidida, mediante prova, por qualquer meio, da celebração do respectivo contrato de compra e venda.

25 - Que foi o que fez, em sede de reclamação graciosa e que agora volta a fazer, apresentando os contratos de locação financeira, bem como as cópias das correspondes facturas de venda dos veículos.

 

D - RESPOSTA DA REQUERIDA

26 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou, em 07-09-2015, a sua Resposta.

27 - Na sua Resposta, a AT entende que as alegações da Requerente não podem, de todo, proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso, notoriamente errada, na medida em que,

28 - Revelam um entendimento que incorre, não só numa leitura enviesada da letra da lei, mas também numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, decorrendo ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no CIUC. (Cfr. art.º 7.º da Resposta)

29 - Refere que o legislador tributário ao estabelecer no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu, expressa e intencionalmente, que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2 as pessoas aí mencionadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (Cfr. art.º 11.º da Resposta)

30 - Salienta que o legislador não usou a expressão “presumem-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”. (Cfr. art.º 12.º da Resposta)

31 - Considera que a redacção do art.º 3.º do CIUC corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem no registo. (Cfr. art.º 23.º da Resposta)

32 - Refere que o mencionado entendimento já foi adoptado pela Jurisprudência dos nossos tribunais, transcrevendo, para tanto, parte da sentença do tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida no Processo nº …/13.OBEPNF. (Cfr. art.ºs 24.º e 25.º da Resposta)

33 - Sobre o elemento sistemático de interpretação, considera que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio legal. (Cfr. art.º 34º da Resposta)

34 - Sobre a “ratio” do regime, a AT considera que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrada em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente, no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada, na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no CIUC que constitui prova clara de que aquilo que o legislador fiscal pretendeu foi criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo, tal como consta do registo automóvel. (Cfr. art.ºs 57.º e 58.º da Resposta)

35 - Acrescenta que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. (Cfr. art.º 60.º da Resposta)

36 - Neste sentido, refere ser este o entendimento inscrito, nomeadamente, na recomendação n.º 6-B/2012 de 22-06-2012, do Senhor Provedor de Justiça dirigida ao Secretário de Estado das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações.

37 - A interpretação veiculada pela Requerente mostra-se, também, para além do que já foi referido, desconforme com a Constituição, na medida em que tal interpretação se traduz na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade. (Cfr. art.º 110.º da Resposta)

38 - Acrescenta que os documentos juntos aos autos - cópias dos contratos de locação financeira e notas de lançamento/notas de débito/recibos - não constituem prova suficiente para “abalar a (suposta) presunção legal estabelecida no art.º 3.º do CIUC”, na medida em que não provam que o Requerente não fosse proprietário dos veículos nas datas de vencimento do imposto.

39 - Acrescenta que as regras do registo automóvel (ainda) não chegaram ao ponto de meras facturas unilateralmente emitidas poderem substituir a transferência da propriedade automóvel, que é sujeita a registo obrigatório.

40 - Refere, ainda, não ter sido a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a Requerente, devendo, consequentemente, ser a Requerente condenada nas custas arbitrais “nos termos do art.º 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do art.º 29.º/1-e) do RJAT”, referindo, também, não se encontrarem reunidos os pressupostos legais que conferem o direito a juros compensatórios.

41 - Considera, a terminar, que deve ser julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o despacho de indeferimento da reclamação graciosa e os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido.

 

E - QUESTÕES DECIDENDAS

42 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.

43 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, as questões a decidir são, particularmente, as de saber:

a) Se a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção.

b) Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente

c) Se, na data da exigibilidade do imposto o veículo já tiver sido anteriormente alienado, embora o direito de propriedade deste continue registado em nome do seu anterior proprietário, para efeitos do disposto no artigo 3.º, nº. 1, do CIUC, sujeito passivo do IUC é o anterior proprietário ou o novo proprietário.

d) Se, no caso de se concluir pelo estabelecimento de uma presunção no n.º 1 do art.º 3 do CIUC, os documentos apresentados (cópias dos contratos de locação financeira e notas de lançamento/notas de débito/recibos) como prova do direito invocado, são meios idóneos para ilidir a mencionada presunção.

F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

44 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

45 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cf. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

46 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.

47 - Tendo em conta o processo administrativo tributário, cuja cópia foi junta aos autos pela AT, e a prova documental integrante do processo, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, tal como se fixa nos termos abaixo mencionados.

 

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

G - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

48 - Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

49 - A Requerente é uma instituição financeira de crédito que, na sequência de operação de reestruturação ocorrida no decurso de 2011, sucedeu em todos os direitos e obrigações assumidas pelo B...SA, com o n.º de identificação fiscal... .

50 - Enquanto instituição financeira, a Requerente tem como objecto social a realização de todas as operações e a prestação de todos os serviços permitidos aos Bancos.

51 - No quadro da sua actividade, a Requerente celebra contratos de locação financeira de viaturas automóveis, sendo que tais viaturas são, em número elevado, adquiridas pelos respectivos locatários, após o termo do prazo do contrato de locação financeira, através do pagamento de determinado montante.

52 - A Requerente foi notificada de diversos actos de liquidações de IUC e dos correspondentes juros compensatórios, referentes aos anos de 2009 a 2012, no montante total de € 3.478,36, respeitantes aos vinte e dois veículos identificados nos autos.

53 - As importâncias referentes às liquidações de IUC identificadas no presente processo foram, todas elas, pagas pela Requerente.

54 - A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IUC, identificadas nos autos, referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respeitantes aos veículos que também estão identificados nos autos.

55 - A Requerida, no quadro da mencionada reclamação graciosa, apreciou a (i)legalidade dos actos primários, ou seja dos actos de liquidação impugnados e entendeu que os mesmos deveriam ser mantidos.

56 - A decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida nas atrás mencionadas circunstâncias, reafirmou a legalidade dos actos de liquidação em causa e voltou a confirmá-los, tal como inicialmente foram configurados.

57 - A Requerente foi notificada, através do ofício n.º..., de 05-01-2015, da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, da decisão de indeferimento da mencionada reclamação graciosa, com o n.º ...2014... .

58 - No quadro da referida reclamação graciosa, a Requerente demonstrou que as viaturas referentes às liquidações de IUC e de juros compensatórios em causa, foram objecto de contratos de locação financeira mobiliária, com venda dos correspondentes veículos, em datas anteriores aos anos a que respeitam as aludidas liquidações.

59 - Como meios de prova da transmissão da propriedade dos veículos, a Requerente juntou aos autos, quer as cópias dos contratos de locação financeira, quer as notas de lançamento/notas de débito/recibos correspondentes a essas transmissões, sendo que estes últimos documentos apresentam no seu descritivo, menções, nomeadamente, referentes ao adquirente do veículo, identificado pelo nome e pelo número de cliente e de identificação fiscal; ao correspondente n.º do contrato de locação financeira; identificando por essa via o veículo objecto de venda, às circunstâncias da transmissão do veículo e aos montantes referentes ao valor do veículo e ao IVA liquidado.

60 - A Requerente apresentou alegações escritas, nas quais, no essencial, reitera a fundamentação inscrita no seu pedido de pronúncia arbitral, o mesmo tendo acontecido com a Requerida, relativamente à sua Resposta.

 

FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

61 - Os factos dados como provados estão baseados nos documentos mencionados, relativamente a cada um deles, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

62 - Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

 

H - FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

63 - A matéria de facto está fixada, importando agora proceder à sua subsunção jurídica e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas enunciadas no n.º 43.

64 - A questão essencial e decisiva nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT traduz-se em saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece ou não uma presunção ilidível.

65 - As posições das partes são conhecidas. Com efeito, para a Requerente, a expressão “considerando-se” inscrita no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.

66 - A Requerida, por seu lado, considera que a redacção do art.º 3.º do CIUC corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem no registo.

 

I - INTERPRETAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA CONSTANTE DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º DO CIUC

67 - Sobre esta questão, ou seja, a de saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, consagra uma presunção, deve notar-se que a jurisprudência firmada no CAAD aponta no sentido de que a dita norma consagra uma presunção legal. Com efeito, desde as primeiras Decisões, proferidas sobre esta matéria, no ano de 2013, entre as quais se podem, nomeadamente, referir as proferidas no quadro dos Processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013-T, até às mais recentes de que se pode indicar as Decisões proferidas no âmbito dos Processos n.ºs 69/2015-T e 79/2015-T, passando por inúmeras Decisões proferidas no ano de 2014, de que se mencionam, a título de mero exemplo, as Decisões proferidas nos Processos n.ºs 34/2014-T, 120/2014-T e 456/2014 - T, todas apontam para o entendimento de que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.

A este propósito, deve ainda considerar-se o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, que secunda a referida jurisprudência, quando nele vem expressamente referido que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC “[…] consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do art.º 73.º da LGT”.

Trata-se de um entendimento em que, de todo, nos louvamos e que se dá, sem mais, como válido e aplicável no presente caso, não se considerando, por conseguinte, necessário outros desenvolvimentos, face à abundante fundamentação vertida nas mencionadas decisões e no referido Acórdão.

68 - Sendo este o entendimento que, relativamente ao art.º 3.º, n.º 1 do CIUC, de todo, se perfilha, importa, todavia, não deixar de assinalar a falta de razão que, a nosso ver, assiste à Requerida, quando alega que a interpretação segundo a qual está consagrada uma presunção legal ilidível no art.º 3.º do CIUC viola os princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade.

Vejamos,

- Sobre o princípio da proporcionalidade cabe, antes de mais, salientar que o mesmo, na medida em que é materialmente inerente ao regime dos direitos liberdades e garantias, inscrevendo-se na sua defesa, visa, no essencial, disciplinar a actuação da Administração Pública em ordem a que a sua actividade no relacionamento com os particulares seja pautado pela escolha das medidas mais equilibradamente adequadas à prossecução do interesse público.

Como ensina o Prof. Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol II, Almedina, 2002, pp. 127/128 e segs, o “princípio da proporcionalidade constitui uma manifestação constitutiva do princípio do Estado de Direito”, estando “[…] fortemente ancorada a ideia de que, num Estado de Direito democrático, as medidas dos poderes públicos não devem exceder o estritamente necessário para a realização do interesse público”.

O princípio da proporcionalidade, acrescenta o referido Professor, ibidem, p.129, significa que “[…] a limitação de bens ou interesses privados por actos  dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais actos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins”.

A propósito do princípio da proporcionalidade cabe, também, notar, o que nos dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, ANOTADA, VOLUME I, 4.ª Edição, 2007, Coimbra Editora, pp. 392/393, quando consideram que o referido princípio é desdobrável em três subprincípios, quais sejam: “[…] a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade); b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade); c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos […]”.

Os referidos subprincípios têm, todos eles, um denominador comum, qual seja o do justo equilíbrio e permanente coerência entre as finalidades da lei e os meios adoptados para atingir tais finalidades, o que, na circunstância e tentando a transposição do dito princípio para o caso dos autos, implicará responder à questão de saber qual a interpretação mais adequada do n.º 1 do art.º 3.º, tendo em vista a prossecução dos fins legais previstos no art.º 1.º do CIUC, ou seja, a oneração fiscal dos proprietários dos veículos automóveis na medida do custo ambiental e viário que provoquem.

O princípio da proporcionalidade tem, assim, no caso, ínsita a necessidade de se procurar alcançar o necessário equilíbrio entre o sentido legalmente atribuído ao princípio da equivalência, enquanto princípio estruturante e unificador do sistema do IUC e o sentido que deve ser dado aos proprietários dos veículos, a que alude o n.º 1 do at.º 3.º do CIUC, sendo que o referido princípio da equivalência, tal como vem exarado na exposição de motivos da Proposta de Lei N.º 118/X de 07/03/2007, subjacente à Lei n.º 22-A/2007 de 29/06, postula que o IUC “[…] se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária”.

O mencionado princípio da equivalência, que informa e enforma o CIUC, está, desde logo, referenciado no art.º 1.º do referido Código, onde se dispõe que “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”. (sublinhado nosso) Tal princípio tem, claramente, subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. 

Dir-se-á, aliás, que o entendimento de que o referido n.º 1 do at.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível corresponde à única e adequada interpretação que coerentemente se compagina com o dito princípio da equivalência, e que se mostra em linha com o princípio da proporcionalidade.

A interpretação que entende estar consagrada uma presunção legal ilidível no n.º 1, do art.º 3.º do CIUC é, pois, a única que permite assegurar a prossecução dos fins visados pela lei - onerar os proprietários dos veículos automóveis na medida do custo ambiental e viário que provocam, -tal como estatuído no art.º 1.º do CIUC, o que significa que os sujeitos passivos do IUC são, presumivelmente, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, ou seja, os referidos sujeitos passivos são, em princípio, e apenas em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados, não havendo, pois, outra interpretação capaz de alcançar as referidas finalidades legais.

O entendimento contrário, ou seja, o que considera que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC não consagra uma presunção legal ilidível, entendendo que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, na justa medida em que conduz à imposição de um encargo fiscal a quem, de todo, não polui, afastando da sujeição fiscal quem, na realidade, é o causador dos danos ambientais e viários, decorrentes da utilização dos veículos de que são proprietários, revela que as finalidades legalmente estabelecidas não seriam, de todo, alcançadas, não se respeitando, assim, o princípio da equivalência que, no quadro do CIUC, tem uma função absolutamente estruturante. Tal entendimento, esse sim, não se mostra, nestas circunstâncias, em sintonia com o princípio da proporcionalidade.

- Quanto à eficiência do sistema tributário, dir-se-á que a eficiência da Administração em geral, ou da AT em particular, em sentido corrente, corresponderá à capacidade/metodologia de trabalho orientada para a optimização do trabalho executado ou dos serviços prestados, o que significa produzir o máximo, em quantidade e qualidade, com o mínimo de custos e meios, nada tendo a ver com a observância de princípios legalmente consagrados e com o respeito pelos direitos dos cidadãos, seja na qualidade de contribuintes ou não.

Em sentido técnico, dir-se-á que o princípio da eficiência do sistema tributário, é, comummente tido, no domínio do procedimento tributário, como corolário do princípio da proporcionalidade, o qual como é sabido, impõe uma adequada proporção entre as finalidades legais e os meios escolhidos para alcançar esses fins, ou, como referem Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição 2012, Encontro de Escrita, Lda, Lisboa, p. 488, nas anotações ao artigo 55.º da LGT, trata-se de um princípio que obriga “[…] a administração tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir”.

Neste quadro, o referido princípio da eficiência do sistema tributário significará a capacidade de alcançar os objectivos legalmente fixados com o mínimo de meios, o que nada terá também a ver com o respeito pelos direitos dos cidadãos, nem com a necessidade de observância de outros princípios a que a administração tributária deve subordinar a sua actividade, designadamente o do inquisitório e o da descoberta da verdade material, não podendo, obviamente, a aplicação do mencionado princípio da eficiência ser feita, quer com prejuízo dos direitos dos cidadãos, quer pela ausência de observação das finalidades legais. [1]

- Quanto ao princípio da segurança jurídica e da confiança deve notar-se, antes de mais, que este último princípio, o da confiança, é uma concretização do princípio da boa-fé, o qual, tendo consagração no nosso ordenamento jurídico, desde 1996, veio a ter expressa inscrição constitucional, como consta do n.º 2 do art.º 266.º da CRP, onde se estabelece que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”. (sublinhado nosso)

A propósito da boa-fé cabe notar o que refere o Prof. Freitas do Amaral quando, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2002, pp. 135/136, citando o Prof. V. Fausto de Quadros, nos diz que “[…] a Administração Pública está obrigada a obedecer à bona fide nas relações com os particulares. Mais: ela deve mesmo dar, também aí, o exemplo aos particulares da observância da boa fé, em todas as suas manifestações, como núcleo essencial do seu comportamento ético. Sem isso, nunca de poderá afirmar que o Estado (e com ele outras entidades públicas) é pessoa de bem”.

Por outro lado, o princípio da confiança é também tido como uma decorrência do princípio da segurança jurídica, indissociável do Estado de Direito, que tendo de garantir um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas jurídicas que lhes forem criadas, é geradora de confiança dos cidadãos na tutela jurídica da Administração Pública.

Relativamente aos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, diz-nos o Prof. J. J. Gomes Canotilho in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina - Coimbra, 1998, p. 250 e segs, que os referidos princípios andam estreitamente associados, considerando-se que “[…] a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos”. Em qualquer caso, acrescenta o referido Professor, idem, que o “[…]  princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas”.

Decorre desta doutrina, que as pessoas ao alienarem os seus veículos hão-de estar seguras de que, caso procedam à venda dos veículos de que são proprietários, e não sendo os mesmos registados em nome dos adquirentes, os efeitos jurídicos daí resultantes serão os previstos e decorrentes das normas legais em vigor e da sua adequada interpretação, face às finalidades legais dessas mesmas normas, o que, in casu, levou a que o tribunal arbitral considerasse o registo como presunção ilidível da existência do direito e que só as pessoas que provocam custos viários e ambientais devam ser tributadas.

A melhor forma de, no caso dos autos, se garantir a segurança jurídica, em sentido amplo, é, assim, a concretizada por via da interpretação feita pelo tribunal arbitral, quando considera estar consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, uma presunção legal ilidível, permitindo a qualquer cidadão, que proceda à venda, a uma terceira pessoa, de um veículo automóvel, a possibilidade de demonstrar que, aquando da exigibilidade do IUC, já não era seu proprietário nem responsável pelo pagamento desse imposto.

- Para além do que atrás fica referido, importará ainda saber se a interpretação perfilhada pelo tribunal arbitral, para além de não conflituar com qualquer dos referenciados princípios, se inscreve directa e substantivamente no contexto da ordem constitucional.

A propósito da interpretação da lei em face da Constituição, ou da interpretação conforme à Constituição, diz-nos o Prof. Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional, TOMO II, Introdução À Teoria da Constituição, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1987, p. 232 e segs, que do que se trata, antes de mais, é de “[…] levar em conta, dentro do elemento sistemático da interpretação, aquilo que se reporta à Constituição. Com efeito, cada disposição legal não tem somente de ser captada no conjunto das disposições da mesma lei e cada lei no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional [..]”. (sublinhado nosso)

O entendimento que considera estar consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC uma presunção legal ilidível suporta-se em diversos elementos de interpretação, entre os quais cabe referir o elemento sistemático, na medida em que a interpretação conforme à Constituição implica que dentro do elemento sistemático da interpretação, se leve em conta aquilo que se reporta à Constituição.

Sobre o mencionado elemento sistemático cabe referir o seguinte:

a) No entendimento de BAPTISTA MACHADO, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 183, o elemento sistemático […] compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico”.

b) É sabido que um princípio jurídico, no caso o princípio da equivalência, não existe isoladamente, antes está ligado por um nexo íntimo com outros princípios que integram, ao nível mais global, o respectivo ordenamento jurídico, no caso, com os demais princípios corporizados no sistema inscrito no CIUC, e com outros princípios constitucionalmente consagrados. Nesse sentido, cada artigo de um dado diploma legal, no caso o CIUC, só será compreensível se o situarmos, quer perante os demais artigos que o seguem ou antecedem, quer perante a ordem constitucional.

c) No que à sistematização do CIUC diz respeito, as preocupações de ordem ambiental foram determinantes para que o mencionado princípio da equivalência fosse, desde logo, inscrito no primeiro artigo do referido Código, o que, necessariamente conduz a que os artigos subsequentes, na medida em que têm assentamento em tal princípio, sejam por ele influenciados. Foi o que ocorreu, designadamente, com a base tributável, que passou a ser constituída por diversos elementos, particularmente pelos respeitantes aos níveis de poluição, e com as taxas do imposto, estabelecidas nos artigos 9.º a 15.º, que foram influenciadas pela componente ambiental, e, naturalmente, também com a própria incidência subjectiva, prevista no artigo 3.º do CIUC, que não poderá furtar-se à influência referida.

d) O referido princípio da equivalência, como assinala Sérgio Vasques, in Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2001, p. 122 e segs, implica que “[…] o imposto deve corresponder ao benefício que o contribuinte retira da actividade pública; ou ao custo que o contribuinte imputa à colectividade pela sua própria actividade”. Acrescenta o referido autor, idem, que “Assim, um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também.” Por isso, como também refere o citado autor, idem, a concretização do princípio da equivalência dita especiais exigências “[…] no tocante à incidência subjectiva do imposto [..].”

O mencionado princípio que informa o actual Imposto Único de Circulação, inscreve-se nas preocupações ambientais estatuídas no n.º 2, alínea a) do art.º 66.º da CRP e na necessidade de - tendo em vista assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável - se “Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão”, preocupações estas, que são, manifestamente, consideradas na interpretação defendida pelo tribunal arbitral.

Por outro lado, o disposto na alínea h) do n.º 2 do art.º 66.º da Constituição, quando estatuí que, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida”, comporta como corolário o princípio do poluidor - pagador, que concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar, estando, assim, a interpretação defendida pelo tribunal arbitral, em perfeita concordância com a ordem constitucional.

e) Cabe ainda deixar uma breve nota, apenas para suscitar a questão de saber por que razão as regras constantes do art.º 9.º do Código Civil obrigam o intérprete da legislação ordinária, quando é certo que o dito Código não ocupa qualquer lugar proeminente no sistema jurídico.

A esta questão responde o Prof. Jorge Miranda, ibidem, p. 230, quando considera que a “[…] conclusão para a qual se propende é que regras como estas são válidas e eficazes, não por constarem do Código Civil - pois este não ocupa nenhum lugar proeminente no sistema jurídico - mas, directamente, enquanto tais, por traduzirem uma vontade legislativa, não contrariada por nenhumas outras disposições, a respeito do problema da interpretação (que não são apenas técnico-jurídicos) de que curam.”

Acrescenta o referido autor, idem, que “regras sobre estas matérias podem considerar-se substancialmente constitucionais e não repugnaria mesmo vê-las alçadas à Constituição em sentido formal.”

A propósito da problemática da interpretação e das suas regras, como se retira do Prof. José de Oliveira Ascensão, in O Direito, Introdução e Teoria Geral, 2.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 1980, pp. 352/353, deve sublinhar-se o carácter imperativo dessas regras, e a sua natureza vinculativa para o intérprete.

A interpretação que o tribunal arbitral faz do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC e os critérios que, para esse efeito, considerou, como expressamente se mencionam na Decisão proferida no âmbito do Proc. N.º 196/2014-T, desde o elemento literal, até ao elemento sistemático, passando pelo elemento histórico e racional (ou teleológico), não colidem, assim, com quaisquer princípios constitucionais.

O n.º 1 do art.º 9.º do CC dispõe que a procura do pensamento legislativo deverá ter “[…] sobretudo em conta […] a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, circunstâncias e condições essas, que, hoje mais do que nunca, são de sensibilidade pelo ambiente e de respeito pelas questões com ele relacionadas, e que se mostram inscritas no ordenamento constitucional.

Assim, face ao que se deixa referido, não parece, salvo o devido respeito, assistir razão à AT, na medida em que a interpretação considerada pelo tribunal arbitral, como sendo a única capaz de respeitar as finalidades legais, não viola qualquer dos princípios em questão, ou seja, os princípios da confiança e da segurança jurídica, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade, sendo que, por outro lado, tal interpretação está expressa e substantivamente conforme aos princípios inscritos na Constituição.

Assim, não se vislumbra que a interpretação feita pelo tribunal, sobre o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, contenda com quaisquer normas ou princípios constitucionais em vigor.

 

J - DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO E DO VALOR DO REGISTO

69 - Antes de mais, deve acrescentar-se, face ao que adiante, explicitamente, se dirá sobre o valor do registo, que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele.

70 - São três os artigos do Código Civil que importa ter em conta, a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel. São eles, desde logo, o art.º 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “[…] o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”; o art.º 879.º, em cuja alínea a) se estatui, como efeitos essenciais do contrato de compra e venda, “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito” e o art.º 408.º, que tem por epígrafe os contratos com eficácia real, e estabelece no seu n.º 1, que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”. (sublinhado nosso)

Estamos, com efeito, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, no caso, veículos automóveis, determinada por mero efeito do contrato, como decorre expressamente da norma anteriormente mencionada.

71 - A propósito dos referidos contratos com eficácia real, cabe notar os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, quando, em anotações ao art.º 408.º do CC, nos dizem que “Destes contratos ditos reais (quoad effectum), por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (e não apenas as obrigações tendentes a esse resultado) distinguem-se os chamados contratos reais (quoad constitutionem), que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação (cfr. arts. 1129.º, 1142.º e 1185.º) ”.

Estamos, assim, perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.

72 - Também da jurisprudência, designadamente do Acórdão do STJ n.º 03B4369 de 19/02/2004, disponível em: www.dgsi.pt, se retira que, face ao disposto no art.º 408.º, n.º 1, do C. Civil, "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei". É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel (art.ºs 874.° e 879.º al. a) do C. Civil), o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal - conf. Ac do STJ de 3-3-98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, pág. 117”. (sublinhado nosso)

73 - Tendo o contrato de compra e venda, face ao que se deixa referido, natureza real, com as mencionadas consequências, há que considerar, também, o valor jurídico do registo automóvel objecto desse contrato, na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.

74 - Estabelece, com efeito, o n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis, que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. (sublinhado nosso)

75 - Ficando claro, face à referida norma, qual a finalidade do registo, não há, porém, clareza, no âmbito do referido Decreto-lei, sobre o valor jurídico desse registo, importando considerar o artigo 29.º do mencionado diploma legal, relativo ao registo de propriedade automóvel, quando aí se dispõe que “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, […]”. (sublinhado nosso)

76 - Neste quadro, para que possamos alcançar o procurado conhecimento sobre o valor jurídico do registo de propriedade automóvel, importa ter em conta o que se estabelece no Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho, quando dispõe no seu artigo 7.º que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”. (sublinhado nosso)

77 - A conjugação do disposto nos artigos atrás mencionados, particularmente o estabelecido no n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e no art.º 7.º do Código do Registo Predial, permite considerar, por um lado, que a função fundamental do registo é a de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, permitindo, por outro lado, presumir que o direito existe e que tal direito pertence ao titular a favor de quem o mesmo está registado, nos precisos termos em que está definido no registo.

78 - Assim, o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, mas presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo, a este propósito, verem-se, entre outros, os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008, disponíveis em: www.dgsi.pt.

79 - A função legalmente reservada ao registo é, assim, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso, dos veículos e, por outro, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

80 - Assim, se os compradores dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoverem, desde logo, o adequado registo do seu direito, presume-se, para efeitos do disposto no art.º 7.º do Código do Registo Predial e do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, que os veículos continuam a ser propriedade da pessoa que os vendeu e que no registo se mantém seu proprietário, sendo essa pessoa o sujeito passivo do imposto, na certeza, porém, que tais presunções são ilidíveis, seja por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 350.º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73.º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afastem as presunções em causa, mediante prova das referidas vendas, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o vendedor do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário.

 

L - DOS MEIOS DE PROVA APRESENTADOS

81 - As transmissões dos veículos tiveram como adquirentes as pessoas que nos correspondentes contratos de locação financeira figuravam como locatários, sendo que tais transmissões ocorreram, na sua totalidade, no período temporal compreendido entre os anos de 1995 e 2002, verificando-se que, em dois casos, os relativos aos veículos com as matrículas ...-... -... e ...-... -..., as vendas ocorreram ainda durante a vigência dos aludidos contratos, e nos restantes casos em datas imediatamente após a cessação desses contratos, ou seja, em qualquer caso, em datas muito anteriores àquelas a que se reporta a exigibilidade do IUC, que, como já se assinalou, é referente aos anos de 2009 a 2012.

82 - Os meios de prova apresentados para fazer prova da alienação dos veículos, em data anterior à da exigibilidade do imposto concretizam-se, como já atrás se mencionou, quer nas cópias dos contratos de locação financeira, quer nas notas de lançamento/notas de débito/recibos correspondentes a essas transmissões.

83 - Estes últimos documentos apresentam no seu descritivo diversas menções, nomeadamente referentes ao adquirente do veículo, identificado pelo nome e pelo número de cliente e de identificação fiscal; ao correspondente n.º do contrato de locação financeira; identificando por essa via o veículo objecto de venda, às circunstâncias da transmissão dos veículos e aos montantes referentes ao valor dos veículos e do IVA liquidado.

84 - Os referidos documentos, na medida em que gozam da presunção de veracidade que no n.º 1 do art.º 75.º da LGT lhes é conferida, cabendo à AT, atento o disposto no art.º 75.º, n.º 2 da LGT, no quadro das fundadas e objectivas razões que tivesse, demonstrar que as informações neles inscritas não correspondem à realidade, permitem considerar que tal documentação constitui meio de prova suficiente para ilidir as presunções em causa nos autos, ou seja, a presunção estabelecida no art.º 7.º do Código do Registo Predial e a consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, o que significa que, na altura em que o imposto era exigível, a Requerente não era proprietária do veículo em questão.

85 - Os documentos apresentados, e a sua conjugação, permitem ao tribunal considerar, com um elevado grau de probabilidade e de verosimilhança, que a alienação dos veículos em causa aos correspondentes locatários se concretizou. A este propósito cabe notar o que escreve Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª Edição, Áreas Editora, SA, Lisboa, 2011, p. 256, em anotações ao art.º 115.º do referido Código, quando citando ALBERTO DOS REIS, refere que a prova suficiente conduz a um juízo de certeza; não de certeza lógica, absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante para as necessidades práticas da vida, de certeza chamada histórico-empírica. Quer dizer, o que se forma sobre a base da prova suficiente é, normalmente, um juízo de probabilidade, mas de probabilidade elevada a grau tão elevado, que é quanto basta para as exigências razoáveis da segurança social.

86 - Em síntese, a prova da venda dos veículos em questão, a partir da junção aos autos dos mencionados documentos, afigura-se razoável e proporcional, sobretudo, tendo em conta o objecto social da Requerente, centrado na actividade de operações de financiamento para aquisição de viaturas automóveis, e na celebração dos correspondentes contratos de locação financeira, não sendo, consequentemente, de estranhar, bem pelo contrário, a transferência para os locatários da propriedade dos veículos objecto desses contratos, tal como ocorreu com os veículos identificados nos autos.

87 - Nestas circunstâncias, tendo em conta que a presunção consagrada no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC foi ilidida, no que se refere aos veículos identificados no processo, cujas vendas ocorreram entre os anos de 1995 e 2002, ou seja, em datas anteriores às da exigibilidade do imposto, que se reportam aos anos de 2009 a 2012, deve considerar-se que a Requerente, relativamente aos aludidos veículos, não era, às datas a que dizem respeito as liquidações em causa, sujeito passivo do imposto em questão.

88 - A AT, quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC consubstancia uma presunção, está a proceder à liquidação ilegal do IUC, relativamente aos veículos identificados nos autos, assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do referido art.º 3.º do CIUC, o que configura a prática de actos tributários falhos de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, determinantes da anulação dos correspondentes actos tributários, por violação de lei.

 

M - REEMBOLSO DO MONTANTE PAGO

89 - Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.” (sublinhado nosso)

90 - Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no art.º 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, […]” (sublinhado nosso)

91 - O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, referenciados neste processo, e do pagamento da quantia de € 3.478,36, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, quer a título de imposto, quer de juros compensatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se a mencionada ilegalidade não tivesse sido cometida.

CONCLUSÃO

92 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, a AT, ao praticar os actos de liquidação em causa no presente processo, fundados na ideia de que o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC não consagra uma presunção ilidível, faz errada interpretação e aplicação desta norma, cometendo um erro sobre os pressupostos de direito, o que constitui violação de lei.

93 - Por outro lado, porque a AT, à data da ocorrência dos factos tributários, considerou a Requerente proprietária dos veículos referenciados no presente processo, considerando-a, como tal, sujeito passivo do imposto, quando tal propriedade já não estava inscrita na sua esfera jurídica, baseando-se, assim, em matéria de facto divergente da efectiva realidade, comete um erro sobre os pressupostos de facto, e portanto de violação de lei.

 

III-DECISÃO

94 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

- Anular a decisão proferida no quadro da reclamação graciosa referenciada nos autos, com o n.º ...2014...;

- Julgar procedente, por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de pronúncia arbitral no que concerne à anulação dos actos de liquidação de IUC, referentes aos anos de 2009 a 2012, respeitantes a todos os veículos identificados nos autos;

- Anular, consequentemente, os actos de liquidação de IUC, referentes aos anos de 2009 a 2012, respeitantes aos veículos anteriormente indicados, cujo imposto liquidado totaliza a quantia de total € 3.478,36;

- Condenar a AT a pagar as custas do presente processo.

IUC - Liquidação do imposto único de circulação

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC (ex-315.º, n.º 2) e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 3.478,36.

CUSTAS

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 612,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 07 de Janeiro de 2016

O Árbitro

 

António Correia Valente

 

 

 

 

 



[1] Veja-se o estudo sobre a matéria, elaborado pelo Prof. Carlos Pestana Barros, in Ciência e Técnica Fiscal, 2005, n.º 416, pp. 105-126